Obra encomendada, “Munekata kyōdai” adapta uma conhecida história de Jirō Osaragi. Feito entre “Banshun” e “Bakushu”, temos o estilo de Ozu em seu auge: os templos da velha Kyoto, o céu de Kobe, o caminhar triste de um casal, o intermitente neon externo; tudo filmado com o apuro das obras-primas do diretor. O cast estelar desse “Sense and Sensibility” nipônico também não decepciona, com destaque para Sō Yamamura interpretando o marido alcoólatra. Não é dos que mais amo do mestre Yasujiro, mas é certamente um grande filme a pincelar temas relevantes como divórcio e violência doméstica.
25 anos antes de “Seppuku” (Kobayashi) Yamanaka destila sua crítica aos valores tradicionais e às classes superiores. O rico comerciante e o nobre samurai Sr. Mori, ambos não têm misericórdia. Matajuro, um rōnin como o Hanshirō de Nakadai, degrada-se enquanto busca algum resquício de humanidade fora de si. A nobreza não tem mais lugar ali, como bem percebe Otaki.
A morte de Sadao Yamanaka foi resultado de críticas como essa. Filiado ao PC japonês e ligado a grupos teatrais de esquerda, desagradou de tal forma o governo nipônico que mandaram-no para morrer na Manchúria aos 28 anos. O desprezo com que sua obra foi tratada fez com que apenas 3 de 22 filmes sobrevivessem à guerra.
Por sorte, “Ninjō Kami Fūsen” permanece como testemunho das ideias do diretor: Matajuro Unno esconde em seus sorrisos e pretensa dignidade a revolta perante a dor do ostracismo social.
“A felicidade duradoura só surge com a alternância de prazer e dor.”
Aqui, Horikawa encarna os valores tradicionais do Japão, exala ternura em severas reprimendas e reescreve o valor da palavra dignidade. Como Ryohei, também ia querê-lo sempre perto. Em Tokyo-Ga Ryu diz que o dia mais feliz de sua vida foi aquele em que Ozu, o mestre, escolheu-o; logo ele, entre tantas pessoas. Já eu não imagino o cinema de Ozu sem os olhos de Ryu, onde encontro os sentimentos mais caros ao ser humano.
“Mr. Breslin, sir... Don't think that because you haven't heard from me for a while, that I went to sleep. No. Rather, I am still here, like a spirit roaming the night. Thirsty, hungry, seldom stopping to rest, anxious to please Sam.”
Uma pérola ainda desconhecida, cuja pré-seleção ao Oscar talvez proporcione o devido reconhecimento. A arte que remete às aquarelas agrada aos olhos com delicadeza, as vozes de Lambert Wilson e Pauline Brunner expressam com eficácia a personalidade da dupla principal e a trilha sonora só reforça o caráter heartwarming do roteiro. Nascida nos livros infantis de Gabrielle Vincent, a história assume contornos críticos ao pincelar temas como furto e fome. A reprodução do preconceito nas bases morais de duas sociedades (a de ratos e a de ursos) vê seus paradigmas de ódio e medo questionados pela amizade dos párias Ernest e Célestine. Exemplos como o caso de Outreau ensinaram os franceses a desconfiar do Judiciário e de seus capachos armados?
“Vous me reprochez de vivre avec un ours! Tout ça à cause de vos maudits préjugés!”
O premiado diretor Nhat Minh Dang explora o processo histórico de seu país através de um homem que não consegue crescer. Dang expõe a superação das memórias como um processo doloroso e aflitivo que não deveria ser imposto, mas encontrado. Hoa é vítima do destino e dos homens, assim como a camponesa Hue, assim como a velha árvore das goiabas. O passado e o presente estão assombrados e o futuro não reserva muitas esperanças. Reencontrar as memórias perdidas será a única maneira de sobreviver? Interessante abordagem política partindo do microcosmo de um indivíduo.
Difícil dizer algo a respeito. Filme simples em argumento e execução, que me comoveu profundamente por diversos motivos. Dentre eles, o uso das canções de Quilapayún e Daniel Viglietti. O diretor Wahrmann diz que “Avanti Popolo” é um filme bem pessoal - como produto artístico, no entanto, acho que ele é pessoal também àqueles que compartilham seu sentimento. A Baleia e o Pai (Carlão), deles não esqueço mais.
“Avanti o popolo, alla riscossa, Bandiera rossa, Bandiera rossa.”
