não concordo com a forma de Dave Chappelle trabalhar. É engraçado pq ele é um mestre nessa arte e humor não é sobre tema, é sobre timing e subversão de expectativa. Na real, nem acho q ele realmente acredita na maioria das coisas q diz... mas enfim, não acho legal. Mas papo reto, no final disso aqui eu tava chorando. Espero q essa pausa na carreira dele sirva pra um pouco de reflexão
o design é feio, a trama é brega, o vilão é totalmente esquecível, os personagens são rasos, o texto é péssimo, as piadas são ainda piores... Mas eu me diverti pra caramba KKKKK
Um playboy convida alguns amigos para sua mansão enquanto seus pais estão fora de casa. Usando uma previsão de tempestade iminente como pretexto para se reunir, o grupo planeja passar a chuva torrencial usando drogas e gravando TikTok's.
Logo de início o filme estabelece um clima bem intrigante. Enquanto geral dança ao som de hits virais, a música se mistura ao barulho dos trovões e da chuva, o que proporciona ao filme uma atmosfera apocalíptica - é como se os personagens estivessem voluntariamente alienados do perigo palpável representado pela tempestade.
À medida que a festa segue, vamos notando pequenas tensões entre os personagens: ex-ficantes mal resolvidos, um relacionamento decadente, e agregados duvidosos em uma festa que deveria ser íntima. Talvez para aliviar o clima no ambiente, os amigos decidem jogar "bodies bodies bodies", uma brincadeira que pode ser resumida como uma espécie de "Among Us da vida real". Um "assassino" é sorteado, apagam-se as luzes, e os participantes perambulam pela casa para descobrir quem é o assassino antes que ele mate todos os outros.
Mais adiante, a diretora (Halina Reijn) não demora muito para entregar o trunfo do filme. Obviamente, o jogo vira uma situação literal e, a partir do primeiro assassinato, todos os outros brigam e conspiram na esperança de identificar o real assassino. Com essa situação levando-os ao limite, as máscaras caem, eliminando o espaço para eufemismos e panos quentes.
Aqui, fica claro que a intenção do filme é rir da cultura "woke", visto que essa, ao se promover como a quebra de padrões socialmente estabelecidos, promoveu novos padrões de sociabilidade, igualmente contraditórios e problemáticos. Nessa nova conjuntura, é possível invalidar qualquer ponto de vista taxando de "tóxico", da mesma forma que se usa a preocupação recente com saúde mental como desculpa para justificar atitudes horríveis. No ponto de tensão máxima do longa, a diretora perde qualquer senso de sutileza e os diálogos praticamente se tornam jargão do twitter - um festival de buzzwords que só um jovem sem substância pode proporcionar.
Na verdade, todo o filme pode ser lido em metáfora à dinâmica das redes sociais. Pessoas que festejam desesperadamente, forçando-se a ignorar a realidade desagradável que existe para além da própria bolha. Enquanto isso, escondem-se em uma versão socialmente aceitável que cabe apenas nas redes sociais, mas que é destruída pela mesma realidade quando esta é impossível de ser negligenciada. Ainda, todo o jogo para descobrir quem é o assassino é repleto de transferência de culpa, acusações sem base factual, remetendo a uma juventude que destila ódio, perseguindo um inimigo volátil que, a depender da trend, volta a ser amigo até o próximo cancelamento.
Novamente, Bodies Bodies Bodies não é um filme sutil, e isso não é exatamente um problema, embora fique a sensação de que o filme não tem mais para oferecer além da sátira e de uma bela punchline nos minutos finais. Bodies Bodies Bodies é uma piada, no melhor sentido da palavra. Mas não é uma que você vai querer ouvir de novo.
O filme foi dirigido pela Melina Matsoukas, aquela mesmo que dirigiu Formation e outras trocentas coisas da Beyoncé. Neste longa, a diretora explora como uma situação cotidiana, como um date ruim marcado pelo tinder, pode se transformar em algo trágico quando se é preto nos EUA.
A situação se desenrola assim: Slim (Daniel Kaluuya) está levando Queen (Jodie Turner-Smith) para casa, finalizando o encontro morno já mencionado. Quando Queen demora para devolver o celular do seu parceiro, que parece ser uma pessoa bem reservada, este pega o smartphone abruptamente, fazendo o carro derrapar um pouco. Apesar de a estrada estar vazia e o gesto ter sido inofensivo, um policial pede para que o casal encoste o carro.
O desenrolar a partir daí é a típica (e, infelizmente, reconhecível) truculência policial. Entretanto, a diretora discorre com elegância sobre essa problemática - se, por um lado, o que acontece com o casal é algo recorrente, isto é, uma batida policial que só pode ser explicada pelo racismo, por outro, há um tom de que ser preto nos Estados Unidos é ter que estar sempre num estado de (auto)vigilância. O menor deslize - aqui, literalmente -, é o suficiente para você virar estatística. De forma nenhuma é culpa da vítima. Mas “parece” que é. Se ao menos Slim não tivesse derrapado na pista, não tivesse feito nenhum comentário espirituoso sobre a atitude do policial, ou se Queen não tivesse saído do carro para reclamar seus direitos e não ameaçasse pegar o celular… A essas atitudes naturais para quem está numa situação de injustiça, o guarda reage violentamente e a situação sai do controle, resultando na morte do policial e na fuga de Queen e Slim.
Ainda sobre esse estado não-espontâneo em que os negros são submetidos, há um diálogo entre os protagonistas no qual Slim afirma que só quer ser ele mesmo e indaga por que eles sempre têm que ser excelentes. O filme está repleto de momentos assim, intercalando a fuga da polícia com momentos de contemplação e ternura. E é nesse ponto que a diretora vai além do suspense social e começa a falar de questões mais amplas.
Note que a intenção da dupla é fugir do país e se exilar em Cuba. Para tanto, eles furtam, assaltam, ameaçam, pois contar com um julgamento adequado é esperar demais do Estado Americano. Durante o filme sentimos o estresse absurdo ao qual os personagens são submetidos e a expectativa de que a fuga tenha êxito, em termos realistas, é algo guiado apenas pelo nosso desejo de ver a justiça sendo feita na tela.
Aliás, o destino dos personagens pode ser visto para além do pragmático. Faz sentido fugir para Cuba, visto que o país é parcialmente mais livre da influência americana. Mas Cuba é, também, um símbolo de liberdade e das aspirações revolucionárias da América. Um lugar que anda em descompasso com a ordem global capitalista e uma experiência socialista que, em diversos aspectos, deu certo. Cuba pode ser lido, no filme, como mais que um país pobre e atrasado, mas como uma utopia de si mesma.
