Todas as histórias são desprezíveis e confesso que não tenho estômago para manter os olhos na tela durante todo o filme. É nojento, mas cada episódio traz histórias que de fato refletem sobre a vida. O filme pode ser desagradável, mas até que ponto nossos desejos não são assim? Vá em qualquer site pornográfico e verá os fetiches mais repulsivos e que também são os mais populares. Quem nós somos para julgar? O filme mostra de forma maravilhosa já no primeiro episódio como um mesmo objeto é usado para se banhar, para comer, para lavar roupa, para preparar o jantar, para matar, para morrer e para nascer. E até que ponto o primogênito não é de fato um verdadeiro desportista? Quantos atletas também não destroem e deformam o próprio corpo, tentando chegar dois segundos antes? E quantos que não se vangloriam de ter um corpo perfeito, como se o físico compensasse por qualquer falha no caráter? O que o filme nos mostra e nos dá repulsa é a própria vida. Agora, o trabalho da arte é mostrar o feio, o doente e nojento e revelar a beleza onde até então nunca nos demos o trabalho de ver. O trágico está que muitos morrem para que, de fato, possamos admirá-los.
PRECISAMOS FALAR SOBRE Talvez as reações mais esperadas a um filme violento é: primeiro, uma empatia com o sofrimento das vítimas, no caso dos dramas; segundo, um medo ou tensão diante do ato, no caso de thrillers e suspenses e; por último, um desgosto no caso de imagens demasiadas explícitas. Porém, Relatos Selvagens exibe histórias de vingança, assassinato, luta, crime e traição e as transforma em comédias, sem meramente parodiar, caricaturizar ou diminuir cada tragédia. Cada episódio é bastante verossímil, ele parte de pessoas comuns em situações cotidianas - dialogando neste aspecto com crônicas literárias - que, por acaso, recorrem a seu lado mais irracional e agressivo. Cada narrativa têm enorme potencial para se tornar um filme ao estilo Hitchcock, mas a filmagem de Szifrón inspira gargalhadas e não medo. A maior parte da crítica explica o riso diante do filme a partir de uma função catártica da imagem: fetichizamos abraçar nossos desejos selvagens e sentimos prazer quando vemos os personagens superar suas repressões e concretizar suas pulsões de morte.
A final, quem não gostaria de fazer como Pasternak, botar todos seus inimigos em avião e derrubá-lo?
. Eu pessoalmente gosto de outra explicação: há algo de ridículo ao sucumbimos a nossas pulsões, não só por parte dos agressores, mas também das vítimas. As pessoas atacadas no filme são sujeitos arrogantes, presunçosos e que recorrem a uma sobriedade no discurso para evitar responder por suas agressões cotidianas, acusando os violentadores de agir de forma desproporcional. No entanto, nestes momentos de barbaridade, eles também demonstram sua impotência diante da situação e que, mesmo com todos os esforços, simplesmente não conseguem manter o controle depois que o caos já foi instalado.
Isto ocorre sobretudo no final do penúltimo episódio, na qual, depois de mais de vinte minutos de uma longa negociação em que um pai rico “compra” a inocência de seu filho criminoso, todo o plano é desfeito pela machadada irada de outro pai, o da vítima. Ou, ao contrário, apesar de acusar que a destruição à seu carro é loucura, o motorista no segmento "El más fuerte" recorre a uma violência maior quando provocado: assassinar o oponente.
Szifrón consegue romper com uma dicotomia entre vítima e violador e denuncia pelo humor uma sociedade que torna sujeitos impotentes pela desigualdade econômica, pela mercantilização da vida, pela corrupção política e pela burocracia sistêmica. Ele mostra que, neste mundo em que nossa vida é sugada de qualquer singularidade e nossas queixas são silenciadas pela sistema "racional", às vezes é pela violência que podemos conquistar algum reconhecimento como indivíduos. Na perversa sociedade capitalista pós-moderna, onde qualquer ato violento se torna um tabu, Relatos Selvagens parece relembrar que não somos seres racionais e precisamos discutir violência com um olhar mais indagativo e menos condenatório. A final, o filme mostra que todos reservamos um lado selvagem, seja o bem sucedido ou o fracassado, o rico ou o pobre, homem ou mulher, jovem ou idoso, personagem ou espectador...
