Mike Flanagan parece um tantinho preguiçoso dessa vez – há uma redundância na estrutura dos episódios que até segue um conceito cíclico, mas eventualmente acaba dando uma cansada, e dá para sentir que foi preciso forçar um pouco aqui ou ali para caber uma referência direta a Poe (o sexto episódio, voltado para a filha Tamerlane é um bom exemplo disso) –, mas acho que ele compensa em seu cuidado com as imagens e com uma dramaturgia bem folhetinesca. Alguns momentos brilhantes ali no meio (a sequência da orgia, o monólogo do limão) e nomes no elenco, como Bruce Greenwood e Carla Gugino, em estado de graça.
É tipo mil séries em uma, né? Eu entendo o fanservice e a dificuldade de adaptação de histórias isoladas em uma narrativa seriada de episódios contados, mas a sensação que Sandman deixa é que amontoa vários capítulos de uma antologia em uma narrativa que não tem amarração nenhuma: as coisas acontecem sem qualquer fluidez, com quebras entre tramas que penetram os arcos como intervalos comerciais, interlúdios que funcionam bem na concepção e no modo de distribuição de HQs, mas que causam estranheza em um produto de binge-watching da Netflix. Tudo que funciona bem aqui – e sim, tem muito de bom para se destacar; inclusive gosto bastante do episódio 5, enquanto peça de filme de horror –, funciona de forma independente, isolada, sem conseguir completar uma unidade, uma temporada coesa.
Daria para dissertar tecnicamente sobre esse documentário, em como a estética de O Caso Evandro (a trilha, as simulações ilustrativas etc.) parece a ter influenciado e na escolha por um registro mais tradicional, mas o fato é que essa é uma história que sempre nos pegou pelo coração e pelo fígado, então vou por esse caminho. O que há de mais inédito no que Pacto Brutal apresenta nem são os meandros do processo e do caminhar desse caso ao longo das três décadas que nos afasta da noite de 28 de dezembro de 1992, mas sim a dimensão emocional que os depoimentos de Glória Perez e de pessoas próximas traz à tragédia de Daniella Perez, e é o que essa série documental tem de mais potente (muito mais do que o miolo da investigação – em especial, a mal explicada versão de ritual satânico – e o finalmente do julgamento, que soa um tanto corrido), trazer essa noção compartilhada de perda, de desperdício e fazer desse resgate à memória um acender de velas em lamento a um futuro que foi apagado, 30 anos depois.
Se for para considerar os episódios como experiências individuais e relativamente isoladas, acho que vi poucas coisas tão bonitas na TV recente quanto alguns dos momentos entregues por este segundo ano de Euphoria – o quinto capítulo, entre todos, segue sendo um dos pontos mais altos da série até aqui; e a despeito de qualquer ressalva, todos os elogios são poucos para Zendaya. Mas, num panorama geral, essa temporada parece meio perdida em seu mosaico de personagens e de subtramas, talvez devido aos rumorosos problemas de bastidores, o que resulta numa falta de foco narrativo meio generalizada. Certamente não evoluiu quase nada enquanto uma história sequenciada e coesa, como poderíamos esperar, mas visualmente talvez tenha chegado no seu ápice.
O lançamento dessa série documental, sob o pretexto da efeméride dos vinte anos da morte de Celso Daniel, é de um oportunismo que chega a constranger, e isso fica meio claro na forma como dá um peso às teorias conspiratórias que os argumentos que eventualmente as anulam não chegam a ter – nesse sentido, não é muito diferente da cobertura jornalística que vendia a versão do MP nas manchetes e as elucidações nas notas de canto. Dito isso, gosto de como a narrativa respira como um filme policial e, ao mesmo tempo, como consegue pescar momentos de humanidade de alguns personagens, Celso e Sérgio, em especial, sem derrubar muito a peteca ao longo dos 8 episódios.
É mais sóbria e concisa do que a temporada anterior sobre o Cecil Hotel, embora ainda padeça daqueles problemas de edição clipada e genérica que as produções de true crime da plataforma frequentemente apresentam. História triste e aterradora, com um contexto social até bem embasado para os três episódios propostos. Dá para ficar na expectativa de quais serão os próximos enredos contados por essa série que, mesmo com os seus percalços, é sempre interessante.
