Bem além do clássico Ford encarnando Hansolo e do conflito no celeiro Amish ripado de "Violent Saturday", de Richard Fleischer, Peter Weir envolve seu thriller policial com um cuidado notório pelas emoções dos personagens. O clima romântico que permeia Book (Harrison Ford) e Rachel (McGillis) atinge nuances quase insuportáveis de provocação, e o efeito é obtido com respaldo integral do contexto Amish em que convivem, cheio de regras e tradições. Dentre eles, um falso-antagonista (Daniel Hochleitner), que demonstra ciúmes constantes, não à toa, pelo novo membro da casa (interprete como quiser). Mas este nunca chega às vias de fato, nem com violência, nem com ameaças. Cada personagem se insere devidamente em seus contextos. E esse é um forte mérito desse filme. As emoções são muito verdadeiras e intensas. Mais do que a questão policial, o foco de "Witness" é a necessidade de se adaptar a outro contexto. Existe a sociedade, a polícia e dois grupos com regras próprias: os fazendeiros tradicionais cristãos e os corruptos infiltrados. Harrison Ford opta pelo lado bom da força. Como de praxe.
O suprassumo do cringe-watching, "Happiness" é um comentário extremamente irônico e divertido sobre as percepções sociais de felicidade, muitas vezes vinculadas a relacionamentos, como sugere o cartão-título que sucede a desconfortável cena do restaurante. O uso excelente da chamada "contrapuntal music" beira o irritante, mas é realizada exatamente com tal propósito em voga, já que busca realçar o sarcasmo que permeia toda a narrativa. Tal elemento, associado às excelentes atuações de PSH, Dylan Baker, Jane Adams e basicamente todo o restante do elenco (incluindo as crianças, o que é admirável), traz à tona o ponto chave da confusão de sentimentos que caracteriza essa dramedia. Algo Lynchiano permeia a atmosfera desse filme, com situações absurdas pontuadas por planos longos e trilhas destoantes. Nas palavras de Helen, residente de New Jersey: "I'm living in a state of irony". "Happiness" é o estado sólido da ironia.
Lubezki é o diretor de fotografia que diretores como Inarritú e Cuarón buscam por motivos evidentes. A execução primorosamente orquestrada de planos-sequência com lentes de ângulo aberto fascina, pela capacidade do cinema em nos fazer acreditar. A ausência dos cortes retira a edição como elemento direcionador (do olhar), e nos dá soberania para observar o que quisermos na cena. Além disso, ao apresentar este mundo decadente e conturbado, Lubezki reforça a imersão ao dirigir a câmera com aparente curiosidade pelo entorno, com algo dos neorrealistas italianos, a centralidade do personagem é por vezes contraposta pelos devaneios do olho-narrador, que para de segui-lo e vai observar outros desconhecidos. Isso dá uma maior escala da amplitude catastrófica da repressão contra os imigrantes e o caos instaurado pela infertilidade humana. Com essa abertura, para prestarmos atenção na ambientação, podemos ter também uma fruição metanarrativa, com as alusões constantes à obras de arte e figuras da cultura popular; a imensa estátua de Davi, de Michelangelo, a Guernica de Picasso, o inusitado porco voador sobre um skyline industrial, ripado do álbum Animals, de Pink Floyd, e até a referência à Pietá, da mulher com o filho morto na calçada. Arte e cultura, criada por e para humanos, em um mundo prestes a perder seus criadores e fruidores. A humanidade deixa rastros de medo, ódio e tudo o que produziu pra sabe lá quem. "O último a morrer que apague as luzes."
Joon-ho Bong é um diretor fantástico. Mother, Memórias de um Assassino e The Host já mostram a que veio, mas com Snowpiercer se estabelece definitivamente como um dos grandes da atualidade. A construção de um universo distópico mesclada ao uso de paradigmas sociais inventivos é um grande desafio. Bong não só consegue isso, como instaura uma narrativa extremamente amarrada e autoral. O uso das lentes teleobjetivas em "profile shots" torna-se aqui não somente um método de nos gerar dúvidas sobre o personagem, como uma forma de reforçar a lateralidade do filme em si. Temos aqui a transposição de uma pirâmide social, sendo a locomotiva uma tradução da mesma, onde "base" e "topo" tornam se "fundo" e "frente". E partindo daí os planos de perfil são direcionados. Curtis sempre olha pra direita quando segue com o seu motim, enquanto eventualmente precisa olhar pra esquerda quando confrontado por sua humanidade. As escolhas se resumem em direções e a narrativa flui através dessa lateralidade com maestria.
