1) O pano de fundo inicial é claramente a Metempsicose/Transmigração das Almas, o Karma e o ciclo de renascimentos ou Samsara, conceitos do budismo tibetano. Na Metempsicose, a alma migra entre corpos de homens, outros animais, vegetais, minerais e outros seres. Isso explicaria os macacos fantasma, e o conto do bagre e da princesa. Aliás, pra quem perguntou onde estão as vidas passadas de Boonmee, abre-se um precedente na cena da caverna, por exemplo, onde ele comenta que sabe que nasceu ali, mas não sabe se foi homem, mulher, etc. O conto da princesa não poderia ser uma das vidas passadas, no Samsara incessante de Boonmee? Eu creio que sim. 2) Na seqüência onde Boonmee afirma ter tido uma visão do futuro, e aquelas fotografias com os soldados vão sucedendo-se na tela, é óbvia a conexão histórica com o pós-Segunda Guerra na Tailândia, marcado por governos militares e guerrilha comunista, num clima político extremamente instável. Quando Boonmee fala do futuro, não seria este um reflexo do passado? Algo que li recentemente sobre o Apichatpong Weerasethakul (ou Joe, como também gosta de ser chamado) é que ele fundou um projeto para incentivar filmes experimentais tailandeses, e essa seqüência é um desses exercícios. 3) A cena final busca conexão com a conversa entre Boonmee e Jen, logo no início do filme, onde ela admite que seu Karma é sempre estar migrando/viajando entre um lugar e outro. A televisão pareceu exercer uma espécie de "hipnose" - ou alienação, como queiram chamar - sobre Jen e o monge, que naquele estado de "semi-vigília" - termo de Maury depois citado por Freud - tiveram suas almas temporariamente emancipadas pela vontade que ambos manifestaram de sair do quarto e comer. Alguns conceitos do Kardec seriam até bem encaixados aqui. Outra coisa a comentar seria a idéia de dimensões paralelas ou diversos planos de existência, que só poderiam ser acessados através da expansão da consciência, ou seja, a evolução espiritual, processo de superação do Karma/Samsara e encontro com o Nirvana.
Lung Boonmee Raluek Chat é uma livre adaptação da obra de Phra Sripariyattiweti. Nesse livro, Phra conta sobre Boonmee, que atestava recordar-se de suas vidas passadas enquanto meditava. Contém também elementos biográficos de Joe, como a doença renal que matou seu pai. Um filme monumental, que propõe diálogos entre o homem e a natureza, o material e o espiritual, além de relativizar o tempo. Brilhante também na trilha sonora composta quase que exclusivamente por sons da floresta e na fotografia que ilustra a completude do embate luz versus escuridão. Aberto a milhões de interpretações, mas nunca um filme pobre ou com cenas demasiadamente longas ou desnecessárias.
Dá pra julgar um filme desse tipo sim, como o fizeram ali embaixo Luís Augusto, Bill, Wanderson, Marcel, Rafael, Wadson, Vanessa, etc. Mas quem não quer parar para pensar ou refletir, decerto deve procurar outro tipo de cinema.
*Aqui vai uma entrevista muito boa com o diretor, sobre Lung Boonmee:
Que sublime miséria humana, a desse filme! Karrer, cão sarnento per se e poeta natimorto do desespero imóvel. Um filme sobre imobilismo acima de tudo, sobre como somos irremediavelmente condenados - se não por deixarmos a vida passar, simplesmente porque a vida, cruelmente, passa. Lição para o dono do bar:
Só a seqüência inicial e a do manicômio já colocam Werckmeister Harmóniák no posto de obra-prima incontestável. Béla Tarr pode até negar a influência de Tarkovsky, mas vi muito da personagem de Kajdanovsky, o Stalker, em János. Engraçado como as diferenças entre ambos são determinantes para o final dos dois filmes. A trilha sonora do Mihály Víg, que compôs pras fitas de Tarr desde Öszi Almanach, é mesmo maravilhosa.
Me desculpem, mas acho que eu devo comentar que existe conflito sim. Há um drama muito forte envolvendo a passagem de Kiki para a idade adulta e a busca da própria identidade.
