Wow, filme muito forte e tenso de von Trotta. Excelente, aliás, como tudo que pude conferir da diretora (até agora, cinco longas). É baseado na história real que Christianne Ensslin contou à Margarethe, sobre sua irmã Gundrun Ensslin e seu envolvimento na liderança do RAF (chamado pela mídia de Grupo Baader-Meinhof). “Die Bleierne Zeit” é um dos vários trabalhos que ecoam as tendências políticas do Junger Deutscher Film, o Novo Cinema Alemão, e evoca um clima claustrófobico e sombrio para retratar aqueles anos. A personalidade das duas irmãs é construída através de fragmentos, como sua infância opressiva, o primeiro contato com as mazelas do mundo - através do “Nuit et Brouillard”, e por fim o caminho que cada uma escolheu para expressar suas convicções. Incrível. Jutta Lampe lembrou-me um pouco a Liv Ullmann.
Nossa! Foi um privilégio ver “The Mill & The Cross” no cinema hoje. Depois desta obra do Majewski eu vou dobrar a língua antes de chamar qualquer filme de “pintura em movimento”, a perfeição de cada frame me deixou em êxtase. O filme encena alegorias muito interessantes sobre o Tribunal do Santo Ofício na Antuérpia e faz um belo discurso pelo direito à pluralidade de crenças. O destino do filho de Rampling só demonstra como a imposição de uma crença destrói tanto as “rivais” quanto ela própria, que vai abdicando de sua humildade e humanidade em prol da hegemonia.
Ray deixa bem claro desde o início que a sua intenção é mapear o deslocamento e a inadaptação desses dois jovens através de um mundo que simplesmente não os acolhe, não os entende. Não há lugar para Keechie e Bowie, assim como não há lugar para os que são excluídos diariamente em alguns “centros socioeducativos” para menores, nas intermináveis filas de emprego e até ao sair de universidades e não encontrar meios para sustentar-se. Como o próprio título do filme explica, eles são como criaturas notívagas e estranhas demais para quem vive à luz das oportunidades. Quase um preâmbulo de “Rebel Without a Cause”, com uma influência imensa sobre todo o cinema do posterior assistente de Ray - Jim Jarmusch - “They Live by Night” é mais um dos excelentes filmes que este grande cineasta nos legou.
Discutir com profundidade, genialidade & paixão a evolução das condições de trabalho, das questões de gênero e da mídia corporativista, dentre outros milhares de assuntos como colonialismo e xenofobia, misturar tudo dentro de uma recriação histórica sem cacoetes “épicos” da Comuna de Paris, reduzindo a misè-en-scene ao essencial - tanto para cortar custos quanto para expressar uma escolha deliberada da equipe - e ainda dar voz ativa a todo o elenco e profissionais envolvidos na produção... quem mais poderia conceber essa maravilha senão o desafiador citoyen Peter Watkins? Filme a se carregar para a vida, este “La Commune”. Quisera eu que, ao menos toda década, surgisse uma obra desse calibre.
Uma das ditaduras latinas mais sangrentas é relembrada com intensa melancolia neste filme extremamente sensual, crítico e surreal do Solanas. Gardel e San Martín deram ótimos “personagens” e a trilha sonora do MESTRE Piazzolla transcende o sublime. Lindíssimo filme, não só para os amantes do tango, mas para os apreciadores da arte como retrato das angústias de um povo. Quisera eu ter visto a Tanguedia...
“Compañero Allende? Presente! Ahora y siempre!” Algum maniqueísmo desnecessário aqui e ali - no retrato dos golpistas - não invalida o tom de apaixonante denúncia social, feita no calor dos acontecimentos, num filme desafiador que precisou ser rodado com patrocínio francês. Helvio Soto canalizou o sentimento nacional com muito talento e sensibilidade. Bibi Andersson, Trintignant e os outros astros são quase coadjuvantes de luxo, com pequenos mas marcantes momentos. Em “Il Pleut sur Santiago” o protagonista é o povo chileno e a Unidad Popular, embalados por ninguém menos que Ástor Piazzolla e sua trilha sonora sensacional. Quando exibido, à época de sua estréia, as platéias se levantavam e aplaudiam o emocionante final em uníssono por vários minutos. Já vi muitos filmes sobre o tema e considero este, sem dúvida alguma, o melhor.
