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ESTA NÃO É UMA RESENHA DO FILME
Faz pouco tempo que venho experimentado uma redescoberta à televisão. Vez ou outra, através da força de um hábito que renasce, ligo a tevê para ver se algo me agrada. Foi assim que descobri dois documentários que me tocaram. O primeiro foi “Noite e Dia - Lima Barreto, Obra & Vida”, nele conheci parte da história inoficial do país através da vida incélebre e da obra inapreciada de Afonso Henriques de Lima Barreto. Já o segundo foi o documentário “Migliaccio, o Brasileiro em Cena”, que conta a trajetória nos filmes e vida de Flávio Migliaccio.
Desta vez, era domingo e após assistir a reprise semanal da novela “Andando nas Nuvens”, fiquei curiosa para saber qual ração estava sendo servida à população brasileira na televisão paga. Sem nenhuma expectativa de encontrar algo que me chamasse à atenção, acabei me deparando com “A fantástica fábrica de chocolates”. Assisti esse filme diversas vezes na infância e então acabei me dando a oportunidade de vê-lo novamente, pois sabia que ao menos teria alguma diversão.
Diversão foi pouco. Quando criança, tínhamos o DVD desse filme em casa e eu sabia alguns diálogos de cor, ou melhor ainda sei. Há uma frase, em especial, dita por Willy Wonka quando ele se apresenta aos visitantes que até hoje faz parte do meu repertório: “Bom dia, estrelinhas. A terra diz olá!”. E assim quebro o gelo com crianças ou adultos, ou, involuntariamente, intensifico algum incômodo social. Meu primeiro impulso foi de colocar o idioma original do filme, mas assim talvez estivesse vendo um filme novo. Eu queria a redescoberta do filme de infância, então assisti em português.
No filme, conhecemos Charlie e sua família e através deles conhecemos o mundo. Charlie mora com seus pais e seus quatro avós, na minha leitura os seus dois avôs cumprem um papel fundamental no filme. O avô, que suponho ser materno, Joe, foi operário na fábrica de chocolates. É ele quem apresenta Willy Wonka e narra entusiasmadamente seus feitos, como o de ter saído de uma pequena loja de esquina para abrir a maior fábrica de chocolates do mundo. Joe também relata o declínio da fábrica, quando os concorrentes passaram a roubar e a replicar as receitas de Wonka e, por conta disso, ele decide fechar a fábrica para sempre. Quando Joe termina a história, Charlie, percebendo a contradição, diz que a fábrica não fechou para sempre, então sua mãe responde que quando os adultos dizem “para sempre”, significa apenas que durará muito tempo. É aí que destaco o segundo avô, George, pai do pai de Charlie, que responde em tom de queixa que comerá sopa de repolhos para sempre. George ao longo do filme vai se apresentando como um duro guidão da realidade diante da sinuosa fantasia da família.
Por falar em fantasia, Joe ainda tem o sonho de voltar à fábrica de chocolates. É aí que ficamos sabendo que Willy Wonka abrirá os portões de sua fábrica para 5 crianças e que uma delas ganhará um prêmio tão sublime e quintessencial que eu mesma são sei como descrever em palavras nesse exato momento. A única condição para ser uma dessas crianças é achar o convite dourado numa de suas barras de chocolate. Assim, as vendas dos chocolates Wonka disparam no mundo todo. A família de Charlie, com exceção do avô George, alenta a esperança que Charlie possa ser uma dessas crianças. Faltou dizer ainda que, inspirado pelas histórias do avó Joe, Charlie também estabelece uma admiração por Willy Wonka. Tanto é que ele montou ao longo de algum tempo uma maquete do prédio da fábrica de chocolates feita de tampas de pasta de dente que seu pai traz quando pode do trabalho. Achar o convite dourado é a chance de Charlie conhecer esse gênio misterioso que seu avô tanto fala e que ele também admira.
Os convites vão aparecendo um a um na televisão da casa ou no jornal lido pela família. A cada novo convite achado há uma espécie de desânimo. Mesmo com poucos recursos para comprar chocolates, o sonho de Charlie e do avô Joe é tão grande que quase todos acreditam que ele visitará a fábrica de chocolates. Os pais, então, antecipam o presente de aniversário do filho que é uma barra de chocolate, mas o convite não estava lá. O avô Joe então usa todo dinheiro de suas economias para que o neto possa ter mais uma chance e nada feito. E assim foram esgotadas as possibilidades de Charlie achar o convite dourado. Mas enquanto o último convite não era achado, a esperança ainda estava viva.