Diante do fracasso iminente, Queen e Slim decidem não apenas perseguir a utopia comunista, mas também se permitir viver; eles dançam, amam-se, andam a cavalo e fazem caminhadas contemplativas, mesmo com os policiais perseguindo seu rastro. Seus diálogos também demonstram um romantismo latente sufocado pela vida moderna, revelando o desejo de conhecer alguém com quem valha a pena compartilhar uma vida inteira, alguém que não fuja ao ver nossas “cicatrizes”, nas palavras de Queen. São questões que soam irreais, pois sonhar com amor eterno e com um mundo mais igualitário às vezes parece tão irreal quanto fugir de carro da polícia. Mas que inquietam na medida que nos fazem pensar se a vida não pode ser mais que essa sucessão de eventos úteis.
Em suma, Queen & Slim é mais que um filme de cunho social, pois tem nuances de romance, drama e comédia. O longa advoga em nome de uma vida em que vale a pena abraçar ideais, apesar dos riscos. Seu final é desolador e anticlimático, contradizendo tudo no qual a história nos faz acreditar, admitindo as contradições do romantismo frente a uma realidade que se impõe, inexorável, previsível, rígida. É um filme que deixa um gosto agridoce, não agradando aos românticos, nem àqueles que, com razão, já estão cansados de verem histórias trágicas protagonizadas por negros. Não é um filme fácil, mas sem dúvida vale a pena.
texto original no medium: https://link.medium.com/eUoRQt8I1tb
os Daniéis fizeram de novo. Chorei muito com Swiss Army Man e agora com esse filme de título muito longo. Tem tudo que eu gosto, um prato cheio para os órfãos dos trash de kung fu que passava no sbt, além de ser um filme com muito coração. Gente esquisita, niilismo revolts de adolescente, resposta filosófica de butequim a esse niilismo, casal de velhos, coreografia de luta cheia de poses... como eu não amaria?
Sobre meninas legais, conservadorismo, medo da velhice e a morte do “slasher empata f*d@”
Quando o estúdio A24 lança uma nova obra de terror, vale a pena prestar atenção. Nem tudo é acerto, claro, mas a produtora é uma boa representante de uma nova onda de terror que, no mínimo, tenta fugir dos vícios de um gênero tão saturado. Na verdade, saturação é a palavra-chave no novo filme de Ti West.
Para gravar um filme adulto amador, um grupo de pessoas aluga uma cabana no interior dos Estados Unidos que fica nas dependências da fazenda de Howard (Stephen Ure), um senhor de idade um tanto antipático. Durante uma das sessões de filmagem, a equipe é flagrada pela esposa do fazendeiro, agravando, assim, a tensão que já havia entre os cineastas e o proprietário desavisado.
O grupo de cineastas é composto por Wayne (Martin Henderson), o produtor do filme, as dançarinas e atrizes Maxine (Mia Goth) e Bobby-Lynne (Brittany Snow) que contracenam com o ator Jackson, interpretado por nada mais nada menos que Kid Cudi, umas das vozes mais poderosas do pop rap atual. Há ainda o diretor que dar uma visão artística para o projeto, RJ (Owen Campbell), e sua namorada que capta o áudio das cenas, Lorraine (Jenna Ortega).
X é uma homenagem clara aos clássicos slasher movies, ou como a maioria conhece, filmes em que um grupo de pessoas vai transar em um lugar isolado e um assassino aparece para, literalmente, empatar a f*da. Claro que essa é uma generalização grosseira, pois o gênero que ganhou status de cult conta com outras estruturas de história e emplacou diversos clássicos como Candyman (1992), Halloween (1978) e Psycho (1960). Além disso, por mais que essa estrutura de filme pareça conservadora, ela é sintomática de uma década de 80 em que os adolescentes se afirmam como uma faixa etária, com suas próprias questões e reivindicações. Com efeito, a liberdade sexual e a rebeldia dos jovens causava um medo genuíno na sociedade, fundindo-se ao temor generalizado das DST’s.
Não é à toa que X tem muito em comum com essa definição generalizada, como a sinopse aponta. O valor do filme está justamente em atualizar alguns aspectos desse gênero. Por exemplo, um dos principais clichês desse tipo de slasher é o da menina que sobrevive no final. Geralmente, essa personagem nunca teve relações sexuais antes, ou é envolta por uma aura que a coloca como a mais inocente entre os outros personagens que são vítimas do assassino.
O que X faz com esse clichê é trabalhar a personagem de Lorraine que, num primeiro momento, seria a mais próxima a preencher esse papel de garota inocente. Enquanto capta o áudio das cenas, a garota decide que também quer participar de uma cena de sexo. O diretor e namorado logo tem uma crise de ciúmes e, quando procura o apoio de Wayne para dissuadir sua namorada, pois ela é uma “garota legal”, o produtor afirma “Não existe ‘garotas legais’”. É como se o diretor nos dissesse que essa coisa de menina pudica que “merece” sobreviver no final é idiotice conservadora. E ele de fato coloca essa ideia em prática, pois a personagem principal aqui não é Lorraine e sim Maxine.
Maxine é a mais ambiciosa dentre seus colegas. Ela quer fazer dos filmes adultos um trampolim para a fama e riqueza em Hollywood. Essa motivação forte combinada com a atuação introspectiva de Mia Goth nos faz simpatizar com a garota e ela é o principal contraponto com o vilão do filme. Jovem, cheia de sonhos e no auge do seu físico, Maxine é a antítese da velha Pearl, uma idosa cujo passar dos anos oxidou sua aparência, mas não sua libido. Porém, seu marido já não consegue lhe proporcionar prazer e ela não tem mais ninguém na afastada fazenda onde vive. Por isso, ela se satisfaz assassinando os raros visitantes mais jovens que passam por ali, pois inveja seu potencial e juventude. Não obstante, Pearl é interpretada também por Mia Goth, ressaltando a dualidade entre as personagens e a oposição entre juventude e velhice. Essa oposição é quase nietzschiana, já que segundo o filósofo
“O feio é entendido como sinal e sintoma de degenerescência: aquilo que recorda minimamente a degenerescência produz em nós o juízo de “feio”. Todo indício de esgotamento, de idade, de peso, de cansaço, toda espécie de falta de liberdade, como a convulsão, como a paralisia, sobretudo o cheiro, a cor, a forma da dissolução, da decomposição, ainda que na extrema rarefação de símbolo — tudo provoca a mesma reação, o juízo de valor “feio”. Um ódio irrompe: o que odeia aí o ser humano? Não há dúvida: o declínio de seu tipo.” — Crepúsculo dos Ídolos
De certa forma, Pearl é uma síntese desse medo da velhice que, na verdade, é o medo da morte. Ambos são processos inexoráveis, mas simultaneamente assustadores na cultura ocidental, por isso Pearl não é só velha, mas é retratada como uma criatura feia, enquanto Maxine é essa mulher jovem que quer viver a vida ao máximo e chegar no topo da fama. Inclusive, no ritmo que ela leva sua vida, talvez envelhecer não esteja nos planos, pois a mulher cheira cocaína como se fosse um astro do rock e a vida que ela almeja parece ser aquela sobre a qual Neil Young cantou:
“É melhor queimar do que desaparecer (…) É melhor queimar do que enferrujar” — Hey Hey, My My (Out of the Blue)”
Essa relação com a velhice é um pouco complicada no filme, mas talvez o que Ti West atabalhoadamente queira dizer com isso está também relacionado com o clichê da menina inocente. Voltemos à Pearl e Howard. A velhice do casal vai além do físico debilitado. Eles representam uma moralidade que está prestes a ser superada por novos valores, valores modernos. Por exemplo, A TV da casa dos idosos está sempre num canal religioso passando as pregações fervorosas de um pastor linha-dura. Seus sermões condenam a nova geração e sua perversão moral e sexual. Os trechos em que o pregador aprece estão sempre em preto e branco ,e enquadrados em 4:3. Isso é extremamente importante, pois os únicos momentos que também são filmados em 4:3 são as cenas do filme de sexo, contudo essas sãos coloridas.