Quando, por fim, Curtis chega ao motor da locomotiva e se depara com uma possível mudança de relação com seu "exército" (a possibilidade de se tornar o novo líder), Curtis muda de direção e encara a esquerda, como se estivesse prestes a mudar sua própria visão. A explosão da locomotiva, gerando uma nova abertura, é também o surgimento de uma nova dimensão. Uma nova possibilidade de escolha, um rompimento com a lateralidade do trem.
Nesse filme, o uso de planos para estabelecer a dominância de personagens em dadas situações e gerar hierarquia entre interlocutores torna essa adaptação do teatro algo de fato cinematográfico. Mas além da linguagem cinematográfica, o "mise-en-scène" estabelece um diálogo fortíssimo com o teatro, veículo do qual Nichols chegou ao cinema. Um belo exemplo disso se dá no momento em que Martha começa a provocar o convidado para enciumar George, e o plano distancia a esposa do convidado, fazendo com que o mesmo e Martha ocupem a maior parte do plano e a esposa do convidado, ao fundo, fique pequena, tornando-a indefesa mediante uma situação de conflito sexual. E simultaneamente, no "mise-en-scène", George senta ao fundo, afastado dos três, que no sofá, estabelecem um triângulo entre si. Polanski, recentemente, tomou para si a excelente fórmula desse filme e construiu algo similar em seu "Carnage" - excelente, por sinal - com o casal Watts e Waltz sendo praticamente um espelho de Burton e Taylor.
Satoshi Kon é praticamente um David Lynch das animações orientais. Não pela carga dramática de seus filmes, mas pela constante exploração do psiquê humano. Ele já havia feito o mesmo de forma excepcional em Paranoia Agent, que debate surrealmente o inconsciente coletivo e a fuga da realidade. Não dá pra assistir um filme da Madhouse, com essa qualidade de animação e a exploração de Kon sem se deixar imergir por completo. Filme fantástico.
"Pierrot le Fou" é Godard na sua faceta iconoclasta, símbolo da "nouvelle vague". Um filme repleto de referências ao cinema americano, mas em caráter de paródia, que incorpora elementos dos "crime films" em um teor descompromissado. Engraçado como Jean-Paul Belmondo e Anna Karina se perpetuaram nesses personagens; vemos aqui o mesmo Belmondo de "À bout de souffle" e a mesma Karina de "Bande à Part", inclusive em um mesmo contexto, de constante fuga da realidade. Aliás, é exatamente o que Godard nos lembra constantemente em seus filmes. Cinema é isso, fuga da realidade.
Não dá pra assistir esse filme sem pensar em "Festen", filme dirigido por Vinterberg segundo os parâmetros do Dogma 95. A temática do abuso infantil foi certamente uma boa estratégia em ambos os casos pra criar o sentimento de revolta,
. Essa revolta lembra também o sentimento inspirado pelo colega de Vinterberg, Lars von Trier, em Dogville. A diferença é que aqui a catarse não se completa com a vingança. Na verdade não há. O que resta é uma leve angústia de compartilhar a verdade com Lucas. Vinterberg, humano e denso.
Discordo de quem achou um filme previsível e babaca. Extremamente "teenage movie", claro, com um roteiro simples, sem dúvida, mas que cumpre a ideia de grandeza e da diversão proposta. Bons filmes são aqueles que conseguem atingir o seu público, e com personagens envolventes, é quase impossível não se imaginar no lugar de alguns deles, como o dono da casa e o quão ferrado ele ficaria quando seus pais vissem o resultado. Eu particularmente não gosto de festas assim, mas admito que me diverti muito assistindo tudo em um lugar seguro. Thumbs up!
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Real: O Plano Por Trás da História
2.9 90Tem que ver se é comédia, né? Se for comédia, excelente filme.