“I have not seen a film as powerful, surreal, and frightening in at least a decade… unprecedented in the history of cinema.” (Werner Herzog)
“Like all great documentaries, The Act of Killing demands another way of looking at reality. It starts as a dreamscape, an attempt to allow the perpetrators to reenact what they did, and then something truly amazing happens. The dream dissolves into nightmare and then into bitter reality. An amazing and impressive film.” (Errol Morris)
“An absolute and unique masterpiece.” (Dusan Makavejev)
Wu destinara a direção ao Hou Hsiao-hsien, mas acabou tomando as rédeas da produção e emulando o estilo do diretor pretendido. Pudera, Hou e Wu foram grandes parceiros e uma dupla basilar na New Wave taiwanesa. No próprio título, “Duo Sang” carrega sua maior mensagem (sendo este o nome do genitor de Nien-Jen, fica nítida a homenagem). É o mais profundo e comovente filme que conheço abordando a figura paterna... Sega é tão verossímil que saltou da tela e me fez lembrar do meu pai. A longa duração do filme é um deleite, contendo várias cenas icônicas, sendo também possível acompanharmos a história contemporânea de Formosa (inclua aí todas as mudanças político-econômicas que a ilha enfrentou). Um monumento ao perdão irrestrito, ao amor incondicional e aos laços de sangue que tanto separam quanto unem para sempre.
“Durante toda a vida do meu pai, se alguém o perguntasse: Quantos anos você tem? Ele responderia: Eu nasci no 4º ano do Imperador Japonês Showa.”
Com carga emocional poderosa, temos aqui uma clássica Tragédia cujo tema é a corrupção do poder, presas e predadores. Lu Chuan subverte o gênero épico, de batalhas onipresentes passamos a um pesadelo incessante, entramos na mente perturbada do imperador Liu Bang (depois de morto, Gāozǔ), que durante sua escalada cultiva ódio e reverência por dois homens: o nobre Xiang Yu, que aos 24 anos já era uma lenda militar; e o general Han Xin, uma máquina de guerrear cujas ações são decisivas na aurora da nova dinastia. O Império coube ao menos valoroso dos homens, sedento de prazer e poder? O diretor acerta na escolha de três atores tão icônicos quantos seus personagens, na ótima reconstituição histórica, no uso de CGI em momentos pontuais e no destaque dado à imperatriz Lü Zhi. Para se contemplar com paciência e fascínio o nascimento da maior etnia do planeta (hoje, 20% da população mundial): os Han.
As cinco estórias são baseadas em contos, retirados do livro inacabado de Yasushi Satō. O autor não chegou a concluí-lo antes de cometer suicídio, ainda assim “Kaitanshi Jokei” foi publicado postumamente. Partindo do mesmo título do livro, Kazuyoshi Kumakiri cria uma obra-prima do cinema japonês contemporâneo. Os personagens são todos marginalizados, e a violência intrínseca às relações humanas fora de equilíbrio é pungente nas situações sociais. O sistema econômico que se alimenta das próprias crises elimina sem dó os elos mais fracos, privando-os da subsistência. As imagens do filme compõem a melancolia de não saber viver, o ato de culpar-se pelo próprio sofrimento, a dor maior que é estar sozinho. Os temas compostos por Jim O'Rourke parecem emissões musicais do gélido ar de Kaitan, tão integrados que estão ao ambiente da cidade. Todos esses elementos convergem para uma experiência crua de imersão no interior humano - a canção triste e perene do existir, do resistir.
É preciso resistir. Ao trator, a pedra. À televisão, o teatro. Ao medo, o riso. À solidão, a esperança. É preciso resistir aos que querem idiotizar-nos. Não permitamos que “el olvido”, o esquecimento, inunde tudo que existe, rompendo os muros do Teatro Espejo. O mundo pode mudar, mas eles nunca vão conseguir tirar-nos tudo. “Tudo” não tem preço, não compra-se ou vende-se. A brutalidade policial, o ataque das grandes corporações, a letargia do Estado... chovem sobre nós. Solanas dissipa a nuvem. E convida a todos que vêem “La Nube” a dissipá-la também, numa ode ao teatro que mistura comédia, drama, crítica social e alguns momentos de deliciosa absurdez.
