No ano de 2012 duas Brancas de Neve disputaram a atenção do público. Nenhuma das duas valia muito a pena, mesmo tendo achado engraçadinha a versão pomposa de Tarsem Singh. Passando despercebida estava uma terceira, mais bem elaborada e que, como as outras, toma liberdades ao modificar algumas características e acontecimentos do conto clássico dos irmãos Grimm. Nesse filme, Branca de Neve se passa na Espanha dos anos 20, os anões são 6, um transex. Branca de Neve é toureira e a rainha má é uma madame vigarista e aproveitadora. Mesmo com todas essas e outras liberdades, o filme se mantêm fiel ao conto, injetando a fabula uma grande dose da cultura espanhola. A tourada, o flamenco e o exagero na composição quase novelesca das personagens, principalmente a de Maribel Verdú como madrasta má, fazem do filme uma autentica obra do país. Tendo um dos melhores finais dados para a história, o filme mudo em preto e branco de Pablo Berger evidentemente pega carona no sucesso de O Artista e tenta dar novo fôlego aos filmes não sonoros.
Álbum de Família é exatamente o que parece ser: um filme adaptado de uma peça de teatro com cara de independente americano. As características estão todas lá, a família desajustada, o tom tragicômico, as cenas longas dentro de um mesmo ambiente cheias de diálogos e lavagens de roupa suja de todos os tipos e para todos os gostos. Todo o elenco tem o seu momento de gritar, xingar, chorar e se descontrolar. Dito isso, fiquei bastante satisfeito com o filme. Pensando sobre o motivo de ter gostado, mesmo notando essa estrutura do qual o filme é refém, conclui que a culpa é do quase sempre ótimo texto de Tracy Letts, que foi adaptado de sua própria peça. Letts aliás tem se especializado nisso, já que adaptou para o cinema também suas peças Killer Joe e Bug. Alternando do cômico para o trágico e também o inverso quase sempre de maneira brusca, o filme parece brincar com a reação do espectador que ri e logo se sente constrangido por ter achado graça, e em seguida se sente idiota por ter ficado constrangido. Apenas o texto também não seria suficiente sem o elenco reunido. Encabeçado por uma Meryl Streep mais uma vez destruindo no papel de matriarca com câncer e viciada em remédios, o elenco todo está no tom certo e tem seu momento de mostrar porque está ali, com exceção talvez de Juliette Lewis que em alguns momentos pesa a mão e soa um pouco caricata. Dirigido de forma discretíssima, o diretor John Wells entende que a força do material que tem em mãos está nele próprio e evita chamar qualquer atenção para si, deixando que os atores sejam o centro do filme e a peça mais importante do seu trabalho.
O Grande Mestre é uma pintura em movimento, não existe um plano que não seja cuidadosamente planejado para emoldurar e colocar na parede. Infelizmente as qualidades do novo filme de Wong Kar Wai não vão muito além da questão estética. Com um roteiro recheado de grandes sabedorias orientais enfeitadas em frases de efeito, o filme torra a paciência de qualquer ser humano não tão sábio quanto os personagens ali presentes. É prejudicado também por narrações em off e cartões que explicam passagens importantes da história sem nenhuma sutileza e pelo excesso de slow motion e planos detalhe em tudo que se espatifa, voa ou se sacode. Um épico histórico de artes marciais chato e que não causa muito interesse, algo que já vi sendo feito com muito mais cuidado por Zhang Yimou em sua trilogia Herói, O Clã das Adagas Voadoras e A Maldição da Flor Dourada.
A idéia da realização desse filme parece clara. Trazer para os dias de hoje a obra de Arthur Conan Doyle com a roupagem do cinemão pipoca hollywoodiano. Poderia sair tudo muito errado como já vimos acontecer com vários personagens de clássicos literários como Van Helsing, ou todos aqueles retratados em A Liga Extraordinária, mas quem ficou com a missão de repaginar as histórias de Sherlock Holmes foi Guy Ritchie, diretor que tem como obras mais apreciadas Snatch e Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes. Ritchie transforma Sherlock Holmes em um herói de filmes de ação, com direito a pancadaria e perseguições, uma espécie de Indiana Jones do período vitoriano, mas ao mesmo tempo respeita as características mais importantes dos personagens da obra original. Então aqui Holmes sai na mão, mas antes, através de seu raciocinio lógico rápido, antecede todos os passos de seu adversário.