A Testemunha
3.6 142 Assista AgoraBem além do clássico Ford encarnando Hansolo e do conflito no celeiro Amish ripado de "Violent Saturday", de Richard Fleischer, Peter Weir envolve seu thriller policial com um cuidado notório pelas emoções dos personagens. O clima romântico que permeia Book (Harrison Ford) e Rachel (McGillis) atinge nuances quase insuportáveis de provocação, e o efeito é obtido com respaldo integral do contexto Amish em que convivem, cheio de regras e tradições. Dentre eles, um falso-antagonista (Daniel Hochleitner), que demonstra ciúmes constantes, não à toa, pelo novo membro da casa (interprete como quiser). Mas este nunca chega às vias de fato, nem com violência, nem com ameaças. Cada personagem se insere devidamente em seus contextos. E esse é um forte mérito desse filme. As emoções são muito verdadeiras e intensas. Mais do que a questão policial, o foco de "Witness" é a necessidade de se adaptar a outro contexto. Existe a sociedade, a polícia e dois grupos com regras próprias: os fazendeiros tradicionais cristãos e os corruptos infiltrados. Harrison Ford opta pelo lado bom da força. Como de praxe.
A Vida Durante a Guerra
3.3 117Roger Ebert descreveu bem parafraseando Karl Marx: "Primeiro como tragédia, depois como farsa."
Felicidade
4.1 378O suprassumo do cringe-watching, "Happiness" é um comentário extremamente irônico e divertido sobre as percepções sociais de felicidade, muitas vezes vinculadas a relacionamentos, como sugere o cartão-título que sucede a desconfortável cena do restaurante. O uso excelente da chamada "contrapuntal music" beira o irritante, mas é realizada exatamente com tal propósito em voga, já que busca realçar o sarcasmo que permeia toda a narrativa. Tal elemento, associado às excelentes atuações de PSH, Dylan Baker, Jane Adams e basicamente todo o restante do elenco (incluindo as crianças, o que é admirável), traz à tona o ponto chave da confusão de sentimentos que caracteriza essa dramedia. Algo Lynchiano permeia a atmosfera desse filme, com situações absurdas pontuadas por planos longos e trilhas destoantes. Nas palavras de Helen, residente de New Jersey: "I'm living in a state of irony". "Happiness" é o estado sólido da ironia.
Filhos da Esperança
3.9 940 Assista AgoraLubezki é o diretor de fotografia que diretores como Inarritú e Cuarón buscam por motivos evidentes. A execução primorosamente orquestrada de planos-sequência com lentes de ângulo aberto fascina, pela capacidade do cinema em nos fazer acreditar. A ausência dos cortes retira a edição como elemento direcionador (do olhar), e nos dá soberania para observar o que quisermos na cena. Além disso, ao apresentar este mundo decadente e conturbado, Lubezki reforça a imersão ao dirigir a câmera com aparente curiosidade pelo entorno, com algo dos neorrealistas italianos, a centralidade do personagem é por vezes contraposta pelos devaneios do olho-narrador, que para de segui-lo e vai observar outros desconhecidos. Isso dá uma maior escala da amplitude catastrófica da repressão contra os imigrantes e o caos instaurado pela infertilidade humana. Com essa abertura, para prestarmos atenção na ambientação, podemos ter também uma fruição metanarrativa, com as alusões constantes à obras de arte e figuras da cultura popular; a imensa estátua de Davi, de Michelangelo, a Guernica de Picasso, o inusitado porco voador sobre um skyline industrial, ripado do álbum Animals, de Pink Floyd, e até a referência à Pietá, da mulher com o filho morto na calçada. Arte e cultura, criada por e para humanos, em um mundo prestes a perder seus criadores e fruidores. A humanidade deixa rastros de medo, ódio e tudo o que produziu pra sabe lá quem. "O último a morrer que apague as luzes."
Ponte dos Espiões
3.7 694Esse filme reforça essa teoria:
https://www.youtube.com/watch?v=pA7oyv9N690
Expresso do Amanhã
3.5 1,3K Assista grátisJoon-ho Bong é um diretor fantástico. Mother, Memórias de um Assassino e The Host já mostram a que veio, mas com Snowpiercer se estabelece definitivamente como um dos grandes da atualidade. A construção de um universo distópico mesclada ao uso de paradigmas sociais inventivos é um grande desafio. Bong não só consegue isso, como instaura uma narrativa extremamente amarrada e autoral. O uso das lentes teleobjetivas em "profile shots" torna-se aqui não somente um método de nos gerar dúvidas sobre o personagem, como uma forma de reforçar a lateralidade do filme em si. Temos aqui a transposição de uma pirâmide social, sendo a locomotiva uma tradução da mesma, onde "base" e "topo" tornam se "fundo" e "frente". E partindo daí os planos de perfil são direcionados. Curtis sempre olha pra direita quando segue com o seu motim, enquanto eventualmente precisa olhar pra esquerda quando confrontado por sua humanidade. As escolhas se resumem em direções e a narrativa flui através dessa lateralidade com maestria.
