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O rigoroso inverno que perpassa todo o filme é uma metáfora para a frieza e o silêncio humano perante as relações sentimentais dos personagens, que não dizem ou não querem dizer o que verdadeiramente sentem e usando de reticências em suas palavras, deixa em seu interior os sentimentos digladiarem como o fogo das chaminés e velas observadas quase que obsessivamente pelos personagens no filme, lembrança de que naquele mundo sem moral à seres humanos carentes de calor. Ao mesmo tempo essas duas metáforas são admoestações do que está por vir na narrativa, pois em seu fim a tragédia é fria como os corpos dos personagens mortos que então sem vida, não tem como queimar ou se digladiarem em seu interior: primeiro a morte daquela que se maculou pelo sexo e dinheiro, depois a morte daquele que era puro e também de seu total oposto, demonstrando assim que mesmo no calor da combustão da alma, o frio fala mais alto e então a morte nos igualará para sempre, como se tivéssemos fartos de óleo em um candeeiro novo que não acende ou nunca se acenderá para iluminar e aquecer no inverno, pois nos encontramos consumidos por dentro desta ventania invernal que assopra as faíscas de nossas almas.

Em o retrato da senhora Yuki, Mizoguchi faz um comentário sútil sobre o Japão pós-guerra, um país divido entre seu passado feudal-imperialista e a presente ilha moderna influenciada pelo capitalismo exportado da América, simbolizando esse novo e velho Japão na casa luxuosa construída com toda a pompa do antigo regime chamada de Tami, de propriedade da protagonista uma ex-nobre que recebe a noticia da morte de seu pai também ex-nobre, que perderá todos os seus bens, além daqueles já desapropriados pelo governo, sobrando apenas a casa onde mora. Yuki casada em um contrato nos modos do feudalismo, vive uma relação infeliz e subserviente no que tange ao sexo, decidindo então por influência de seus empregados torna-se independente fazendo de sua única propriedade uma pousada, para então pedir o divórcio, mas seu marido decide dar a administração da agora pousada a amante, uma cantora de cabaré que logo lhe passa a perna junto com seu cúmplice que se passava por seu amigo. Tendo esse núcleo como parte da observação, o filme retrata o regime capitalista imposto forçadamente pelos americanos aos japoneses por modo de sua dizimada economia após perder a guerra, que visa afastar qualquer lembrança do feudalismo do governo imperial que os atacou, a partir do lucro a qualquer preço, prometendo ascensão social e posses, demostrando a decadência não só do Japão do império do sol mas dá classe pertencente da protagonista simbolizado por seu casamento abusivo, arranjado nos modos patriarcais do antigo regime, no qual a personagem se vê presa não só emocionalmente mas também moralmente, mesmo que no contexto em que a película é filmada o Japão seja cada vez mais liberal no que tange as mulheres podendo até trabalhar, Yuki representa um país em conflito intenso com duas tradições e costumes e o secularismo que vem do ocidente, no qual o filme sempre filma como uma interrogação entre o progresso e a decadência. Seu marido no filme assim como seu pai, contrai dívidas e se vê apenas com a "promessa" de assistência daqueles que lhe aplicaram o golpe, alusão ao tratamento dado do governo a classes nobres do país, tudo isso levando a consequências trágicas e irremediáveis ao núcleo principal, onde as mudanças drásticas e impostas a sociedade nipônica pós-guerra ainda causa feridas abertas aos derrotados.