A notícia de que o quinto convite apareceu agora surge fora de sua casa. Charlie, nos portões da fábrica, ainda não abandona completamente sua esperança. Como se por um capricho, o destino quisesse recompensá-lo no último momento – não de forma milagrosa, mas como efeito da junção de fatores, ou melhor, de desejos – Charlie encontra uma nota de dinheiro na rua, corre para a loja mais próxima e compra uma barra de chocolate. Ele decide abri-la no mesmo instante e enfim encontra o último convite dourado, pois o que apareceu antes era falso. Estupefato ele recebe ofertas pelo convite. O dono da loja dá um basta nos clientes de olhos crescidos e diz para Charlie não entregar o convite a ninguém e ir direto para casa.
Ao chegar em casa anunciando ter encontrado o último convite dourado todos ficam atônitos. O avô Joe, que até então aparecia apenas deitado na cama, levanta-se e dança de alegria. Quando a família a se atenta às questões práticas da visita à fábrica, Charlie fala sobre a oferta de 500 dólares que recebeu pelo convite e que a família precisa mais de dinheiro do que de chocolates. É nesse momento que o avô George fala a coisa mais realista dentre todas as outras que falou até então. Tomei a liberdade de transcrever esse trecho do diálogo abaixo:
— Existem [sic] muito dinheiro por aí e imprimem mais a cada dia. Já este convite, só existem 5 deles no mundo todo e nunca mais vai existir. Vai ser burro de trocar isso por uma coisa tão comum quanto dinheiro? Me diz, você é burro?
— Não, senhor – diz Charlie.
— Então tire a lama da calça, você tem que ir àquela fábrica – conclui o avô George.A minha suspeita é de que o avô George, apesar de expressar o contrário, escondesse a fantasia de que seu neto também pudesse ser uma das crianças a visitar a fábrica de chocolates. O que ele diz a Charlie, embora ainda corresponda a uma certa lógica, é repleto de amor e o amor não precisa ser previsível, lógico ou certo. Charlie e nós sabemos que algum dinheiro poderia fazer uma diferença momentânea para a família. Mas burrice, como disse George, não é ficar sem dinheiro, mas vender um sonho, ou melhor, um desejo. Dificilmente o dinheiro compra algum desejo. O desejo exige muito mais, é o risco que se toma ao dizer sim ou não e tudo que vem, ou se imagina, depois.
Charlie e o avô Joe vão à Fábrica e aí o filme ganha outro tom. As crianças e seus responsáveis encontram Wonka na entrada da fábrica, se apresentam e iniciam a visita. As 4 crianças, Augustus, Violet, Veruca e Mike, representam, cada qual, uma falha de caráter típica do mundo do capital. Augustus é guloso, demonstra não ter limites nem senso na hora de comer chocolates. Violet é ultracompetitiva, faz o que for necessário para torna-se a melhor e superar os outros, Veruca é mimada, não aceita ser contrariada e ter seus gostos negados, enfim não aceita estar em falta. E, por fim, Mike é um “nerd” que usa sua inteligência a serviço de interesses mesquinhos.
Essas falhas de caráter das crianças são presas perfeitas para os locais visitados na fábrica. Primeiro Augustus quase se afoga no rio de chocolate, em seguida Violet se torna o primeiro ser humano a provar o chiclete das 3 refeições, mas ignora as advertências de que ele está em fase de testes e contrai uma mutação de amora, depois Veruca ficou obcecada por um esquilo que não poderia ter e foi parar no lixão, e, por fim, Mike, também ignorando as contraindicações, se teletransportou para a televisão, se encolheu e depois foi esticado. Sem que se falassem em regras, elas foram uma a uma ficando no caminho ao som da trilha sonora acertada de Danny Elfman. Wonka não esconde seu voyerismo de ver as crianças se dando mal, acho que pode estar relacionado ao fato de ele evitar sua infância e até mesmo recusar-se a falar a palavra “pais”. Vemos seus lapsos de memória e sua reação ambivalente, mascarado e ensimesmado.
