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“Não concebo ir ao cinema se não for pra sair perturbada." (Isabelle Huppert)
"Não vou ao cinema para ser educado, pra aprender o bem." (Eduardo Coutinho)

Últimas opiniões enviadas

  • Adson

    Uma vez um professor disse, com razão, que ler diferentes traduções e adaptações de uma mesma obra é uma boa maneira de assimilar diferentes perspectivas. Desde então sempre procurei fazê-lo. Nem sempre o resultado é satisfatório.

    O grande mérito da tragédia de Sófocles é que embora a estória contenha passagens brutais (bebês com pés perfurados pendidos em árvores à espera da morte, patricídio, incesto, suicídio e o escambau), edulcoram a trama o esmero com a forma, a beleza atemporal do texto e a investigação cuidadosa sobre a inevitabilidade do destino e a necessidade de perscrutar o espírito, em oposição à húbris e à falta de autognose.

    Já nessa livre-adaptação semiautobiográfica do Pasolini, todas as escolhas do diretor exacerbam a barbárie, que se estende, intencionalmente, do aspecto temático ao formal: a esterilidade dos cenários marroquinos, a precariedade dos figurinos, o histrionismo desumano dos atores, a onipotência lancinante da trilha sonora, o chacoalhar da câmara que insiste em lembrar-nos de que estamos vendo um filme, a ênfase no aspecto freudiano da relação incestuosa com a mãe. Há, pontualmente, algo de belo e bastante original aqui, mas escamoteado pela mão pesada do italiano.

    Tivesse assistido a “Edipo re” desavisado, poderia ter me agradado mais, pois ao fim e ao cabo parece um clipe de 1h44 bem artsy-fartsy do Dead Can Dance, mas tal qual o infausto destino do Édipo, que lapidou, ironicamente, a própria desdita, armei contra mim mesmo: depois de ter alçado Accattone ao panteão dos meus filmes favoritos e ser um entusiasta de mitologia grega, criei rios de expectativa e fiz toda uma pré-cerimônia, que envolveu ler a tragédia do Sófocles no dia anterior e saborear algumas pinturas, em especial a icônica "Oedipus and the Sphinx" do mestre Moreau, que possui uma profusão imagética de detalhes e símbolos.

    Aqui, porém, todo o poder do texto do Sófocles se dissipa na busca do Pasolini por uma visão autêntica (pessoal e política) do mito, reduzindo-o a imagens insólitas, rearranjos anistóricos e exageros formais, com algumas escolhas que beiram ao sacrilégio de tão hediondas, como a caracterização precária da Esfinge e o encontro fatídico com Laio na estrada, onde o diretor perverte o mito de forma inexplicável (pobre Citti, tão talentoso, reduzido a um corpo gritante e histérico).

    Espero rever no futuro, sem expectativas, e não se desapontar tanto, ou aceitar algo aparentemente extraordinário: o Pasolini é gente, é falível e pode ter errado a mão.

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  • Adson

    Gostei tão somente do fato de terem trazido a temática do abuso masculino para uma produção mais popular, levando luz para o assunto. Quem tiver curiosidade e estômago, há uma série de vídeos de homens que contam em depoimento como suas vidas foram arruinadas na prisão depois de terem sofrido violência sexual. Toda a questão da irracionalidade do protagonista durante o período traumático é interessante do ponto de vista psicológico e quem já leu Memórias do Subsolo vai identificar vários aspectos do homem do subsolo no comportamento do Donny. Todos.

    A série, infelizmente, é muito irregular, não tem lógica interna, mas o pior é o fato de ser condescendente com o público, como se fôssemos todos abestalhados. Para que a narração explicando tudo o que se passa na cabeça do protagonista? Tudo desmorona após o monólogo no palco, cena mais desconfortável de assistir do que as cenas de abuso – não por ser "cringe” (é “cringe” também), mas por ser desnecessária e indulgente com o público (a gente já sabe o que passa na cabeça dele). Não foi nenhum arroubo catártico, eu só queria que a cena acabasse. Netflix tem dessas.

    Comentário contando partes do filme. Mostrar.

    Também achei frustrante o despertar sexual confuso dele depois do abuso e a cena final redondinha demais, claramente manufaturada, em que ele repete todo o ciclo.

    Como levar a sério tudo que a gente acabou de ver depois desse desfecho?

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  • Adson

    É praticamente inconcebível a ideia de que "Accattone" – uma verdadeira obra-prima pós-realista – seja a obra inaugural do Pasolini no cinema, o que apenas é explicável em virtude de todas as atividades com as quais esse grande artista em formação já estava envolvido: poeta, escritor, arguto observador social, além de ter trabalhado com Fellini nos roteiros de "Le notte di Cabiria" e "La dolce vita". Mas há algo de diferente aqui, uma inovação temática que o diferencia dos seus antecessores neorrealistas e que advinha de seus trabalhos com poesia. Tendo estabelecido uma celebridade de controverso e transgressor, sobretudo por suas veementes críticas à burguesia, ao consumismo capitalista e às contradições da esquerda, um aspecto central de sua obra é frequentemente escamoteado: a dimensão espiritual, o elemento transcendental e sagrado, a figura de Cristo como um pilar moral fulcral e intransponível, a ausência de Deus.