Um deslumbre. Vlácil transfigura a poesia de Hynek Mácha em imagens com uma organicidade impressionante - como se certas cenas tivessem sido transcritas pessoalmente pelo poeta. Morto ainda jovem, tendo sua poesia negada na editoras, publicou seu poema “Maio” às próprias custas e de amigos. Crítica e público foram duros com Hynek, e a passagem do filme que ilustra a reação das pessoas a seu livro é magnífica, coisa de mestre. Atualmente, o poeta é reconhecido como um dos maiores da literatura tcheca e “Maio” é leitura obrigatória nas escolas (o que faz muitos tchecos desgostarem desse poema soberbo, pois não apreciam-no à idade ou momento exatos). Vlácil investiga o interior do rapaz Hynek com crueza, não poupa-nos de seu lado sombrio que exala imaturidade, orgulho e ciúmes. Por outro lado, erige o retrato definitivo de uma criatura fascinante em sua certeza imutável da fugacidade dos seres. “Eu amo a flor porque ela murcha/ um animal, porque ele perece./ Eu amo o homem porque ele morre, deixa de existir,/ e sente que desaparece para sempre.”
As já complexas trezentas e poucas páginas do romance de Böll são fragmentadas em cinqüenta minutos de estranhamento e deleite, que vão buscar sua expressão no teatro de Brecht. Ver um filme do casal Straub/Huillet é para mim uma expansão de percepções, a procura do sentido que se encerra em cada gesto súbito de sua montagem austera. O tempo e a memória ressurgindo assombrados e ausentes, com o mesmo peso do instante presente “mudo como a terra, surdo como uma árvore”.
Existem atores e existe o Paul Muni, acima da maioria deles. Como, em poucos meses, Tony Camonte tornou-se James Allen? O homem realiza um trabalho de mestre aqui. A crítica não abrange apenas o sistema carcerário, mas todas as engrenagens do Estado e a hipocrisia da vida em sociedade. Pude reconhecer várias cenas re-utilizadas em obras posteriores - está tudo aqui. “I am a Fugitive from a Chain Gang” reserva ainda o final mais amargo possível, o sussurro de um homem cujo vingativo Estado despojou indefinidamente da paz de espírito.
Quando a força do mar não é maior que a intensidade da paixão, Barnet cria um lindo melodrama onde todas as imagens esbanjam virtuose e poesia. Semyon Svashenko, mesmo com uma única cena em destaque, revive a dignidade que doara a seus personagens na trilogia de Dovjenko. Yelena Kuzmina brilha mais que o sol em contraluz sobre a imensidão do oceano.
Só não dou nota máxima por que vi a versão (americana?) reduzida, de onde limaram meia hora de filme - “Nezabyvayemoye” originalmente teria 118 minutos de duração. De resto, Yuliya Solntseva faz juz ao legado de seu esposo Dovzhenko. Bastante simbólica a forma com que ela filma as incríveis cenas de batalha em P&B, reservando as cores para os momentos de tranqüilidade. Triste que os filmes dessa mulher sejam totalmente desconhecidos, esse aqui merece certamente figurar entre as mais sensíveis obras sobre a WW2 que já vi.
Dentre os filmes lançados em 2012 que vi, considero “Dupa Dealuri” o melhor. Corajosamente, com uma crueza que já vimos antes em “4 Luni, 3 Saptamâni si 2 Zile”, Mungiu leva o tema às últimas conseqüências e questiona a validade dos ditos “atos de amor”. O “bem” que pensamos estar fazendo aos outros pode ser o “mal” que eles não querem receber. O elenco faz a situação explorada ficar extremamente verossímil, e parece que o filme foi baseado mesmo numa ocorrência real. A ambientação no mosteiro é excelente, focando a dinâmica do lugar e desvelando a paranóia de seus habitantes. Mal posso esperar para revê-lo.
La Playa D.C
3.3 9“Após todos esses anos,
ainda não sabe que nós somos os cães?”
As Irmãs Munekata
4.0 9 Assista AgoraObra encomendada, “Munekata kyōdai” adapta uma conhecida história de Jirō Osaragi. Feito entre “Banshun” e “Bakushu”, temos o estilo de Ozu em seu auge: os templos da velha Kyoto, o céu de Kobe, o caminhar triste de um casal, o intermitente neon externo; tudo filmado com o apuro das obras-primas do diretor. O cast estelar desse “Sense and Sensibility” nipônico também não decepciona, com destaque para Sō Yamamura interpretando o marido alcoólatra. Não é dos que mais amo do mestre Yasujiro, mas é certamente um grande filme a pincelar temas relevantes como divórcio e violência doméstica.