Aqui Griffith lança as bases do melodrama no cinema. Acho que poucos filmes foram tão referenciados como este, na maioria das vezes indiretamente - o que mostra a sua grandeza em ditar os padrões para este tipo de história. Lillian Gish está absolutamente divina! Essa mocinha era um fenômeno, em cada uma das cortantes cenas dramáticas com close em seus olhos marejantes eu tinha vontade de tirar um print e mandar a quem me perguntasse o significado da palavra “atuação”. A título de curiosidade, a catarse final no gelo pôs em risco a vida de todos na produção, inclusive dos atores, tanto que Gish carregou sequelas na mão - afundada por horas no gelo - pelo resto da vida. “Way Down East” é praticamente perfeito, grande sucesso de bilheteria na Era do Cinema mudo, eterno em seu romantismo.
Acho que não há nada mais perigoso que um homem com medo. Especialmente se ele detém o poder sobre a vida dos outros. Finalmente posso concordar com o Godard na citação clássica sobre “Bitter Victory” - este filme é imenso, genial, aterrador e profundamente humano. O Cinema em sua melhor forma.
Só a ambientação nas brumas e a trilha sonora dramática já anunciam a tragédia. Carné, no entanto, dosa o forte clima pessimista com a impetuosidade do primeiro amor e um cãozinho muito carismático. Logo no início do filme, Prevért nos delicia com brilhantes diálogos existencialistas. Jean Gabin é fantástico, primeiro filme que vejo com ele e já entendo porque o homem é uma das lendas do cinema francês. Ótimo filme, considerado merecidamente um dos melhores e mais amargos de Carné.
Provavelmente minha cantora preferida de todos os tempos. Aqui os mitos sobre a vida de Billie vão sendo destruídos (ou reconstruídos?) através de depoimentos muito apaixonados e interessantes, já que acrescentam informações consistentes à biografia da Lady. Muito bom, para rever sempre.
Caramba, acho que o Peter Watkins já devia ter esperado que esta maravilha de filme fosse um fracasso comercial no Reino Unido. O mestre ataca, deliberadamente e sem dó, todos os pilares conservadores da sociedade britânica. O que ele faz aqui é um exercício de destruição sistemática da posterior Era Tatcher, numa espécie de profecia cinematográfica extremamente atual. As podridões do show business, a publicidade predatória, o consumismo induzido, a “fé como espetáculo”, a “ilusão democrática”, nada, nada escapa da crítica voraz de Watkins. Sensacional, merecia um lançamento em DVD ou Blu-ray à altura daquelas inebriantes imagens distópicas.
“En la Ciudad de Sylvia” é a tradução em imagens do poema Ode on a Grecian Urn do John Keats. A fugacidade da juventude e paixão; a glória do impulso invisível que move o rapaz; buscar a beleza, a beleza que foge, se esconde, mas vive e pulsa; achar a verdade em todas as coisas, a beleza em tudo que há, a beleza que é verdade e imagem refletida. Filme sobre o amor incondicional pelo amor, onírico e vivo como poucas vezes vi.
Menos que cinco estrelas para esse filme é uma ofensa ao cinema, Carné criou uma obra imortal. Todo o esforço dele e da equipe - em condições políticas extremamente difíceis - resultou num dos maiores filmes franceses de todos os tempos, excepcional em todos os aspectos.
Jean-Louis Barrault foi mais que um ator e um mímico, ele encarnou a arte por trás da “máscara” branca. O roteiro de Prévert é tão lírico que assusta. “Les Enfants du Paradis” mereceu todo o reconhecimento tardio, e a enorme influência que exerceu só comprova sua genialidade.
No Boulevard do Crime “o amor é tão simples”, mas vivê-lo é difícil...
Vi “Ox-Bow” na seqüência de “Yellow Sky” e já posso afirmar: William Wellman faz o meu tipo de western. A coragem e ousadia desse diretor visionário - tocando em assuntos que só após duas décadas entrariam muito em pauta - são dignas de toda a admiração.
Fico aqui me perguntando: como é possível que ainda hoje as pessoas se comportem exatamente igual aos linxadores, agindo em completa ignorância e ódio, julgando e condenando seus semelhantes com o apoio mesquinho de alguns “cegos pelo poder”? Aliás, a obra demonstra claramente que esse tal “poder” ignorante e inflexível não é só o institucionalizado, mas praticado também nas relações humanas. No nosso cotidiano.