Quando só restou Charlie, Wonka o parabeniza, diz que desconfiava desde o princípio que Charlie seria a criança vencedora e o leva para casa em seu elevador de vidro. O que ele não desconfiava era que Charlie recusaria seu prêmio sublime e quintessencial, ganhar a fábrica de chocolates, pois Charlie não aceitou se mudar para a fábrica sem sua família. Para Wonka, ele não teria chegado onde chegou se sua família estivesse presente o atrapalhando, como ele mesmo disse. Sabemos que seu pai, dentista, o proibia de comer chocolates e foi terminantemente contra a escolha de sua profissão de chocolateiro. Os dois romperam relações e Wonka foi atrás de seu sonho.
Depois disso Wonka entra em crise. Os chocolates não vendem, ele não tem mais ideias geniais. Por outro lado, a família de Charlie está prosperando, o pai de Charlie não está mais desempregado e o vovô George não come mais sopa de repolho. Wonka no divã conclui que os chocolates são um reflexo de seu estado mental: se ele não está bem os chocolates não saem bem. Ele também sabe o motivo de não estar bem, tem a ver com seu pai e procura Charlie para ajudá-lo nisso. Os dois vão, sem marcar horário, ao consultório do Dr. Wonka, sobre o pretexto de um atendimento para Willy. O local está repleto de notícias de jornais sobre a jornada de sucesso de Willy Wonka. Charlie vai descobrindo esse material, equanto Willy está sendo examinado pelo seu pai. Como um típico pai e bom dentista, o Dr. Wonka reconhece a arcada dentária de seu filho, ambos se abraçam constrangidos e aparentemente restauram o laço rompido. Assim, Willy Wonka pôde aceitar a família de Charlie, recuperou seu ânimo e ambos uniram-se em criatividade no trabalho com os doces.
Outro dia, me deparei com um trecho de uma entrevista de Gene Wilder, o Willy Wonka do primeiro filme de 1971. Wilder disse que só aceitou o papel de Wonka sob a condição de que, na cena de recepção das crianças para a visita, ele pudesse se apresentar mancando de bengalas e depois fizesse uma cambalhota e mostrasse que, na realidade, tem plenas condições físicas. Para Wilder, depois desse momento, não haveria a certeza de nada vindo de seu personagem. Na vida, essa parece ser a coisa mais verdadeira: não se pode ter certeza de nada. Willy Wonka não fechou a fábrica para sempre, vovô George não comeu sopa de repolho para sempre, romper com a família não é a única maneira de tornar-se gênio, dinheiro não compra tudo e eu não sei do que estou falando, mas estou falando.
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Meu nome é Gal fez corresponder à cantora como tal: acanhada e voz de cristal, alento e fatal. Era assim que Gal era, era partida, era inteira, era o olhar do outro sobre ela mesma, era o risco que se toma ao dizer sim ou não. O filme é uma homenagem. Penso que Gal se agradaria, que daria boas risadas do temperamento caricato de Caetano, que lembraria com amor e dor das pessoas e dos acontecimentos de sua vida, mesmo que não tenham acontecido da maneira que o filme mostrou. Pra falar a verdade, não há profundidade no filme, pontos importantes do roteiro são encenações dos relatos mais batidos de Gal em entrevistas. O documentário 'O nome dela é Gal' é bom um contraponto, é mais leal aos personagens e à própria Gal. A interpretação de Sophie no filme é sem dúvidas o ponto alto. A atriz tem algo no olhar que me lembra a própria Gal, é alguma coisa entre medo e desejo que não consigo definir. Como conclusão só consigo pensar que o filme e a vida de Gal coincidem em algo: ambos sofreram pela ausência de coragem.
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isa
tantos filmes que gostaria de assistir de novo pela primeira vez, é uma angústia. mas aí penso em todos os outros filmes que parecem maravilhosos e ainda não vi kkkk ah, também peguei várias recomendações dos teus favoritos, já queria assisti-los todos! obrigada por aparecer por aqui :)
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isa
oi, karolina! fico feliz que você tenha aceitado, também gosto de acompanhar pessoas por aqui. o filmow tem sido meu cantinho nesses dias. adorei ver seus favoritos, fiquei com vontade de assistir um monte de coisas! rohmer é nosso xuxuzinho então, sou encantada por seus filmes <3
bem-vinda também, viu! -
Jules F. Melo Borges
Já tentou o Letterboxd? Tem muitos brasileiros por lá. Geralmente é pra um público mais dedicado. https://letterboxd.com/julesfmb/
AINDA ESTAMOS AQUI!