É o que de melhor está acontecendo em termos de série de TV nesse momento, sem muitas comparações, embora algumas linhas narrativas dessa temporada tenham se desenvolvido de forma um tanto quanto dispersa, aqui ou acolá; acho, porém, que Succession nunca esteve tão afiada quanto nessa terceira temporada na maneira como constrói os personagens principais e suas relações, reafirmando os papéis que eles – os da realiza familiar, além dos servos e agregados que os cercam – encenam nessa tragicomédia shakespeariana remontada como um jogo de tronos corporativo. Algumas das sequências do season finale, como a cena entre Kendall e os dois irmãos, estão entre os grandes momentos da série até agora.
É quase que uma fanfic do universo do boneco assassino com toda a autoconsciência e autorreferência que cabem a esse tipo de trabalho; tudo bem que todas as relações do núcleo jovem são muito mal desenvolvidas, pra dizer o mínimo, e os personagens adultos são uma piada ruim, mas a série sempre cresce muito quando Chucky surge em tela, afiado e divertido como há muito não se via. Toda tentativa de costura da mitologia do serial killer é uma delícia de fanservice, e propõe possibilidades estimulantes para uma nova temporada, que espero, apare as arestas que essa deixou. Jennifer Tilly, pra variar, roubando todas as cenas.
É uma história que merecia ser contada agora, à luz do movimento #MeToo e da atmosfera política americana dos últimos anos, para redimensionar algumas perspectivas criadas a partir de como essa narrativa foi elaborada na época e como foi se moldando no imaginário coletivo, mas acho que carecia de um foco narrativo mais bem definido – não parece se decidir entre o thriller político das maquinações por trás do impeachment, ou o drama pessoal do conto de exploração, traição e circo midiático; os episódios, então, oscilam entre essas vertentes, sem explorar o máximo de nenhuma, apesar de alguns excelentes momentos e um elenco sólido. Sempre interessante, ainda que abaixo das temporadas anteriores.
Talvez eu tenha assistido a essa minissérie no estado mais puro que poderia: sem saber que havia de fato uma verdadeira Veneno, de carne e osso, e, por isso, abraçado essa biografia como uma fantasia delirante e apaixonada sobre um ícone que, apesar de desconstruído, jamais perde seu mistério e esplendor – o apelo à esse universo de idealizações é feito pela própria narrativa, que quebra paredes, brinca com efeitos visuais, investe numa dramaturgia novelesca etc. Há uma emoção muito genuína na maneira como a história dessa mulher vai espelhando a história de outras tantas, e sua saga reflita, tanto em seus elementos mais reais quanto em suas ficções mais desvairadas, a vida de pessoas que, assim como ela, foram descobrindo quem são, abrindo os próprios caminhos e fazendo da própria existência um ato cotidiano de resistência e libertação.
Muito barulho por nada. É divertida quando se foca exclusivamente nos jogos e na dinâmica dos participantes, que vão se associando ou se excluindo ao sabor das circustâncias (acho que o episódio das bolinhas de gude é o que melhor explora essas tensões), embora perca muito da graça quando se volta para tramas paralelas, que não chegam a dar em lugar nenhum (a storyline do policial infiltrado é um desses becos sem saída que a série cria pra si mesma). A intenção de ser a ‘crítica social foda’ da vez pesa muito, e as vezes prejudica a maneira como a história se resolve em alguns pontos, a exemplo do final apressado e até meio aleatório, mas, no geral, tá ali na média do entretenimento que a Netflix costuma propor.
É uma parábola comovente sobre a nossa própria mortalidade e o medo diante do desconhecido, e é assustadora e trágica ao mesmo tempo por lidar frontalmente com sentimentos tão conflitantes e transformá-los em imagens de horror literal. Não poupa os personagens de suas próprias contradições, de seus temores e do teste às suas crenças mais enraizadas, com a mesma pungência de um Hill House, do mesmo criador, por exemplo - o clímax na igreja é uma joia nesse sentido. Nem tudo se resolve tão bem quanto é introduzido, e há redundância aqui e ali, mas é sempre potente, dramaticamente falando.