Filme obrigatório e inesquecível. Que sejamos sempre um dos sete.
Quem diria que um filme com essa premissa pudesse ser tão sensível? “Dogfight” conta com um dos romances mais inusitados que já vi, sem esquecer de criticar com propriedade a Guerra do Vietnã - a sensacional conversa entre os fuzileiros sobre a mentira é atualíssima - e tocar num dos assuntos que mais me interessam em se tratando de EUA: a música folk.
Interessante o fato de que Rose não sofre nenhuma grande transformação durante o filme, ela é encantadora e doce desde o início e é assim que Eddie gosta dela. Tirando a roupa de baile desastrosa, ela se apresenta a ele como é, suas idéias e sua alma. Lili Laylor transmite tudo isso com uma grande atuação.
Segundo filme que vejo do Phoenix, e dá ainda mais tristeza pensar que ele se foi tão jovem e com tanto talento. Ótimo filme.
Se eu odiasse cada um dos filmes de Scorsese - o que não é o caso - ele já mereceria meu respeito só por ter concebido e realizado esse projeto. Este primeiro episódio é ótimo tanto para os antigos apreciadores de Blues reverem mitos como Muddy Waters, Johnny Lee Hooker e Son House quanto para os que nada conhecem a respeito entenderem a importância e influência desses homens em toda música americana posterior. Buscar as raízes africanas também foi essencial para traçar a história do Delta Blues. Coisa linda.
Muito bonito e divinamente atuado. O prólogo e o epílogo escritos por Wim Wenders para completar o filme são sensacionais, Antonioni deve ter gostado bastante.
O filme é lindo e Coutinho é mestre. Até os tipos mais bizarros acabam te ganhando pelo carisma e adoro como o diretor não faz julgamento algum, só mostra cada pessoa e sua forma de perceber o mundo. Se certos depoimentos soam preconceituosos ou insanos a alguns, é bom pontuar que aquilo é um retrato do ser humano, com tudo de “bom” e “mau” que lhe é inerente.
A fotografia linda do mestre Walter Carvalho pontua muito bem o clima tenso, obscuro e decadente do lugar. Não entendi porque ninguém entendeu, era só prestar atenção ao que Cassandra dizia.
Quando ela fala: “O tempo é um arqueiro feroz, suas flechas voam em todos os sentidos” e “nem tudo acontece dentro do tempo e da razão”, ela dá as dicas para compreendermos a narrativa, que se divide em “flechas” de tempo - a mesma história sendo recontada em novas possibilidades (três), que terminam se encontrando no infinito; no caso do filme, na finitude da vila, no que (d)escreve o padre. Cada “flecha” se inicia quando chega o barco e homem diz que não é preciso bússola para chegar à cidade, é só seguir o cheiro de podre da vaca. Isso também denota que o vilarejo está fora da regência temporal linear que conhecemos. Começa de manhã (por causa do canto dos pássaros da viúva Assis) e termina mais ou menos às 17h, hora que o relógio dá suas badaladas na casa de César Monteiro - é possível vermos o relógio no quarto do Alcaide também, que marca sempre 16h45. Guerra disse disse ter se baseado em algo de física quântica; esta é a “física das possibilidade infinitas, que estão acontecendo ao mesmo tempo”. O espaço é o mesmo, mas o tempo se reparte.
Entendida a narrativa, gostei muito das referências políticas: ao ler a placa É PROIBIDO FALAR DE POLÍTICA no barbeiro, o Alcaide diz: “Estamos numa democracia, só o governo pode proibir alguma coisa”; o juiz que se dobra às chantagens do Alcaide, que é visto como “honesto” porque não aceita suborno (consegue o que quer através de ameaças); quando o dentista arranca o dente podre do Alcaide e ele pede anestesia, ao que o dentista retruca, “mas vocês matam sem anestesia”.
A nível de discussões morais é muito interessante a questão da viúva e sua “nudez mortal” numa sociedade hipócrita e falso-moralista. É dito que no fim, tudo seria uma história de amor, como Tristão e Isolda. Oras, esse mito é a separação, pelas convenções morais e sociais, de um casal que se apaixona. Ele morre pela lança, ela por ter ido salvá-lo - ambos envolvidos em tristeza e agonia. Cassandra diz que o mito se inverte, e é assim que morre Alcaide, o filho bastardo do Sr. Assis que queria vingança: indo salvar Rosário.
