Bastante despretensioso, o filme poderia ser muito bom dentro do que se propõe, se não se perdesse num final tão niilista. O círculo é metáfora da vida, onde todos são colocados sem saber como nem por que e como isso termina, mas... o mais interessante... começam a elaborar teorias segundo experiências e observações, começam a se agrupar em torno de valores, começam a disputar o rumo da coisa que não sabem bem o que é tentando dar ares de universalidade às ideias que defendem, como se elas fossem boas não apenas para eles mas para todos etc.
Em parte narrada retrospectivamente pelo protagonista já morto, a história de Beleza Americana aborda a hipocrisia reinante na sociedade contemporânea (estadunidense, no caso). E como a preocupação com as aparências ("o primeiro passo para o sucesso é projetar uma imagem de sucesso") tira o foco da verdadeira beleza existente na vida e gera confusões. As aparências comandam a vida do casal Carolyn e Lester, da menina Angela e do pai do menino Ricky, por exemplo. E a tentativa de Lester de abandonar essas aparências após o interesse sexual em Angela é o que vai movimentar o que antes bem ou mal estava acomodado, gerando confusões, as quais são muito bem trabalhadas pelos enquadramentos e montagens ambíguos, que garantem o final surpreendente, apesar de já sabermos desde a primeira cena do acontecimento fatal com o qual a história vai terminar. Como discreta cereja do bolo da crítica contra a hipocrisia, vale notar que o único personagem livre das aparências, o menino Ricky, é um traficante de drogas (que, na verdade, nada mais faz do que ganhar seu dinheiro com a venda de uma mercadoria que, afinal, parte considerável dessa sociedade hipócrita demanda secretamente, seja pediatra ou chaveiro). Recomendo, trata-se de um filme merecidamente premiado. Ok, o recurso das pétalas de rosa me pareceu meio brega de início, mas talvez tenha sua razão de ser, para diferenciar os falseamentos da realidade criados pela imaginação daqueles criados pelas aparências.
Finalmente fui ver "A Bela e a Fera". E estaria mentindo se dissesse que minha vontade de ir ver o filme não tinha qualquer ligação com a presença nele de Hermione Granger, digo, de Emma Watson. Ou com o apaixonante sotaque britânico dela. Porque ok, tinha mesmo, vou fazer o quê? Mas esse musical é muito mais do que isso. À parte o incômodo real com o caráter excessivamente artificial da Fera (sobre o que eu já tinha lido em alguma crítica de jornal à época da estreia), fiquei bastante satisfeito. A temática do verdadeiro amor que supera as diferenças e as aparências e só se realiza em liberdade, num mundo justamente de aparências e de controle e com toda a pasteurização da indústria cultural e a guetização das redes sociais e seus algoritmos, é algo que me parece ter algum potencial crítico. Que tenha sido o livro o objeto escolhido para ser investido do poder desmistificador das aparências, e de consequente isolamento de quem deixa de compartilhar delas, bom, aí há uma boa amarração do tema e um aceno afetivo a todos nós esquisitos que amamos os livros. E se você é do tipo que prefere uma questão social, não se preocupe: o filme trabalha também a problemática da manipulação do medo de um povo por aqueles que exercem ou ambicionam exercer sobre ele poder, em geral lançando mão, para isso, de bodes expiatórios transformados em bestas, justamente para esconder o fato de que as verdadeiras bestas a quem devemos temer e combater são eles próprios. E isso, em tempos de sucesso de Trump e Bolsonaro, não é pouco. Vai soar meio romântico ou "pisciano" demais o que eu vou dizer para concluir, mas uma mensagem sobre o poder do amor sincero nunca é pouco. Pelo menos é no que eu acredito.
Com fotografia de subsolo e trilha sonora que toca fundo a alma, o filme é ótima adaptação do livro homônimo do gênio Dostoiévski. Atual e, ao contrário do que parece, hiperrealista. Recomendo.
O filme é bastante irregular, com aspectos muito bons (a profundidade psicológica de Maggie e o modo como ela lida com a doença e seus relacionamentos, por exemplo, ou a insinuação lateral de que moradores de rua podem ser doentes psíquicos não compreendidos) e muito ruins (a caricatura postiça que é a figura do irmão mais novo de Jamie, por exemplo). O filme não vai às últimas consequências na crítica à indústria farmacêutica, é verdade, mas poderia ter deixado isso em segundo plano para investigar seu tema e oferecer um final mais concreto que dialogasse com a sociedade representada no filme e os dramas de seus personagens, em vez de abstraí-los dela para terminarem como se tudo fosse lindo e não houvesse estruturas sociais que constrangem os indivíduos etc., inclusive no quesito amor. A solução é sintoma do conteúdo representado: num passe de mágica, ou com a ingestão de uma pílula, tudo se resolve e todos podem ser felizes para sempre. A razão alerta para a possibilidade do contrário.
