A versão de James Gunn traz em sua gênese uma violência burra e cômica.
O filme possui quebras de expectativas absurdas, brincando, de forma violenta, com o valor da vida dos personagens. Uma violência exercida de forma tosca (no bom sentido), atrelando com um aspecto cômico absurdo, de humor negro extremamente pesado, brincando a todo momento com o expectador de uma forma genial, original e visceral, com uma estrutura similar a filmes como Pulp Fiction e Bastardos Inglórios.
Tudo é ridículo, tosco, brega e caricato, mas mesmo assim consegue produzir pontos dramáticos muito potentes. Quero destacar aqui um que acontece com o personagem Pacificar no terceiro ato do filme.
A avacalhação é tanta, que o filme traz consigo um vilão ridículo, o Starro, uma estrela do mar gigante, que pra quem não sabe foi o primeiro vilão da liga da justiça, mas que nessa versão se encaixa perfeitamente.
É interessante se atentar a primeira cena. Nos primeiros minutos já é possível notar a dinâmica de quebra de expectativa que segue o filme todo que mais parece um anti-filme de super-herói, que ainda de quebra, faz uma crítica incrível ao intervencionismo americano.
Provavelmente em algum momento vou escrever algo mais aprofundado sobre esse filme. No momento vou tecer alguns comentários simples.
Eu simplesmente adorei o filme. É incrível. Nutri um grande sentimento de angústia ao ver o desenrolar da drama.
A sensação é muito diferente de "Três Homens em Conflito" ou "Era uma Vez no oeste". Nesses filmes, quando eu acaba de assisti-lo, sentia um desejo inconsciente de ser um cowboy. Estar nesse mundo e de certa forma ter a potência desses protagonistas, mas o que acontece com "Rastros de Ódio" é completamente o oposto. O meu pensamento mais frequente foi "Eu não quero estar nesse lugar, eu não quero ser Ethan Edwards ou Martin Pawley". Isso por que a atmosfera do filme, ou melhor, o universo do velho oeste apresentado nessa obra é terrível. Completamente horripilante. Não apenas por causa das dificuldades de sobrevivência, pela morte, pelo assassinato, mas sim pela forma de morrer. Os antagonistas não se contentam em matar. Existe uma brutalidade nesse ato e mais especificamente uma brutalidade sexual, que se potencializa com o silêncio, pois nunca é dito em palavras. Nunca é dito, "Elas foram estupradas", porque isso é terrível demais para os personagens e para as pessoas que estão assistindo. E não apenas isso! Ainda existe a ideia de que talvez a vingança nunca venha. Talvez nunca seja possível fazer justiça.
Eu esperava que o filme fosse mais racista, pelo que ouvia das pessoas, mas não sei se é necessariamente ruim os indígenas serem os vilões da história, tendo em conta que o protagonista é um cowboy que teve a família brutalmente morte. Um homem carente de história. Para nós, do mundo contemporâneo, enxergar as coisas como "Os índios foram exterminados" é fácil, pois temos o auxilio da história, mas talvez para um homem comum, vivendo no meio do nada, essa perspectiva é impossível. Tudo que ele tem é sua família e sua terra e os certos antagonistas que espreitam e fazem crueldades terríveis. Qualquer um naquele posição faria o mesmo.
Enfim, é um filme incrível e todos deveriam assistir. (Desculpa se escrevi algo errado. Escrevi de uma vez e não estou com vontade de revisar)
Gostei bastante. Zatoichi é um personagem bem carismático e com uma moral bem incorrutível. O filme acaba de uma forma bem angustiante e pessimista, vamos ver o que vai acontecer nas continuações.
Tatsuya Nakadai interpreta o Samurai mais perturbado que eu já vi na minha vida. Vale muito a pena assistir, com certeza esse entra pro meu top 5 de filmes de Samurai. O filme possui uma atmosfera "infernal", de ruína, assim como o "Doom" presente no titulo.
Um filme simplesmente incrível, praticamente perfeito! Espero falar muito dessa obra futuramente. Com certeza vai pra minha lista de filmes favoritos! As sensações que senti foram extremamente intensas, me surpreendi violentamente pelo avançar de cada elemento narrativo. É um filme fenomenal e Tatsuya Nakadai se encaixa brilhantemente no papel. Recomendo a todos!
Nos momentos de comédia esse filme é excelente, mas em todo os resto é completamente terrível. Muito diferente do que eu lembrava, mas mesmo assim vale a pena assistir.
“North by Northwest” é um filme de 1959 dirigido por Alfred Hitchcock
Assistindo ao filme uma frase me me veio em mente: “Quanto mais ele se aproxima da verdade, mais ele se aproxima da mentira”
“North by Northwest” é um filme intrigante, que te priva de diversas informações importantes e só as revela quando acha necessário, então somos feitos de refém, assim como nosso protagonista Roger O. Thornhill, aliás, é isso que justamente dá início a história.
Thornhill é um executivo de publicidade que é sequestrado em um restaurante por homens que o confundem com um agente secreto chamado George Kaplan.
Os sequestradores tentam assassiná-lo, mas Thornhill consegue escapar por pura sagacidade (ou por pura sorte).
A partir desse momento Thornhill entra em uma jornada para tentar desvendar o que esses misteriosos acontecimentos significam.
O filme se torna uma “bagunça”, no bom sentido é claro. É como se Thornhill tivesse sido jogado em uma estrada de vidro, muito sensível, que vai se quebrando a cada passo que ele dá, ou como uma areia movediça, quanto mais ele se mexe, mais o universo de “North By Northwest” vai apresentando novos conceitos, novos problemas, novos mistérios e essa sensação é mantida até os momentos finais do filme.
O filme toma várias direções e é por isso que eu gosto muito do título em inglês “North By Northwest”, acho que a tradução seria mais ou menos “Norte à Noroeste”. É justamente interessante porque indica uma direção, que não é o bastante, então indica uma outra direção.
É como se fosse uma sugestão de indicação para Thornhill, como se ele pergunta-se: “Pra onde ir?” e alguém responde-se “Vá pro Norte, mas não simplesmente pro Norte, vá para norte e depois um pouco mais a noroeste”. O nome em português é em teoria um spoiler do filme, sendo que a característica principal dele não é seu conteúdo, mas a maneira como ele se esquiva de seu conteúdo, é um filme sobre falta de direção.
A todo momento o filme brinca com esse aspecto de direção, seja no início do filme, no motion com linhas que vão se encontrando, ao final, com o trem em movimento entrando em um túnel.
A trilha sonora é muito boa, ela trás uma sensação de aglomeração de coisas intrigantes. Isso é realmente subjetivo, mas se pensarmos na Música Tema, temos um momento de “alta confusão”, que ilustra esse excesso de informações, excesso de direções e acontecimentos.
Por fim, quero falar de algo que realmente me atraiu em diversas cenas. Algo que eu nomeie de “gestos visuais”. Algo que acontece em diversos momentos. Gestos com excelência de imagem, algo que você precisa assistir para entender.
Como na cena em que ele se encontra com Lester Townsend, apresenta um foto, Lester é esfaqueado pelas costas, Thornhill pega a faca, segura o corpo como se ele tivesse usado a faca, um fotógrafo que estava atrás calmamente se vira e tira uma foto. É uma sincronia quase coreografada. Você entende o peso da situação em poucos segundos.
Isso acontece na cena que Thornhill consegue escapar de seus sequestradores mesmo estando embriagado, bem no momento que ele nota o que está acontecendo, olha ao redor, vê o sequestrador, o derruba do carro, toma controle, chega no precipício, enfim, não sei se expliquei direito essa parte. Talvez esse assunto necessite de uma investigação mais aprofundada.
OTOSHIANA é um filme de 1962 dirigido por Hiroshi Teshigahara, o mesmo diretor do filme “A mulher da areia”
Não sei qual é a tradução exata de Otoshiana, mas o título brasileiro é muito interessante: A armadilha. Acredito que essa ideia esteja muito presente na obra de Hiroshi (apesar de ter assistido apenas dois filmes dele). Essa ideia de que o personagem é capturado, encarcerado em uma situação completamente angustiante, do qual ele se vê sem saída, mesmo tentando ao máximo se livrar dessa situação
Esse filme (e A mulher da areia) me lembram muito o filme The Lighthouse de Robert Eggers, tanto na atmosfera, quanto na estética.