Eu vejo a música de Nestor à Rosário, que diz “Meu amor levou teu sonho/ Este barco me levará até teu sonho/ Ficarei em teu sonho até a morte”, como mais um símbolo da obssessão do Alcaide por vingança; ele estava preso ao ódio que sentia como que entorpecido, num sonho, e dele não despertou até a morte. “A verdade é aquilo em que se acredita”, e todos ali tinham as suas “verdades”, por isso os pasquins ao contar uma única verdade - a “real” - passam a desequilibrar o microcosmo de todos os personagens.
No mais, é um filme bem autoral de Ruy Guerra. Há os que detestem, mas eu adorei.
Realmente uma obra impressionante que merece figurar entre os melhores filmes brasileiros dos últimos anos. A longa duração é totalmente necessária pois, através de Carapirú, Tonacci reconta quase toda a História do Brasil. O filme é tão rico em questões e significados que é até difícil percebê-los de uma só vez. Ao adentrarmos nessa odisséia do índio brasileiro é impossível passar incólume a tudo que foi exposto, desde a questão da ocupação em terras indígenas à destruição da floresta. Felizmente, Tonacci não recorre à solução fácil de vitimizar os índios e pergunta também: o que fazer pelos “brancos”, pelos povos ribeirinhos? Os índios não são “bons selvagens”, apenas têm necessidades e manifestações culturais diferentes das nossas. O conceito de “docudrama” é levado magistralmente ao extremo. A meu ver, “Serras da Desordem” é um filme essencial.
“Tudo isso é um túmulo para mim, um túmulo alegre, cheio de vida. Apesar de ter toneladas de cinzas, com cheiro de queimado, tonaladas de todas aquelas grandes marionetes, marionetes para 'bondar' e para 'maldar', que ajudaram a fazer a história universal.”
Santiago se considerava um copista dos tempos modernos, mas depois de ver o filme eu o considero bem mais que isso. Dentre todas aquelas pessoas nobres, eu o prefiro.
Interessante que Salles tirou, do material antigo, a mesma conclusão que eu tirei ao vê-lo, e o documentário tornou-se um pedido de desculpas, uma redenção. Muito bonito.
Lindeza de filme sobre a infância. Adoro como Hou inverte os papéis entre a louca (que deveria agir com insanidade, mas é doce) e entre os adultos ditos “normais”, que tratam as crianças, sem perceber, com perigosa negligência. Todos absolutamente naturais em seus papéis, desde o elenco infantil até os avós, dando um tom de realismo nostálgico muito bem-vindo ao filme. De bônus, o mestre Edward Yang ainda faz uma ponta como o pai das crianças. Lembrou-me “Tonari no Totoro” e “Suzaku”, mas este aqui veio bem antes. Hsiao-hsien sempre é garantia de qualidade.
Só o trabalho do Walter Carvalho na fotografia já vale todos os elogios ao filme, mas ainda há um link sensacional com a era Collor - o impacto do congelamento das cadernetas foi bem aquele, segundo me contaram. É verdade que depois a trama parte para uma mistura meio estranha de noir com road-movie numa no man’s land romântica - talvez fosse intencional, mas o filme perdeu sua força ali, para mim. Indo contra a maioria, não gostei do Fernando como Paco, mas a Fernanda estava ótima. Final muito bom, e não falo só da parte com Vapor Barato, mas da irônica cena seguinte. Filme a se respeitar imensamente.
Arrisco dizer que é um das melhores produções brasileiras dos últimos anos, reflete tudo de bom que vem sendo feito lá fora com uma qualidade excelente. Roteiro bem costurado sem ser excessivamente didático - ou seja, não subestima a inteligência de quem vê - e atuações digníssimas. Adorei a voz da Carla Ribas, e que presença em cena ela tem! Vou procurar mais trabalhos seus. Lindo filme, infelizmente pouco conhecido, merecia ser melhor divulgado àqueles que subestimam o cinema nacional.