O título já diz tudo: o que você faria? Ou, posto de outra maneira, até onde vão seus escrúpulos para vencer no mundo competitivo em que vivemos? A resposta, do ponto de vista das organizações, resta claro desde o início do filme e cada vez mais vai se aclarando: pelo lucro, elas são capazes de fazer tudo, nenhuma palavra que dizem é confiável ou pra ser levada a sério. Mas e as pessoas individualmente? É aí que entra uma possibilidade interessante de leitura do andamento da narrativa:
[/spoiler] é justamente o candidato que cursou literatura que mais conhece o humano, mas com esse conhecimento ele pode fazer o que quiser: ajudar os outros ou a coletividade ou se dar bem individualmente, que é o que acaba acontecendo, no fim.[spoiler]
Muita competência do ponto de vista técnico, mas o melhor de tudo é a pertinência da escolha do gênero musical para narrar a história de Sebastian e Mia. Se o musical é por excelência o gênero marcado pela possibilidade de pequenas irrupções de sonho em meio à realidade ficcional, nas quais se questiona como as coisas poderiam ser diferentes do que são de fato, então não poderia ter havido escolha melhor: pense-se, por exemplo, na cena final do reencontro dos dois no bar (calma, não tem spoiler aqui). Em narrativa convencional, teria sido preciso lançar mão do recurso postiço do flashback, com efeito possivelmente muito menos poderoso do que o desse belo e maduro final. E nem poderia ser diferente, um filme que se pretende sobre maturidade e seus desafios e sacrifícios (menos impulsividade num caso, menos zona de conforto no outro) precisava mesmo encarar a vida como ela é, sem falsas compensações, com pelo menos um pé no desencanto trágico - já que o outro, afinal, estava desde o início na alegria otimista favorecida pela escolha do gênero musical.
O filme é uma bagunça e o humor é exagerado, mas como fazer um filme na Itália, e em homenagem ao país, de maneira diferente? Tudo bem, o longa não integra a lista das grandes obras de Woody Allen, mesmo entre aquelas que se passam ou homenageiam direta ou indiretamente capitais europeias, mas também não é nenhum "Dirigindo no escuro" de ruim, apesar da bagunça igual (nesse é como se o próprio Allen tivesse ficado cego, mas na hora de escrever o roteiro). O elenco de "Para Roma com amor" é de primeira. E o humor, até pelo exagero, sempre presente. O filme diverte. E vem com o brinde de expor ao ridículo a superficialidade da vida e das relações humanas sob a égide de uma indústria cultural aparentemente aleatória mas que tem um propósito e o cumpre muito bem: nos distrair, literalmente, do que possa eventualmente ter verdadeira importância.
Filme que eu chamaria "axiológico", porque não faz nada mais do que reiterar os valores céticos de seu diretor, com a ridicularização escancarada das personagens crédulas, que acreditam em qualquer sorte de coisas transcendentais. E por que então o filme é bom e não uma chatice de pregação ou doutrinação? Ora, além de todos os aspectos propriamente fílmicos no lugar, o longa é construído com base na seguinte ideia autoirônica (e saber rir de si mesmo é virtude venerável): os valores do diretor podem até ser os mais verdadeiros ou corretos, mas nem por isso são os melhores, do ponto de vista de trazer a felicidade. Veja-se quais são as únicas personagens com final feliz. No fim, trata-se mais de busca de uma verdade desconhecida e eventualmente cruel do que de propaganda das próprias crenças.
Se é verdade que toda carreira é marcada por altos e baixos, ainda mais quando se corre o risco de produzir tanto em tão pouco tempo como Woody Allen, "Dirigindo no escuro" é seguramente um dos pontos baixos de sua carreira - o mais baixo de que eu me lembre, pelo menos. Mais longo que o necessário, repetitivo e cansativo (imaginem só um diretor fazendo um filme sobre um diretor no qual ele próprio o interpreta - over, claro). O ponto de partida não é ruim (um diretor de cinema que fica psicologicamente cego bem na hora de fazer o filme com que daria a volta por cima em sua carreira decadente), mas o desenvolvimento torna o longa uma comédia de humor rarefeito, com as boas tiradas e os diálogos espirituosos diluídos em coisas aleatórias (pensem naquele filho dele que aparece), sendo portanto exceções, não regra. O final é um misto do previsível com o absurdo, que só não é completamente absurdo porque era em parte previsível, e só não era completamente previsível posto que absurdo. Um filme para passar ou ver no máximo uma vez e depois esquecer, se possível - ou, do contrário, maldizê-lo para o resto da vida.