Estou cansado de vários relembrando que não é um filme de terror genérico. Só precisa dez minutos no Google para entender isso. Deixa de ignorância. Vamos ver A Bruxa como um filme artístico e não uma Premonição 15. Agora, entendido isto, o que mais me surpreende é o esforço sensível do diretor em tentar ser fiel, não à história, mas a forma como os próprios personagens, como às próprias pessoas da época entendiam o mundo. Tomando como base escritos verdadeiros do século XVII, o filme não mostra à nossa interpretação contemporânea dos fatos, mas sim como os colonos viam o mundo. Ele faz isso de inúmeras formas, inclusive na fotografia: em mais de uma vez, há cenas muito escuras, tornando difícil reconhecer o que exatamente é filmado. Me incomodou no começo até que entendi que tem um propósito: respeitar a própria luz da época, como as noites eram iluminadas apenas por velas. O ambiente é extremamente realista neste sentido e o jogo de câmeras tenta muitas vezes respeitar a perspectiva dos personagens: o que vemos é o que as pessoas que estavam naquele cenário veriam, Aqui está o exercício máximo da potência do cinema materializado: mostrar não a realidade, mas o imaginário de sujeitos. Não é necessário ver o Diabo ou um feitiço para acreditarmos que o Diabo existe - recorrendo a efeitos especiais do terror comercial, apenas basta ouvirmos vozes e sentirmos medo para acusarmos que tudo é obra de alguma bruxa. Agora, isto também não quer dizer que o filme é acrítico: a bruxaria foi a justificativa de talvez o maior feminicídio sistemático da história e o diretor seria simplesmente irresponsável se não posicionar sobre isto.
Perceba que Thomasin é a única que se reconhece como pecadora desde o início. Como o pai afirma: "Todos nascemos do pecado e somos marcados por ele", mas ele não assume seu orgulho, assim como a mãe não assume sua descrença, o irmão, sua luxúria e os gêmeos, sua desobediência. Thomasin é a única honesta e que, em suas orações, pede perdão pelos seus pecados na sequência inicial e é exatamente isto que a torna uma bruxa: Não o fato de ser uma pecadora maior que os demais, mas por ser aquela que escolhe conviver com suas falhas ao invés de mergulhar na hipocrisia dos puritanos que, contraditoriamente renegam e relembram constantemente sua existência pecaminosa.
O que a torna uma bruxa não é sua natureza pecadora, mas, justamente, ser a mais cristã de todas./
Um filme simples, sem longos monólogos, sem uma grande trilha sonora, sem jogos de câmera surpreendentes, sem uma conclusão totalmente inesperada. Por isso mesmo é um dos filmes mais bonitos que já vi, chorei no cinema. A sensibilidade, a sutileza, os diálogos vão revitalizar uma discussão antiga, talvez até banal no mundo de hoje, que o que significa ser pai, a ganância contra o amor, o sucesso profissional contra o carinho familiar.
Uma pegada crítica e diferente da Condessa Barthory. A diretora poderia simplesmente rejeitar seus crimes e torná-los invenções de seus opositores, no entanto, ela busca preservar a ambiguidade do episódio medieval, levantando questões sobre o contexto da época, o uso político da história e a ideologia machista por trás do mito da Condessa Sangrenta. Não sou historiador para saber até que ponto o filme é historicamente fiel, mas o admirei por pelo menos levantar mostrar estas reflexões sociais, ao contrário de outros filmes biográficos. Sua deficiencia está, não na verosimilhança, mas na psicologia. Os personagens são muito rasos, sem nenhuma exceção, inclusive o narrador e a protagonista. O que me decepciona porque a perversidade de Barthory é fascinante, mas foi reduzida a apenas uma desilusão amorosa no filme. Alejandra Pizarnik e Santiago Caruso já vão fazer uma representação mais atenta a essa dimensão psíquica do caso de Barthory, no livro a Condessa Sangrenta, com uma bela publicação no Brasil pela Editora Tordsilhas.