Então, de certo modo, West parece comentar sem muito aprofundamento sobre a decadência de valores retrógrados que dá lugar a pessoas mais abertas e mais em paz com a própria sexualidade. Pois, esse é outro ponto-chave: se por um lado os fazendeiros moralistas são capazes de matar pessoas só porque as julga imorais, esse ódio, como já foi mencionado, é pura frustração por não conseguir lidar com o próprio desejo. Uma digressão maior nos permitira até pensar na guinada conservadora que o clima político mundial sofreu nos últimos anos, e enxergar esse ódio que se manifesta pelo racismo, pela LGBTQIA+fobia, pela misoginia, através da lente da libido. Ou, para não reduzir todo o ódio e discriminação à “gente que não transa”, o que chega até ser uma piada, pensar que Ti West está chamando essas pessoas de decrépitas assassinas.
Mas, a bem da verdade, talvez isso seja dar muito crédito ao longa, que é até um filme bem divertido na primeira metade, mas não tem muito a oferecer além dessa implosão do slasher através da desconstrução do gênero. Pois, se tem algo que paródias/desconstruções/sátiras revelam na maioria das vezes é a decadência do gênero com o qual está brincando — quando o gênero é explorado até o limite, não restam muitas alternativas além da desconstrução. Porém, subverter é, em certo nível, matar. E é isso que X faz, assassinar o já batido gênero slasher.
A década de 80, data em que Possessão foi lançado, é uma época singular se tomamos o final dos anos 60 como referência. Apesar de mais de uma década pós Revolução Sexual e toda a contestação de valores que efervescia nos anos 60, ainda é possível conceber os anos 80 como um período que ainda sentia os impactos dessas rupturas e em que novos paradigmas de relacionamento, feminilidade e masculinidade se afirmavam no Ocidente. Assim sendo, Possessão cumpre um dos papéis mais importantes do gênero de terror: aglutinar ansiedades coletivas em metáforas visuais. Essa dimensão do gênero é bem lugar-comum, como é o caso de O Exorcista (1973) - o clássico de William Friedkin é uma analogia à condição da mulher solteira nos Estados Unidos daquela época. De forma parecida, Andrzej Żuławski usa a linguagem cinematográfica para abordar um casal moderno em crise . Inicialmente, o filme nos apresenta o casal formado por Anne (Isabelle Adjani) e Mark (Sam Neill) no que parece um reencontro após algum tempo de afastamento. Uma das primeiras coisas que Mark pergunta para a esposa é se ela já tem uma resposta, ao que ela simplesmente responde "Eu não sei". Em seguida, fica mais claro que os dois estão se divorciando, à contragosto do marido frustrado por não entender os motivos de Anne. A falta de confiança é clara entre os dois e, no relacionamento, paira suspeitas de traição que transbordam em brigas intensas, a despeito da presença do filho do casal, que tem apenas 5 anos.
Até esse ponto tudo pareceria comum, não fosse a aura de anormalidade que as atuações de Adjani e Neill entregam. Sam Neill faz um marido possessivo e desamoroso - seu sofrimento no divórcio parece consistir na perda de algo que lhe pertence e não em algum resquício de afeto. Se há mais alguma camada na sua contrariedade, se trata da quebra da estrutura familiar, algo que o marido acredita firmemente. Mesmo com o relacionamento destruído, Mark acredita em preservar a família, e essa certeza, quase fé, se auto justifica.
Já Anne tem sua própria cota de sofrimentos. A mulher se divide entre a crença retrógrada de manter um lar a qualquer custo e o desejo/medo de algo que, em vários momentos do filme, foge à capacidade de expressão. Parte desse sentimento está na noção de que a vida pode oferecer horizontes mais amplos, até mesmo no sentido sexual, mas Anne é esmagada pela insegurança e pelo medo de "falhar" como mãe.
Adiante, vemos o casal sucumbir a esses sentimentos a semelhança da possessão maligna dos filmes de terror mais comuns. Mark passa dias na cama de um hotel, apenas gemendo, com sua aparência desfigurada pela amargura, enquanto Anne extravasa sua dor em surtos viscerais. É importante destacar o a escolha pelo body horror no filme, isto é, um subgênero do terror que usa o corpo humano como ferramenta para provocar o choque. Se num filme como Histórias de Um Casamento acompanhamos a dor de um casal em crise através do diálogo e das expressões, aqui o diretor explora o corpo de Anne como palco do seu sofrimento. Há ainda outra camada em seus surtos, pois ela os têm em momentos que envolvem atividades e objetos facilmente associados à vida doméstica. Ela destrói a casa da família no meio de uma faxina, estraga todas as compras feitas no mercado, e chega até mesmo a se mutilar com uma faca de cozinha enquanto corta carne.
Esses símbolos domésticos ressaltam o principal tema do filme: as mudanças nas relações modernas. Antes, o mito de que casamento era sinônimo de estabilidade e harmonia era mais sólido e o marido em específico é o personagem que mais sofre por acreditar nesse mito. Ele viveu para cumprir o papel que julgava lhe caber - de pai e marido provedor - e se deparou com uma mulher incapaz de amá-lo apenas por isso. Na verdade, nem a instituição monogâmica é o bastante para Anne e ela de fato se envolve com outro homem, um personagem que não tem tanto espaço no filme como o casal principal, mas chama atenção por ser uma antítese do marido. Heinrich (Heinz Bennent) é um literato adepto de filosofias orientais e do uso de substâncias para potencializar o prazer sexual. A forma que ele aparece é quase como se fosse um tutor para Anne, alguém que lhe apresenta outras possibilidades e ainda se afirma como um novo padrão de homem para substituir o antiquado pai de família representado pelo marido.
