Pistas, Sonhos e (Auto) Ilusões - Uma Defesa do Último Episódio de "Twin Peaks"
(Artigo lotado de spoilers, nem clique no link abaixo se não tiver visto Twin Peaks até o final)
"Queria finalmente fazer por escrito a minha defesa do último episódio da segunda temporada de Twin Peaks como, sim, o final da série. Não um final em aberto fruto de um cancelamento, mas sim como um desfecho definitivo, digno, coerente e, na minha sincera opinião, perfeito para essa série que transformou os paradigmas das séries de TV. Digo mais: independente do que vier a acontecer na nova série prevista para 2016, não alterará o status do "Episódio 29" como o melhor final que Twin Peaks poderia ter tido."
"(...) Pra começo de conversa é uma delícia ver o horror gótico tratado com seriedade e dignidade, sem a menor sombra de humor, a não ser o mais negro (aquele que só causa risos nervosos, se é que me entendem). Nada contra as abordagens mais "irreverentes", eu mesmo admito que me diverti acompanhando True Blood durante esses sete anos, também achei as primeiras temporadas de Supernatural bacaninhas como diversão bocó e morro de rir com o cinismo descarado de American Horror Story e seu nonsense gore over do over... mas, até por esses exemplos, é possível perceber que o mercado está saturado de "terror metido a engraçadinho", ao menos no que se refere ao registro do fantástico (apenas as séries de horror realistas, com seus psicopatas, parecem se levar a sério). Assim, é um deslumbre ver que Penny Dreadful não é um pretexto para uma variação "descoladinha" dos personagens da literatura gótica clássica. Ao contrário, Logan e seus colaboradores parecem de fato compreender algo que o cinema e mesmo a literatura de horror atuais, derivados de tantas tentativas de modernização do gênero, parecem ter esquecido ou ao menos perdido a perspectiva: "dar medo" não é o objetivo primordial do horror (muito menos "dar sustos", obsessão do cinema pipoca americano, como o termo scary movie deixa evidente). "Dar medo" é algo muito vago, muito relativo. Algumas pessoas dizem que um filme de horror é ruim porque "não deu medo" enquanto outras, vendo o mesmo filme, dizem nunca ter sentido tanto medo na vida. Não, "dar medo" é apenas um dos elementos que compõem o coquetel de temas e emoções que o horror explora. O verdadeiro coração do gótico é a melancolia. A angústia perante os mistérios da vida e da morte, da existência ou não de algo além, da condição humana, enfim, encarada em seus aspectos mais sombrios. As matérias primas do horror são a culpa, o arrependimento, o pesar, a carência, a maldade, os sentimentos ruins que machucam, os venenos do espírito. Daí emergem os fantasmas, demônios, vampiros... e, em consequência, o medo. Não o medo dos monstros em si, mas daquilo que representam: o memento mori. O gótico é um coração partido. (...)"
Gente, fiquei meio confuso em relação ao número de episódios: o IMDB diz que são três, mas a maioria dos packs de legendas e torrents lista apenas dois, cada um com uma hora e meia. Deduzi que originalmente eram três episódios de uma hora que depois foram remontados pra dois. É isso mesmo?
1) Sim, infelizmente o seriado não tem final. Foram produzidas duas séries de quatro episódios cada, "Riget" e "Riget II". Aparentemente, havia planos para concluir a série com "Riget III", porém dois dos atores principais, primeiro Ernst-Hugo Järegård e depois Kirsten Rolffes, faleceram antes que as filmagens começassem. Quem assistiu a série sabe que seria inconcebível continuar sem eles.
2) Vale a pena assistir mesmo assim? Sem dúvida!! Simplesmente porque os oito episódios produzidos são muito melhores do que muita série com final por aí. E, pra quem gosta de formular teorias malucas, os ganchos em aberto no último episódio são um prato cheio pra viajar ;)
3) O remake americano "Kingdon Hospital" vale a pena? Não, a produção falha miseravelmente ao tentar reproduzir o estilo bizarro de Von Trier sem de fato acreditar nesse estilo (os comentários em aúdio no primeiro episódio são super desrespeitosos e demonstram um flagrante menosprezo pela série original). Diz a lenda que a produção de "Kingdon Hospital" teve acesso aos roteiros dos últimos episódios não produzidos de "Riget", mas não dá pra perceber isso no produto final.