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Taxidermia: Histórias Grotescas
3.4 345 Assista AgoraTodas as histórias são desprezíveis e confesso que não tenho estômago para manter os olhos na tela durante todo o filme. É nojento, mas cada episódio traz histórias que de fato refletem sobre a vida. O filme pode ser desagradável, mas até que ponto nossos desejos não são assim? Vá em qualquer site pornográfico e verá os fetiches mais repulsivos e que também são os mais populares. Quem nós somos para julgar? O filme mostra de forma maravilhosa já no primeiro episódio como um mesmo objeto é usado para se banhar, para comer, para lavar roupa, para preparar o jantar, para matar, para morrer e para nascer. E até que ponto o primogênito não é de fato um verdadeiro desportista? Quantos atletas também não destroem e deformam o próprio corpo, tentando chegar dois segundos antes? E quantos que não se vangloriam de ter um corpo perfeito, como se o físico compensasse por qualquer falha no caráter? O que o filme nos mostra e nos dá repulsa é a própria vida. Agora, o trabalho da arte é mostrar o feio, o doente e nojento e revelar a beleza onde até então nunca nos demos o trabalho de ver. O trágico está que muitos morrem para que, de fato, possamos admirá-los.
Relatos Selvagens
4.4 2,9K Assista AgoraPRECISAMOS FALAR SOBRE
Talvez as reações mais esperadas a um filme violento é: primeiro, uma empatia com o sofrimento das vítimas, no caso dos dramas; segundo, um medo ou tensão diante do ato, no caso de thrillers e suspenses e; por último, um desgosto no caso de imagens demasiadas explícitas. Porém, Relatos Selvagens exibe histórias de vingança, assassinato, luta, crime e traição e as transforma em comédias, sem meramente parodiar, caricaturizar ou diminuir cada tragédia. Cada episódio é bastante verossímil, ele parte de pessoas comuns em situações cotidianas - dialogando neste aspecto com crônicas literárias - que, por acaso, recorrem a seu lado mais irracional e agressivo. Cada narrativa têm enorme potencial para se tornar um filme ao estilo Hitchcock, mas a filmagem de Szifrón inspira gargalhadas e não medo.
A maior parte da crítica explica o riso diante do filme a partir de uma função catártica da imagem: fetichizamos abraçar nossos desejos selvagens e sentimos prazer quando vemos os personagens superar suas repressões e concretizar suas pulsões de morte.
A final, quem não gostaria de fazer como Pasternak, botar todos seus inimigos em avião e derrubá-lo?
Eu pessoalmente gosto de outra explicação: há algo de ridículo ao sucumbimos a nossas pulsões, não só por parte dos agressores, mas também das vítimas. As pessoas atacadas no filme são sujeitos arrogantes, presunçosos e que recorrem a uma sobriedade no discurso para evitar responder por suas agressões cotidianas, acusando os violentadores de agir de forma desproporcional. No entanto, nestes momentos de barbaridade, eles também demonstram sua impotência diante da situação e que, mesmo com todos os esforços, simplesmente não conseguem manter o controle depois que o caos já foi instalado.
Isto ocorre sobretudo no final do penúltimo episódio, na qual, depois de mais de vinte minutos de uma longa negociação em que um pai rico “compra” a inocência de seu filho criminoso, todo o plano é desfeito pela machadada irada de outro pai, o da vítima. Ou, ao contrário, apesar de acusar que a destruição à seu carro é loucura, o motorista no segmento "El más fuerte" recorre a uma violência maior quando provocado: assassinar o oponente.
Szifrón consegue romper com uma dicotomia entre vítima e violador e denuncia pelo humor uma sociedade que torna sujeitos impotentes pela desigualdade econômica, pela mercantilização da vida, pela corrupção política e pela burocracia sistêmica. Ele mostra que, neste mundo em que nossa vida é sugada de qualquer singularidade e nossas queixas são silenciadas pela sistema "racional", às vezes é pela violência que podemos conquistar algum reconhecimento como indivíduos.
Na perversa sociedade capitalista pós-moderna, onde qualquer ato violento se torna um tabu, Relatos Selvagens parece relembrar que não somos seres racionais e precisamos discutir violência com um olhar mais indagativo e menos condenatório. A final, o filme mostra que todos reservamos um lado selvagem, seja o bem sucedido ou o fracassado, o rico ou o pobre, homem ou mulher, jovem ou idoso, personagem ou espectador...