No entanto, essa experiência extraconjugal de Anne também se revela fonte de sofrimento quando ela percebe que seu amante é mais um homem "igual a todos os outros", nas palavras da personagem. Seu ar refinado e intelectual não dão conta dos desejos de Anne, muito menos do seu dilema moral. Quando Heinrich e outros homens contemplam "o monstro" antes oculto de Anne, reagem com um misto irracional de horror e repulsa, destacando o quão distante e estranho é o estado de Anne em comparação àqueles homens que, mesmo sendo gays ou intelectuais progressistas, ainda são conservadores demais para ela.
Possessão é um filme difícil e não entrega de bandeja todos os seus significados, pois nos convida a desvendar sua complexidade, ao mesmo tempo que não deixa de nos manter intrigados pela trama e pelos horrores que afligem os personagens principais. Através do terror, o longa trabalha temas que hoje circulam livremente no debate público, como a monogamia e a família tradicional como lugar de opressão para mulheres. O terror do filme está menos nessas "novidades" que nos atritos e reações à elas, como se o diretor exasperasse um sincero "Eu não estou pronto. Não sei lidar com isso". Uma possível leitura do seu final confuso é de que estamos destinados a repetir um ciclo de engajar em relacionamentos egoístas cujo fim é sempre a destruição mútua. Nesse sentido, a visão de Żuławski parece concordar com o contemporâneo Makalister: "Monogamia é cárcere, mate o ciúme ou mate-se!". Mas , Em Possessão, um cárcere voluntário e irresistível.
Se você "der um google" em Memories of Murder, de Bong Joon-ho (Parasita), possivelmente vai esbarrar em ensaios que o defendem como um dos melhores filmes de todos os tempos. O longa, que é um clássico do true crime (gênero policial baseado em crimes reais), é também uma aula de cinema e já foi denominado como filme perfeito pelo genial diretor Guillermo del Toro (O Labirinto do Fauno). Porém, ao assistir a essa obra-prima pela primeira vez, ficou claro para mim que suas principais qualidades estão na transcendência do gênero policial e da morbidez em torno dos famosos "filmes baseados em fatos reais".
A sinopse do filme é simples: em 1983 uma onda de assassinatos acontece no interior da Coreia do Sul, deixando a polícia local estupefata frente a crimes tão complexos e difíceis de investigar. Para tentar sanar o caso, os detetives locais Park (Kang-ho Song) e Cho (Roe-ha Kim) terão que superar seu despreparo e truculência no que talvez seja a primeira investigação de verdade dos oficiais em sua longa carreira.
Entretanto, o cenário que o diretor constrói aqui nos possibilita ter uma visão mais ampla da situação do país naquele momento. O período é de uma ditadura militar que usa a polícia para suprimir revoltas e greves, de maneira que esse é basicamente o cotidiano dos oficiais. O detetive Park, o mais próximo de um protagonista no filme, se gaba por decidir os casos olhando nos olhos dos acusados, pois isso seria o suficiente para ele "adivinhar" se são olhos de um culpado ou inocente. Já o oficial Cho é o típico bad cop e protagoniza as sessões de tortura, enquanto Park combina com os acusados as confissões. Que bom que é na Coreia do Sul dos anos 80 e não no Brasil democrático de 2022, não é mesmo?
A isso soma-se a falta tecnologia para facilitar a investigação, de modo que, quando é preciso comparar amostras de DNA, o teste tem que ser mandado para os Estados Unidos, atrasando ainda mais o processo legal. Na verdade, esse contraste entre "primeiro" e "terceiro mundo" é uma parte importante do subtexto, sendo o personagem do detetive Seo (Kim Sang-kyung) a personificação desse contraste, pois é um homem da região metropolitana de Seul que vai à província para auxiliar no caso. Ao trabalhar com seus colegas do interior, Seo é quase o oposto deles. É metódico, ponderado e esquematiza todo o processo de investigação, sem cair nas armadilhas da intuição e do pré-conceito. Está sempre de sobretudo e é dado a longos silêncios enquanto fuma cigarro, com a atuação de Kim Sang-kyung nos indicando que o detetive não para de pensar no assassino até em seus momentos de lazer.
Apesar da presença do detetive Seo, que é uma brincadeira com o arquétipo noir, o trabalho investigativo aqui é retratado de maneira realista, sem grandes insights ou adivinhações, como é o caso dos filmes policiais mais genéricos. Seu cotidiano é maçante, podendo ter dias, semanas, sem nenhuma novidade ou pista significativa. É esse trabalho que consome o trio de detetives no caso que ficou conhecido como o primeiro serial killer da Coreia do Sul. Aqui, os detetives durões e intuitivos são mostrados como assalariados que atuam mais como uma força opressora do Estado, chegando ao ponto de despertar revoltas violentas na comunidade. Já o detetive Seo, apesar de sua pompa metropolitana, é pouco menos inútil que seus colegas e também sucumbe à violência e passa por cima da legalidade quando levado ao limite. Ironicamente, a personagem que tem mais a oferecer para a investigação é uma policial comum, que não é ouvida simplesmente por ser mulher e estar abaixo na hierarquia da corporação.
Ao final, Memories of Murder, cujo título ambíguo permite uma tradução diferente da feita pela distribuidora brasileira ("Memórias de um Assassino") - "Memórias de Assassinato" - é menos que o típico mergulho mórbido na mente do psicopata do que a representação de um período traumático na Coréia do Sul. Em meio a instituições decadentes e um clima de abandono governamental, o crime, apesar de hediondo, aparece como sintomático, deixando um gosto ruim ao final do filme quando nos lembra que, antes de qualquer coisa, criminosos são… humanos.
Mesmo com toda a polêmica da Disney vs Pixar, acredito que o motivo principal de esse filme não ir para o cinema é que ele é controverso demais pra Disney. É quase como se a empresa quisesse "escondê-lo" jogando ele direto no streaming. Tem muita coisa subliminar aqui que não é tipo aquelas piadas de duplo sentido de Shrek, mas é algo mais sério e mais profundo sobre puberdade, libido e autonomia. Sinceramente, acho que geral não tá pronto pra discutir aquela cena
em que a Mei Mei começa a desenhar quase compulsivamente seu crush secreto. O som intenso do lápis (fricção), a personagem imersa na atividade repetitiva que ela parece não entender muito bem e toda tensão como se estivesse fazendo algo proibido... Sério, se isso não é uma metáfora visual pra descobrimento do próprio corpo, então eu vi o filme errado.