Humanidade e Balões de Papel
4.1 4 Assista Agora25 anos antes de “Seppuku” (Kobayashi) Yamanaka destila sua crítica aos valores tradicionais e às classes superiores. O rico comerciante e o nobre samurai Sr. Mori, ambos não têm misericórdia. Matajuro, um rōnin como o Hanshirō de Nakadai, degrada-se enquanto busca algum resquício de humanidade fora de si. A nobreza não tem mais lugar ali, como bem percebe Otaki.
A morte de Sadao Yamanaka foi resultado de críticas como essa. Filiado ao PC japonês e ligado a grupos teatrais de esquerda, desagradou de tal forma o governo nipônico que mandaram-no para morrer na Manchúria aos 28 anos. O desprezo com que sua obra foi tratada fez com que apenas 3 de 22 filmes sobrevivessem à guerra.
Por sorte, “Ninjō Kami Fūsen” permanece como testemunho das ideias do diretor: Matajuro Unno esconde em seus sorrisos e pretensa dignidade a revolta perante a dor do ostracismo social.
Era Uma Vez Um Pai
4.2 17 Assista Agora“A felicidade duradoura só surge com a alternância de prazer e dor.”
Aqui, Horikawa encarna os valores tradicionais do Japão, exala ternura em severas reprimendas e reescreve o valor da palavra dignidade. Como Ryohei, também ia querê-lo sempre perto. Em Tokyo-Ga Ryu diz que o dia mais feliz de sua vida foi aquele em que Ozu, o mestre, escolheu-o; logo ele, entre tantas pessoas. Já eu não imagino o cinema de Ozu sem os olhos de Ryu, onde encontro os sentimentos mais caros ao ser humano.
Fogos de Artifício
4.0 77“É preciso abraçar a dor e fazer dela o combustível da jornada.”
Kenji Miyazawa
O Verão de Sam
3.7 66“Mr. Breslin, sir...
Don't think that because
you haven't heard from me for a while,
that I went to sleep.
No. Rather, I am still here,
like a spirit roaming the night.
Thirsty, hungry, seldom stopping to rest,
anxious to please Sam.”
Ernest e Célestine
4.4 319Uma pérola ainda desconhecida, cuja pré-seleção ao Oscar talvez proporcione o devido reconhecimento. A arte que remete às aquarelas agrada aos olhos com delicadeza, as vozes de Lambert Wilson e Pauline Brunner expressam com eficácia a personalidade da dupla principal e a trilha sonora só reforça o caráter heartwarming do roteiro. Nascida nos livros infantis de Gabrielle Vincent, a história assume contornos críticos ao pincelar temas como furto e fome. A reprodução do preconceito nas bases morais de duas sociedades (a de ratos e a de ursos) vê seus paradigmas de ódio e medo questionados pela amizade dos párias Ernest e Célestine. Exemplos como o caso de Outreau ensinaram os franceses a desconfiar do Judiciário e de seus capachos armados?
“Vous me reprochez de vivre avec un ours!
Tout ça à cause de vos maudits préjugés!”
La Saison des Goyaves
4.0 1O premiado diretor Nhat Minh Dang explora o processo histórico de seu país através de um homem que não consegue crescer. Dang expõe a superação das memórias como um processo doloroso e aflitivo que não deveria ser imposto, mas encontrado. Hoa é vítima do destino e dos homens, assim como a camponesa Hue, assim como a velha árvore das goiabas. O passado e o presente estão assombrados e o futuro não reserva muitas esperanças. Reencontrar as memórias perdidas será a única maneira de sobreviver? Interessante abordagem política partindo do microcosmo de um indivíduo.
Tão Distante
3.5 5“A ave solitária voa até o ponto mais alto.
A ave solitária não sofre por companhia.
A ave solitária aponta seu bico para os céus.”
Avanti Popolo
3.2 19 Assista AgoraDifícil dizer algo a respeito. Filme simples em argumento e execução, que me comoveu profundamente por diversos motivos. Dentre eles, o uso das canções de Quilapayún e Daniel Viglietti. O diretor Wahrmann diz que “Avanti Popolo” é um filme bem pessoal - como produto artístico, no entanto, acho que ele é pessoal também àqueles que compartilham seu sentimento. A Baleia e o Pai (Carlão), deles não esqueço mais.
“Avanti o popolo, alla riscossa,
Bandiera rossa, Bandiera rossa.”
O Ato de Matar
4.3 135“I have not seen a film as powerful, surreal, and frightening in at least a decade… unprecedented in the history of cinema.”