É fichinha perto do trabalho documental produzido pela Globoplay em cima do caso João de Deus. Tenho até certa curiosidade sobre o quanto o lançamento daquela série ano passado afetou essa aqui, feita tão próxima e partindo de pontos parecidos. Essa, porém, parece querer trazer certa ambiguidade não necessariamente à figura do autorreferido médium, mas aos trabalhos na casa de Abadiânia, e isso deixa a sensação de que tudo é muito vago; quer falar sobre as vítimas, o agressor, e também sobre os operários daquele lugar e os que mantém fé nos trabalhos dele até hoje, sem manter o foco em nada específico. É tão superficial que até a entrevista atual do criminoso (oportunisticamente deixada para o finalzinho), que seria um destaque em relação à produção anterior, nem chega a oferecer novas dimensões às discussões que essa minissérie quer tocar.
Na média da maioria das minisséries de true crime que a Netflix produz. É interessante, apesar de não fazer muito para desconstruir o mito ao redor da figura do homem fragmentado; ao contrário, apesar de frequentemente criticá-lo (aponta que as vítimas jamais tiveram projeção ao contrário do algoz, mas toca nesse outro lado apenas superficialmente, sem nunca jogar uma luz real sobre ele), mais reafirma o imaginário acerca do caso do que propriamente o problematiza. A edição clipada também não ajuda.
Já conhecemos essa história de cabo a rabo, mas há, sim, um quê de novidade na maneira como a narrativa aqui passa a ser apropriada não pelo costumeiro olhar do predador, mas pelas vítimas diretas ou indiretas dele, que nos ajudam a compreender melhor a cultura misógina na qual o caso esteve inserido agora que, à luz de uma revisão, finalmente ganham espaço para falar. Perde um pouco da força lá pelas tantas quando se estende em excesso nos fatos pós a prisão, mas é uma série pontuada por depoimentos potentes e reveladores.
O documentário promete quebrar com o mito que se formou ao redor do Helter Skelter, mas, como a maior parte dos produtos que se propõem a contar esse caso, é mais um que se rende ao misto de fascínio e abjeção que o tornou lendário no imaginário americano. É bem rico em arquivos da época (o primeiro episódio é tão farto de material que ele é conduzido sem a necessidade das tradicionais “cabeças falantes” que conduzem produções do gênero, e da qual essa aqui não foge, a partir dos episódios seguintes) e, mesmo soando longo e até repetitivo, não deixa de ser sempre interessante e intrigante, mesmo para quem já viu essa história narrada milhões de outras vezes.
Para além das questões de gênero que permearam o enredo do caso na mídia e seu julgamento, a figura da condenada – aos moldes de The Jinx, minissérie true crime da HBO que entrevista um sujeito suspeito por vários crimes – é sempre muito nebulosa, nunca chega a convencer realmente em seus relatos e, em seus melhores momentos, o documentário explora essa ambiguidade. Mas, no geral, é muito, mas muito mal estruturado mesmo, narrativamente falando, a ponto de tornar confuso um caso simples, conhecido e repisado, por uma linha do tempo bagunçada, que vai e volta, sem criar qualquer tensão ou expectativa. Tinha potencial pra mais.
É uma experiência complementar para quem ouviu os 36 episódios do podcast e ao mesmo tempo funciona muito bem individualmente como plano geral sobre o caso do menino Evandro para aqueles que embarcam sem quaisquer informações prévias sobre o crime. Não é só bem sucedido em emular o efeito imersivo que tiveram os ouvintes, muito por conta da participação mediadora de Ivan Mizanzuk e, especialmente, do trabalho de trilha incrível de Felipe Ayres, como resgata aquele componente humano que a série em áudio jamais perdeu de vista: por trás das tragédias, das acusações e das paranoias, pessoas inocentes que tiveram suas vidas destruídas apelando pelo seu direito à justiça. Em vários momentos, de partir o coração.
Seriado policial com uma trama de crime-em-cidadezinha-interiorana que não tenta reinventar a roda em seus desdobramentos investigativos, mas parece de fato interessado nos humanos que povoam a paisagem fria e pacata em disrupção por uma sucessão de tragédias. Não é instigante necessariamente só pelas viradas de enredo, mas em como os novos caminhos e descobertas obrigam os personagens a olharem para si, testam as relações que estabelecem com pessoas que amam e oferece um tempo de reflexão para as coisas serem digeridas dentro do possível, como um processo de luto. Acho que foi a surpresa do ano, e devo dizer que não via Kate Winslet tão bem assim desde Mildred Pierce. HBO faz um bem danado a ela.