Os Anos de Chumbo
4.1 15Wow, filme muito forte e tenso de von Trotta. Excelente, aliás, como tudo que pude conferir da diretora (até agora, cinco longas). É baseado na história real que Christianne Ensslin contou à Margarethe, sobre sua irmã Gundrun Ensslin e seu envolvimento na liderança do RAF (chamado pela mídia de Grupo Baader-Meinhof). “Die Bleierne Zeit” é um dos vários trabalhos que ecoam as tendências políticas do Junger Deutscher Film, o Novo Cinema Alemão, e evoca um clima claustrófobico e sombrio para retratar aqueles anos. A personalidade das duas irmãs é construída através de fragmentos, como sua infância opressiva, o primeiro contato com as mazelas do mundo - através do “Nuit et Brouillard”, e por fim o caminho que cada uma escolheu para expressar suas convicções. Incrível. Jutta Lampe lembrou-me um pouco a Liv Ullmann.
O Moinho e a Cruz
4.0 37Nossa! Foi um privilégio ver “The Mill & The Cross” no cinema hoje. Depois desta obra do Majewski eu vou dobrar a língua antes de chamar qualquer filme de “pintura em movimento”, a perfeição de cada frame me deixou em êxtase. O filme encena alegorias muito interessantes sobre o Tribunal do Santo Ofício na Antuérpia e faz um belo discurso pelo direito à pluralidade de crenças. O destino do filho de Rampling só demonstra como a imposição de uma crença destrói tanto as “rivais” quanto ela própria, que vai abdicando de sua humildade e humanidade em prol da hegemonia.
Amarga Esperança
4.1 22Ray deixa bem claro desde o início que a sua intenção é mapear o deslocamento e a inadaptação desses dois jovens através de um mundo que simplesmente não os acolhe, não os entende. Não há lugar para Keechie e Bowie, assim como não há lugar para os que são excluídos diariamente em alguns “centros socioeducativos” para menores, nas intermináveis filas de emprego e até ao sair de universidades e não encontrar meios para sustentar-se. Como o próprio título do filme explica, eles são como criaturas notívagas e estranhas demais para quem vive à luz das oportunidades. Quase um preâmbulo de “Rebel Without a Cause”, com uma influência imensa sobre todo o cinema do posterior assistente de Ray - Jim Jarmusch - “They Live by Night” é mais um dos excelentes filmes que este grande cineasta nos legou.
Comuna de Paris, 1871
4.6 11Discutir com profundidade, genialidade & paixão a evolução das condições de trabalho, das questões de gênero e da mídia corporativista, dentre outros milhares de assuntos como colonialismo e xenofobia, misturar tudo dentro de uma recriação histórica sem cacoetes “épicos” da Comuna de Paris, reduzindo a misè-en-scene ao essencial - tanto para cortar custos quanto para expressar uma escolha deliberada da equipe - e ainda dar voz ativa a todo o elenco e profissionais envolvidos na produção... quem mais poderia conceber essa maravilha senão o desafiador citoyen Peter Watkins? Filme a se carregar para a vida, este “La Commune”. Quisera eu que, ao menos toda década, surgisse uma obra desse calibre.
Tangos, o Exílio de Gardel
3.9 5 Assista AgoraUma das ditaduras latinas mais sangrentas é relembrada com intensa melancolia neste filme extremamente sensual, crítico e surreal do Solanas. Gardel e San Martín deram ótimos “personagens” e a trilha sonora do MESTRE Piazzolla transcende o sublime. Lindíssimo filme, não só para os amantes do tango, mas para os apreciadores da arte como retrato das angústias de um povo. Quisera eu ter visto a Tanguedia...
Chove Sobre Santiago
4.1 13“Compañero Allende? Presente! Ahora y siempre!”
Algum maniqueísmo desnecessário aqui e ali - no retrato dos golpistas - não invalida o tom de apaixonante denúncia social, feita no calor dos acontecimentos, num filme desafiador que precisou ser rodado com patrocínio francês. Helvio Soto canalizou o sentimento nacional com muito talento e sensibilidade. Bibi Andersson, Trintignant e os outros astros são quase coadjuvantes de luxo, com pequenos mas marcantes momentos. Em “Il Pleut sur Santiago” o protagonista é o povo chileno e a Unidad Popular, embalados por ninguém menos que Ástor Piazzolla e sua trilha sonora sensacional. Quando exibido, à época de sua estréia, as platéias se levantavam e aplaudiam o emocionante final em uníssono por vários minutos. Já vi muitos filmes sobre o tema e considero este, sem dúvida alguma, o melhor.