2006, Londres, Scarlett Johansson, mulheres tratadas como objeto por homens socialmente bem posicionados, que as usam e depois querem descartar, no limite literalmente. Tudo isso liga Match Point a seu sucessor menos consistente e brilhante, Scoop, os quais ganham, porém, ao serem vistos em sequência, deixando ao menos na boca o gosto de vendeta feminina. Mas Match Point tem muito de Dostoiévski, como nas cenas finais largamente inspiradas em "Crime e castigo". E nada que tenha muito do autor russo pode revelar menos do que como a vida muitas vezes pode (e costuma) ser cruel, ao menos do ponto de vista dos mal afortunados (a fortuna, no sentido da sorte, é problematizada desde o início). Destaque para a magistral construção das personagens principais e de sua relação de atração e repulsa, sociologicamente bem alicerçada e que se manifesta em diálogos profundos e bastante interessantes.
Quando uma estrela estadunidense de Hollywood se apaixona pelo sotaque e o temperamento britânicos de um livreiro bom cristão. O senso comum diria que o contrário é que seria mais verossímil, mas definitivamente não é o caso, fama e dinheiro perto da personagem de Hugh Grant são coisas certamente muito menores (mas a favor da hipótese do senso comum, concedamos, há o sorriso encantador de Julia Roberts). O filme tem seus exageros, vá lá, mas também tem seu valor. Não é todo dia, afinal, que uma narrativa opera no sentido de oferecer, a partir de nosso mundo, a possibilidade ficcional de um mundo que não esteja com os valores de cabeça para baixo.
Elenco muito bom e enredo com boas surpresas fazem do filme uma opção divertida de entretenimento e o salvam de ser uma comédia romântica completamente previsível e clichê. Quanto ao final,
feliz ao estilo fim de novela, com todas as almas gêmeas se reunindo cena após cena, vale saudar certa sutileza no reconhecimento de que uniões amorosas nunca são felizes em absoluto, pois deixam muitos amores não correspondidos (e pessoas ou personagens tristes ou resignadas) pelo caminho. O fato do pequeno Robbie e Jéssica não terem terminado juntos é um exemplo dessa sensibilidade, pois do contrário o filme teria descambado para um happy end forçadamente conciliatório ante as inúmeras contradições da vida e do amor. O amor imaturo e completamente obsessivo e obcecado do garoto de 13 anos pela babá quatro anos mais velha não tinha elementos na trama para dar certo, e não deu. No lugar, optou-se por um desfecho em que a jovem, que também nutria um amor desse tipo algo mórbido pelo pai do garoto, neste caso uns trinta anos mais velho, ri da situação e perdoa o garoto, no fundo rindo também de si própria e compreendendo mais profundamente sua própria situação - um aprendizado sobre sentimentos e amadurecimento, talvez. Vale a pena.
Uma frase que, para mim, define a moral do filme: coisas "mágicas" (ou seja, inexplicáveis pela razão) podem acontecer, mas isso não significa que elas sejam mágicas (ou seja, sobrenaturais).
Considero a ideia do filme muito boa, de mesclar na narrativa a história do filho, Will, em chave realista, com a do pai, Ed, em chave memorialística. Arma-se, assim, o pano de fundo de um conflito geracional entre pai e filho, em que este último se considera ofuscado em seu presente prosaico de jornalista pelo passado fantástico do pai, tendendo a encarar as meias verdades dele como mentiras inteiras, até porque percebeu com seu amadurecimento que os pais não são infalíveis, podem entre outras coisas mentir, então devemos desconfiar deles. O desfecho também é bom, no sentido do mesmo amadurecimento. Este poderia ser, portanto, um filme muito bom, mas a atuação insossa do ator que interpreta o protagonista faz a coisa toda não funcionar tão bem assim. Tim Burton poderia alegar que, na verdade, o ator captou o espírito prosaico de sua personagem e lhe deu consequência. Seria uma boa explicação, sem dúvida, essa da homologia entre atuação deliberada e perfil da personagem, mas a meu ver uma insuficiente justificativa para a deficiência capital desse filme que, de resto, tem excelentes atores em belas atuações.