Comecei essa minissérie sem ter muita ideia de quem era o tal Halston e aqui estou, escrevendo essas linhas depois de finalizar os cinco episódios, seguindo sem saber quem era esse homem, porque não há muito interesse aqui em ir além do mito da moda americana. Há um fetiche pela época, que rende uma concepção excessivamente estilizada por trás de cenários, figurinos e até performances, que pode até agradar se você pensar que está vendo uma fantasia afetada de cultura vintage e estilos de vida opulentos e não uma biografia comprometida em humanizar as figuras, como parecia ser a intenção.
Obs.: não sei se é a melhor atuação de Ewan McGregor, mas certamente no quesito segurar cigarros, cruzar pernas e fazer carão ele mereceria todos os prêmios
Valeria um longa-metragem de duas horas e tanto ou, vá lá, no máximo uma minissérie seis capítulos essa estendida temporada de The Outsider. Parece sempre ser um trabalho complicado adaptar os tijolões de Stephen King para as telas e o que eu posso dizer sobre esta série é que ela faz um serviço competente em preparar uma atmosfera de apreensão forte mesmo, e segurá-la bem, mesmo quando o mistério vai se dissolvendo, mas é inegável que perde muito de seu fôlego para sustentar uma trama que poderia se resolver em um tempo mais conciso. Cynthia Erivo é o destaque.
Confesso que a razão por não ter curtido é um pouco minha, pelas expectativas que eu criei, que, a despeito do rolê de viagem do tempo, previam um thriller político eletrizante, que iria se valer desses elementos históricos para dar uma dinâmica inventiva à narrativa policial, e não necessariamente uma história de romance folhetinesco comum, com privações e pontuais obstáculos. Tudo que se refere ao cenário da conspiração é bem frouxo mesmo, e há uma preocupação maior em justificar as relações de afeto entre as personagens, do que propriamente investir em uma trama de ação mais contundente.
Mais uma para surfar na onda de Big Little Lies das adaptações de thrillers domésticos literários para minisséries de TV, só que dessa vez sem a densidade ou mesmo a sagacidade do produto, também estrelado pela Nicole Kidman, que movimentou essa demanda. Não que o fator surpresa costume ser uma característica marcante em trabalhos como esse, mas usualmente sabem jogar bem com o elemento melodramático que envolve o enredo, explorando o viés novelesco inerente a essas tramas de casamento, traição e crime, coisa que The Undoing faz muito mal. É bem questionável a forma como se debruça tanto sobre um mistério tão frágil em detrimento dos personagens e das relações que estabelecem entre si; esses acabam tendo papéis muito burocráticos, já que há pouca ou nenhuma função para o que dizem, sentem e se comportam além de serem elementos para manter o joguinho de detetive, desviar suspeitas e criar leves cortinas de fumaça. Decepcionante.
É decepcionante a forma como essa nova temporada limpa a ambiguidade do texto de Henry James em função de uma abordagem melodramática bem simplória mesmo – acho que Hill House foi bem mais precisa em traduzir as complexidades psicológicas de seu material-base para aquele painel familiar abalado; Bly Manor, ao contrário, subtrai de A Volta do Parafuso os elementos desviados que carregavam sua atmosfera, em nome de uma história de amor pouco convincente. Gosto do modo como estabelece laços afetivos entre (e com) os personagens, que funcionam para que nos envolvamos com a trama senão por sua construção de horror, certamente pelo apelo sentimental, e acho que o elenco ajuda nisso, em especial Victoria Pedretti, mas, sabendo das potencialidades da história original, que já havia rendido uma adaptação brilhante, o saldo de Bly Manor não deixa de ser um tanto frustrante.
A Queda da Casa de Usher
4.0 287 Assista AgoraMike Flanagan parece um tantinho preguiçoso dessa vez – há uma redundância na estrutura dos episódios que até segue um conceito cíclico, mas eventualmente acaba dando uma cansada, e dá para sentir que foi preciso forçar um pouco aqui ou ali para caber uma referência direta a Poe (o sexto episódio, voltado para a filha Tamerlane é um bom exemplo disso) –, mas acho que ele compensa em seu cuidado com as imagens e com uma dramaturgia bem folhetinesca. Alguns momentos brilhantes ali no meio (a sequência da orgia, o monólogo do limão) e nomes no elenco, como Bruce Greenwood e Carla Gugino, em estado de graça.