Inocente Pecadora
4.0 46 Assista AgoraAqui Griffith lança as bases do melodrama no cinema. Acho que poucos filmes foram tão referenciados como este, na maioria das vezes indiretamente - o que mostra a sua grandeza em ditar os padrões para este tipo de história. Lillian Gish está absolutamente divina! Essa mocinha era um fenômeno, em cada uma das cortantes cenas dramáticas com close em seus olhos marejantes eu tinha vontade de tirar um print e mandar a quem me perguntasse o significado da palavra “atuação”. A título de curiosidade, a catarse final no gelo pôs em risco a vida de todos na produção, inclusive dos atores, tanto que Gish carregou sequelas na mão - afundada por horas no gelo - pelo resto da vida. “Way Down East” é praticamente perfeito, grande sucesso de bilheteria na Era do Cinema mudo, eterno em seu romantismo.
Amargo Triunfo
4.2 10Acho que não há nada mais perigoso que um homem com medo. Especialmente se ele detém o poder sobre a vida dos outros. Finalmente posso concordar com o Godard na citação clássica sobre “Bitter Victory” - este filme é imenso, genial, aterrador e profundamente humano. O Cinema em sua melhor forma.
Cais das Sombras
4.2 17Só a ambientação nas brumas e a trilha sonora dramática já anunciam a tragédia. Carné, no entanto, dosa o forte clima pessimista com a impetuosidade do primeiro amor e um cãozinho muito carismático. Logo no início do filme, Prevért nos delicia com brilhantes diálogos existencialistas. Jean Gabin é fantástico, primeiro filme que vejo com ele e já entendo porque o homem é uma das lendas do cinema francês. Ótimo filme, considerado merecidamente um dos melhores e mais amargos de Carné.
Lady Day: Os Estilos de Billie Holiday
4.2 4Provavelmente minha cantora preferida de todos os tempos. Aqui os mitos sobre a vida de Billie vão sendo destruídos (ou reconstruídos?) através de depoimentos muito apaixonados e interessantes, já que acrescentam informações consistentes à biografia da Lady.
Muito bom, para rever sempre.
Privilégio
3.8 6Caramba, acho que o Peter Watkins já devia ter esperado que esta maravilha de filme fosse um fracasso comercial no Reino Unido. O mestre ataca, deliberadamente e sem dó, todos os pilares conservadores da sociedade britânica. O que ele faz aqui é um exercício de destruição sistemática da posterior Era Tatcher, numa espécie de profecia cinematográfica extremamente atual. As podridões do show business, a publicidade predatória, o consumismo induzido, a “fé como espetáculo”, a “ilusão democrática”, nada, nada escapa da crítica voraz de Watkins. Sensacional, merecia um lançamento em DVD ou Blu-ray à altura daquelas inebriantes imagens distópicas.
Na Cidade de Sylvia
3.6 41“En la Ciudad de Sylvia” é a tradução em imagens do poema Ode on a Grecian Urn do John Keats. A fugacidade da juventude e paixão; a glória do impulso invisível que move o rapaz; buscar a beleza, a beleza que foge, se esconde, mas vive e pulsa; achar a verdade em todas as coisas, a beleza em tudo que há, a beleza que é verdade e imagem refletida. Filme sobre o amor incondicional pelo amor, onírico e vivo como poucas vezes vi.
O Boulevard do Crime
4.4 59 Assista AgoraMenos que cinco estrelas para esse filme é uma ofensa ao cinema, Carné criou uma obra imortal. Todo o esforço dele e da equipe - em condições políticas extremamente difíceis - resultou num dos maiores filmes franceses de todos os tempos, excepcional em todos os aspectos.
Jean-Louis Barrault foi mais que um ator e um mímico, ele encarnou a arte por trás da “máscara” branca. O roteiro de Prévert é tão lírico que assusta. “Les Enfants du Paradis” mereceu todo o reconhecimento tardio, e a enorme influência que exerceu só comprova sua genialidade.
No Boulevard do Crime “o amor é tão simples”, mas vivê-lo é difícil...
Consciências Mortas
4.2 72Vi “Ox-Bow” na seqüência de “Yellow Sky” e já posso afirmar: William Wellman faz o meu tipo de western. A coragem e ousadia desse diretor visionário - tocando em assuntos que só após duas décadas entrariam muito em pauta - são dignas de toda a admiração.