A Bruxa
3.6 3,4K Assista AgoraEstou cansado de vários relembrando que não é um filme de terror genérico. Só precisa dez minutos no Google para entender isso. Deixa de ignorância. Vamos ver A Bruxa como um filme artístico e não uma Premonição 15. Agora, entendido isto, o que mais me surpreende é o esforço sensível do diretor em tentar ser fiel, não à história, mas a forma como os próprios personagens, como às próprias pessoas da época entendiam o mundo. Tomando como base escritos verdadeiros do século XVII, o filme não mostra à nossa interpretação contemporânea dos fatos, mas sim como os colonos viam o mundo. Ele faz isso de inúmeras formas, inclusive na fotografia: em mais de uma vez, há cenas muito escuras, tornando difícil reconhecer o que exatamente é filmado. Me incomodou no começo até que entendi que tem um propósito: respeitar a própria luz da época, como as noites eram iluminadas apenas por velas. O ambiente é extremamente realista neste sentido e o jogo de câmeras tenta muitas vezes respeitar a perspectiva dos personagens: o que vemos é o que as pessoas que estavam naquele cenário veriam, Aqui está o exercício máximo da potência do cinema materializado: mostrar não a realidade, mas o imaginário de sujeitos. Não é necessário ver o Diabo ou um feitiço para acreditarmos que o Diabo existe - recorrendo a efeitos especiais do terror comercial, apenas basta ouvirmos vozes e sentirmos medo para acusarmos que tudo é obra de alguma bruxa. Agora, isto também não quer dizer que o filme é acrítico: a bruxaria foi a justificativa de talvez o maior feminicídio sistemático da história e o diretor seria simplesmente irresponsável se não posicionar sobre isto.
Perceba que Thomasin é a única que se reconhece como pecadora desde o início. Como o pai afirma: "Todos nascemos do pecado e somos marcados por ele", mas ele não assume seu orgulho, assim como a mãe não assume sua descrença, o irmão, sua luxúria e os gêmeos, sua desobediência. Thomasin é a única honesta e que, em suas orações, pede perdão pelos seus pecados na sequência inicial e é exatamente isto que a torna uma bruxa: Não o fato de ser uma pecadora maior que os demais, mas por ser aquela que escolhe conviver com suas falhas ao invés de mergulhar na hipocrisia dos puritanos que, contraditoriamente renegam e relembram constantemente sua existência pecaminosa.
A Família Bélier
4.2 437Um HighSchool musical francês e totalmente desrespeitoso à deficientes auditivos.
Pais e Filhos
4.3 212 Assista AgoraUm filme simples, sem longos monólogos, sem uma grande trilha sonora, sem jogos de câmera surpreendentes, sem uma conclusão totalmente inesperada. Por isso mesmo é um dos filmes mais bonitos que já vi, chorei no cinema. A sensibilidade, a sutileza, os diálogos vão revitalizar uma discussão antiga, talvez até banal no mundo de hoje, que o que significa ser pai, a ganância contra o amor, o sucesso profissional contra o carinho familiar.
A Condessa
3.6 104Uma pegada crítica e diferente da Condessa Barthory. A diretora poderia simplesmente rejeitar seus crimes e torná-los invenções de seus opositores, no entanto, ela busca preservar a ambiguidade do episódio medieval, levantando questões sobre o contexto da época, o uso político da história e a ideologia machista por trás do mito da Condessa Sangrenta. Não sou historiador para saber até que ponto o filme é historicamente fiel, mas o admirei por pelo menos levantar mostrar estas reflexões sociais, ao contrário de outros filmes biográficos. Sua deficiencia está, não na verosimilhança, mas na psicologia. Os personagens são muito rasos, sem nenhuma exceção, inclusive o narrador e a protagonista. O que me decepciona porque a perversidade de Barthory é fascinante, mas foi reduzida a apenas uma desilusão amorosa no filme. Alejandra Pizarnik e Santiago Caruso já vão fazer uma representação mais atenta a essa dimensão psíquica do caso de Barthory, no livro a Condessa Sangrenta, com uma bela publicação no Brasil pela Editora Tordsilhas.