Sandman (1ª Temporada)
4.1 590 Assista AgoraÉ tipo mil séries em uma, né? Eu entendo o fanservice e a dificuldade de adaptação de histórias isoladas em uma narrativa seriada de episódios contados, mas a sensação que Sandman deixa é que amontoa vários capítulos de uma antologia em uma narrativa que não tem amarração nenhuma: as coisas acontecem sem qualquer fluidez, com quebras entre tramas que penetram os arcos como intervalos comerciais, interlúdios que funcionam bem na concepção e no modo de distribuição de HQs, mas que causam estranheza em um produto de binge-watching da Netflix. Tudo que funciona bem aqui – e sim, tem muito de bom para se destacar; inclusive gosto bastante do episódio 5, enquanto peça de filme de horror –, funciona de forma independente, isolada, sem conseguir completar uma unidade, uma temporada coesa.
Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez
4.4 415Daria para dissertar tecnicamente sobre esse documentário, em como a estética de O Caso Evandro (a trilha, as simulações ilustrativas etc.) parece a ter influenciado e na escolha por um registro mais tradicional, mas o fato é que essa é uma história que sempre nos pegou pelo coração e pelo fígado, então vou por esse caminho. O que há de mais inédito no que Pacto Brutal apresenta nem são os meandros do processo e do caminhar desse caso ao longo das três décadas que nos afasta da noite de 28 de dezembro de 1992, mas sim a dimensão emocional que os depoimentos de Glória Perez e de pessoas próximas traz à tragédia de Daniella Perez, e é o que essa série documental tem de mais potente (muito mais do que o miolo da investigação – em especial, a mal explicada versão de ritual satânico – e o finalmente do julgamento, que soa um tanto corrido), trazer essa noção compartilhada de perda, de desperdício e fazer desse resgate à memória um acender de velas em lamento a um futuro que foi apagado, 30 anos depois.
Euphoria (2ª Temporada)
4.0 540Se for para considerar os episódios como experiências individuais e relativamente isoladas, acho que vi poucas coisas tão bonitas na TV recente quanto alguns dos momentos entregues por este segundo ano de Euphoria – o quinto capítulo, entre todos, segue sendo um dos pontos mais altos da série até aqui; e a despeito de qualquer ressalva, todos os elogios são poucos para Zendaya. Mas, num panorama geral, essa temporada parece meio perdida em seu mosaico de personagens e de subtramas, talvez devido aos rumorosos problemas de bastidores, o que resulta numa falta de foco narrativo meio generalizada. Certamente não evoluiu quase nada enquanto uma história sequenciada e coesa, como poderíamos esperar, mas visualmente talvez tenha chegado no seu ápice.
O Caso Celso Daniel
3.7 15O lançamento dessa série documental, sob o pretexto da efeméride dos vinte anos da morte de Celso Daniel, é de um oportunismo que chega a constranger, e isso fica meio claro na forma como dá um peso às teorias conspiratórias que os argumentos que eventualmente as anulam não chegam a ter – nesse sentido, não é muito diferente da cobertura jornalística que vendia a versão do MP nas manchetes e as elucidações nas notas de canto. Dito isso, gosto de como a narrativa respira como um filme policial e, ao mesmo tempo, como consegue pescar momentos de humanidade de alguns personagens, Celso e Sérgio, em especial, sem derrubar muito a peteca ao longo dos 8 episódios.
Cena do Crime: O Assassino da Times Square
3.4 19 Assista AgoraÉ mais sóbria e concisa do que a temporada anterior sobre o Cecil Hotel, embora ainda padeça daqueles problemas de edição clipada e genérica que as produções de true crime da plataforma frequentemente apresentam. História triste e aterradora, com um contexto social até bem embasado para os três episódios propostos. Dá para ficar na expectativa de quais serão os próximos enredos contados por essa série que, mesmo com os seus percalços, é sempre interessante.
Succession (3ª Temporada)
4.4 188É o que de melhor está acontecendo em termos de série de TV nesse momento, sem muitas comparações, embora algumas linhas narrativas dessa temporada tenham se desenvolvido de forma um tanto quanto dispersa, aqui ou acolá; acho, porém, que Succession nunca esteve tão afiada quanto nessa terceira temporada na maneira como constrói os personagens principais e suas relações, reafirmando os papéis que eles – os da realiza familiar, além dos servos e agregados que os cercam – encenam nessa tragicomédia shakespeariana remontada como um jogo de tronos corporativo. Algumas das sequências do season finale, como a cena entre Kendall e os dois irmãos, estão entre os grandes momentos da série até agora.