O "vilão" é a própria insegurança e a auto-depreciação da menina, e este "vilão" a persegue até que ela fica sem os poderes, porque não acredita em si mesma.
A quem não entendeu ainda, vou tentar explicar algo. Os filmes do Miyazaki, em sua maioria, não apresentam "vilão" nenhum. Isso mesmo. Se vocês notarem, todos que começam como antagonistas numa estória do Hayao, acabam mostrando um lado bondoso/engraçado no decorrer do filme.
A Lady Eboshi de Mononoke demonstra ser generosa com mulheres e doentes; o Donald Curtis de Porco Rosso é um fanfarrão, no fim das contas; a Yubaba de Chihiro, de início assustadora, ao final mostra-se só birrenta; a Madame Suliman pede ao rei que termine a guerra ao fim de Castelo Animado; seria o Fujimoto de Ponyo algo mais do que um pai super-protetor? Enfim, acho que o mais próximo dos "vilões" à moda ocidental são o Muska de Laputa e a Lady Kushana de Nausicaä.
Percebam, no entanto, que estes são dois dos primeiros filmes de Miyazaki e ele logo removeu esses personagens esteriotipados. A dicotomia bem/mal praticamente inexiste nos filmes posteriores dele, e é isso que os faz tão maravilhosos, pois ninguém é inteiramente bom ou mau como alguns filmes de Hollywood querem mostrar, e essa dimensão extremamente humana faz com que as personagens assumam contornos tão reais quanto fascinantes.
Esse filme me incomodou por ser extremamente verosímil e inverosímil ao mesmo tempo. A parca trilha sonora usando o Alina do Arvo Pärt, os já comentados desesperadores planos-seqüência e o final inquietante, pra não dizer surpreendente, fazem de Gerry candidato a melhor trabalho do Van Sant.
Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas
3.6 196 Assista AgoraMinhas humildes interpretações talvez ajudem alguns a compreenderem melhor certas partes do filme:
1) O pano de fundo inicial é claramente a Metempsicose/Transmigração das Almas, o Karma e o ciclo de renascimentos ou Samsara, conceitos do budismo tibetano. Na Metempsicose, a alma migra entre corpos de homens, outros animais, vegetais, minerais e outros seres. Isso explicaria os macacos fantasma, e o conto do bagre e da princesa. Aliás, pra quem perguntou onde estão as vidas passadas de Boonmee, abre-se um precedente na cena da caverna, por exemplo, onde ele comenta que sabe que nasceu ali, mas não sabe se foi homem, mulher, etc. O conto da princesa não poderia ser uma das vidas passadas, no Samsara incessante de Boonmee? Eu creio que sim.
2) Na seqüência onde Boonmee afirma ter tido uma visão do futuro, e aquelas fotografias com os soldados vão sucedendo-se na tela, é óbvia a conexão histórica com o pós-Segunda Guerra na Tailândia, marcado por governos militares e guerrilha comunista, num clima político extremamente instável. Quando Boonmee fala do futuro, não seria este um reflexo do passado? Algo que li recentemente sobre o Apichatpong Weerasethakul (ou Joe, como também gosta de ser chamado) é que ele fundou um projeto para incentivar filmes experimentais tailandeses, e essa seqüência é um desses exercícios.
3) A cena final busca conexão com a conversa entre Boonmee e Jen, logo no início do filme, onde ela admite que seu Karma é sempre estar migrando/viajando entre um lugar e outro. A televisão pareceu exercer uma espécie de "hipnose" - ou alienação, como queiram chamar - sobre Jen e o monge, que naquele estado de "semi-vigília" - termo de Maury depois citado por Freud - tiveram suas almas temporariamente emancipadas pela vontade que ambos manifestaram de sair do quarto e comer. Alguns conceitos do Kardec seriam até bem encaixados aqui. Outra coisa a comentar seria a idéia de dimensões paralelas ou diversos planos de existência, que só poderiam ser acessados através da expansão da consciência, ou seja, a evolução espiritual, processo de superação do Karma/Samsara e encontro com o Nirvana.