Otoshiana se passa no Japão, não sei em qual período exatamente, talvez anos 40/50. Temos como protagonista um minerador extremamente pobre, que possui um filho.
Esse minerador está em busca de emprego, enquanto tenta se esconder do governo, pois é dito que ele é um desertor. Não é dito que guerra exatamente ele fugiu, talvez a segunda guerra mundial? Não tenho certeza.
Uma coisa bem presente no enredo no filme é algo que posso chamar de “Expansão da realidade”.
Existe uma expansão de universo, através de vários plot twists que apresentam novos elementos ao mundo que estamos assistindo.
Não sei se é necessariamente um plot twist, podemos chamar de revelações sobre o mundo do filme, como se ele fosse maior do que supomos que ele era.
A princípio parece que o filme vai se tratar da condição dos mineiros naquele período. Temos até uma sequência muito interessante de imagens reais de acidentes em minas. Essa sequência tem uma montagem bem documental.
Mas logo depois, sem entrar em muitos detalhes, o protagonista começa a ser perseguido por um homem misterioso, que está vestido um terno branco. Esse homem misterioso acaba assassinando o protagonista, que minutos depois se transforma em um fantasma.
Isso é uma expansão. Até aquele momento não sabíamos que fantasmas existiam no universo do filme e agora percebemos que sim.
O filme possui uma atmosfera sinistra e isso acontece por alguns motivos que vou citar agora.
Primeiro começamos com a trilha sonora ou com o aspecto sonoro do filme.
O filme começa com os personagens fugindo de alguma coisa ou lugar. Tudo está em silêncio, mas repentinamente ouvimos sons tenebrosos. Não consigo identificar o que seriam esses sons, mas são bem desconfortáveis. Dão medo.
Esses sons vão aparecendo no decorrer do filme, junto com outras vibrações e trilhas de suspense.
Outro motivo que gera angústia está relacionado ao enredo do filme.
Existe uma atmosfera de perseguição nos primeiros minutos. Alguém ou alguma coisa que espia os personagens, que os persegue.
Depois temos o personagem preso em uma situação terrível. Muito desconfortável e torcemos para que ele saia dela, mas no final do filme isso não acontece. Não há uma grande conclusão. E essa falta de resposta gera uma angústia tremenda.
Um pouco mais acima eu comentei sobre a sequência documental sobre os acidentes em minas. Quero voltar a ela para falar sobre a montagem do filme, que é bem dinâmica, cheia de jump cuts e outros artifícios, usados até para representar os aspectos sobrenaturais dentro do filme.
OTOSHIANA é um filme angustiante e absurdo, que apresenta um universo que vai se expandindo no decorrer da narrativa e no final não dá respostas sobre seus mistérios, criando um mal-estar no expectador, muito similar aos sentimentos sentidos pelos personagens presentes na história.
PROBLEMAS COM A NATUREZA é um filme de 2020, dirigido por Illum Jacobi, estrelado por Antony Langdon e que faz parte da mostra internacional de cinema de São Paulo
O filme se passa no ano de 1769 e temos como protagonista Edmund Burke, um filósofo inglês, que de maneira repentina, decidi viajar para França com o objetivo de visitar o Alpes, para então ter um “encontro com o Sublime”, conceito esse que Burke é obcecado.
Consigo, Burke leva uma empregada chamada Awak, interpretada pela Nathalia Acevedo
Talvez não seja de conhecimento geral, eu pelo menos não sabia disso, mas Edmund Burke realmente existiu. Esse fato não tem relevância no filme, visto que a versão de Antony é completamente extravagante e toma todas as liberdade possíveis para desconstruir a imagem do verdadeiro Edmund Burke, que poderia ser visto como um homem nobre, culto, grandioso, ao ponto de até ter uma estátua em sua homenagem nos Estados Unidos.
Vou abordar essa questão da personalidade extravagante de Burke um pouco mais a frente, mas de forma rápida, o que quero dizer é que é comum retratarmos personalidades, como filósofos, escritores, políticas do passado de forma muito positivo, como se eles tivessem alguma glória, mas se pararmos pra pensar e analisar um pouco mais o contexto, vamos perceber que eles se beneficiam de sistemas que eram nocivos à outras pessoas, como na relação de classe e escravidão.
Edmund Burke possui uma forma bem específica de pensar, que eu acredito estar relacionada ao romantismo. Eu não tenho um conhecimento tão sólido sobre isso, então é apenas um chute. Burke é cheio de ideias subjetivas, desconexas com o mundo real. Ele passa o filme todo lendo frases de um livro (acredito que seja de sua autoria, mas não tenho certeza) sobre a natureza. Enaltecendo-a, de forma exageradamente romântica. Burke fala sobre o Sublime, uma sensação que ele descreve como magnifica, como algo que o move na vida.
PROBLEMAS COM A NATUREZA possui um ar cômica, mas bem sútil. O humor vêm através de dois pontos.
O primeiro ponto é o artifício da câmera na mão, que dá ao filme, uma pegada meio documental, atrelado com alguns jump cuts que fortalecem essa ideia. Como se estivéssemos vendo uma série como THE OFFICE ou MODERN FAMILY, mas sem o artifício do zoom.
Essa maneira de tratar a câmera quebra um pouco o teor nobre que o filme teria, como em filmes como BARRY LYNDON ou AMADEUS.
O segundo ponto, e provavelmente o principal responsável pela comédia, é a atuação de Antony Langdon.
Antony dá uma roupagem extremamente caricata à Edmund Burke, que é tratado como um homem mimado, rude, arrogante, desprezível, e acima de tudo: patético. Ele se preenche dos elementos da nobreza para esconder o quão inferior ele é. O quanto não tem autonomia para absolutamente nada.
Em sua viagem, vemos que Burke age de forma extremamente rude com Awak. Faz questão de deixar claro a relação entre senhor e servo que existe entre os dois. Esse é mais um elemento que tira a suposta nobreza que o personagem teria, pois é bem desconfortável ver ele destratando a moça.
Ao longo do filme fiquei me perguntando qual era o sentido em mostrar essa moça sendo humilhada em diversos momentos. Depois de muito pensar cheguei a uma espécie de conclusão. Para chegarmos nesse pensamentos precisamos explorar a personagem.
A moça é um empregada, sem muitas pretensões. Simples por assim dizer. Pelo menos é isso que ela é apresentada no filme. Ela não quer glória ou nobreza. Não está em busca de uma experiência transcendental, só está ali para fazer seu trabalho que é cuidar de Edmund.
Em contrapartida, em diversos momentos do filme é mostrado a conexão que ela consegue ter com a natureza e isso é muito sútil. Algo que gostei muito.
*SPOILERS* Em um momento ela se sente segura para tomar banho nua em uma cachoeira, ela colhe cogumelos, fica fascinada por um servo, consegue se masturbar enquanto acaricia o musgo presos sobre as rochas.
Sobre essa último ação, acontece um momento interessante, quando Edmund avista a garota em seu momento íntimo e nota o que ela faz com a planta. Edmund tenta copiar o gesto, mas mostra-se estéril nesse sentido. Não consegue entender o que teria de instigante nesse simples pedaço de planta.
O problema que Edmund estabelece com a natureza está relacionado ao controle. Burker não consegue controlá-la, não consegue moldá-la.
*SPOILERS* Isso fica mais evidente quando no final do filme, Awak o abandona, mesmo depois de ter ido tão longe com ele.
Por mais que a natureza se oferece de certa forma a Edmund, ele a recusa, pois ele só deseja ter contato com ela a partir da perspectiva de senhor e servo. E Edmund teme toda relação que desestabilize essa dinâmica.
O personagem nós diz:
Esse é o problema com a natureza… Ela é tão insistente!
Ou seja, tão insistente em se render aos caprichos de Edmund. A natureza é seja, selvagem. Algo que o ser humano não pode controlar.
Edmund não consegue acessar o sublime através da natureza, porque ele acaba percebendo que a odeia e que a tem
No filme temos uma cena onde Edmund vê um homem morto e simplesmente fica paralisado. A morte é um fenômeno comum na natureza, mas isso espanta Bunker. A morte talvez seja um caminho para o sublime, mas isso também espanta Bunker.