Chucky (1ª Temporada)
3.7 339 Assista AgoraÉ quase que uma fanfic do universo do boneco assassino com toda a autoconsciência e autorreferência que cabem a esse tipo de trabalho; tudo bem que todas as relações do núcleo jovem são muito mal desenvolvidas, pra dizer o mínimo, e os personagens adultos são uma piada ruim, mas a série sempre cresce muito quando Chucky surge em tela, afiado e divertido como há muito não se via. Toda tentativa de costura da mitologia do serial killer é uma delícia de fanservice, e propõe possibilidades estimulantes para uma nova temporada, que espero, apare as arestas que essa deixou. Jennifer Tilly, pra variar, roubando todas as cenas.
American Crime Story: Impeachment (3ª Temporada)
3.8 56 Assista AgoraÉ uma história que merecia ser contada agora, à luz do movimento #MeToo e da atmosfera política americana dos últimos anos, para redimensionar algumas perspectivas criadas a partir de como essa narrativa foi elaborada na época e como foi se moldando no imaginário coletivo, mas acho que carecia de um foco narrativo mais bem definido – não parece se decidir entre o thriller político das maquinações por trás do impeachment, ou o drama pessoal do conto de exploração, traição e circo midiático; os episódios, então, oscilam entre essas vertentes, sem explorar o máximo de nenhuma, apesar de alguns excelentes momentos e um elenco sólido. Sempre interessante, ainda que abaixo das temporadas anteriores.
Veneno
4.8 168 Assista AgoraTalvez eu tenha assistido a essa minissérie no estado mais puro que poderia: sem saber que havia de fato uma verdadeira Veneno, de carne e osso, e, por isso, abraçado essa biografia como uma fantasia delirante e apaixonada sobre um ícone que, apesar de desconstruído, jamais perde seu mistério e esplendor – o apelo à esse universo de idealizações é feito pela própria narrativa, que quebra paredes, brinca com efeitos visuais, investe numa dramaturgia novelesca etc. Há uma emoção muito genuína na maneira como a história dessa mulher vai espelhando a história de outras tantas, e sua saga reflita, tanto em seus elementos mais reais quanto em suas ficções mais desvairadas, a vida de pessoas que, assim como ela, foram descobrindo quem são, abrindo os próprios caminhos e fazendo da própria existência um ato cotidiano de resistência e libertação.
Round 6 (1ª Temporada)
4.0 1,2K Assista AgoraMuito barulho por nada. É divertida quando se foca exclusivamente nos jogos e na dinâmica dos participantes, que vão se associando ou se excluindo ao sabor das circustâncias (acho que o episódio das bolinhas de gude é o que melhor explora essas tensões), embora perca muito da graça quando se volta para tramas paralelas, que não chegam a dar em lugar nenhum (a storyline do policial infiltrado é um desses becos sem saída que a série cria pra si mesma). A intenção de ser a ‘crítica social foda’ da vez pesa muito, e as vezes prejudica a maneira como a história se resolve em alguns pontos, a exemplo do final apressado e até meio aleatório, mas, no geral, tá ali na média do entretenimento que a Netflix costuma propor.
Missa da Meia-Noite
3.9 730É uma parábola comovente sobre a nossa própria mortalidade e o medo diante do desconhecido, e é assustadora e trágica ao mesmo tempo por lidar frontalmente com sentimentos tão conflitantes e transformá-los em imagens de horror literal. Não poupa os personagens de suas próprias contradições, de seus temores e do teste às suas crenças mais enraizadas, com a mesma pungência de um Hill House, do mesmo criador, por exemplo - o clímax na igreja é uma joia nesse sentido. Nem tudo se resolve tão bem quanto é introduzido, e há redundância aqui e ali, mas é sempre potente, dramaticamente falando.