Twin Peaks é uma obra-prima em inúmeros aspectos que não precisam ser resumidos aqui, pois muita gente já escreveu a respeito internet afora, não há necessidade de chover no molhado (só não resisto a dizer que, no mínimo, a série tem o melhor piloto e o melhor "series finale" de todos os tempos). Porém, não é nada incomum o público ficar decepcionado da metade pra frente da segunda temporada, depois que o mistério do assassinato é solucionado. Isso é perfeitamente compreensível, a série perde mesmo o rumo nessa fase e a qualidade geral cai drasticamente. Entretanto eu sempre sugiro que se tenha paciência e mantenha em mente o seguinte: naquela época a lógica da produção de um seriado era muito diferente de hoje. Hoje é perfeitamente concebível que um seriado seja planejado para durar um número pré-definido de temporadas ou mesmo seja produzido por completo antes de ir ao ar (como acontece em canais como HBO, por exemplo) mas na época de Twin Peaks a lógica era que uma série ficasse no ar enquanto tivesse audiência. Seria inconcebível para o estúdio (e mesmo para os autores) sequer cogitar em encerrar a série na solução do assassinato, justamente no momento de maior audiência. Não faz diferença que isso seja melhor para a história ou não. Assim, não havia escolha: a série tinha que forçar um jeito de continuar enquanto o público continuasse interessado, mesmo que não houvesse mais história pra contar. O resultado disso era inevitável. Tem outros problemas que não são exatamente culpa da série, por exemplo o excesso de "atores convidados" na segunda temporada, outra imposição do paradigma de "série de sucesso" que simplesmente não combinava com "Twin Peaks", mas os roteiristas tiveram que lidar com isso de qualquer forma. Twin Peaks mudou paradigmas na produção de séries de TV, mas não teve chance de usufruir de algumas dessas mudanças. Entretanto vale muito a pena compreender e perdoar as falhas da segunda temporada, pois mesmo com inúmeros erros a série ainda tem momentos brilhantes espalhados pelos episódios finais. Mais acima de tudo, vale a pena chegar ao último episódio, que consegue compensar todos os erros anteriores de forma espetacular. O "series finale" de Twin Peaks (dirigido por David Lynch praticamente no improviso, pois vários atores testemunham que o roteiro foi basicamente largado na escrivaninha) não só é o melhor episódio da série inteira, como provavelmente uma das horas mais arrojadas que a TV aberta já teve condições de produzir. Numa palavra: obra-prima.
Twin Peaks (2ª Temporada)
4.2 299Pistas, Sonhos e (Auto) Ilusões - Uma Defesa do Último Episódio de "Twin Peaks"
(Artigo lotado de spoilers, nem clique no link abaixo se não tiver visto Twin Peaks até o final)
"Queria finalmente fazer por escrito a minha defesa do último episódio da segunda temporada de Twin Peaks como, sim, o final da série. Não um final em aberto fruto de um cancelamento, mas sim como um desfecho definitivo, digno, coerente e, na minha sincera opinião, perfeito para essa série que transformou os paradigmas das séries de TV. Digo mais: independente do que vier a acontecer na nova série prevista para 2016, não alterará o status do "Episódio 29" como o melhor final que Twin Peaks poderia ter tido."
http://lordevelho.blogspot.com.br/2015/03/pistas-sonhos-e-auto-ilusoes-uma-defesa.html
Penny Dreadful (1ª Temporada)
4.3 1,0K Assista Agora"(...) Pra começo de conversa é uma delícia ver o horror gótico tratado com seriedade e dignidade, sem a menor sombra de humor, a não ser o mais negro (aquele que só causa risos nervosos, se é que me entendem). Nada contra as abordagens mais "irreverentes", eu mesmo admito que me diverti acompanhando True Blood durante esses sete anos, também achei as primeiras temporadas de Supernatural bacaninhas como diversão bocó e morro de rir com o cinismo descarado de American Horror Story e seu nonsense gore over do over... mas, até por esses exemplos, é possível perceber que o mercado está saturado de "terror metido a engraçadinho", ao menos no que se refere ao registro do fantástico (apenas as séries de horror realistas, com seus psicopatas, parecem se levar a sério). Assim, é um deslumbre ver que Penny Dreadful não é um pretexto para uma variação "descoladinha" dos personagens da literatura gótica clássica. Ao contrário, Logan e seus colaboradores parecem de fato compreender algo que o cinema e mesmo a literatura de horror atuais, derivados de tantas tentativas de modernização do gênero, parecem ter esquecido ou ao menos perdido a perspectiva: "dar medo" não é o objetivo primordial do horror (muito menos "dar sustos", obsessão do cinema pipoca americano, como o termo scary movie deixa evidente). "Dar medo" é algo muito vago, muito relativo. Algumas pessoas dizem que um filme de horror é ruim porque "não deu medo" enquanto outras, vendo o mesmo filme, dizem nunca ter sentido tanto medo na vida. Não, "dar medo" é apenas um dos elementos que compõem o coquetel de temas e emoções que o horror explora. O verdadeiro coração do gótico é a melancolia. A angústia perante os mistérios da vida e da morte, da existência ou não de algo além, da condição humana, enfim, encarada em seus aspectos mais sombrios. As matérias primas do horror são a culpa, o arrependimento, o pesar, a carência, a maldade, os sentimentos ruins que machucam, os venenos do espírito. Daí emergem os fantasmas, demônios, vampiros... e, em consequência, o medo. Não o medo dos monstros em si, mas daquilo que representam: o memento mori. O gótico é um coração partido. (...)"