A premissa do filme é ficcionalmente interessante: o que aconteceria se Hitler um belo dia acordasse na Alemanha de hoje. As pessoas o repudiariam ou simplesmente não o levariam a sério e quando menos esperassem estariam todas concordando com suas ideias? O objetivo subjacente a esse exercício de suposição é politicamente digno: prevenir os europeus sobre os perigos a que podem levar posturas xenófobas e contrárias a imigrantes e refugiados, a fim de que erros do passado não se repitam. O problema? Que em arte boas intenções não bastam. Essa talvez seja uma comédia realizada tão ao modo alemão, que fica difícil a um expectador brasileiro julgar, porque tudo lhe parece tender ao absurdo. Resta a dúvida se a frouxidão do roteiro é proposital ou amadorismo. Há bons momentos pelo caminho, é claro, como a reprodução da cena clássica do filme "A queda" em reunião de uma emissora de TV para mostrar todo pequeno Hitler que mora dentro de nós, além da insinuação de que as pessoas hoje se comovem mais com a morte de um cãozinho bonitinho do que com a de 6 milhões de judeus, por exemplo (e de que o ambientalismo e causas assim podem servir à direita). Se fosse melhor realizado, ou realizado mais ao nosso gosto, serviria como uma luva para nosso momento presente e a reencarnação brasileira do nosso próprio pesadelo autoritário: Jair Messias Bolsonaro, que não é levado a sério por muitos mas que já está com 10% de intenções de voto para a próxima eleição presidencial, via pela qual o próprio Hitler chegou ao poder.
O documentário constrói uma consistente interpretação para a trajetória de Amy, da ausência danosa do pai mais pro começo até sua presença igualmente danosa mais pro final, passando pelo vazio do meio preenchido pelo marido oportunista viciado em drogas. Incontornável para compreender a artista que Amy se tornou, bem como o porquê de ela ter deixado de sê-lo tão cedo, aos 27.
Um filme que vale pela curiosidade que a biografia de J.K. Rowling pode despertar, sobretudo em fãs de Harry Potter, a série de sucesso criada por ela. E a trajetória de superação dela é, de fato, muito interessante. De resto, porém, o filme é muito fraco, com destaque para a superficialidade dos diálogos, já desde a cena inicial, e para os recursos técnicos bregas, coroados com o "the end" final se desfazendo na tela.
Caricatura de comédia romântica que, justamente por isso, tem o potencial de ser mais cômica que a média do gênero original. Com o bônus, neste caso específico, de ainda apresentar sem tom panfletário uma questão tão importante como era na década de 1960 nos EUA e ainda é hoje em todo o mundo o equilíbrio nas relações de gênero, em âmbito tanto privado como público.
O filme pode ser visto como metáfora da libertação feminina em relação à culpa que oprime as mulheres por pecados que, na narrativa cristã do pecado original de Eva, são imputados ao gênero. A imagem cabal e muito bem pensada disso é a levitação da protagonista na cena final do longa, de tão livre, leve e solta que se encontrava naquele momento, reunida entre pares. Mas a estruturação da narrativa é, a meu ver, falha, a despeito de todo o trabalho de pesquisa histórica que o filme ostenta nos créditos finais e que, ao que parece, agradou de fato aos entendedores do assunto "bruxas". Tudo começa com uma expulsão mal explicada da família da colônia em que vivia na Nova Inglaterra (para que ela possa ficar sozinha à beira do deserto etc.) e tudo termina no non-sense sobrenatural de imagens chocantes (possessões, sangue, desaparecimentos, mortes etc.). A meio caminho entre o entretenimento e o "cult", esse terror acabou não agradando a ninguém, nem mesmo a mim, que fui parar na sala de cinema sem querer e sem qualquer expectativa. (PS: A reação da sala de cinema de shopping lotada quando o filme acaba é um caso à parte, vale como um divertido extra a ser saboreado com gosto, até mais que pipoca, enquanto na telona rolam os créditos e no fundo do pacote só restam os famigerados milhos não estourados).
Circle
3.0 683 Assista AgoraBastante despretensioso, o filme poderia ser muito bom dentro do que se propõe, se não se perdesse num final tão niilista. O círculo é metáfora da vida, onde todos são colocados sem saber como nem por que e como isso termina, mas... o mais interessante... começam a elaborar teorias segundo experiências e observações, começam a se agrupar em torno de valores, começam a disputar o rumo da coisa que não sabem bem o que é tentando dar ares de universalidade às ideias que defendem, como se elas fossem boas não apenas para eles mas para todos etc.