Quando, por fim, Curtis chega ao motor da locomotiva e se depara com uma possível mudança de relação com seu "exército" (a possibilidade de se tornar o novo líder), Curtis muda de direção e encara a esquerda, como se estivesse prestes a mudar sua própria visão. A explosão da locomotiva, gerando uma nova abertura, é também o surgimento de uma nova dimensão. Uma nova possibilidade de escolha, um rompimento com a lateralidade do trem.
Quem Tem Medo de Virginia Woolf?
4.3 497 Assista AgoraNesse filme, o uso de planos para estabelecer a dominância de personagens em dadas situações e gerar hierarquia entre interlocutores torna essa adaptação do teatro algo de fato cinematográfico. Mas além da linguagem cinematográfica, o "mise-en-scène" estabelece um diálogo fortíssimo com o teatro, veículo do qual Nichols chegou ao cinema. Um belo exemplo disso se dá no momento em que Martha começa a provocar o convidado para enciumar George, e o plano distancia a esposa do convidado, fazendo com que o mesmo e Martha ocupem a maior parte do plano e a esposa do convidado, ao fundo, fique pequena, tornando-a indefesa mediante uma situação de conflito sexual. E simultaneamente, no "mise-en-scène", George senta ao fundo, afastado dos três, que no sofá, estabelecem um triângulo entre si. Polanski, recentemente, tomou para si a excelente fórmula desse filme e construiu algo similar em seu "Carnage" - excelente, por sinal - com o casal Watts e Waltz sendo praticamente um espelho de Burton e Taylor.
Paprika
4.2 503 Assista AgoraSatoshi Kon é praticamente um David Lynch das animações orientais. Não pela carga dramática de seus filmes, mas pela constante exploração do psiquê humano. Ele já havia feito o mesmo de forma excepcional em Paranoia Agent, que debate surrealmente o inconsciente coletivo e a fuga da realidade. Não dá pra assistir um filme da Madhouse, com essa qualidade de animação e a exploração de Kon sem se deixar imergir por completo. Filme fantástico.
O Demônio das Onze Horas
4.2 430 Assista Agora"Pierrot le Fou" é Godard na sua faceta iconoclasta, símbolo da "nouvelle vague". Um filme repleto de referências ao cinema americano, mas em caráter de paródia, que incorpora elementos dos "crime films" em um teor descompromissado. Engraçado como Jean-Paul Belmondo e Anna Karina se perpetuaram nesses personagens; vemos aqui o mesmo Belmondo de "À bout de souffle" e a mesma Karina de "Bande à Part", inclusive em um mesmo contexto, de constante fuga da realidade. Aliás, é exatamente o que Godard nos lembra constantemente em seus filmes. Cinema é isso, fuga da realidade.
A Caça
4.2 2,0K Assista AgoraNão dá pra assistir esse filme sem pensar em "Festen", filme dirigido por Vinterberg segundo os parâmetros do Dogma 95. A temática do abuso infantil foi certamente uma boa estratégia em ambos os casos pra criar o sentimento de revolta,
só que aqui, por ser uma acusação falsa
Projeto X: Uma Festa Fora de Controle
3.5 2,2K Assista AgoraDiscordo de quem achou um filme previsível e babaca. Extremamente "teenage movie", claro, com um roteiro simples, sem dúvida, mas que cumpre a ideia de grandeza e da diversão proposta. Bons filmes são aqueles que conseguem atingir o seu público, e com personagens envolventes, é quase impossível não se imaginar no lugar de alguns deles, como o dono da casa e o quão ferrado ele ficaria quando seus pais vissem o resultado. Eu particularmente não gosto de festas assim, mas admito que me diverti muito assistindo tudo em um lugar seguro. Thumbs up!