No final, Edmund sobre até os alpes e não encontra o Sublime, enquanto sua criada finalmente o abandona. Frustrado, ele se desfaz de sua peruca, vira seu casaco do avesso e vai para outro destino.
O enquadramento final é uma clara e direta referência a pintura “Caminhante sobre o mar de névoa” de Caspar David Friedrich, que é comumente associada ao movimento romântico (me corrijam se eu estiver errado) E o que Edmund faz ao se deparar com o símbolo máximo do romantismo? Ele urina sobre ele, por fim, selando seu desprezo pela natureza.
PROBLEMAS COM A NATUREZA é um filme sobre um personagem arrogante, egocêntrico e patético, que tenta encontrar o sublime a partir de uma experiência com a natureza, só que ele acaba se deparando com algo que está muito além de seu alcance. A natureza é insistente e não se dobra às vontades de Edmund Burke que não é capaz, nem por um momento, de se render aos convites que ela propõe, levando-o à uma jornada cômica, constrangedora e romântica.
CASA DE ANTIGUIDADES é um filme brasileiro de 2020 dirigido por João Paulo Miranda Maria, e estrelado pelo ator Antonio Pitanga
O filme conta a história de Cristovam, um homem negro que tem por volta de 80 anos e vive no sul do Brasil, aonde trabalha em uma moderna fábrica de laticínios.
A narrativa nos introduz à um mundo que é alienígena ao protagonista. Mundo esse que discrimina, oprime e rebaixa Cristovam em vários momentos.
Aos poucos o filme vai incluindo elementos folclóricos e fantásticos à história. Tudo a partir de uma casa abandonada, da qual Cristovam vai descobrindo itens que fazem referência direta a sua história biográfica e a sua cultura.
Em um primeiro momento sentimos que existe uma separação entre esse dois mundos. A casa, que é mágica, e a rotina de Cristovam, que é pautada em temas socioculturais e políticos.
Só que em determinado ponto do filme, esses dois mundos acabam se encontrando de uma maneira chocante e surpreendente.
Isso me fez lembrar de um filme do Woody Allen chamado “Alice”, onde presenciamos fenômenos sobrenaturais sem explicação, que parecem acontecer apenas na cabeça dos personagens, mas que em certo momento exerce uma influência no mundo real, mudando a vida da personagem.
A partir daí, Cristovam passa por processos de metamorfose.
As transformações seguem o padrão de imagens que Cristovam encontra dentro de uma das paredes da casa abandonada. A primeira imagem é uma pichação de cunho racista, que resumo a situação que o protagonista enfrenta nesse ambiente hostil. Ao raspar a parede para retirar a mensagem, Cristovam descobre um cartaz de um cowboy e em seguida aparece usando uma longa capa e um chapéu de couro, muito parecido com o personagem Antônio das Mortes dos filmes do Glauber Rocha. Por fim, a metamorfose final acontece quando ele encontra uma máscara de um boi negro e acaba se tornando, por um curto período, um boi.
O filme possui diversas mensagens implícitas, detalhes a serem investigados, alegorias e metáforas.
Um artifício recorrente usado pelo diretor do filme, é o uso do zoom, onde a câmera vai se aproximando vagarosamente até o assunto principal. Isso cria uma atmosfera de tensão, alinhado com uma trilha sonora de suspense.
CASA DAS ANTIGUIDADES é um filme folclórico sobre temas que são caros ao brasil: preconceito racial, questões de gênero, questão de classe e entreguismo. Só que em vez de usar o artifício do realismo para falar sobre esses temas, João Paulo investe na mistura do fantástico com uma atmosfera de suspense, onde o impossível se choque com o árduo cotidiano do protagonista, criando consequências reais ao mundo de Cristovam e ao mundo de seus algozes.
O HOMEM QUE AMAVA AS MULHERES é um filme de 1977 dirigido por François Truffaut.
O filme conta a história de Bertrand Morane, um homem que é obcecado por mulheres. Mais precisamente por uma espécie de jogo envolvendo mulheres.
“O jogo de Bertrand” se define por alguns passos. Primeiro pelo visual. Em diversos momentos do filme é expressado que Bertrand ama observar as mulheres e principalmente suas pernas. Não importa o lugar ou a hora. Bertrand sempre vai estar observando as mulheres em sua volta.
Depois do olhar, Bertrand vai para o próximo passo que é abordar essa mulher, sem se importar com consequências morais, ele faz de tudo para entrar em contato com essas mulheres, depois ele corteja, flerta, se relaciona e leva para cama essas mulheres e depois se desfaz delas, como se não fosse nada.
Esse é o jogo de Bertrand e é isso que dá sentido a sua vida. Com algumas mulheres ele acaba se relacionado por mais tempo, por mais de uma noite, mas no geral é assim que Bertrand leva sua vida.
Vou entrar em mais detalhes da história um pouco mais a frente. Agora pretendo falar de algo que todos vão acabar esbarrando ao assistir o filme. Estou falando da questão do politicamente incorreto do filme, que tem um fator muito importante.
Em resumo, as atitudes de Bertrand são completamente reprováveis. Logo na primeira cena em que vemos Bertrand, ele faz coisas horríveis em prol de seu “jogo” com as mulheres.
Bertrand está em uma loja e avista uma mulher, da qual fica encantado. Ela sai, Bertrand a segue. A moça entra em um carro e vai embora. Bertrand rapidamente pega papel e caneta e anota a placa da moça.
Em seguida, Bertrand bate o próprio carro em um poste e aciona o seguro, alegando que o carro da placa que ele anotou foi o responsável pelo acidente. Tudo para conseguir um encontro com a moça que ele viu por apenas um momento.
Toda essa sequência é assustadora, Bertrand é um verdadeiro perseguidor, que mente e trama apenas para conseguir abordar uma moça.
A objetificação é algo fundamento no desejo de Bertrand. No começo do filme ficamos sabendo que ele ama as pernas das mulheres, principalmente quando estão em movimento, quando estão andando pela rua.
Depois que o ciclo do jogo está completo, Bertrand passa por um processo de desapego e abandono completo. Não exatamente com todas, ele ainda se relaciona com algumas por mais tempo, mas na maioria dos casos existe uma rápida fuga. Bertrand precisa ir embora. É um abandono que também vem com a mentira. Em certo momento ele relembra de uma moça da qual ele mentiu, mostrou que queria fazer parte da vida da moça, mas estava mentindo.
Agora que já falamos sobre Bertrand, vamos falar de outro ponto, que é quando o filme se torna metalinguístico e autoconsciente e isso faz toda diferença na nossa interpretação sobre ele.
Ao assistir ao filme eu me senti extremamente incomodado com as atitudes do Bertrand, mas fiquei com um pensamento em mente: “Ah, mas isso é o personagem, não o filme. Devemos separar essas duas coisas”, mas nesse filme não há necessariamente essa separação, pois o filme faz uso de diversas linguagens para dar voz ao personagem e para vermos através de seus olhos. Temos o uso de voz off, flashbacks estilísticos, dupla exposição. Vemos a objetificação não apenas em suas palavras, mas visualmente, temos planos das pernas, da bunda, de seios, tudo em POV (ponto de vista), então é muito difícil criar essa separação entre o personagem e o filme.
O filme de certa forma te obriga a assumir uma posição sobre ele.
Já falamos sobre como o filme te força a ter uma certa opinião sobre ele. Agora podemos falar de uma certa virada que acontece bem calmamente.
Depois de um estranho encontro com uma mulher, Bertrand tem a idéia de escrever um livro sobre suas experiências e vivências com as mulheres. É dessa forma que os voz offs acontecem. O personagem vai narrando o que escreve.
O personagem vai escrevendo o livro no decorrer do filme.
Nesse meio tempo Bertrand vai levando os capítulos finalizados para uma datilografada formatar seu material. Isso é necessário pois nessa época não existiam computadores e muita das vezes os escritores apenas escreviam e o texto acabava por ficar mal formatado.
Só que em dado momento acontece algo curioso, a moça se recusa a revisar o material de Bertrand, se diz incomodada com o conteúdo dos capítulos.