Lung Boonmee Raluek Chat é uma livre adaptação da obra de Phra Sripariyattiweti. Nesse livro, Phra conta sobre Boonmee, que atestava recordar-se de suas vidas passadas enquanto meditava. Contém também elementos biográficos de Joe, como a doença renal que matou seu pai.
Um filme monumental, que propõe diálogos entre o homem e a natureza, o material e o espiritual, além de relativizar o tempo. Brilhante também na trilha sonora composta quase que exclusivamente por sons da floresta e na fotografia que ilustra a completude do embate luz versus escuridão.
Aberto a milhões de interpretações, mas nunca um filme pobre ou com cenas demasiadamente longas ou desnecessárias.
Dá pra julgar um filme desse tipo sim, como o fizeram ali embaixo Luís Augusto, Bill, Wanderson, Marcel, Rafael, Wadson, Vanessa, etc.
Mas quem não quer parar para pensar ou refletir, decerto deve procurar outro tipo de cinema.
*Aqui vai uma entrevista muito boa com o diretor, sobre Lung Boonmee:
Danação
4.1 51Que sublime miséria humana, a desse filme!
Karrer, cão sarnento per se e poeta natimorto do desespero imóvel. Um filme sobre imobilismo acima de tudo, sobre como somos irremediavelmente condenados - se não por deixarmos a vida passar, simplesmente porque a vida, cruelmente, passa.
Lição para o dono do bar:
Nunca coma a amante de um homem que não tem nada a perder.
As Harmonias de Werckmeister
4.3 94Só a seqüência inicial e a do manicômio já colocam Werckmeister Harmóniák no posto de obra-prima incontestável. Béla Tarr pode até negar a influência de Tarkovsky, mas vi muito da personagem de Kajdanovsky, o Stalker, em János. Engraçado como as diferenças entre ambos são determinantes para o final dos dois filmes.
A trilha sonora do Mihály Víg, que compôs pras fitas de Tarr desde Öszi Almanach, é mesmo maravilhosa.
O Serviço de Entregas da Kiki
4.3 773 Assista AgoraMe desculpem, mas acho que eu devo comentar que existe conflito sim. Há um drama muito forte envolvendo a passagem de Kiki para a idade adulta e a busca da própria identidade.
O "vilão" é a própria insegurança e a auto-depreciação da menina, e este "vilão" a persegue até que ela fica sem os poderes, porque não acredita em si mesma.
A quem não entendeu ainda, vou tentar explicar algo. Os filmes do Miyazaki, em sua maioria, não apresentam "vilão" nenhum. Isso mesmo. Se vocês notarem, todos que começam como antagonistas numa estória do Hayao, acabam mostrando um lado bondoso/engraçado no decorrer do filme.
A Lady Eboshi de Mononoke demonstra ser generosa com mulheres e doentes; o Donald Curtis de Porco Rosso é um fanfarrão, no fim das contas; a Yubaba de Chihiro, de início assustadora, ao final mostra-se só birrenta; a Madame Suliman pede ao rei que termine a guerra ao fim de Castelo Animado; seria o Fujimoto de Ponyo algo mais do que um pai super-protetor? Enfim, acho que o mais próximo dos "vilões" à moda ocidental são o Muska de Laputa e a Lady Kushana de Nausicaä.
Percebam, no entanto, que estes são dois dos primeiros filmes de Miyazaki e ele logo removeu esses personagens esteriotipados. A dicotomia bem/mal praticamente inexiste nos filmes posteriores dele, e é isso que os faz tão maravilhosos, pois ninguém é inteiramente bom ou mau como alguns filmes de Hollywood querem mostrar, e essa dimensão extremamente humana faz com que as personagens assumam contornos tão reais quanto fascinantes.
Gerry
3.3 92Esse filme me incomodou por ser extremamente verosímil e inverosímil ao mesmo tempo. A parca trilha sonora usando o Alina do Arvo Pärt, os já comentados desesperadores planos-seqüência e o final inquietante, pra não dizer surpreendente, fazem de Gerry candidato a melhor trabalho do Van Sant.