João de Deus: Cura e Crime
3.6 95É fichinha perto do trabalho documental produzido pela Globoplay em cima do caso João de Deus. Tenho até certa curiosidade sobre o quanto o lançamento daquela série ano passado afetou essa aqui, feita tão próxima e partindo de pontos parecidos. Essa, porém, parece querer trazer certa ambiguidade não necessariamente à figura do autorreferido médium, mas aos trabalhos na casa de Abadiânia, e isso deixa a sensação de que tudo é muito vago; quer falar sobre as vítimas, o agressor, e também sobre os operários daquele lugar e os que mantém fé nos trabalhos dele até hoje, sem manter o foco em nada específico. É tão superficial que até a entrevista atual do criminoso (oportunisticamente deixada para o finalzinho), que seria um destaque em relação à produção anterior, nem chega a oferecer novas dimensões às discussões que essa minissérie quer tocar.
As 24 Personalidades de Billy Milligan
3.6 51 Assista AgoraNa média da maioria das minisséries de true crime que a Netflix produz. É interessante, apesar de não fazer muito para desconstruir o mito ao redor da figura do homem fragmentado; ao contrário, apesar de frequentemente criticá-lo (aponta que as vítimas jamais tiveram projeção ao contrário do algoz, mas toca nesse outro lado apenas superficialmente, sem nunca jogar uma luz real sobre ele), mais reafirma o imaginário acerca do caso do que propriamente o problematiza. A edição clipada também não ajuda.
Ted Bundy: Apaixonada por um Assassino
4.2 24 Assista AgoraJá conhecemos essa história de cabo a rabo, mas há, sim, um quê de novidade na maneira como a narrativa aqui passa a ser apropriada não pelo costumeiro olhar do predador, mas pelas vítimas diretas ou indiretas dele, que nos ajudam a compreender melhor a cultura misógina na qual o caso esteve inserido agora que, à luz de uma revisão, finalmente ganham espaço para falar. Perde um pouco da força lá pelas tantas quando se estende em excesso nos fatos pós a prisão, mas é uma série pontuada por depoimentos potentes e reveladores.
Helter Skelter: An American Myth
3.3 1O documentário promete quebrar com o mito que se formou ao redor do Helter Skelter, mas, como a maior parte dos produtos que se propõem a contar esse caso, é mais um que se rende ao misto de fascínio e abjeção que o tornou lendário no imaginário americano. É bem rico em arquivos da época (o primeiro episódio é tão farto de material que ele é conduzido sem a necessidade das tradicionais “cabeças falantes” que conduzem produções do gênero, e da qual essa aqui não foge, a partir dos episódios seguintes) e, mesmo soando longo e até repetitivo, não deixa de ser sempre interessante e intrigante, mesmo para quem já viu essa história narrada milhões de outras vezes.
Elize Matsunaga: Era Uma Vez um Crime
3.4 386Para além das questões de gênero que permearam o enredo do caso na mídia e seu julgamento, a figura da condenada – aos moldes de The Jinx, minissérie true crime da HBO que entrevista um sujeito suspeito por vários crimes – é sempre muito nebulosa, nunca chega a convencer realmente em seus relatos e, em seus melhores momentos, o documentário explora essa ambiguidade. Mas, no geral, é muito, mas muito mal estruturado mesmo, narrativamente falando, a ponto de tornar confuso um caso simples, conhecido e repisado, por uma linha do tempo bagunçada, que vai e volta, sem criar qualquer tensão ou expectativa. Tinha potencial pra mais.
O Caso Evandro
4.5 249É uma experiência complementar para quem ouviu os 36 episódios do podcast e ao mesmo tempo funciona muito bem individualmente como plano geral sobre o caso do menino Evandro para aqueles que embarcam sem quaisquer informações prévias sobre o crime. Não é só bem sucedido em emular o efeito imersivo que tiveram os ouvintes, muito por conta da participação mediadora de Ivan Mizanzuk e, especialmente, do trabalho de trilha incrível de Felipe Ayres, como resgata aquele componente humano que a série em áudio jamais perdeu de vista: por trás das tragédias, das acusações e das paranoias, pessoas inocentes que tiveram suas vidas destruídas apelando pelo seu direito à justiça. Em vários momentos, de partir o coração.