É aqui que acontece a virada metalinguística. O mais impressionante é que as opiniões que a moça possui, são as mesmas que cultivei no decorrer do filme.
Bertrand volta para casa e se sente triste por esse feedback. Ele começa a refletir sobre seu livro.
É importante frisar que o livro é uma clara simbolização do próprio filme, pois o que está escrito no livro é exatamente o que vemos no filme. Logo toda crítica, comentário ou reflexão sobre o livro, é uma crítica, comentário e reflexão sobre o próprio filme que estamos assistindo.
Isso revela a humildade de obra. O filme não sabe o que é, por isso se questiona.
Bertrand se pergunta: “Como eu deveria escrever isso? Como falar sobre mim? Como outros fizeram antes?”. Vale até a pena revisar algumas falas do personagem:
Percebo que não há regras, que cada livro é diferente e exprime a personalidade do seu autor. Cada página, cada frase de qualquer escritor pertence só a ele.(..) Sua escritura é tão pessoal quanto sua impressão digital”
Podemos também voltar à algo extremamente interessante que acontece no começo do filme. Por um breve momento, vemos François Truffaut, que está com uma roupa muito semelhante a do protagonista. Truffaut nunca mais volta a aparecer no filme. Seria isso uma espécie de dica sobre o fator metalinguístico do filme?
Mesmo depois da crítica ruim que recebeu, Bertrand decide enviar o livro para 4 editoras, três rejeitam. Acompanhamos a decisão da quarta. Vemos uma reunião sobre o livro, a maioria dos editores são contra a idéia da publicação. Novamente aqui me identifiquei com as opiniões negativas deles. Um deles comenta: “A parte que mais me interessei foi quando ele fala de seu passado e de sua mãe, mas essa parte é tão curta”, bizarro! Pois pensei exatamente o mesmo.
A partir desse ponto, o filme entra em uma onda de auto-análise. Pessoas comentam sobre o livro, e inevitavelmente do filme.
Uma das editoras defende do livro. Insiste que ele precisa ser publicado e consegue convencer os editores a publicarem o livro.
Quando Bertrand se encontra com a editora, a evidência final da metalinguagem é exibida. O título que Bertrand deu ao livro era “O Garanhão”, a editora sugere outro: “O Homem que amava as mulheres”. O nome do livro é o nome do filme.
Essa parte do filme me encantou mais. Truffaut está consciente de seu filme. Está consciente das atitudes de Bertrand. Truffaut pretende apenas tecer um pensamento. Uma tentativa. Um ensaio.
Há uma um diálogo excelente entre a editora e Bertrand. A editora diz:
Sabe como eu vejo o seu livro? Como um testemunho do que foram as relações entre homem e mulher no século XX. Você percebe como tudo isso está mudando?
O HOMEM QUE AMAVA AS MULHERES é um filme politicamente incorreto sobre a subjetividade de Bertrand Morane e sua relação com as mulheres. A obra te provoca a ter uma opinião sobre o protagonista, tudo para se transformar em outra coisa, em um questionamento, em um dúvida, em um ensaio sobre si mesmo e sobre Bertrand.
Ohayo é um filme de 1959 dirigido pelo Yasujiro Ozu
A história se passa no Japão nos anos 50, em uma pequena comunidade, onde podemos estabelecer duas linhas de histórias que às vezes andam separadas e às vezes se encontram em determinados momentos do filme.
A primeira linha narrativa, gira em torno de dois irmão, Minoru e Isamu, que estão obcecados com a idéia de ter uma televisão. Eles, assim como todas as crianças da comunidade, furam seus compromissos e desobedecem seus pais para assistir televisão na casa de um dos vizinhos, um casal, que é muito mal falado entre as mulheres da comunidade.
Aqui entramos na segunda linha da história que se dá a partir de intrigas e fofocas entre as donas de casa da comunidade, que vão criando pseudoproblemas, a partir de erros comunicação entre elas.
Essas são as premissas básicas que dão início ao filme.
O primeiro ponto interessante está relacionado ao agente estrangeiro, quase alienígena, que a televisão exerce nesse filme. Existe o desejo da nova geração por esse aparato tecnológico, do qual causa medo nos mais velhos. Esse medo é o de um possível emburrecimento das crianças.
É possível criar uma analogia com outros tempos e outras tecnologias. No meu caso, eu consigo me identificar com os personagens na minha empolgação com a chegada dos computadores. Me lembro até hoje como foi empolgante mexer em um computador pela primeira vez (eu desenhei um cachorro quadrado no paint), e como isso se repetiu com a chegada dos smartphones e depois com a internet.
Hoje esse processo ainda acontece. Acredito que atualmente o aparato tecnológico alienígena seja as redes sociais que causam um grande fascínio nas crianças e um grande medo nos adultos. Os mais novos se encantam com plataformas como o tik tok e o instagram. Não é raro ver opiniões que se assemelham a de Keitaro, pai dos irmãos Hayashi, que em certo ponto do filme, diz: “A televisão irá produzir 100 milhões de idiotas”.
Nesse filme há também uma resposta por parte da geração mais jovem, manifestado nas ações e nas falas do personagem Minoru e de seu irmão.
Em determinado momento do filme, os irmão se rebelam, fazendo birra, gritando, e desafiando seus país. Keitaro fica zangado e diz que esse tipo de atitude é idiota e sem sentido, assim como a ideia de ter uma televisão. Minori responde que os adultos fazem o mesmo. Vivem repetindo palavras idiotas e sem sentido, como “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”.
O filme aborda o conceito de linguagens vazias, ou linguagem que perdem o significado. Primeiro com a tv, que os adultos rejeitam, por não ser agregador, depois com as saudações. Por exemplo, sempre falamos “Oi, tudo bem?”, sem termos a real intenção de saber se a pessoa está realmente bem ou não. Em seguida temos os peidos, que estão presentes em todo filme. As crianças possuem uma brincadeira envolvendo um ritual que tem como desfecho o peido. O ritual acontece quando uma das crianças empurra a testa de outra com o dedo indicador, como se o impulso do dedo, fosse a causa do peito. Muito semelhante a brincadeira do “segura o meu dedo”. O ritual se encerra quando a criança faz um gesto de vitória com a mão. Gosto como esses momentos são bem visuais.
Outra forma de linguagem surge através da dinâmica entre os irmãos Hayashi. O irmão caçula é uma fofura. É praticamente um mini clone do irmão mais velho, mimetizando perfeitamente cada gesto do irmão. Em muitos momentos até mesmo as vestimentas são iguais. A relação dos dois é tão próxima, que em um dos protestos (“ficar em silêncio até comprarem uma tv”) eles criam um sinal com a mão que significa: “Posso falar agora?”
A todo momento o filme está falando de linguagens-vazias e de confusões geradas através dessas linguagens: com a fala, com gestos, com roupas.
Não podemos esquecer de citar a belíssima fotografia do filme. É difícil falar da fotografia , sem antes esbarrar no estilo de Ozu. Yasujiro Ozu possui uma cinematografia e uma estética bem particular e bem específica. Seus filmes são filmados com uma lente 50mm, comumente referenciada como “a lente que mais se aproxima do olho do humano”. Também é usada a técnica do “tatami shot”, que consiste em posicionar a câmera na altura dos olhos de uma pessoa que supostamente estaria sentada de joelhos em cima de um tatami.
A arquitetura nos filmes do Ozu ganham bastante relevância. Tanto arquitetura interna e externa são filmadas com ricas composições geométricas, com bastante informações ao seu redor, como quadros, plantas, figuras.
Em resumo podemos dizer que “Bom Dia” é um filme belíssimo sobre o conflitos de gerações envolvendo os preconceitos que cada um carrega acerca das linguagens usadas para “lubrificar a vida”. Linguagens que podem ser vazias, mas que são essenciais para que a vida social aconteça. Definitivamente um dos filmes mais bonitos que eu já vi.
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O Esquadrão Suicida
3.6 1,3K Assista AgoraA versão de James Gunn traz em sua gênese uma violência burra e cômica.