Desde o início o filme estabelece muito bem a dinâmica de seus personagens, com diálogos inteligentes e bem construídos entendemos de cara a relação complicada de Sherlock Holmes com Dr. Watson, seus motivos de desconfiança por Irene e sua forma pouco cerimoniosa em lhe dar com quem quer que seja. De maneira eficiente e econômica, através de cenas que antecedem as ações do protagonista, entendemos como Holmes faz associações e percebe coisas que passariam despercebidas a qualquer mortal.
Toda a parte técnica do filme funciona bem. A direção de arte de Sarah Greenwood, preocupada sempre em fazer com que os ambientes pareçam confusos, sujos, cheios de gente e objetos, com espaços mínimos para se movimentar, também tem a sensibilidade de falar sobre seus personagens na composição de ambientes. O quarto de Holmes é um ótimo exemplo disso, escuro, cheio de bugigangas e pó, ao mesmo tempo em que nos dá a sensação de claustrofobia, ilustra a natureza individualista, despreocupada com trivialidades e a genialidade de seu protagonista. Já a fotografia de Philippe Rousselot é sempre escura e opressora nos dando a sensação de perigo sempre iminente. E é interessante notar como o trabalho de figurino e maquiagem sempre nos apresenta Holmes descabelado, desarrumado e com a barba por fazer, enquanto Watson está sempre muito bem arrumado. A trilha sonora composta por Hans Zimmer é outro ponto alto, marcante, mas sem querer narrar as emoções para o espectador e chamar a atenção só para ela.
E é uma pena então que o ponto fraco de todo esse esforço seja justamente o vilão. Não que ele não se mantenha interessante durante boa parte da narrativa. Sua ambiguidade é interessante, a maneira de sempre se mostrar como um homem que está entre o natural e o sobrenatural, que domina a magia e com ela é capaz de qualquer coisa nos faz vê-lo como um vilão a altura do protagonista. O problema está em sua motivação, que é pobre, fraca e absurda, além de ser um dos maiores clichês da cartilha dos vilões. Esse pecado não tira os méritos da produção, mas com certeza enfraquece sua história. Afinal, se espera de um vilão inteligente, métodos inteligentes e motivações inteligentes.
Você espera que um documentário sobre jogos independentes possa ser bem legal, bem divertido, bem interessante para quem gosta de jogos e tem curiosidade de como eles são desenvolvidos, mas não espera ficar verdadeiramente emocionado com a história de 3 caras que estão 24 horas por dia enfiados em uma sala, sem vida social, sem comer direito e sem dormir, apenas preocupados com programações e bugs, e com um futuro lançamento que pode trazer um grande sucesso ou um fracasso monstruoso que destruirá não só suas vidas profissionais, mas suas vidas.
Os documentaristas Lisanne Pajot e James Swirsky trazem uma visão na maior parte emocional do processo de fazer um jogo independente. A insistência em mostrar as reações dos seus criadores quando vêem seus jogos dando problemas, ou suas expressões em ver a reação de alguém em contato com seus trabalhos, ou então a frustração do processo ser impedido por causa de uma assinatura, ou o medo de que tudo dê errado só enriquece a experiência de assistir um filme completamente humano em sua abordagem.
O filme também evidencia o bom olhar de seus diretores em captar imagens quase sempre bonitas e bem compostas, que são potencializadas por uma trilha sonora deliciosa e uma edição ágil e inteligente que está sempre passando de uma história para outra de forma nem sempre cronológica, resgatando assim informações pertinentes para a história.
Indie Game: The Movie trata os jogos digitais e seus criadores com uma seriedade bem vinda. Tira o estigma de que jogos são apenas produtos de entretenimento e mostra seus desenvolvedores como verdadeiros artistas que fazem uma série de sacrifícios para chegar exatatamente ao ponto em que idealizaram seus projetos.