(Werner Herzog)
“Like all great documentaries, The Act of Killing demands another way of looking at reality. It starts as a dreamscape, an attempt to allow the perpetrators to reenact what they did, and then something truly amazing happens. The dream dissolves into nightmare and then into bitter reality. An amazing and impressive film.”
(Errol Morris)
“An absolute and unique masterpiece.”
(Dusan Makavejev)
Duo Sang
4.2 1Wu destinara a direção ao Hou Hsiao-hsien, mas acabou tomando as rédeas da produção e emulando o estilo do diretor pretendido. Pudera, Hou e Wu foram grandes parceiros e uma dupla basilar na New Wave taiwanesa. No próprio título, “Duo Sang” carrega sua maior mensagem (sendo este o nome do genitor de Nien-Jen, fica nítida a homenagem). É o mais profundo e comovente filme que conheço abordando a figura paterna... Sega é tão verossímil que saltou da tela e me fez lembrar do meu pai. A longa duração do filme é um deleite, contendo várias cenas icônicas, sendo também possível acompanharmos a história contemporânea de Formosa (inclua aí todas as mudanças político-econômicas que a ilha enfrentou). Um monumento ao perdão irrestrito, ao amor incondicional e aos laços de sangue que tanto separam quanto unem para sempre.
“Durante toda a vida do meu pai, se alguém o perguntasse: Quantos anos você tem?
Ele responderia: Eu nasci no 4º ano do Imperador Japonês Showa.”
A Noite dos Desesperados
4.2 112 Assista Agora“Maybe it's just the whole world is like central casting.
They got it all rigged before you ever show up.”
The Last Supper
3.6 2Com carga emocional poderosa, temos aqui uma clássica Tragédia cujo tema é a corrupção do poder, presas e predadores. Lu Chuan subverte o gênero épico, de batalhas onipresentes passamos a um pesadelo incessante, entramos na mente perturbada do imperador Liu Bang (depois de morto, Gāozǔ), que durante sua escalada cultiva ódio e reverência por dois homens: o nobre Xiang Yu, que aos 24 anos já era uma lenda militar; e o general Han Xin, uma máquina de guerrear cujas ações são decisivas na aurora da nova dinastia. O Império coube ao menos valoroso dos homens, sedento de prazer e poder? O diretor acerta na escolha de três atores tão icônicos quantos seus personagens, na ótima reconstituição histórica, no uso de CGI em momentos pontuais e no destaque dado à imperatriz Lü Zhi. Para se contemplar com paciência e fascínio o nascimento da maior etnia do planeta (hoje, 20% da população mundial): os Han.
Ronda da Noite
3.6 15“Life is tough, unfair, imperfect, brutish, disappointing, and unbearable.
And there is no justice, and there never will be.”
Segunda-Feira ao Sol
4.1 49“Si cae uno, caemos todos.
Porque somos la misma cosa.
Como los siameses.”
Sim, somos.
Esboços da Cidade de Kaitan
3.7 3 Assista AgoraAs cinco estórias são baseadas em contos, retirados do livro inacabado de Yasushi Satō. O autor não chegou a concluí-lo antes de cometer suicídio, ainda assim “Kaitanshi Jokei” foi publicado postumamente. Partindo do mesmo título do livro, Kazuyoshi Kumakiri cria uma obra-prima do cinema japonês contemporâneo. Os personagens são todos marginalizados, e a violência intrínseca às relações humanas fora de equilíbrio é pungente nas situações sociais. O sistema econômico que se alimenta das próprias crises elimina sem dó os elos mais fracos, privando-os da subsistência. As imagens do filme compõem a melancolia de não saber viver, o ato de culpar-se pelo próprio sofrimento, a dor maior que é estar sozinho. Os temas compostos por Jim O'Rourke parecem emissões musicais do gélido ar de Kaitan, tão integrados que estão ao ambiente da cidade. Todos esses elementos convergem para uma experiência crua de imersão no interior humano - a canção triste e perene do existir, do resistir.
A Nuvem
3.9 4É preciso resistir. Ao trator, a pedra. À televisão, o teatro. Ao medo, o riso. À solidão, a esperança. É preciso resistir aos que querem idiotizar-nos. Não permitamos que “el olvido”, o esquecimento, inunde tudo que existe, rompendo os muros do Teatro Espejo. O mundo pode mudar, mas eles nunca vão conseguir tirar-nos tudo. “Tudo” não tem preço, não compra-se ou vende-se. A brutalidade policial, o ataque das grandes corporações, a letargia do Estado... chovem sobre nós. Solanas dissipa a nuvem. E convida a todos que vêem “La Nube” a dissipá-la também, numa ode ao teatro que mistura comédia, drama, crítica social e alguns momentos de deliciosa absurdez.