    O fato de que era um profundo admirador do Evangelho, conquanto ateu, homossexual, crítico da Igreja e séquito da obra marxiana, conferia à sua idiossincrática personalidade um aspecto mítico: Pasolini era, portanto, uma quimera, que carregava dentro de si forças e tensões antagônicas. Em uma de suas mais honestas entrevistas, afirmava que sua visão das coisas não era secular ou laica, mas sagrada, milagrosa. Via o Evangelho, em suas palavras, como um grande trabalho intelectual que edificava o pensamento, que preenchia, integrava, regenerava e levava à ação, mas nunca como uma fonte vazia e irrefletida de consolo. Assustava-o que na Itália pós-guerra, e entre os seus, sequer conhecessem o Evangelho (um dos motivos, inclusive, que o fez realizar "Il Vangelo Secondo Matteo").

    "Accattone" conta a história de um cafetão esmagado pela pobreza que tenta, entre pequenos delitos e outros atos imorais, escapar dela. Franco Citti dá vida, com vigor e brutal honestidade, a um dos “ragazzi di vita” do Pasolini.

    Tendo recentemente lido “Crime e Castigo”, “Gente Pobre” e “Recordações da Casa dos Mortos”, do Fiódor Dostoiévski, vi-me traçando paralelos entre a obra do grande escritor russo e essa obra estreante do diretor italiano: as tensões entre o progresso racionalista e a irracionalidade do homem, entre a fé Cristã e a razão, entre a moralidade e a miséria – tudo isso trazendo no seio de suas obras uma preocupação genuína, advinda de suas origens e experiências, com as classes mais desfavorecidas, mostrando toda a sorte de humilhações que a pobreza e a exploração impõem ao indivíduo, esmagando-lhe. Prostitutas, agiotas, cafetões, assassinos, ladrões e mendigos estão no centro de suas estórias. Essa leitura social humanista e cristã é o que afasta, em certa medida, o Dostoiévski do Gógol, do Turguêniev e do socialismo ateu do Belinski. Da mesma forma, é o que afasta Pasolini do Fellini, do Rossellini e da intelligentsia de esquerda comunista e revolucionária, com a qual não raramente digladiava.

    Como não lembrar, então, dos diálogos entre Raskólnikov (o protagonista atormentado de “Crime e Castigo”) e Sônia (a jovem devota e pobre que para livrar a família da penúria se prostitui pelas ruas de São Petersburgo)? Na obra dostoievskiana, é a manifestação do amor ágape, essencialmente Cristão – aquele que se sacrifica incondicionalmente –, num mundo de miséria e desolação, o grande triunfo. No filme, ao assistir a cena em que Stella, após uma tentativa humilhante e desesperada de vender o próprio corpo, cai aos prantos no colo de Accattone, igualmente derrotado e humilhado, sentado às margens da Via Appia Antica, ou quando ela se oferece a voltar para as ruas para que Accattone não se mate de tanto trabalhar, foi-me impossível não lembrar do momento em que o Raskólnikov ajoelha-se perante Sônia, a prostituta, beijando-lhe seus pés porque estava diante do “sofrimento de todo o mundo”.

    Ao assistir a cena em que o filho do Accattone brinca com garrafas no quintal de casa, numa das paupérrimas borgates (favelas) de Roma (que em muito lembram as regiões pobres do Brasil), ou em que o Accattone e seus amigos batalham por um prato de macarrão, como não lembrar da pobreza mortificante dos vizinhos doentes de Makar Diévúchkin e Varvara Alieksiêievna, enfurnados num apartamento pequeno de uma São Petersburgo miserável, em “Gente Pobre”? Da mesma forma, momentos de ternura e riso, mesmo diante de tanta opressão e miséria, como na cena em que Accattone está sentado na calçada com dois ladrões e todos se põem a rir por conta do chulé de um deles, me remeteram aos momentos de camaradagem e candura em “Recordação da Casa dos Mortos”, onde Dostoiévski romanceia os anos que ficou preso na Sibéria. Os paralelos são inúmeros. Que a pena do gigante escritor russo e as lentes do cineasta italiano, nessa continuidade temática, convirjam tão belamente, não deve ser mera coincidência.

    Um dos momentos mais gloriosos, em termos de composição, simbolismo, tema e atuação, de toda a filmografia do Pasolini, certamente é a cena em que Accattone, após uma briga com o irmão de sua ex-mulher, na frente de seu filho e de uma horda de observadores, caminha, imundo e rasgado, ao som de “A Paixão de São Mateus”, do Bach. Poucas vezes vi cena tão desoladora.

    Que Pasolini, em sua irrefreável paixão pela vida e compromisso com sua arte e visão de mundo, tenha alcançado tamanha grandeza em sua primeira empreitada cinematográfica é um testamento inequívoco de sua genialidade.

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  • Mths Gonc
    Mths Gonc

    Oi Adson, tudo certo?

  • Rafael
    Rafael

    Nossa, a notificação foi por minha causa?
    Se sim. Eu curti ou respondi algum comentário seu?

    Agora sobre sua "pergunta". È o universo te dando algum sinal. rs

  • Edkalume
    Edkalume

    Tudo certo, Adson?
    Escrevendo pra saber se você teria interesse de participar de um grupo de whatsapp sobre cinema.
    Se sim, me dá um toque e a gente conversa.

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