Claro que isso foi demais para a empresa que vem vetando representatividade nos filmes da Pixar há anos, inclusive em Red, que mesmo assim deu uma de Chico Buarque e driblou a censura na cara de pau. Excelente.
É indiscutível a eminência da figura do cowboy no imaginário estadunidense. A idealização desses homens não só flerta com o mito como é, em parte, uma expressão do nacionalismo nos Estados Unidos, pois, supostamente, foram esses homens que ajudaram a construir a nação americana, combatendo nativos e desbravando terras inóspitas. Não é à toa que o gênero western é um dos mais consolidados e sua “era” atravessou décadas de produção cinematográfica, tendo algumas obras que se encaixam nessa escola feitas até mesmo na atualidade. Categorizar o filme de Jane Campion como um western pode dar margem para debate, mas sem dúvida a diretora e roteirista promove um olhar crítico sobre o tão romantizado “Velho Oeste”.
Phil (Benedict Cumberbatch) e George Burbank (Jesse Plemons) são os bem sucedidos administradores de um rancho herdado pelos pais. Porém, isso parece ser a única coisa que os dois têm em comum. George é um homem que tenta se adequar ao padrão de masculinidade aristocrata do início do século XX e está sempre bem vestido, disposto a demonstrar cordialidade e se esforça para passar uma imagem de respeitável, como se tentasse de fato fazer jus a riqueza que possui.
Por outro lado, Phil é, na superfície, um estereótipo ambulante. Sua indumentária de cowboy está sempre coberta de poeira, assim como sua pele. Uma das primeiras cenas que do filme mostra Phil numa pousada jantando com os funcionários de rancho e encarando as flores de papel que enfeitam a mesa. Como expectadores, sabemos que as flores foram feitas por Peter (Kodi Smit-Mcphee), garçom e filho da dona da pousada. Em seguida, o cowboy queima uma das flores e a usa para acender um cigarro. Esse fragmento do filme é análogo à postura do personagem frente à sensibilidade, naturalmente associada à fraqueza para Phil.
Há uma tensão clara entre esses irmãos, o que seria facilmente justificado pela disparidade dos seus temperamentos. Vemos constantemente George desaprovar as ações de seu irmão, embora não verbalize o sentimento com veemência. Aliás, essa é uma característica marcante no personagem destacada pela atuação brilhante de Plemons — George é um homem hesitante. Seu esforço para parecer mais sofisticado se confunde com uma postura passiva frente as possibilidades de conflito.
Há momentos em que Phil evoca o passado dos dois como se quisesse reatar ou até mesmo criar o laço que eles deveriam ter como sangue do mesmo sangue. Nesses momentos, Phil sorri ao evocar a figura de Bronco Henry, um vaqueiro já falecido que trabalhou a vida inteira no rancho da família deles e se tornou uma referência para os outros trabalhadores, mas principalmente para Phil. Entretanto, observamos no olhar de George a vontade de esquecer esse passado e fica claro o quanto essas experiências foram doloridas para ele a despeito da nostalgia do seu irmão.
Como se não bastasse, a relação dos dois é desgastada ainda mais pelo repentino casamento de George com a viúva que administra a pousada do início do filme. A lúgubre Rose Gordon (Kristen Dunst) entra para a família Burbank trazendo seu filho Peter, o mesmo jovem com quem Phil antipatizou inicialmente. A forma com que o casamento acontece evidencia o quanto George queria buscar uma conexão que não fosse com aquelas pessoas do rancho, e sua esposa da cidade é sua esperança de curar sua solidão.
Nesse cenário, vários problemas se sobrepõem. A começar por George, cuja hesitação e dificuldade para expressar-se o torna deslocado no próprio casamento. Além disso, ele espera que Rose seja uma dama urbana, capaz de entreter seus convidados aristocratas em jantares importantes, algo que Rose claramente não quer fazer. Por sua vez, Rose lida com a hostilidade constante de Phil, que julga que ela casou por interesse e hostiliza seu filho junto dos outros cowboys por ele não corresponder aos estereótipos de masculinidade. Assim, a viúva busca alívio no alcoolismo e sua ressaca diária é notada por todos, menos pelo seu marido ausente.
É importante notar que até esse ponto do filme tudo é tensão e falta de comunicação, é quase como se fosse norma da época e ninguém parece falar o que pensa, exceto o sem papas-na-língua Phil, pelo menos inicialmente. Parte disso é quebrado quando Peter, ao vagar pelos entornos da propriedade, encontra Phil banhando-se numa lagoa. Ali, nu e livre até da poeira que se agarrava a sua pele, o cowboy parece quase vulnerável em sua solitude. A partir daí, Peter decide devolver a hostilidade de Phil com interesse. Ele tenta aprender a cavalgar, acompanha Phil pela propriedade e a escuta falar com tanta admiração do lendário Bronco Henry. A relação evolui gradualmente para uma conexão genuína e o cowboy se surpreende com a sagacidade de Peter que o faz lembrar dos ensinamentos de Henry. Subtende-se aí que Bronco Henry foi para Phil mais do que um mentor, até mesmo mais que um amigo.
Porém, as circunstâncias são simplesmente sufocantes demais e suprimem até a relação entre Peter e Phil. O ponto máximo entre esses dois acaba sendo um cigarro compartilhado que é quase um beijo indireto, mas nunca temos uma confirmação física daquilo que capitamos nesses dois apenas pelo olhar. Isso se estende aos demais personagens do filme. George é um marido e incapaz de se conectar com sua esposa, e o próprio Peter, que parece mais confortável com sua homoafetividade tem suas formas de descontar a violência que recebe diariamente.
Ao final, Ataque dos Cães é o retrato de uma época em que as pessoas estavam sob um peso sufocante das expectativas da sociedade. Não apenas devido à homofobia, mas externar aquilo que está latente nos olhos parece condenável por si só. Todos os personagens são reprimidos ao extremo e suas verdades podem escapar a um olhar desatento, mas vêm à tona em gestos viscerais. A diretora nos oferece um velho oeste possível, livre de nacionalismo e nostalgia, e onde as pessoas são tão áridas como a terra que povoam. Nesse sentido, George e Phil são um ótimo retrato de um período de transição, pois da mesma forma que ele tenta obter mais prestígio social incorporando signos de poder, sua origem ainda é a de uma criança do campo, enquanto Phil é o homem forte e viril do campo, mas incapaz de demonstrar seu afeto em toda sua plenitude.