Acordei, nesta segunda-feira, totalmente surpreendida com a notícia da premiação de melhor atriz recebida por Fernanda Torres no Globo de Ouro. Meu coração, lá no fundo, guardava a esperança que Fernanda e o Brasil recebessem esse reconhecimento, mas minha mente dizia que seria um “salto” para hollywood premiar uma brasileira na principal categoria de atuação. Abri as mensagens de amigos comemorando a conquista, fui logo assistir aos vídeos da entrega do prêmio, o discurso de Fernanda, o que as pessoas que sigo estavam comentando e compartilhando nos seus perfis, enfim entrei no clima de vitória e de lavagem de alma.
Aos poucos, e ainda festejando, voltei a conclusão que tive quando Fernanda foi indicada ao prêmio: “o Brasil vai salvar hollywood”. Há salto de fato? Um amigo desencantado já tinha me alertado que Fernanda, aos 18 anos, ganhou o prêmio de melhor atriz em Cannes, pelo filme “Eu sei que vou te amar”, e, para ele, ela não precisa da validação de um Oscar ou de qualquer outro prêmio de Hollywood. Eu concordo, Fernanda é brilhante. Para mim, o mais bonito de sua atuação em “Ainda estou aqui” foi transmitir a dignidade e coragem de Eunice Paiva no enfrentamento de uma dor que dita e dura a vida.
Eu já fui de acompanhar mais essas premiações de hollywood. Há 5 anos, “Parasita” recebeu o prêmio de melhor filme, o primeiro filme em língua não inglesa que ganhou na categoria, e essa talvez tenha sido a última vez que assisti à cerimônia do Oscar. Na pandemia, por um momento, eu mergulhei no cinema. Pude dar mais atenção a certos movimentos, certos diretores, certos gêneros, os quais hoje acompanham meus gostos, minhas escolhas. E então eu tomei abuso dos filmes do Oscar. Todo início de ano e aí vem uma leva de filmes estadunidenses que se não fossem filmes feitos e propagados por hollywood, não ganhariam tanta atenção, até porque poucos merecem. Parasita então selou o aperto de mãos entre hollywood e a Coreia do Sul. O cinema sul-coreano é um dos mais interessantes mundo à fora, adoro os filmes de Hong Sang-soo e o filme “Mother - a busca pela verdade”, de Bong Joon-ho, me impactou quando o vi. Bastou os Doramas ganharem certa popularidade e já temos uma enxurrada de novelas, séries e filmes sul-coreanos nos streamings. Depois do sucesso de Parasita, hollywood também convidou Bong Joon-ho para fazer um “remake” de seu próprio filme por lá com atores de lá também. Não sei o que se sucedeu daí, mas torço sinceramente que a ideia não tenha saído do papel.
O ponto que quero chegar é: ninguém mais dá tanta bola pro Oscar. Os próprios membros da Academia não assistem aos filmes que precisam votar. A audiência da cerimônia de premiação vem despencando ano após ano. Já cogitaram criar uma categoria para indicar filmes “blockbusters” com o objetivo de tornar a premiação mais popular. Todo ano há alguma inovação e, ao meu ver, a campanha por “Ainda estou aqui” e Fernanda Torres mostram que o Brasil é a bola da vez. O nosso ultra engajamento nas redes sociais, a nossa paixão por aquilo que gostamos e, sejamos honestos, nossa carência por reconhecimento externo são a receita perfeita para alavancar o sucesso de qualquer coisa. Nós tornamos uma pessoa sentada na janela de um avião e até um ator medíocre de hollywood super seguidos nas redes sociais. A quem estamos entregando o poder de definir nosso valor? A um bando de gringos ignorantes? Vamos ao cinema para ver os filmes de Kleber Mendonça Filho, por exemplo, possivelmente sob a influência do fato deles terem sido lançados em Cannes.
A minha aposta é que “Ainda estou aqui” deve levar o prêmio de melhor filme estrangeiro no Oscar, eu vi que Guilhermo del Toro e Afonso Cuarón, diretores mexicanos prestigiados em hollywood, abraçaram a causa e publicamente se associaram de alguma forma à campanha do filme brasileiro. Quanto à Fernanda Torres, eu também vi que a imprensa de lá também está explorando a enredo familiar das Fernandas, a injustiça de 25 anos atrás que agora será justiçada e também pega bem mostrar que são capazes de apreciar filmes com legendas. Ganhando ou não ganhando é preciso lembrar que, mesmo sem eles, ainda podemos celebrar e exaltar nosso valor.