Fico aqui me perguntando: como é possível que ainda hoje as pessoas se comportem exatamente igual aos linxadores, agindo em completa ignorância e ódio, julgando e condenando seus semelhantes com o apoio mesquinho de alguns “cegos pelo poder”? Aliás, a obra demonstra claramente que esse tal “poder” ignorante e inflexível não é só o institucionalizado, mas praticado também nas relações humanas. No nosso cotidiano.
Filme obrigatório e inesquecível. Que sejamos sempre um dos sete.
Apostando no Amor
3.9 47Quem diria que um filme com essa premissa pudesse ser tão sensível? “Dogfight” conta com um dos romances mais inusitados que já vi, sem esquecer de criticar com propriedade a Guerra do Vietnã - a sensacional conversa entre os fuzileiros sobre a mentira é atualíssima - e tocar num dos assuntos que mais me interessam em se tratando de EUA: a música folk.
Interessante o fato de que Rose não sofre nenhuma grande transformação durante o filme, ela é encantadora e doce desde o início e é assim que Eddie gosta dela. Tirando a roupa de baile desastrosa, ela se apresenta a ele como é, suas idéias e sua alma. Lili Laylor transmite tudo isso com uma grande atuação.
Segundo filme que vejo do Phoenix, e dá ainda mais tristeza pensar que ele se foi tão jovem e com tanto talento. Ótimo filme.
The Blues - Feel Like Going Home
4.5 10Se eu odiasse cada um dos filmes de Scorsese - o que não é o caso - ele já mereceria meu respeito só por ter concebido e realizado esse projeto. Este primeiro episódio é ótimo tanto para os antigos apreciadores de Blues reverem mitos como Muddy Waters, Johnny Lee Hooker e Son House quanto para os que nada conhecem a respeito entenderem a importância e influência desses homens em toda música americana posterior. Buscar as raízes africanas também foi essencial para traçar a história do Delta Blues. Coisa linda.
Além das Nuvens
3.7 24Muito bonito e divinamente atuado. O prólogo e o epílogo escritos por Wim Wenders para completar o filme são sensacionais, Antonioni deve ter gostado bastante.
Edifício Master
4.3 372 Assista AgoraO filme é lindo e Coutinho é mestre. Até os tipos mais bizarros acabam te ganhando pelo carisma e adoro como o diretor não faz julgamento algum, só mostra cada pessoa e sua forma de perceber o mundo. Se certos depoimentos soam preconceituosos ou insanos a alguns, é bom pontuar que aquilo é um retrato do ser humano, com tudo de “bom” e “mau” que lhe é inerente.
O Veneno da Madrugada
3.0 18A fotografia linda do mestre Walter Carvalho pontua muito bem o clima tenso, obscuro e decadente do lugar. Não entendi porque ninguém entendeu, era só prestar atenção ao que Cassandra dizia.
Quando ela fala: “O tempo é um arqueiro feroz, suas flechas voam em todos os sentidos” e “nem tudo acontece dentro do tempo e da razão”, ela dá as dicas para compreendermos a narrativa, que se divide em “flechas” de tempo - a mesma história sendo recontada em novas possibilidades (três), que terminam se encontrando no infinito; no caso do filme, na finitude da vila, no que (d)escreve o padre. Cada “flecha” se inicia quando chega o barco e homem diz que não é preciso bússola para chegar à cidade, é só seguir o cheiro de podre da vaca. Isso também denota que o vilarejo está fora da regência temporal linear que conhecemos. Começa de manhã (por causa do canto dos pássaros da viúva Assis) e termina mais ou menos às 17h, hora que o relógio dá suas badaladas na casa de César Monteiro - é possível vermos o relógio no quarto do Alcaide também, que marca sempre 16h45. Guerra disse disse ter se baseado em algo de física quântica; esta é a “física das possibilidade infinitas, que estão acontecendo ao mesmo tempo”. O espaço é o mesmo, mas o tempo se reparte.
Entendida a narrativa, gostei muito das referências políticas: ao ler a placa É PROIBIDO FALAR DE POLÍTICA no barbeiro, o Alcaide diz: “Estamos numa democracia, só o governo pode proibir alguma coisa”; o juiz que se dobra às chantagens do Alcaide, que é visto como “honesto” porque não aceita suborno (consegue o que quer através de ameaças); quando o dentista arranca o dente podre do Alcaide e ele pede anestesia, ao que o dentista retruca, “mas vocês matam sem anestesia”.