Geralmente a gente vê a Marvel nerfar os poderes dos heróis pra fazer o roteiro funcionar. Meio que tá todo mundo acostumado com isso, embora sempre exija uma pouco da nossa suspensão de descrença. Nesse filme nerfaram foi o CÉREBRO do Stephen Strange - sério pelamor o jeito que o feiticeiro reage a proposto do Peter não faz sentido. Dito isso, a gente nerfa o nosso cérebro e se deixa levar com esse belo festival de nostalgia. Willem Dafoe já garante o filme fácil e, pela primeira vez, o Tom Holland parece um Teioso mais ou menos ok.
Kanye chegou onde queria chegar, mas isso lhe custou a confiança das pessoas "reais" ao seu redor, além de se cercar de outras que só estavam ali pelo hype. O Kanye de hoje é um homem sem um objetivo que sirva para descarregar todo o seu sentimento, e principalmente, sem um apoio concreto, antes representado pela sua amada e sábia mãe. O que isso faz com qualquer um é assustador. Imagina com alguém com questões mentais.
Acredito que esse documentário não dê conta de entender o artista totalmente, mas é uma boa coletânea de fragmentos emblemáticos na vida caótica de um dos maiores e mais completos artistas de todos os tempos.
Adaptar Batman não é tarefa fácil. O que difere o Morcego da maioria dos heróis populares, ao menos nas suas versões mais convencionais, é que parte dos inimigos com quem o herói lida são… pessoas. Humanos infratores da lei, desprovidos de muitas ambições além de conseguir dinheiro e sem nada daquela baboseira de explodir o mundo ou transformar todo ser humano em hospedeiro de raça alienígena. Esse é o tipo de gente que está na motivação essencial do herói: ladrões que, por descontrole, nervosismo ou brutalidade, comentem latrocínio e, por um colar de pérolas, deixam uma criança inocente órfã. Movido pelo desejo de justiça, o herói sai todas as noites para dar cabo de criminosos com as próprias mãos, e esse mote foi o suficiente para fazer os olhos de qualquer criança brilhar enquanto lia quadrinhos ou via Batman Begins (2005) pela milésima vez em uma TV de tubo nos anos 2000. Era simplesmente legal ver esse cara sair na porrada com meia dúzia de caras maus e deixá-los inconscientes. Em filmes assim, o carisma ficava mesmo por conta dos vilões fascinantes, tanto que um deles ganhou um filme solo. Mas em 2022, esse plot funciona? O filme de Matt Reeves busca uma resposta para essa pergunta.
Inicialmente, o filme nos oferece a voz do próprio Batman para explicar a rotina de um vigilante que tenta dar conta de uma cidade arruinada pela corrupção estrutural. Gotham é um lugar sombrio, úmido, de moral cinzenta e chuva constante. A fotografia é pesada para dar o tom da cidade e a voz de Robert Pattinson diz a principal ferramenta do Batman — o medo. Já que não pode estar em todos os lugares, o Batman é menos um vigilante humano do que um mito, uma história de ninar para bandidos. A promessa de que o Batman virá para punir quem merece paira sobre a cidade como nuvens que anunciam a tempestade.
Na sequência, temos uma cena do Batman fazendo jus ao seu mito ao salvar um senhor de ser gratuitamente espancado por uma gangue juvenil cuja maquiagem remete ao palhaço mais anárquico da cultura pop. O que segue é um combate que lembra bastante o Batman de Christopher Nolan, pois o objetivo da cena não é retratar com plasticidade (nem câmera lenta) a briga, mas nos convencer de que um emo bilionário é capaz derrotar vários inimigos sem uso de armas letais. O Batman de Reeves é eficiente, brutal, e até sua máscara, que apesar de não ser das mais bonitas, tem um design que diz que aquilo é para proteger, e não para ser bonito. Esse sentimento é uma constante em todas as cenas de ação — esse Batman toma tiro, apanha, cai, mas se mantém implacável e dá pena de quem cruza seu caminho. Quando perguntado quem ele é a resposta dada pelo próprio é “Vingança”. Arrepiou também, né?
Mais à frente vemos o Morcego chegar à batcaverna depois de uma longa noite combatendo o crime, suas cicatrizes e hematomas contam a mesma história que os arranhões e marcas na armadura, e a primeira coisa que ele faz é pegar algumas provas recolhidas na cena do crime e destrincha-las em busca de pistas. Enquanto faz isso, os alto falantes do local reproduzem o noticiário em alto volume. Nesse momento, o maravilhoso Andy Serkis chega para dar vida à Alfred. O mordomo nota o seu patrão machucado e insone e depois de uma rápida conversa, uma das coisas mais interessantes que Alfred diz é “vá tomar um banho”. Isso ressalta o estado de obsessão (vale a pena focar nessa palavra) em que Bruce se encontra, pois nada parece ser mais importante que sua cruzada.
A partir daí a trama abre para nos apresentar os elementos-chave do filme. O herói está investigando uma sequência de assassinatos cujo modus operandi parece levar a um quebra-cabeça maior. Desvendar a identidade e estar um passo a frente do serial killer é o objetivo aqui, e para isso Batman contará com a cooperação constante de Jim Gordon (Jeffrey Wright), assim como da melhor Selina Kyle (Zoe Kravitz) do cinema. A futura Mulher-Gato tem um interesse pessoal nessa onda de assassinatos, pois sua amiga pagou com a vida por se envolver com as piores figuras de Gotham.
Somos apresentados a um excelente Pinguim (interpretado por um irreconhecível Colin Farrell), que aqui é ainda um mafioso menor e capacho de Falcone (John Turturro), o maior chefão do crime organizado da cidade. Toda a trama envolvendo o Charada passa pelo submundo de Gotham e da sua relação com as instituições, como a prefeitura, o departamento de polícia, e organizações beneficentes. Estas últimas dizem respeito especialmente a família Wayne, já que o vilão do filme está desposto a desenterrar o suposto passado escuso dos ancestrais de Bruce.
Entretanto, é necessário dizer que essa parte, que seria o fio condutor do filme é menos interessante do que ver esse novo Batman em ação. O mistério é suficientemente instigante, as cenas de ação são competentes, mas o grande trunfo do filme e discutir a figura do Batman.
Por exemplo, voltemos à resposta do Morcego sobre quem ele é. A cruzada do herói é contra a corrupção de Gotham. O herói busca se vingar da cidade que levou seus pais num ato violento e sem sentido. Para tal, Batman combate o crime pessoalmente, tendo só o seu “mito” para o auxiliar num trabalho incessante, tal como se o herói estivesse “dando murro em ponta de faca”. Entretanto, Bruce não é o único a ter sua vida arruinada pela cidade. A existência em Gotham é sufocante e sem esperança, e assim como retratando em Coringa, há uma massa de revoltados que odeiam tanto o poder paralelo quanto às instituições contaminadas por ele. O vilão do filme é fruto desse sentimento e parte da sua esperteza é capitalizar esse sentimento e angariar vários seguidores entre os civis para, mais uma vez a palavra reaparece, se vingarem da cidade.