O filme possui quebras de expectativas absurdas, brincando, de forma violenta, com o valor da vida dos personagens. Uma violência exercida de forma tosca (no bom sentido), atrelando com um aspecto cômico absurdo, de humor negro extremamente pesado, brincando a todo momento com o expectador de uma forma genial, original e visceral, com uma estrutura similar a filmes como Pulp Fiction e Bastardos Inglórios.
Tudo é ridículo, tosco, brega e caricato, mas mesmo assim consegue produzir pontos dramáticos muito potentes. Quero destacar aqui um que acontece com o personagem Pacificar no terceiro ato do filme.
A avacalhação é tanta, que o filme traz consigo um vilão ridículo, o Starro, uma estrela do mar gigante, que pra quem não sabe foi o primeiro vilão da liga da justiça, mas que nessa versão se encaixa perfeitamente.
É interessante se atentar a primeira cena. Nos primeiros minutos já é possível notar a dinâmica de quebra de expectativa que segue o filme todo que mais parece um anti-filme de super-herói, que ainda de quebra, faz uma crítica incrível ao intervencionismo americano.
Rastros de Ódio
4.1 265 Assista AgoraProvavelmente em algum momento vou escrever algo mais aprofundado sobre esse filme. No momento vou tecer alguns comentários simples.
Eu simplesmente adorei o filme. É incrível. Nutri um grande sentimento de angústia ao ver o desenrolar da drama.
A sensação é muito diferente de "Três Homens em Conflito" ou "Era uma Vez no oeste". Nesses filmes, quando eu acaba de assisti-lo, sentia um desejo inconsciente de ser um cowboy. Estar nesse mundo e de certa forma ter a potência desses protagonistas, mas o que acontece com "Rastros de Ódio" é completamente o oposto. O meu pensamento mais frequente foi "Eu não quero estar nesse lugar, eu não quero ser Ethan Edwards ou Martin Pawley". Isso por que a atmosfera do filme, ou melhor, o universo do velho oeste apresentado nessa obra é terrível. Completamente horripilante. Não apenas por causa das dificuldades de sobrevivência, pela morte, pelo assassinato, mas sim pela forma de morrer. Os antagonistas não se contentam em matar. Existe uma brutalidade nesse ato e mais especificamente uma brutalidade sexual, que se potencializa com o silêncio, pois nunca é dito em palavras. Nunca é dito, "Elas foram estupradas", porque isso é terrível demais para os personagens e para as pessoas que estão assistindo. E não apenas isso! Ainda existe a ideia de que talvez a vingança nunca venha. Talvez nunca seja possível fazer justiça.
Eu esperava que o filme fosse mais racista, pelo que ouvia das pessoas, mas não sei se é necessariamente ruim os indígenas serem os vilões da história, tendo em conta que o protagonista é um cowboy que teve a família brutalmente morte. Um homem carente de história. Para nós, do mundo contemporâneo, enxergar as coisas como "Os índios foram exterminados" é fácil, pois temos o auxilio da história, mas talvez para um homem comum, vivendo no meio do nada, essa perspectiva é impossível. Tudo que ele tem é sua família e sua terra e os certos antagonistas que espreitam e fazem crueldades terríveis. Qualquer um naquele posição faria o mesmo.
Enfim, é um filme incrível e todos deveriam assistir. (Desculpa se escrevi algo errado. Escrevi de uma vez e não estou com vontade de revisar)
O Conto de Zatoichi
4.0 14Gostei bastante. Zatoichi é um personagem bem carismático e com uma moral bem incorrutível. O filme acaba de uma forma bem angustiante e pessimista, vamos ver o que vai acontecer nas continuações.
A Espada da Maldição
4.2 35Tatsuya Nakadai interpreta o Samurai mais perturbado que eu já vi na minha vida. Vale muito a pena assistir, com certeza esse entra pro meu top 5 de filmes de Samurai. O filme possui uma atmosfera "infernal", de ruína, assim como o "Doom" presente no titulo.
Harakiri
4.6 179Um filme simplesmente incrível, praticamente perfeito! Espero falar muito dessa obra futuramente. Com certeza vai pra minha lista de filmes favoritos! As sensações que senti foram extremamente intensas, me surpreendi violentamente pelo avançar de cada elemento narrativo. É um filme fenomenal e Tatsuya Nakadai se encaixa brilhantemente no papel. Recomendo a todos!
Lisbela e o Prisioneiro
3.8 1,2KNos momentos de comédia esse filme é excelente, mas em todo os resto é completamente terrível. Muito diferente do que eu lembrava, mas mesmo assim vale a pena assistir.
Intriga Internacional
4.1 347 Assista Agora“North by Northwest” é um filme de 1959 dirigido por Alfred Hitchcock
Assistindo ao filme uma frase me me veio em mente: “Quanto mais ele se aproxima da verdade, mais ele se aproxima da mentira”
“North by Northwest” é um filme intrigante, que te priva de diversas informações importantes e só as revela quando acha necessário, então somos feitos de refém, assim como nosso protagonista Roger O. Thornhill, aliás, é isso que justamente dá início a história.
Thornhill é um executivo de publicidade que é sequestrado em um restaurante por homens que o confundem com um agente secreto chamado George Kaplan.
Os sequestradores tentam assassiná-lo, mas Thornhill consegue escapar por pura sagacidade (ou por pura sorte).
A partir desse momento Thornhill entra em uma jornada para tentar desvendar o que esses misteriosos acontecimentos significam.
O filme se torna uma “bagunça”, no bom sentido é claro. É como se Thornhill tivesse sido jogado em uma estrada de vidro, muito sensível, que vai se quebrando a cada passo que ele dá, ou como uma areia movediça, quanto mais ele se mexe, mais o universo de “North By Northwest” vai apresentando novos conceitos, novos problemas, novos mistérios e essa sensação é mantida até os momentos finais do filme.
O filme toma várias direções e é por isso que eu gosto muito do título em inglês “North By Northwest”, acho que a tradução seria mais ou menos “Norte à Noroeste”. É justamente interessante porque indica uma direção, que não é o bastante, então indica uma outra direção.
É como se fosse uma sugestão de indicação para Thornhill, como se ele pergunta-se: “Pra onde ir?” e alguém responde-se “Vá pro Norte, mas não simplesmente pro Norte, vá para norte e depois um pouco mais a noroeste”.
O nome em português é em teoria um spoiler do filme, sendo que a característica principal dele não é seu conteúdo, mas a maneira como ele se esquiva de seu conteúdo, é um filme sobre falta de direção.
A todo momento o filme brinca com esse aspecto de direção, seja no início do filme, no motion com linhas que vão se encontrando, ao final, com o trem em movimento entrando em um túnel.
A trilha sonora é muito boa, ela trás uma sensação de aglomeração de coisas intrigantes. Isso é realmente subjetivo, mas se pensarmos na Música Tema, temos um momento de “alta confusão”, que ilustra esse excesso de informações, excesso de direções e acontecimentos.
Por fim, quero falar de algo que realmente me atraiu em diversas cenas. Algo que eu nomeie de “gestos visuais”. Algo que acontece em diversos momentos. Gestos com excelência de imagem, algo que você precisa assistir para entender.
Como na cena em que ele se encontra com Lester Townsend, apresenta um foto, Lester é esfaqueado pelas costas, Thornhill pega a faca, segura o corpo como se ele tivesse usado a faca, um fotógrafo que estava atrás calmamente se vira e tira uma foto. É uma sincronia quase coreografada. Você entende o peso da situação em poucos segundos.
Isso acontece na cena que Thornhill consegue escapar de seus sequestradores mesmo estando embriagado, bem no momento que ele nota o que está acontecendo, olha ao redor, vê o sequestrador, o derruba do carro, toma controle, chega no precipício, enfim, não sei se expliquei direito essa parte. Talvez esse assunto necessite de uma investigação mais aprofundada.
Otoshiana
3.9 13OTOSHIANA é um filme de 1962 dirigido por Hiroshi Teshigahara, o mesmo diretor do filme “A mulher da areia”
Não sei qual é a tradução exata de Otoshiana, mas o título brasileiro é muito interessante: A armadilha. Acredito que essa ideia esteja muito presente na obra de Hiroshi (apesar de ter assistido apenas dois filmes dele). Essa ideia de que o personagem é capturado, encarcerado em uma situação completamente angustiante, do qual ele se vê sem saída, mesmo tentando ao máximo se livrar dessa situação
Esse filme (e A mulher da areia) me lembram muito o filme The Lighthouse de Robert Eggers, tanto na atmosfera, quanto na estética.