Branca de Neve
4.1 124 Assista AgoraNo ano de 2012 duas Brancas de Neve disputaram a atenção do público. Nenhuma das duas valia muito a pena, mesmo tendo achado engraçadinha a versão pomposa de Tarsem Singh. Passando despercebida estava uma terceira, mais bem elaborada e que, como as outras, toma liberdades ao modificar algumas características e acontecimentos do conto clássico dos irmãos Grimm. Nesse filme, Branca de Neve se passa na Espanha dos anos 20, os anões são 6, um transex. Branca de Neve é toureira e a rainha má é uma madame vigarista e aproveitadora.
Mesmo com todas essas e outras liberdades, o filme se mantêm fiel ao conto, injetando a fabula uma grande dose da cultura espanhola. A tourada, o flamenco e o exagero na composição quase novelesca das personagens, principalmente a de Maribel Verdú como madrasta má, fazem do filme uma autentica obra do país.
Tendo um dos melhores finais dados para a história, o filme mudo em preto e branco de Pablo Berger evidentemente pega carona no sucesso de O Artista e tenta dar novo fôlego aos filmes não sonoros.
Álbum de Família
3.9 1,4K Assista AgoraÁlbum de Família é exatamente o que parece ser: um filme adaptado de uma peça de teatro com cara de independente americano. As características estão todas lá, a família desajustada, o tom tragicômico, as cenas longas dentro de um mesmo ambiente cheias de diálogos e lavagens de roupa suja de todos os tipos e para todos os gostos. Todo o elenco tem o seu momento de gritar, xingar, chorar e se descontrolar. Dito isso, fiquei bastante satisfeito com o filme.
Pensando sobre o motivo de ter gostado, mesmo notando essa estrutura do qual o filme é refém, conclui que a culpa é do quase sempre ótimo texto de Tracy Letts, que foi adaptado de sua própria peça. Letts aliás tem se especializado nisso, já que adaptou para o cinema também suas peças Killer Joe e Bug. Alternando do cômico para o trágico e também o inverso quase sempre de maneira brusca, o filme parece brincar com a reação do espectador que ri e logo se sente constrangido por ter achado graça, e em seguida se sente idiota por ter ficado constrangido.
Apenas o texto também não seria suficiente sem o elenco reunido. Encabeçado por uma Meryl Streep mais uma vez destruindo no papel de matriarca com câncer e viciada em remédios, o elenco todo está no tom certo e tem seu momento de mostrar porque está ali, com exceção talvez de Juliette Lewis que em alguns momentos pesa a mão e soa um pouco caricata.
Dirigido de forma discretíssima, o diretor John Wells entende que a força do material que tem em mãos está nele próprio e evita chamar qualquer atenção para si, deixando que os atores sejam o centro do filme e a peça mais importante do seu trabalho.
O Grande Mestre
3.4 174 Assista AgoraO Grande Mestre é uma pintura em movimento, não existe um plano que não seja cuidadosamente planejado para emoldurar e colocar na parede. Infelizmente as qualidades do novo filme de Wong Kar Wai não vão muito além da questão estética. Com um roteiro recheado de grandes sabedorias orientais enfeitadas em frases de efeito, o filme torra a paciência de qualquer ser humano não tão sábio quanto os personagens ali presentes. É prejudicado também por narrações em off e cartões que explicam passagens importantes da história sem nenhuma sutileza e pelo excesso de slow motion e planos detalhe em tudo que se espatifa, voa ou se sacode. Um épico histórico de artes marciais chato e que não causa muito interesse, algo que já vi sendo feito com muito mais cuidado por Zhang Yimou em sua trilogia Herói, O Clã das Adagas Voadoras e A Maldição da Flor Dourada.
Sherlock Holmes
3.8 2,2K Assista AgoraA idéia da realização desse filme parece clara. Trazer para os dias de hoje a obra de Arthur Conan Doyle com a roupagem do cinemão pipoca hollywoodiano. Poderia sair tudo muito errado como já vimos acontecer com vários personagens de clássicos literários como Van Helsing, ou todos aqueles retratados em A Liga Extraordinária, mas quem ficou com a missão de repaginar as histórias de Sherlock Holmes foi Guy Ritchie, diretor que tem como obras mais apreciadas Snatch e Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes. Ritchie transforma Sherlock Holmes em um herói de filmes de ação, com direito a pancadaria e perseguições, uma espécie de Indiana Jones do período vitoriano, mas ao mesmo tempo respeita as características mais importantes dos personagens da obra original. Então aqui Holmes sai na mão, mas antes, através de seu raciocinio lógico rápido, antecede todos os passos de seu adversário.