Isso é importante porque, quando finalmente face a face com o serial killer, Batman o ouve dizer que seu plano era dar continuidade ao trabalho do vigilante. O Charada quer limpar a cidade tanto quanto o Batman, e ainda que os seus métodos sejam extremos, parecem apenas uma extrapolação daquilo que o vigilante decidiu representar: a vingança. Quando Batman se depara com essa corruptela dos seus ideais o que se segue é uma autorreflexão sobre o que ele quer representar a partir de agora. Além disso, sua cruzada é posta em xeque também pela sua motivação inicial, pois os pais de Bruce se revelam imersos na espiral de corrupção que corrói Gotham. E é impressionante como a atuação de Pattinson consegue dar peso a esses conflitos. Se um emo mascarado batendo em bandido com golpes de karatê israelense não é suficiente para sustentar a identidade do herói (algo que Zack Snyder ainda não entendeu), o filme de Matt Reves nos oferece o que há de mais interessante no personagem, a sua psicologia complexa. Pois, no limite, o que separa o vigilante dos vilões mais bizarros de Gotham é como Bruce criou o Batman para lidar com seus traumas. Para usar uma linguagem da psicologia, Bruce desloca a reação emocional do trauma para sua vingança contra o crime, enquanto seus inimigos percorrem o caminho inverso, descarregando na vida criminosa sua reação ao sofrimento psicológico. Os caminhos diferem, mas o princípio é o mesmo.
O ponto acaba sendo que desse modo nunca há uma ressignificação do trauma. Tanto o Batman quanto os “malucos” de Gotham vivem em função desse sofrimento. O Bruce do filme é atormentado, lúgubre, diferente da versão playboy bonachão que estamos acostumados. Isso não é exatamente novidade, já que em versões como a da HQ O Longo Dia das Bruxas exploram um Batman tão traumatizado que era capaz de “surtar” quando o trauma era evocado. Assim, é principalmente essa faceta do herói que preenche os espaços para sustentar um filme de quase 3 horas. Um vislumbre na psique de Bruce Wayne, um vigilante com muito em comum com o mal que quer combater. É difícil se importar com um herói que é quase uma máquina de moer criminoso, uma força imparável que, apesar de humano, está sempre preparado para qualquer dificuldade — inclusive a sua “armadura” serve para ressaltar isso, pois nem tememos tanto quando o vigilante é alvejado. Contudo, nesse filme nos importamos porque o Batman está psicologicamente frágil e em processo de reflexão.
Em suma, o resultado do filme é muito positivo. Paul Dano é um excelente Charada, promissor em continuações futuras, já que o filme ainda não contempla o alcance do personagem e da atuação de Dano. E se a corrupção nas diversas esferas sociais e políticas de Gotham não é novidade, o que geralmente tínhamos nas versões anteriores do herói era uma perspectiva derrotista. No excelente Batman: O Cavaleiro das Trevas, de Nolan, as instituições são desacreditadas, O Batman volta a ser inimigo da polícia, as pessoas que tentam melhorar a realidade pelas vias legais são corrompidas e a política serve ao crime sem nenhuma possibilidade de mudança. Já no filme de Reeves, que não deixa de retratar uma Gotham corroída por essas mazelas também, há espaço para um certo otimismo e o Batman sozinho não é a solução para recuperar a cidade. Há até uma mensagem de fé nas pessoas e no potencial delas de fazer a coisa certa ocupando os espaços certos. O melhor filme do Batman até então? Talvez. A melhor versão do herói? Com certeza.
infelizmente vc dichava o filme mto fácil, até pelo cartaz mesmo. Um pouco mais de mistério beneficiaria muito a narrativa. No mais, é até visualmente interessante as máscaras e o cotidiano da fazenda, mas isso não sustenta um filme
Há um problema muito sério com esse filme adorável e absolutamente apropriado: ele é feito pra gente inteligente. Ou seja, quem ele mais deveria atingir vai achar o filme um saco e nem vai perceber suas ironias e sutilezas.
Dave Chappelle: Encerramento
3.6 24 Assista Agoranão concordo com a forma de Dave Chappelle trabalhar. É engraçado pq ele é um mestre nessa arte e humor não é sobre tema, é sobre timing e subversão de expectativa. Na real, nem acho q ele realmente acredita na maioria das coisas q diz... mas enfim, não acho legal. Mas papo reto, no final disso aqui eu tava chorando. Espero q essa pausa na carreira dele sirva pra um pouco de reflexão
Pantera Negra: Wakanda Para Sempre
3.5 799 Assista Agoratem até um "save Martha" nesse filme insosso
Glorious
2.8 27JK Simmons se divertindo muito
Adão Negro
3.1 687 Assista Agorao design é feio, a trama é brega, o vilão é totalmente esquecível, os personagens são rasos, o texto é péssimo, as piadas são ainda piores... Mas eu me diverti pra caramba KKKKK
Morte Morte Morte
3.1 633 Assista AgoraUm playboy convida alguns amigos para sua mansão enquanto seus pais estão fora de casa. Usando uma previsão de tempestade iminente como pretexto para se reunir, o grupo planeja passar a chuva torrencial usando drogas e gravando TikTok's.
Logo de início o filme estabelece um clima bem intrigante. Enquanto geral dança ao som de hits virais, a música se mistura ao barulho dos trovões e da chuva, o que proporciona ao filme uma atmosfera apocalíptica - é como se os personagens estivessem voluntariamente alienados do perigo palpável representado pela tempestade.
À medida que a festa segue, vamos notando pequenas tensões entre os personagens: ex-ficantes mal resolvidos, um relacionamento decadente, e agregados duvidosos em uma festa que deveria ser íntima. Talvez para aliviar o clima no ambiente, os amigos decidem jogar "bodies bodies bodies", uma brincadeira que pode ser resumida como uma espécie de "Among Us da vida real". Um "assassino" é sorteado, apagam-se as luzes, e os participantes perambulam pela casa para descobrir quem é o assassino antes que ele mate todos os outros.
Mais adiante, a diretora (Halina Reijn) não demora muito para entregar o trunfo do filme. Obviamente, o jogo vira uma situação literal e, a partir do primeiro assassinato, todos os outros brigam e conspiram na esperança de identificar o real assassino. Com essa situação levando-os ao limite, as máscaras caem, eliminando o espaço para eufemismos e panos quentes.