Beleza Americana
4.1 2,9K Assista AgoraEm parte narrada retrospectivamente pelo protagonista já morto, a história de Beleza Americana aborda a hipocrisia reinante na sociedade contemporânea (estadunidense, no caso). E como a preocupação com as aparências ("o primeiro passo para o sucesso é projetar uma imagem de sucesso") tira o foco da verdadeira beleza existente na vida e gera confusões. As aparências comandam a vida do casal Carolyn e Lester, da menina Angela e do pai do menino Ricky, por exemplo. E a tentativa de Lester de abandonar essas aparências após o interesse sexual em Angela é o que vai movimentar o que antes bem ou mal estava acomodado, gerando confusões, as quais são muito bem trabalhadas pelos enquadramentos e montagens ambíguos, que garantem o final surpreendente, apesar de já sabermos desde a primeira cena do acontecimento fatal com o qual a história vai terminar. Como discreta cereja do bolo da crítica contra a hipocrisia, vale notar que o único personagem livre das aparências, o menino Ricky, é um traficante de drogas (que, na verdade, nada mais faz do que ganhar seu dinheiro com a venda de uma mercadoria que, afinal, parte considerável dessa sociedade hipócrita demanda secretamente, seja pediatra ou chaveiro). Recomendo, trata-se de um filme merecidamente premiado. Ok, o recurso das pétalas de rosa me pareceu meio brega de início, mas talvez tenha sua razão de ser, para diferenciar os falseamentos da realidade criados pela imaginação daqueles criados pelas aparências.
A Bela e a Fera
3.9 1,6K Assista AgoraFinalmente fui ver "A Bela e a Fera". E estaria mentindo se dissesse que minha vontade de ir ver o filme não tinha qualquer ligação com a presença nele de Hermione Granger, digo, de Emma Watson. Ou com o apaixonante sotaque britânico dela. Porque ok, tinha mesmo, vou fazer o quê? Mas esse musical é muito mais do que isso. À parte o incômodo real com o caráter excessivamente artificial da Fera (sobre o que eu já tinha lido em alguma crítica de jornal à época da estreia), fiquei bastante satisfeito. A temática do verdadeiro amor que supera as diferenças e as aparências e só se realiza em liberdade, num mundo justamente de aparências e de controle e com toda a pasteurização da indústria cultural e a guetização das redes sociais e seus algoritmos, é algo que me parece ter algum potencial crítico. Que tenha sido o livro o objeto escolhido para ser investido do poder desmistificador das aparências, e de consequente isolamento de quem deixa de compartilhar delas, bom, aí há uma boa amarração do tema e um aceno afetivo a todos nós esquisitos que amamos os livros. E se você é do tipo que prefere uma questão social, não se preocupe: o filme trabalha também a problemática da manipulação do medo de um povo por aqueles que exercem ou ambicionam exercer sobre ele poder, em geral lançando mão, para isso, de bodes expiatórios transformados em bestas, justamente para esconder o fato de que as verdadeiras bestas a quem devemos temer e combater são eles próprios. E isso, em tempos de sucesso de Trump e Bolsonaro, não é pouco. Vai soar meio romântico ou "pisciano" demais o que eu vou dizer para concluir, mas uma mensagem sobre o poder do amor sincero nunca é pouco. Pelo menos é no que eu acredito.
O Duplo
3.5 518 Assista AgoraCom fotografia de subsolo e trilha sonora que toca fundo a alma, o filme é ótima adaptação do livro homônimo do gênio Dostoiévski. Atual e, ao contrário do que parece, hiperrealista. Recomendo.
Amor e Outras Drogas
3.6 2,5K Assista AgoraO filme é bastante irregular, com aspectos muito bons (a profundidade psicológica de Maggie e o modo como ela lida com a doença e seus relacionamentos, por exemplo, ou a insinuação lateral de que moradores de rua podem ser doentes psíquicos não compreendidos) e muito ruins (a caricatura postiça que é a figura do irmão mais novo de Jamie, por exemplo). O filme não vai às últimas consequências na crítica à indústria farmacêutica, é verdade, mas poderia ter deixado isso em segundo plano para investigar seu tema e oferecer um final mais concreto que dialogasse com a sociedade representada no filme e os dramas de seus personagens, em vez de abstraí-los dela para terminarem como se tudo fosse lindo e não houvesse estruturas sociais que constrangem os indivíduos etc., inclusive no quesito amor. A solução é sintoma do conteúdo representado: num passe de mágica, ou com a ingestão de uma pílula, tudo se resolve e todos podem ser felizes para sempre. A razão alerta para a possibilidade do contrário.