Otoshiana se passa no Japão, não sei em qual período exatamente, talvez anos 40/50. Temos como protagonista um minerador extremamente pobre, que possui um filho.
Esse minerador está em busca de emprego, enquanto tenta se esconder do governo, pois é dito que ele é um desertor. Não é dito que guerra exatamente ele fugiu, talvez a segunda guerra mundial? Não tenho certeza.
Uma coisa bem presente no enredo no filme é algo que posso chamar de “Expansão da realidade”.
Existe uma expansão de universo, através de vários plot twists que apresentam novos elementos ao mundo que estamos assistindo.
Não sei se é necessariamente um plot twist, podemos chamar de revelações sobre o mundo do filme, como se ele fosse maior do que supomos que ele era.
A princípio parece que o filme vai se tratar da condição dos mineiros naquele período. Temos até uma sequência muito interessante de imagens reais de acidentes em minas. Essa sequência tem uma montagem bem documental.
Mas logo depois, sem entrar em muitos detalhes, o protagonista começa a ser perseguido por um homem misterioso, que está vestido um terno branco. Esse homem misterioso acaba assassinando o protagonista, que minutos depois se transforma em um fantasma.
Isso é uma expansão. Até aquele momento não sabíamos que fantasmas existiam no universo do filme e agora percebemos que sim.
O filme possui uma atmosfera sinistra e isso acontece por alguns motivos que vou citar agora.
Primeiro começamos com a trilha sonora ou com o aspecto sonoro do filme.
O filme começa com os personagens fugindo de alguma coisa ou lugar. Tudo está em silêncio, mas repentinamente ouvimos sons tenebrosos. Não consigo identificar o que seriam esses sons, mas são bem desconfortáveis. Dão medo.
Esses sons vão aparecendo no decorrer do filme, junto com outras vibrações e trilhas de suspense.
Outro motivo que gera angústia está relacionado ao enredo do filme.
Existe uma atmosfera de perseguição nos primeiros minutos. Alguém ou alguma coisa que espia os personagens, que os persegue.
Depois temos o personagem preso em uma situação terrível. Muito desconfortável e torcemos para que ele saia dela, mas no final do filme isso não acontece. Não há uma grande conclusão. E essa falta de resposta gera uma angústia tremenda.
Um pouco mais acima eu comentei sobre a sequência documental sobre os acidentes em minas. Quero voltar a ela para falar sobre a montagem do filme, que é bem dinâmica, cheia de jump cuts e outros artifícios, usados até para representar os aspectos sobrenaturais dentro do filme.
OTOSHIANA é um filme angustiante e absurdo, que apresenta um universo que vai se expandindo no decorrer da narrativa e no final não dá respostas sobre seus mistérios, criando um mal-estar no expectador, muito similar aos sentimentos sentidos pelos personagens presentes na história.
Problemas com a Natureza
3.1 4PROBLEMAS COM A NATUREZA é um filme de 2020, dirigido por Illum Jacobi, estrelado por Antony Langdon e que faz parte da mostra internacional de cinema de São Paulo
O filme se passa no ano de 1769 e temos como protagonista Edmund Burke, um filósofo inglês, que de maneira repentina, decidi viajar para França com o objetivo de visitar o Alpes, para então ter um “encontro com o Sublime”, conceito esse que Burke é obcecado.
Consigo, Burke leva uma empregada chamada Awak, interpretada pela Nathalia Acevedo
Talvez não seja de conhecimento geral, eu pelo menos não sabia disso, mas Edmund Burke realmente existiu. Esse fato não tem relevância no filme, visto que a versão de Antony é completamente extravagante e toma todas as liberdade possíveis para desconstruir a imagem do verdadeiro Edmund Burke, que poderia ser visto como um homem nobre, culto, grandioso, ao ponto de até ter uma estátua em sua homenagem nos Estados Unidos.
Vou abordar essa questão da personalidade extravagante de Burke um pouco mais a frente, mas de forma rápida, o que quero dizer é que é comum retratarmos personalidades, como filósofos, escritores, políticas do passado de forma muito positivo, como se eles tivessem alguma glória, mas se pararmos pra pensar e analisar um pouco mais o contexto, vamos perceber que eles se beneficiam de sistemas que eram nocivos à outras pessoas, como na relação de classe e escravidão.
Edmund Burke possui uma forma bem específica de pensar, que eu acredito estar relacionada ao romantismo. Eu não tenho um conhecimento tão sólido sobre isso, então é apenas um chute.
Burke é cheio de ideias subjetivas, desconexas com o mundo real. Ele passa o filme todo lendo frases de um livro (acredito que seja de sua autoria, mas não tenho certeza) sobre a natureza. Enaltecendo-a, de forma exageradamente romântica.
Burke fala sobre o Sublime, uma sensação que ele descreve como magnifica, como algo que o move na vida.
PROBLEMAS COM A NATUREZA possui um ar cômica, mas bem sútil. O humor vêm através de dois pontos.
O primeiro ponto é o artifício da câmera na mão, que dá ao filme, uma pegada meio documental, atrelado com alguns jump cuts que fortalecem essa ideia. Como se estivéssemos vendo uma série como THE OFFICE ou MODERN FAMILY, mas sem o artifício do zoom.
Essa maneira de tratar a câmera quebra um pouco o teor nobre que o filme teria, como em filmes como BARRY LYNDON ou AMADEUS.
O segundo ponto, e provavelmente o principal responsável pela comédia, é a atuação de Antony Langdon.
Antony dá uma roupagem extremamente caricata à Edmund Burke, que é tratado como um homem mimado, rude, arrogante, desprezível, e acima de tudo: patético. Ele se preenche dos elementos da nobreza para esconder o quão inferior ele é. O quanto não tem autonomia para absolutamente nada.
Em sua viagem, vemos que Burke age de forma extremamente rude com Awak. Faz questão de deixar claro a relação entre senhor e servo que existe entre os dois. Esse é mais um elemento que tira a suposta nobreza que o personagem teria, pois é bem desconfortável ver ele destratando a moça.
Ao longo do filme fiquei me perguntando qual era o sentido em mostrar essa moça sendo humilhada em diversos momentos.
Depois de muito pensar cheguei a uma espécie de conclusão. Para chegarmos nesse pensamentos precisamos explorar a personagem.
A moça é um empregada, sem muitas pretensões. Simples por assim dizer. Pelo menos é isso que ela é apresentada no filme. Ela não quer glória ou nobreza. Não está em busca de uma experiência transcendental, só está ali para fazer seu trabalho que é cuidar de Edmund.
Em contrapartida, em diversos momentos do filme é mostrado a conexão que ela consegue ter com a natureza e isso é muito sútil. Algo que gostei muito.
*SPOILERS*
Em um momento ela se sente segura para tomar banho nua em uma cachoeira, ela colhe cogumelos, fica fascinada por um servo, consegue se masturbar enquanto acaricia o musgo presos sobre as rochas.
Sobre essa último ação, acontece um momento interessante, quando Edmund avista a garota em seu momento íntimo e nota o que ela faz com a planta. Edmund tenta copiar o gesto, mas mostra-se estéril nesse sentido. Não consegue entender o que teria de instigante nesse simples pedaço de planta.
O problema que Edmund estabelece com a natureza está relacionado ao controle. Burker não consegue controlá-la, não consegue moldá-la.
*SPOILERS*
Isso fica mais evidente quando no final do filme, Awak o abandona, mesmo depois de ter ido tão longe com ele.
Por mais que a natureza se oferece de certa forma a Edmund, ele a recusa, pois ele só deseja ter contato com ela a partir da perspectiva de senhor e servo. E Edmund teme toda relação que desestabilize essa dinâmica.
O personagem nós diz:
Esse é o problema com a natureza… Ela é tão insistente!
Ou seja, tão insistente em se render aos caprichos de Edmund. A natureza é seja, selvagem. Algo que o ser humano não pode controlar.