A nível de discussões morais é muito interessante a questão da viúva e sua “nudez mortal” numa sociedade hipócrita e falso-moralista. É dito que no fim, tudo seria uma história de amor, como Tristão e Isolda. Oras, esse mito é a separação, pelas convenções morais e sociais, de um casal que se apaixona. Ele morre pela lança, ela por ter ido salvá-lo - ambos envolvidos em tristeza e agonia. Cassandra diz que o mito se inverte, e é assim que morre Alcaide, o filho bastardo do Sr. Assis que queria vingança: indo salvar Rosário.
Eu vejo a música de Nestor à Rosário, que diz “Meu amor levou teu sonho/ Este barco me levará até teu sonho/ Ficarei em teu sonho até a morte”, como mais um símbolo da obssessão do Alcaide por vingança; ele estava preso ao ódio que sentia como que entorpecido, num sonho, e dele não despertou até a morte. “A verdade é aquilo em que se acredita”, e todos ali tinham as suas “verdades”, por isso os pasquins ao contar uma única verdade - a “real” - passam a desequilibrar o microcosmo de todos os personagens.
Serras da Desordem
4.2 32“O índio é uma outra humanidade.”
Realmente uma obra impressionante que merece figurar entre os melhores filmes brasileiros dos últimos anos. A longa duração é totalmente necessária pois, através de Carapirú, Tonacci reconta quase toda a História do Brasil. O filme é tão rico em questões e significados que é até difícil percebê-los de uma só vez. Ao adentrarmos nessa odisséia do índio brasileiro é impossível passar incólume a tudo que foi exposto, desde a questão da ocupação em terras indígenas à destruição da floresta. Felizmente, Tonacci não recorre à solução fácil de vitimizar os índios e pergunta também: o que fazer pelos “brancos”, pelos povos ribeirinhos? Os índios não são “bons selvagens”, apenas têm necessidades e manifestações culturais diferentes das nossas. O conceito de “docudrama” é levado magistralmente ao extremo.
A meu ver, “Serras da Desordem” é um filme essencial.
Santiago
4.1 134“Tudo isso é um túmulo para mim, um túmulo alegre, cheio de vida. Apesar de ter toneladas de cinzas, com cheiro de queimado, tonaladas de todas aquelas grandes marionetes, marionetes para 'bondar' e para 'maldar', que ajudaram a fazer a história universal.”
Interessante que Salles tirou, do material antigo, a mesma conclusão que eu tirei ao vê-lo, e o documentário tornou-se um pedido de desculpas, uma redenção. Muito bonito.
Um Verão na Casa do Vovô
3.8 6Lindeza de filme sobre a infância. Adoro como Hou inverte os papéis entre a louca (que deveria agir com insanidade, mas é doce) e entre os adultos ditos “normais”, que tratam as crianças, sem perceber, com perigosa negligência. Todos absolutamente naturais em seus papéis, desde o elenco infantil até os avós, dando um tom de realismo nostálgico muito bem-vindo ao filme. De bônus, o mestre Edward Yang ainda faz uma ponta como o pai das crianças. Lembrou-me “Tonari no Totoro” e “Suzaku”, mas este aqui veio bem antes. Hsiao-hsien sempre é garantia de qualidade.
Terra Estrangeira
4.1 182 Assista AgoraSó o trabalho do Walter Carvalho na fotografia já vale todos os elogios ao filme, mas ainda há um link sensacional com a era Collor - o impacto do congelamento das cadernetas foi bem aquele, segundo me contaram. É verdade que depois a trama parte para uma mistura meio estranha de noir com road-movie numa no man’s land romântica - talvez fosse intencional, mas o filme perdeu sua força ali, para mim. Indo contra a maioria, não gostei do Fernando como Paco, mas a Fernanda estava ótima. Final muito bom, e não falo só da parte com Vapor Barato, mas da irônica cena seguinte.
Filme a se respeitar imensamente.
A Casa de Alice
3.7 139 Assista AgoraArrisco dizer que é um das melhores produções brasileiras dos últimos anos, reflete tudo de bom que vem sendo feito lá fora com uma qualidade excelente. Roteiro bem costurado sem ser excessivamente didático - ou seja, não subestima a inteligência de quem vê - e atuações digníssimas. Adorei a voz da Carla Ribas, e que presença em cena ela tem! Vou procurar mais trabalhos seus. Lindo filme, infelizmente pouco conhecido, merecia ser melhor divulgado àqueles que subestimam o cinema nacional.