O Que Você Faria?
3.7 113O título já diz tudo: o que você faria? Ou, posto de outra maneira, até onde vão seus escrúpulos para vencer no mundo competitivo em que vivemos? A resposta, do ponto de vista das organizações, resta claro desde o início do filme e cada vez mais vai se aclarando: pelo lucro, elas são capazes de fazer tudo, nenhuma palavra que dizem é confiável ou pra ser levada a sério. Mas e as pessoas individualmente? É aí que entra uma possibilidade interessante de leitura do andamento da narrativa:
[/spoiler] é justamente o candidato que cursou literatura que mais conhece o humano, mas com esse conhecimento ele pode fazer o que quiser: ajudar os outros ou a coletividade ou se dar bem individualmente, que é o que acaba acontecendo, no fim.[spoiler]
La La Land: Cantando Estações
4.1 3,6K Assista AgoraMuita competência do ponto de vista técnico, mas o melhor de tudo é a pertinência da escolha do gênero musical para narrar a história de Sebastian e Mia. Se o musical é por excelência o gênero marcado pela possibilidade de pequenas irrupções de sonho em meio à realidade ficcional, nas quais se questiona como as coisas poderiam ser diferentes do que são de fato, então não poderia ter havido escolha melhor: pense-se, por exemplo, na cena final do reencontro dos dois no bar (calma, não tem spoiler aqui). Em narrativa convencional, teria sido preciso lançar mão do recurso postiço do flashback, com efeito possivelmente muito menos poderoso do que o desse belo e maduro final. E nem poderia ser diferente, um filme que se pretende sobre maturidade e seus desafios e sacrifícios (menos impulsividade num caso, menos zona de conforto no outro) precisava mesmo encarar a vida como ela é, sem falsas compensações, com pelo menos um pé no desencanto trágico - já que o outro, afinal, estava desde o início na alegria otimista favorecida pela escolha do gênero musical.
Para Roma Com Amor
3.4 1,3K Assista AgoraO filme é uma bagunça e o humor é exagerado, mas como fazer um filme na Itália, e em homenagem ao país, de maneira diferente? Tudo bem, o longa não integra a lista das grandes obras de Woody Allen, mesmo entre aquelas que se passam ou homenageiam direta ou indiretamente capitais europeias, mas também não é nenhum "Dirigindo no escuro" de ruim, apesar da bagunça igual (nesse é como se o próprio Allen tivesse ficado cego, mas na hora de escrever o roteiro). O elenco de "Para Roma com amor" é de primeira. E o humor, até pelo exagero, sempre presente. O filme diverte. E vem com o brinde de expor ao ridículo a superficialidade da vida e das relações humanas sob a égide de uma indústria cultural aparentemente aleatória mas que tem um propósito e o cumpre muito bem: nos distrair, literalmente, do que possa eventualmente ter verdadeira importância.
Você vai Conhecer o Homem dos seus Sonhos
2.9 778Filme que eu chamaria "axiológico", porque não faz nada mais do que reiterar os valores céticos de seu diretor, com a ridicularização escancarada das personagens crédulas, que acreditam em qualquer sorte de coisas transcendentais. E por que então o filme é bom e não uma chatice de pregação ou doutrinação? Ora, além de todos os aspectos propriamente fílmicos no lugar, o longa é construído com base na seguinte ideia autoirônica (e saber rir de si mesmo é virtude venerável): os valores do diretor podem até ser os mais verdadeiros ou corretos, mas nem por isso são os melhores, do ponto de vista de trazer a felicidade. Veja-se quais são as únicas personagens com final feliz. No fim, trata-se mais de busca de uma verdade desconhecida e eventualmente cruel do que de propaganda das próprias crenças.
Dirigindo no Escuro
3.6 209 Assista AgoraSe é verdade que toda carreira é marcada por altos e baixos, ainda mais quando se corre o risco de produzir tanto em tão pouco tempo como Woody Allen, "Dirigindo no escuro" é seguramente um dos pontos baixos de sua carreira - o mais baixo de que eu me lembre, pelo menos. Mais longo que o necessário, repetitivo e cansativo (imaginem só um diretor fazendo um filme sobre um diretor no qual ele próprio o interpreta - over, claro). O ponto de partida não é ruim (um diretor de cinema que fica psicologicamente cego bem na hora de fazer o filme com que daria a volta por cima em sua carreira decadente), mas o desenvolvimento torna o longa uma comédia de humor rarefeito, com as boas tiradas e os diálogos espirituosos diluídos em coisas aleatórias (pensem naquele filho dele que aparece), sendo portanto exceções, não regra. O final é um misto do previsível com o absurdo, que só não é completamente absurdo porque era em parte previsível, e só não era completamente previsível posto que absurdo. Um filme para passar ou ver no máximo uma vez e depois esquecer, se possível - ou, do contrário, maldizê-lo para o resto da vida.