http://lordevelho.blogspot.com.br/2014/09/penny-dreadful-redescobrindo-o-horror.html
Falsas Aparências
4.3 190Gente, fiquei meio confuso em relação ao número de episódios: o IMDB diz que são três, mas a maioria dos packs de legendas e torrents lista apenas dois, cada um com uma hora e meia. Deduzi que originalmente eram três episódios de uma hora que depois foram remontados pra dois. É isso mesmo?
O Reino
4.0 73 Assista AgoraSó pra esclarecer:
1) Sim, infelizmente o seriado não tem final. Foram produzidas duas séries de quatro episódios cada, "Riget" e "Riget II". Aparentemente, havia planos para concluir a série com "Riget III", porém dois dos atores principais, primeiro Ernst-Hugo Järegård e depois Kirsten Rolffes, faleceram antes que as filmagens começassem. Quem assistiu a série sabe que seria inconcebível continuar sem eles.
2) Vale a pena assistir mesmo assim? Sem dúvida!! Simplesmente porque os oito episódios produzidos são muito melhores do que muita série com final por aí. E, pra quem gosta de formular teorias malucas, os ganchos em aberto no último episódio são um prato cheio pra viajar ;)
3) O remake americano "Kingdon Hospital" vale a pena? Não, a produção falha miseravelmente ao tentar reproduzir o estilo bizarro de Von Trier sem de fato acreditar nesse estilo (os comentários em aúdio no primeiro episódio são super desrespeitosos e demonstram um flagrante menosprezo pela série original). Diz a lenda que a produção de "Kingdon Hospital" teve acesso aos roteiros dos últimos episódios não produzidos de "Riget", mas não dá pra perceber isso no produto final.
Twin Peaks (2ª Temporada)
4.2 299Twin Peaks é uma obra-prima em inúmeros aspectos que não precisam ser resumidos aqui, pois muita gente já escreveu a respeito internet afora, não há necessidade de chover no molhado (só não resisto a dizer que, no mínimo, a série tem o melhor piloto e o melhor "series finale" de todos os tempos).
Porém, não é nada incomum o público ficar decepcionado da metade pra frente da segunda temporada, depois que o mistério do assassinato é solucionado. Isso é perfeitamente compreensível, a série perde mesmo o rumo nessa fase e a qualidade geral cai drasticamente. Entretanto eu sempre sugiro que se tenha paciência e mantenha em mente o seguinte: naquela época a lógica da produção de um seriado era muito diferente de hoje. Hoje é perfeitamente concebível que um seriado seja planejado para durar um número pré-definido de temporadas ou mesmo seja produzido por completo antes de ir ao ar (como acontece em canais como HBO, por exemplo) mas na época de Twin Peaks a lógica era que uma série ficasse no ar enquanto tivesse audiência. Seria inconcebível para o estúdio (e mesmo para os autores) sequer cogitar em encerrar a série na solução do assassinato, justamente no momento de maior audiência. Não faz diferença que isso seja melhor para a história ou não. Assim, não havia escolha: a série tinha que forçar um jeito de continuar enquanto o público continuasse interessado, mesmo que não houvesse mais história pra contar. O resultado disso era inevitável. Tem outros problemas que não são exatamente culpa da série, por exemplo o excesso de "atores convidados" na segunda temporada, outra imposição do paradigma de "série de sucesso" que simplesmente não combinava com "Twin Peaks", mas os roteiristas tiveram que lidar com isso de qualquer forma. Twin Peaks mudou paradigmas na produção de séries de TV, mas não teve chance de usufruir de algumas dessas mudanças.
Entretanto vale muito a pena compreender e perdoar as falhas da segunda temporada, pois mesmo com inúmeros erros a série ainda tem momentos brilhantes espalhados pelos episódios finais. Mais acima de tudo, vale a pena chegar ao último episódio, que consegue compensar todos os erros anteriores de forma espetacular. O "series finale" de Twin Peaks (dirigido por David Lynch praticamente no improviso, pois vários atores testemunham que o roteiro foi basicamente largado na escrivaninha) não só é o melhor episódio da série inteira, como provavelmente uma das horas mais arrojadas que a TV aberta já teve condições de produzir. Numa palavra: obra-prima.