Edmund não consegue acessar o sublime através da natureza, porque ele acaba percebendo que a odeia e que a tem
No filme temos uma cena onde Edmund vê um homem morto e simplesmente fica paralisado. A morte é um fenômeno comum na natureza, mas isso espanta Bunker. A morte talvez seja um caminho para o sublime, mas isso também espanta Bunker.
No final, Edmund sobre até os alpes e não encontra o Sublime, enquanto sua criada finalmente o abandona. Frustrado, ele se desfaz de sua peruca, vira seu casaco do avesso e vai para outro destino.
O enquadramento final é uma clara e direta referência a pintura “Caminhante sobre o mar de névoa” de Caspar David Friedrich, que é comumente associada ao movimento romântico (me corrijam se eu estiver errado) E o que Edmund faz ao se deparar com o símbolo máximo do romantismo? Ele urina sobre ele, por fim, selando seu desprezo pela natureza.
PROBLEMAS COM A NATUREZA é um filme sobre um personagem arrogante, egocêntrico e patético, que tenta encontrar o sublime a partir de uma experiência com a natureza, só que ele acaba se deparando com algo que está muito além de seu alcance.
A natureza é insistente e não se dobra às vontades de Edmund Burke que não é capaz, nem por um momento, de se render aos convites que ela propõe, levando-o à uma jornada cômica, constrangedora e romântica.
Casa de Antiguidades
3.1 29CASA DE ANTIGUIDADES é um filme brasileiro de 2020 dirigido por João Paulo Miranda Maria, e estrelado pelo ator Antonio Pitanga
O filme conta a história de Cristovam, um homem negro que tem por volta de 80 anos e vive no sul do Brasil, aonde trabalha em uma moderna fábrica de laticínios.
A narrativa nos introduz à um mundo que é alienígena ao protagonista. Mundo esse que discrimina, oprime e rebaixa Cristovam em vários momentos.
Aos poucos o filme vai incluindo elementos folclóricos e fantásticos à história. Tudo a partir de uma casa abandonada, da qual Cristovam vai descobrindo itens que fazem referência direta a sua história biográfica e a sua cultura.
Em um primeiro momento sentimos que existe uma separação entre esse dois mundos. A casa, que é mágica, e a rotina de Cristovam, que é pautada em temas socioculturais e políticos.
Só que em determinado ponto do filme, esses dois mundos acabam se encontrando de uma maneira chocante e surpreendente.
Isso me fez lembrar de um filme do Woody Allen chamado “Alice”, onde presenciamos fenômenos sobrenaturais sem explicação, que parecem acontecer apenas na cabeça dos personagens, mas que em certo momento exerce uma influência no mundo real, mudando a vida da personagem.
A partir daí, Cristovam passa por processos de metamorfose.
As transformações seguem o padrão de imagens que Cristovam encontra dentro de uma das paredes da casa abandonada.
A primeira imagem é uma pichação de cunho racista, que resumo a situação que o protagonista enfrenta nesse ambiente hostil.
Ao raspar a parede para retirar a mensagem, Cristovam descobre um cartaz de um cowboy e em seguida aparece usando uma longa capa e um chapéu de couro, muito parecido com o personagem Antônio das Mortes dos filmes do Glauber Rocha.
Por fim, a metamorfose final acontece quando ele encontra uma máscara de um boi negro e acaba se tornando, por um curto período, um boi.
O filme possui diversas mensagens implícitas, detalhes a serem investigados, alegorias e metáforas.
Um artifício recorrente usado pelo diretor do filme, é o uso do zoom, onde a câmera vai se aproximando vagarosamente até o assunto principal. Isso cria uma atmosfera de tensão, alinhado com uma trilha sonora de suspense.
CASA DAS ANTIGUIDADES é um filme folclórico sobre temas que são caros ao brasil: preconceito racial, questões de gênero, questão de classe e entreguismo. Só que em vez de usar o artifício do realismo para falar sobre esses temas, João Paulo investe na mistura do fantástico com uma atmosfera de suspense, onde o impossível se choque com o árduo cotidiano do protagonista, criando consequências reais ao mundo de Cristovam e ao mundo de seus algozes.
O Homem que Amava as Mulheres
4.0 102O HOMEM QUE AMAVA AS MULHERES é um filme de 1977 dirigido por François Truffaut.
O filme conta a história de Bertrand Morane, um homem que é obcecado por mulheres.
Mais precisamente por uma espécie de jogo envolvendo mulheres.
“O jogo de Bertrand” se define por alguns passos. Primeiro pelo visual. Em diversos momentos do filme é expressado que Bertrand ama observar as mulheres e principalmente suas pernas. Não importa o lugar ou a hora. Bertrand sempre vai estar observando as mulheres em sua volta.
Depois do olhar, Bertrand vai para o próximo passo que é abordar essa mulher, sem se importar com consequências morais, ele faz de tudo para entrar em contato com essas mulheres, depois ele corteja, flerta, se relaciona e leva para cama essas mulheres e depois se desfaz delas, como se não fosse nada.
Esse é o jogo de Bertrand e é isso que dá sentido a sua vida. Com algumas mulheres ele acaba se relacionado por mais tempo, por mais de uma noite, mas no geral é assim que Bertrand leva sua vida.
Vou entrar em mais detalhes da história um pouco mais a frente. Agora pretendo falar de algo que todos vão acabar esbarrando ao assistir o filme. Estou falando da questão do politicamente incorreto do filme, que tem um fator muito importante.
Em resumo, as atitudes de Bertrand são completamente reprováveis. Logo na primeira cena em que vemos Bertrand, ele faz coisas horríveis em prol de seu “jogo” com as mulheres.
Bertrand está em uma loja e avista uma mulher, da qual fica encantado. Ela sai, Bertrand a segue. A moça entra em um carro e vai embora. Bertrand rapidamente pega papel e caneta e anota a placa da moça.
Em seguida, Bertrand bate o próprio carro em um poste e aciona o seguro, alegando que o carro da placa que ele anotou foi o responsável pelo acidente. Tudo para conseguir um encontro com a moça que ele viu por apenas um momento.
Toda essa sequência é assustadora, Bertrand é um verdadeiro perseguidor, que mente e trama apenas para conseguir abordar uma moça.
A objetificação é algo fundamento no desejo de Bertrand. No começo do filme ficamos sabendo que ele ama as pernas das mulheres, principalmente quando estão em movimento, quando estão andando pela rua.
Depois que o ciclo do jogo está completo, Bertrand passa por um processo de desapego e abandono completo. Não exatamente com todas, ele ainda se relaciona com algumas por mais tempo, mas na maioria dos casos existe uma rápida fuga. Bertrand precisa ir embora. É um abandono que também vem com a mentira. Em certo momento ele relembra de uma moça da qual ele mentiu, mostrou que queria fazer parte da vida da moça, mas estava mentindo.
Agora que já falamos sobre Bertrand, vamos falar de outro ponto, que é quando o filme se torna metalinguístico e autoconsciente e isso faz toda diferença na nossa interpretação sobre ele.
Ao assistir ao filme eu me senti extremamente incomodado com as atitudes do Bertrand, mas fiquei com um pensamento em mente: “Ah, mas isso é o personagem, não o filme. Devemos separar essas duas coisas”, mas nesse filme não há necessariamente essa separação, pois o filme faz uso de diversas linguagens para dar voz ao personagem e para vermos através de seus olhos. Temos o uso de voz off, flashbacks estilísticos, dupla exposição. Vemos a objetificação não apenas em suas palavras, mas visualmente, temos planos das pernas, da bunda, de seios, tudo em POV (ponto de vista), então é muito difícil criar essa separação entre o personagem e o filme.
O filme de certa forma te obriga a assumir uma posição sobre ele.
Já falamos sobre como o filme te força a ter uma certa opinião sobre ele.
Agora podemos falar de uma certa virada que acontece bem calmamente.
Depois de um estranho encontro com uma mulher, Bertrand tem a idéia de escrever um livro sobre suas experiências e vivências com as mulheres. É dessa forma que os voz offs acontecem. O personagem vai narrando o que escreve.
O personagem vai escrevendo o livro no decorrer do filme.