Desde o início o filme estabelece muito bem a dinâmica de seus personagens, com diálogos inteligentes e bem construídos entendemos de cara a relação complicada de Sherlock Holmes com Dr. Watson, seus motivos de desconfiança por Irene e sua forma pouco cerimoniosa em lhe dar com quem quer que seja. De maneira eficiente e econômica, através de cenas que antecedem as ações do protagonista, entendemos como Holmes faz associações e percebe coisas que passariam despercebidas a qualquer mortal.
Toda a parte técnica do filme funciona bem. A direção de arte de Sarah Greenwood, preocupada sempre em fazer com que os ambientes pareçam confusos, sujos, cheios de gente e objetos, com espaços mínimos para se movimentar, também tem a sensibilidade de falar sobre seus personagens na composição de ambientes. O quarto de Holmes é um ótimo exemplo disso, escuro, cheio de bugigangas e pó, ao mesmo tempo em que nos dá a sensação de claustrofobia, ilustra a natureza individualista, despreocupada com trivialidades e a genialidade de seu protagonista. Já a fotografia de Philippe Rousselot é sempre escura e opressora nos dando a sensação de perigo sempre iminente. E é interessante notar como o trabalho de figurino e maquiagem sempre nos apresenta Holmes descabelado, desarrumado e com a barba por fazer, enquanto Watson está sempre muito bem arrumado. A trilha sonora composta por Hans Zimmer é outro ponto alto, marcante, mas sem querer narrar as emoções para o espectador e chamar a atenção só para ela.
E é uma pena então que o ponto fraco de todo esse esforço seja justamente o vilão. Não que ele não se mantenha interessante durante boa parte da narrativa. Sua ambiguidade é interessante, a maneira de sempre se mostrar como um homem que está entre o natural e o sobrenatural, que domina a magia e com ela é capaz de qualquer coisa nos faz vê-lo como um vilão a altura do protagonista. O problema está em sua motivação, que é pobre, fraca e absurda, além de ser um dos maiores clichês da cartilha dos vilões. Esse pecado não tira os méritos da produção, mas com certeza enfraquece sua história. Afinal, se espera de um vilão inteligente, métodos inteligentes e motivações inteligentes.
Indie Game: The Movie
4.3 156 Assista AgoraVocê espera que um documentário sobre jogos independentes possa ser bem legal, bem divertido, bem interessante para quem gosta de jogos e tem curiosidade de como eles são desenvolvidos, mas não espera ficar verdadeiramente emocionado com a história de 3 caras que estão 24 horas por dia enfiados em uma sala, sem vida social, sem comer direito e sem dormir, apenas preocupados com programações e bugs, e com um futuro lançamento que pode trazer um grande sucesso ou um fracasso monstruoso que destruirá não só suas vidas profissionais, mas suas vidas.
Os documentaristas Lisanne Pajot e James Swirsky trazem uma visão na maior parte emocional do processo de fazer um jogo independente. A insistência em mostrar as reações dos seus criadores quando vêem seus jogos dando problemas, ou suas expressões em ver a reação de alguém em contato com seus trabalhos, ou então a frustração do processo ser impedido por causa de uma assinatura, ou o medo de que tudo dê errado só enriquece a experiência de assistir um filme completamente humano em sua abordagem.
O filme também evidencia o bom olhar de seus diretores em captar imagens quase sempre bonitas e bem compostas, que são potencializadas por uma trilha sonora deliciosa e uma edição ágil e inteligente que está sempre passando de uma história para outra de forma nem sempre cronológica, resgatando assim informações pertinentes para a história.
Indie Game: The Movie trata os jogos digitais e seus criadores com uma seriedade bem vinda. Tira o estigma de que jogos são apenas produtos de entretenimento e mostra seus desenvolvedores como verdadeiros artistas que fazem uma série de sacrifícios para chegar exatatamente ao ponto em que idealizaram seus projetos.