Mare of Easttown
4.4 655 Assista AgoraSeriado policial com uma trama de crime-em-cidadezinha-interiorana que não tenta reinventar a roda em seus desdobramentos investigativos, mas parece de fato interessado nos humanos que povoam a paisagem fria e pacata em disrupção por uma sucessão de tragédias. Não é instigante necessariamente só pelas viradas de enredo, mas em como os novos caminhos e descobertas obrigam os personagens a olharem para si, testam as relações que estabelecem com pessoas que amam e oferece um tempo de reflexão para as coisas serem digeridas dentro do possível, como um processo de luto. Acho que foi a surpresa do ano, e devo dizer que não via Kate Winslet tão bem assim desde Mildred Pierce. HBO faz um bem danado a ela.
Halston
3.9 67 Assista AgoraComecei essa minissérie sem ter muita ideia de quem era o tal Halston e aqui estou, escrevendo essas linhas depois de finalizar os cinco episódios, seguindo sem saber quem era esse homem, porque não há muito interesse aqui em ir além do mito da moda americana. Há um fetiche pela época, que rende uma concepção excessivamente estilizada por trás de cenários, figurinos e até performances, que pode até agradar se você pensar que está vendo uma fantasia afetada de cultura vintage e estilos de vida opulentos e não uma biografia comprometida em humanizar as figuras, como parecia ser a intenção.
Obs.: não sei se é a melhor atuação de Ewan McGregor, mas certamente no quesito segurar cigarros, cruzar pernas e fazer carão ele mereceria todos os prêmios
The Outsider
3.7 227 Assista AgoraValeria um longa-metragem de duas horas e tanto ou, vá lá, no máximo uma minissérie seis capítulos essa estendida temporada de The Outsider. Parece sempre ser um trabalho complicado adaptar os tijolões de Stephen King para as telas e o que eu posso dizer sobre esta série é que ela faz um serviço competente em preparar uma atmosfera de apreensão forte mesmo, e segurá-la bem, mesmo quando o mistério vai se dissolvendo, mas é inegável que perde muito de seu fôlego para sustentar uma trama que poderia se resolver em um tempo mais conciso. Cynthia Erivo é o destaque.
22.11.63
4.2 270 Assista AgoraConfesso que a razão por não ter curtido é um pouco minha, pelas expectativas que eu criei, que, a despeito do rolê de viagem do tempo, previam um thriller político eletrizante, que iria se valer desses elementos históricos para dar uma dinâmica inventiva à narrativa policial, e não necessariamente uma história de romance folhetinesco comum, com privações e pontuais obstáculos. Tudo que se refere ao cenário da conspiração é bem frouxo mesmo, e há uma preocupação maior em justificar as relações de afeto entre as personagens, do que propriamente investir em uma trama de ação mais contundente.
The Undoing
3.7 254 Assista AgoraMais uma para surfar na onda de Big Little Lies das adaptações de thrillers domésticos literários para minisséries de TV, só que dessa vez sem a densidade ou mesmo a sagacidade do produto, também estrelado pela Nicole Kidman, que movimentou essa demanda. Não que o fator surpresa costume ser uma característica marcante em trabalhos como esse, mas usualmente sabem jogar bem com o elemento melodramático que envolve o enredo, explorando o viés novelesco inerente a essas tramas de casamento, traição e crime, coisa que The Undoing faz muito mal. É bem questionável a forma como se debruça tanto sobre um mistério tão frágil em detrimento dos personagens e das relações que estabelecem entre si; esses acabam tendo papéis muito burocráticos, já que há pouca ou nenhuma função para o que dizem, sentem e se comportam além de serem elementos para manter o joguinho de detetive, desviar suspeitas e criar leves cortinas de fumaça. Decepcionante.
A Maldição da Mansão Bly
3.9 922 Assista AgoraÉ decepcionante a forma como essa nova temporada limpa a ambiguidade do texto de Henry James em função de uma abordagem melodramática bem simplória mesmo – acho que Hill House foi bem mais precisa em traduzir as complexidades psicológicas de seu material-base para aquele painel familiar abalado; Bly Manor, ao contrário, subtrai de A Volta do Parafuso os elementos desviados que carregavam sua atmosfera, em nome de uma história de amor pouco convincente. Gosto do modo como estabelece laços afetivos entre (e com) os personagens, que funcionam para que nos envolvamos com a trama senão por sua construção de horror, certamente pelo apelo sentimental, e acho que o elenco ajuda nisso, em especial Victoria Pedretti, mas, sabendo das potencialidades da história original, que já havia rendido uma adaptação brilhante, o saldo de Bly Manor não deixa de ser um tanto frustrante.