Nesse meio tempo Bertrand vai levando os capítulos finalizados para uma datilografada formatar seu material. Isso é necessário pois nessa época não existiam computadores e muita das vezes os escritores apenas escreviam e o texto acabava por ficar mal formatado.
Só que em dado momento acontece algo curioso, a moça se recusa a revisar o material de Bertrand, se diz incomodada com o conteúdo dos capítulos.
É aqui que acontece a virada metalinguística. O mais impressionante é que as opiniões que a moça possui, são as mesmas que cultivei no decorrer do filme.
Bertrand volta para casa e se sente triste por esse feedback. Ele começa a refletir sobre seu livro.
É importante frisar que o livro é uma clara simbolização do próprio filme, pois o que está escrito no livro é exatamente o que vemos no filme. Logo toda crítica, comentário ou reflexão sobre o livro, é uma crítica, comentário e reflexão sobre o próprio filme que estamos assistindo.
Isso revela a humildade de obra. O filme não sabe o que é, por isso se questiona.
Bertrand se pergunta: “Como eu deveria escrever isso? Como falar sobre mim? Como outros fizeram antes?”. Vale até a pena revisar algumas falas do personagem:
Percebo que não há regras, que cada livro é diferente e exprime a personalidade do seu autor. Cada página, cada frase de qualquer escritor pertence só a ele.(..) Sua escritura é tão pessoal quanto sua impressão digital”
Podemos também voltar à algo extremamente interessante que acontece no começo do filme. Por um breve momento, vemos François Truffaut, que está com uma roupa muito semelhante a do protagonista.
Truffaut nunca mais volta a aparecer no filme. Seria isso uma espécie de dica sobre o fator metalinguístico do filme?
Mesmo depois da crítica ruim que recebeu, Bertrand decide enviar o livro para 4 editoras, três rejeitam. Acompanhamos a decisão da quarta. Vemos uma reunião sobre o livro, a maioria dos editores são contra a idéia da publicação.
Novamente aqui me identifiquei com as opiniões negativas deles.
Um deles comenta: “A parte que mais me interessei foi quando ele fala de seu passado e de sua mãe, mas essa parte é tão curta”, bizarro! Pois pensei exatamente o mesmo.
A partir desse ponto, o filme entra em uma onda de auto-análise. Pessoas comentam sobre o livro, e inevitavelmente do filme.
Uma das editoras defende do livro. Insiste que ele precisa ser publicado e consegue convencer os editores a publicarem o livro.
Quando Bertrand se encontra com a editora, a evidência final da metalinguagem é exibida. O título que Bertrand deu ao livro era “O Garanhão”, a editora sugere outro: “O Homem que amava as mulheres”. O nome do livro é o nome do filme.
Essa parte do filme me encantou mais. Truffaut está consciente de seu filme. Está consciente das atitudes de Bertrand. Truffaut pretende apenas tecer um pensamento. Uma tentativa. Um ensaio.
Há uma um diálogo excelente entre a editora e Bertrand. A editora diz:
Sabe como eu vejo o seu livro? Como um testemunho do que foram as relações entre homem e mulher no século XX. Você percebe como tudo isso está mudando?
O HOMEM QUE AMAVA AS MULHERES é um filme politicamente incorreto sobre a subjetividade de Bertrand Morane e sua relação com as mulheres. A obra te provoca a ter uma opinião sobre o protagonista, tudo para se transformar em outra coisa, em um questionamento, em um dúvida, em um ensaio sobre si mesmo e sobre Bertrand.
Bom Dia
4.3 66Ohayo é um filme de 1959 dirigido pelo Yasujiro Ozu
A história se passa no Japão nos anos 50, em uma pequena comunidade, onde podemos estabelecer duas linhas de histórias que às vezes andam separadas e às vezes se encontram em determinados momentos do filme.
A primeira linha narrativa, gira em torno de dois irmão, Minoru e Isamu, que estão obcecados com a idéia de ter uma televisão. Eles, assim como todas as crianças da comunidade, furam seus compromissos e desobedecem seus pais para assistir televisão na casa de um dos vizinhos, um casal, que é muito mal falado entre as mulheres da comunidade.
Aqui entramos na segunda linha da história que se dá a partir de intrigas e fofocas entre as donas de casa da comunidade, que vão criando pseudoproblemas, a partir de erros comunicação entre elas.
Essas são as premissas básicas que dão início ao filme.
O primeiro ponto interessante está relacionado ao agente estrangeiro, quase alienígena, que a televisão exerce nesse filme.
Existe o desejo da nova geração por esse aparato tecnológico, do qual causa medo nos mais velhos. Esse medo é o de um possível emburrecimento das crianças.
É possível criar uma analogia com outros tempos e outras tecnologias. No meu caso, eu consigo me identificar com os personagens na minha empolgação com a chegada dos computadores. Me lembro até hoje como foi empolgante mexer em um computador pela primeira vez (eu desenhei um cachorro quadrado no paint), e como isso se repetiu com a chegada dos smartphones e depois com a internet.
Hoje esse processo ainda acontece. Acredito que atualmente o aparato tecnológico alienígena seja as redes sociais que causam um grande fascínio nas crianças e um grande medo nos adultos. Os mais novos se encantam com plataformas como o tik tok e o instagram. Não é raro ver opiniões que se assemelham a de Keitaro, pai dos irmãos Hayashi, que em certo ponto do filme, diz: “A televisão irá produzir 100 milhões de idiotas”.
Nesse filme há também uma resposta por parte da geração mais jovem, manifestado nas ações e nas falas do personagem Minoru e de seu irmão.
Em determinado momento do filme, os irmão se rebelam, fazendo birra, gritando, e desafiando seus país. Keitaro fica zangado e diz que esse tipo de atitude é idiota e sem sentido, assim como a ideia de ter uma televisão. Minori responde que os adultos fazem o mesmo. Vivem repetindo palavras idiotas e sem sentido, como “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”.
O filme aborda o conceito de linguagens vazias, ou linguagem que perdem o significado. Primeiro com a tv, que os adultos rejeitam, por não ser agregador, depois com as saudações. Por exemplo, sempre falamos “Oi, tudo bem?”, sem termos a real intenção de saber se a pessoa está realmente bem ou não.
Em seguida temos os peidos, que estão presentes em todo filme. As crianças possuem uma brincadeira envolvendo um ritual que tem como desfecho o peido. O ritual acontece quando uma das crianças empurra a testa de outra com o dedo indicador, como se o impulso do dedo, fosse a causa do peito. Muito semelhante a brincadeira do “segura o meu dedo”.
O ritual se encerra quando a criança faz um gesto de vitória com a mão. Gosto como esses momentos são bem visuais.
Outra forma de linguagem surge através da dinâmica entre os irmãos Hayashi. O irmão caçula é uma fofura. É praticamente um mini clone do irmão mais velho, mimetizando perfeitamente cada gesto do irmão. Em muitos momentos até mesmo as vestimentas são iguais. A relação dos dois é tão próxima, que em um dos protestos (“ficar em silêncio até comprarem uma tv”) eles criam um sinal com a mão que significa: “Posso falar agora?”
A todo momento o filme está falando de linguagens-vazias e de confusões geradas através dessas linguagens: com a fala, com gestos, com roupas.
Não podemos esquecer de citar a belíssima fotografia do filme. É difícil falar da fotografia , sem antes esbarrar no estilo de Ozu.
Yasujiro Ozu possui uma cinematografia e uma estética bem particular e bem específica.
Seus filmes são filmados com uma lente 50mm, comumente referenciada como “a lente que mais se aproxima do olho do humano”. Também é usada a técnica do “tatami shot”, que consiste em posicionar a câmera na altura dos olhos de uma pessoa que supostamente estaria sentada de joelhos em cima de um tatami.
A arquitetura nos filmes do Ozu ganham bastante relevância. Tanto arquitetura interna e externa são filmadas com ricas composições geométricas, com bastante informações ao seu redor, como quadros, plantas, figuras.
Em resumo podemos dizer que “Bom Dia” é um filme belíssimo sobre o conflitos de gerações envolvendo os preconceitos que cada um carrega acerca das linguagens usadas para “lubrificar a vida”. Linguagens que podem ser vazias, mas que são essenciais para que a vida social aconteça. Definitivamente um dos filmes mais bonitos que eu já vi.