Ponto Final: Match Point
3.9 1,4K Assista Agora2006, Londres, Scarlett Johansson, mulheres tratadas como objeto por homens socialmente bem posicionados, que as usam e depois querem descartar, no limite literalmente. Tudo isso liga Match Point a seu sucessor menos consistente e brilhante, Scoop, os quais ganham, porém, ao serem vistos em sequência, deixando ao menos na boca o gosto de vendeta feminina. Mas Match Point tem muito de Dostoiévski, como nas cenas finais largamente inspiradas em "Crime e castigo". E nada que tenha muito do autor russo pode revelar menos do que como a vida muitas vezes pode (e costuma) ser cruel, ao menos do ponto de vista dos mal afortunados (a fortuna, no sentido da sorte, é problematizada desde o início). Destaque para a magistral construção das personagens principais e de sua relação de atração e repulsa, sociologicamente bem alicerçada e que se manifesta em diálogos profundos e bastante interessantes.
Um Lugar Chamado Notting Hill
3.6 1,3K Assista AgoraQuando uma estrela estadunidense de Hollywood se apaixona pelo sotaque e o temperamento britânicos de um livreiro bom cristão. O senso comum diria que o contrário é que seria mais verossímil, mas definitivamente não é o caso, fama e dinheiro perto da personagem de Hugh Grant são coisas certamente muito menores (mas a favor da hipótese do senso comum, concedamos, há o sorriso encantador de Julia Roberts). O filme tem seus exageros, vá lá, mas também tem seu valor. Não é todo dia, afinal, que uma narrativa opera no sentido de oferecer, a partir de nosso mundo, a possibilidade ficcional de um mundo que não esteja com os valores de cabeça para baixo.
Amor a Toda Prova
3.8 2,1K Assista AgoraElenco muito bom e enredo com boas surpresas fazem do filme uma opção divertida de entretenimento e o salvam de ser uma comédia romântica completamente previsível e clichê. Quanto ao final,
feliz ao estilo fim de novela, com todas as almas gêmeas se reunindo cena após cena, vale saudar certa sutileza no reconhecimento de que uniões amorosas nunca são felizes em absoluto, pois deixam muitos amores não correspondidos (e pessoas ou personagens tristes ou resignadas) pelo caminho. O fato do pequeno Robbie e Jéssica não terem terminado juntos é um exemplo dessa sensibilidade, pois do contrário o filme teria descambado para um happy end forçadamente conciliatório ante as inúmeras contradições da vida e do amor. O amor imaturo e completamente obsessivo e obcecado do garoto de 13 anos pela babá quatro anos mais velha não tinha elementos na trama para dar certo, e não deu. No lugar, optou-se por um desfecho em que a jovem, que também nutria um amor desse tipo algo mórbido pelo pai do garoto, neste caso uns trinta anos mais velho, ri da situação e perdoa o garoto, no fundo rindo também de si própria e compreendendo mais profundamente sua própria situação - um aprendizado sobre sentimentos e amadurecimento, talvez. Vale a pena.
Magia ao Luar
3.4 569 Assista AgoraUma frase que, para mim, define a moral do filme: coisas "mágicas" (ou seja, inexplicáveis pela razão) podem acontecer, mas isso não significa que elas sejam mágicas (ou seja, sobrenaturais).
Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas
4.2 2,2K Assista AgoraConsidero a ideia do filme muito boa, de mesclar na narrativa a história do filho, Will, em chave realista, com a do pai, Ed, em chave memorialística. Arma-se, assim, o pano de fundo de um conflito geracional entre pai e filho, em que este último se considera ofuscado em seu presente prosaico de jornalista pelo passado fantástico do pai, tendendo a encarar as meias verdades dele como mentiras inteiras, até porque percebeu com seu amadurecimento que os pais não são infalíveis, podem entre outras coisas mentir, então devemos desconfiar deles. O desfecho também é bom, no sentido do mesmo amadurecimento. Este poderia ser, portanto, um filme muito bom, mas a atuação insossa do ator que interpreta o protagonista faz a coisa toda não funcionar tão bem assim. Tim Burton poderia alegar que, na verdade, o ator captou o espírito prosaico de sua personagem e lhe deu consequência. Seria uma boa explicação, sem dúvida, essa da homologia entre atuação deliberada e perfil da personagem, mas a meu ver uma insuficiente justificativa para a deficiência capital desse filme que, de resto, tem excelentes atores em belas atuações.