Mág
3.5 2Um deslumbre. Vlácil transfigura a poesia de Hynek Mácha em imagens com uma organicidade impressionante - como se certas cenas tivessem sido transcritas pessoalmente pelo poeta. Morto ainda jovem, tendo sua poesia negada na editoras, publicou seu poema “Maio” às próprias custas e de amigos. Crítica e público foram duros com Hynek, e a passagem do filme que ilustra a reação das pessoas a seu livro é magnífica, coisa de mestre. Atualmente, o poeta é reconhecido como um dos maiores da literatura tcheca e “Maio” é leitura obrigatória nas escolas (o que faz muitos tchecos desgostarem desse poema soberbo, pois não apreciam-no à idade ou momento exatos). Vlácil investiga o interior do rapaz Hynek com crueza, não poupa-nos de seu lado sombrio que exala imaturidade, orgulho e ciúmes. Por outro lado, erige o retrato definitivo de uma criatura fascinante em sua certeza imutável da fugacidade dos seres. “Eu amo a flor porque ela murcha/ um animal, porque ele perece./ Eu amo o homem porque ele morre, deixa de existir,/ e sente que desaparece para sempre.”
Não Reconciliados
3.4 3 Assista AgoraAs já complexas trezentas e poucas páginas do romance de Böll são fragmentadas em cinqüenta minutos de estranhamento e deleite, que vão buscar sua expressão no teatro de Brecht. Ver um filme do casal Straub/Huillet é para mim uma expansão de percepções, a procura do sentido que se encerra em cada gesto súbito de sua montagem austera. O tempo e a memória ressurgindo assombrados e ausentes, com o mesmo peso do instante presente “mudo como a terra, surdo como uma árvore”.
O Fugitivo
4.2 36Existem atores e existe o Paul Muni, acima da maioria deles. Como, em poucos meses, Tony Camonte tornou-se James Allen? O homem realiza um trabalho de mestre aqui. A crítica não abrange apenas o sistema carcerário, mas todas as engrenagens do Estado e a hipocrisia da vida em sociedade. Pude reconhecer várias cenas re-utilizadas em obras posteriores - está tudo aqui. “I am a Fugitive from a Chain Gang” reserva ainda o final mais amargo possível, o sussurro de um homem cujo vingativo Estado despojou indefinidamente da paz de espírito.
À Beira do Mar Azul
3.5 5Quando a força do mar não é maior que a intensidade da paixão, Barnet cria um lindo melodrama onde todas as imagens esbanjam virtuose e poesia. Semyon Svashenko, mesmo com uma única cena em destaque, revive a dignidade que doara a seus personagens na trilogia de Dovjenko. Yelena Kuzmina brilha mais que o sol em contraluz sobre a imensidão do oceano.
Inesquecível
4.0 1Só não dou nota máxima por que vi a versão (americana?) reduzida, de onde limaram meia hora de filme - “Nezabyvayemoye” originalmente teria 118 minutos de duração. De resto, Yuliya Solntseva faz juz ao legado de seu esposo Dovzhenko. Bastante simbólica a forma com que ela filma as incríveis cenas de batalha em P&B, reservando as cores para os momentos de tranqüilidade. Triste que os filmes dessa mulher sejam totalmente desconhecidos, esse aqui merece certamente figurar entre as mais sensíveis obras sobre a WW2 que já vi.
Além das Montanhas
3.9 117Dentre os filmes lançados em 2012 que vi, considero “Dupa Dealuri” o melhor. Corajosamente, com uma crueza que já vimos antes em “4 Luni, 3 Saptamâni si 2 Zile”, Mungiu leva o tema às últimas conseqüências e questiona a validade dos ditos “atos de amor”. O “bem” que pensamos estar fazendo aos outros pode ser o “mal” que eles não querem receber. O elenco faz a situação explorada ficar extremamente verossímil, e parece que o filme foi baseado mesmo numa ocorrência real. A ambientação no mosteiro é excelente, focando a dinâmica do lugar e desvelando a paranóia de seus habitantes. Mal posso esperar para revê-lo.