Ele Está de Volta
3.8 681A premissa do filme é ficcionalmente interessante: o que aconteceria se Hitler um belo dia acordasse na Alemanha de hoje. As pessoas o repudiariam ou simplesmente não o levariam a sério e quando menos esperassem estariam todas concordando com suas ideias? O objetivo subjacente a esse exercício de suposição é politicamente digno: prevenir os europeus sobre os perigos a que podem levar posturas xenófobas e contrárias a imigrantes e refugiados, a fim de que erros do passado não se repitam. O problema? Que em arte boas intenções não bastam. Essa talvez seja uma comédia realizada tão ao modo alemão, que fica difícil a um expectador brasileiro julgar, porque tudo lhe parece tender ao absurdo. Resta a dúvida se a frouxidão do roteiro é proposital ou amadorismo. Há bons momentos pelo caminho, é claro, como a reprodução da cena clássica do filme "A queda" em reunião de uma emissora de TV para mostrar todo pequeno Hitler que mora dentro de nós, além da insinuação de que as pessoas hoje se comovem mais com a morte de um cãozinho bonitinho do que com a de 6 milhões de judeus, por exemplo (e de que o ambientalismo e causas assim podem servir à direita). Se fosse melhor realizado, ou realizado mais ao nosso gosto, serviria como uma luva para nosso momento presente e a reencarnação brasileira do nosso próprio pesadelo autoritário: Jair Messias Bolsonaro, que não é levado a sério por muitos mas que já está com 10% de intenções de voto para a próxima eleição presidencial, via pela qual o próprio Hitler chegou ao poder.
Amy
4.4 1,0K Assista AgoraO documentário constrói uma consistente interpretação para a trajetória de Amy, da ausência danosa do pai mais pro começo até sua presença igualmente danosa mais pro final, passando pelo vazio do meio preenchido pelo marido oportunista viciado em drogas. Incontornável para compreender a artista que Amy se tornou, bem como o porquê de ela ter deixado de sê-lo tão cedo, aos 27.
Magia Além das Palavras: A História de J.K. Rowling
4.0 226Um filme que vale pela curiosidade que a biografia de J.K. Rowling pode despertar, sobretudo em fãs de Harry Potter, a série de sucesso criada por ela. E a trajetória de superação dela é, de fato, muito interessante. De resto, porém, o filme é muito fraco, com destaque para a superficialidade dos diálogos, já desde a cena inicial, e para os recursos técnicos bregas, coroados com o "the end" final se desfazendo na tela.
Abaixo o Amor
3.1 266 Assista AgoraCaricatura de comédia romântica que, justamente por isso, tem o potencial de ser mais cômica que a média do gênero original. Com o bônus, neste caso específico, de ainda apresentar sem tom panfletário uma questão tão importante como era na década de 1960 nos EUA e ainda é hoje em todo o mundo o equilíbrio nas relações de gênero, em âmbito tanto privado como público.
A Bruxa
3.6 3,4K Assista AgoraO filme pode ser visto como metáfora da libertação feminina em relação à culpa que oprime as mulheres por pecados que, na narrativa cristã do pecado original de Eva, são imputados ao gênero. A imagem cabal e muito bem pensada disso é a levitação da protagonista na cena final do longa, de tão livre, leve e solta que se encontrava naquele momento, reunida entre pares. Mas a estruturação da narrativa é, a meu ver, falha, a despeito de todo o trabalho de pesquisa histórica que o filme ostenta nos créditos finais e que, ao que parece, agradou de fato aos entendedores do assunto "bruxas". Tudo começa com uma expulsão mal explicada da família da colônia em que vivia na Nova Inglaterra (para que ela possa ficar sozinha à beira do deserto etc.) e tudo termina no non-sense sobrenatural de imagens chocantes (possessões, sangue, desaparecimentos, mortes etc.). A meio caminho entre o entretenimento e o "cult", esse terror acabou não agradando a ninguém, nem mesmo a mim, que fui parar na sala de cinema sem querer e sem qualquer expectativa. (PS: A reação da sala de cinema de shopping lotada quando o filme acaba é um caso à parte, vale como um divertido extra a ser saboreado com gosto, até mais que pipoca, enquanto na telona rolam os créditos e no fundo do pacote só restam os famigerados milhos não estourados).