Aqui, fica claro que a intenção do filme é rir da cultura "woke", visto que essa, ao se promover como a quebra de padrões socialmente estabelecidos, promoveu novos padrões de sociabilidade, igualmente contraditórios e problemáticos. Nessa nova conjuntura, é possível invalidar qualquer ponto de vista taxando de "tóxico", da mesma forma que se usa a preocupação recente com saúde mental como desculpa para justificar atitudes horríveis. No ponto de tensão máxima do longa, a diretora perde qualquer senso de sutileza e os diálogos praticamente se tornam jargão do twitter - um festival de buzzwords que só um jovem sem substância pode proporcionar.
Na verdade, todo o filme pode ser lido em metáfora à dinâmica das redes sociais. Pessoas que festejam desesperadamente, forçando-se a ignorar a realidade desagradável que existe para além da própria bolha. Enquanto isso, escondem-se em uma versão socialmente aceitável que cabe apenas nas redes sociais, mas que é destruída pela mesma realidade quando esta é impossível de ser negligenciada. Ainda, todo o jogo para descobrir quem é o assassino é repleto de transferência de culpa, acusações sem base factual, remetendo a uma juventude que destila ódio, perseguindo um inimigo volátil que, a depender da trend, volta a ser amigo até o próximo cancelamento.
Novamente, Bodies Bodies Bodies não é um filme sutil, e isso não é exatamente um problema, embora fique a sensação de que o filme não tem mais para oferecer além da sátira e de uma bela punchline nos minutos finais. Bodies Bodies Bodies é uma piada, no melhor sentido da palavra. Mas não é uma que você vai querer ouvir de novo.
Queen & Slim
4.3 298 Assista AgoraO filme foi dirigido pela Melina Matsoukas, aquela mesmo que dirigiu Formation e outras trocentas coisas da Beyoncé. Neste longa, a diretora explora como uma situação cotidiana, como um date ruim marcado pelo tinder, pode se transformar em algo trágico quando se é preto nos EUA.
A situação se desenrola assim: Slim (Daniel Kaluuya) está levando Queen (Jodie Turner-Smith) para casa, finalizando o encontro morno já mencionado. Quando Queen demora para devolver o celular do seu parceiro, que parece ser uma pessoa bem reservada, este pega o smartphone abruptamente, fazendo o carro derrapar um pouco. Apesar de a estrada estar vazia e o gesto ter sido inofensivo, um policial pede para que o casal encoste o carro.
O desenrolar a partir daí é a típica (e, infelizmente, reconhecível) truculência policial. Entretanto, a diretora discorre com elegância sobre essa problemática - se, por um lado, o que acontece com o casal é algo recorrente, isto é, uma batida policial que só pode ser explicada pelo racismo, por outro, há um tom de que ser preto nos Estados Unidos é ter que estar sempre num estado de (auto)vigilância. O menor deslize - aqui, literalmente -, é o suficiente para você virar estatística. De forma nenhuma é culpa da vítima. Mas “parece” que é. Se ao menos Slim não tivesse derrapado na pista, não tivesse feito nenhum comentário espirituoso sobre a atitude do policial, ou se Queen não tivesse saído do carro para reclamar seus direitos e não ameaçasse pegar o celular… A essas atitudes naturais para quem está numa situação de injustiça, o guarda reage violentamente e a situação sai do controle, resultando na morte do policial e na fuga de Queen e Slim.
Ainda sobre esse estado não-espontâneo em que os negros são submetidos, há um diálogo entre os protagonistas no qual Slim afirma que só quer ser ele mesmo e indaga por que eles sempre têm que ser excelentes. O filme está repleto de momentos assim, intercalando a fuga da polícia com momentos de contemplação e ternura. E é nesse ponto que a diretora vai além do suspense social e começa a falar de questões mais amplas.
Note que a intenção da dupla é fugir do país e se exilar em Cuba. Para tanto, eles furtam, assaltam, ameaçam, pois contar com um julgamento adequado é esperar demais do Estado Americano. Durante o filme sentimos o estresse absurdo ao qual os personagens são submetidos e a expectativa de que a fuga tenha êxito, em termos realistas, é algo guiado apenas pelo nosso desejo de ver a justiça sendo feita na tela.
Aliás, o destino dos personagens pode ser visto para além do pragmático. Faz sentido fugir para Cuba, visto que o país é parcialmente mais livre da influência americana. Mas Cuba é, também, um símbolo de liberdade e das aspirações revolucionárias da América. Um lugar que anda em descompasso com a ordem global capitalista e uma experiência socialista que, em diversos aspectos, deu certo. Cuba pode ser lido, no filme, como mais que um país pobre e atrasado, mas como uma utopia de si mesma.
Diante do fracasso iminente, Queen e Slim decidem não apenas perseguir a utopia comunista, mas também se permitir viver; eles dançam, amam-se, andam a cavalo e fazem caminhadas contemplativas, mesmo com os policiais perseguindo seu rastro. Seus diálogos também demonstram um romantismo latente sufocado pela vida moderna, revelando o desejo de conhecer alguém com quem valha a pena compartilhar uma vida inteira, alguém que não fuja ao ver nossas “cicatrizes”, nas palavras de Queen. São questões que soam irreais, pois sonhar com amor eterno e com um mundo mais igualitário às vezes parece tão irreal quanto fugir de carro da polícia. Mas que inquietam na medida que nos fazem pensar se a vida não pode ser mais que essa sucessão de eventos úteis.
Em suma, Queen & Slim é mais que um filme de cunho social, pois tem nuances de romance, drama e comédia. O longa advoga em nome de uma vida em que vale a pena abraçar ideais, apesar dos riscos. Seu final é desolador e anticlimático, contradizendo tudo no qual a história nos faz acreditar, admitindo as contradições do romantismo frente a uma realidade que se impõe, inexorável, previsível, rígida. É um filme que deixa um gosto agridoce, não agradando aos românticos, nem àqueles que, com razão, já estão cansados de verem histórias trágicas protagonizadas por negros. Não é um filme fácil, mas sem dúvida vale a pena.
texto original no medium: https://link.medium.com/eUoRQt8I1tb
O Peso do Talento
3.4 253 Assista AgoraNick FUCKIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIING
Whoa...
Cage!
Tudo em Todo O Lugar ao Mesmo Tempo
4.0 2,1K Assista Agoraos Daniéis fizeram de novo. Chorei muito com Swiss Army Man e agora com esse filme de título muito longo. Tem tudo que eu gosto, um prato cheio para os órfãos dos trash de kung fu que passava no sbt, além de ser um filme com muito coração. Gente esquisita, niilismo revolts de adolescente, resposta filosófica de butequim a esse niilismo, casal de velhos, coreografia de luta cheia de poses... como eu não amaria?
X: A Marca da Morte
3.4 1,2K Assista AgoraSobre meninas legais, conservadorismo, medo da velhice e a morte do “slasher empata f*d@”
Quando o estúdio A24 lança uma nova obra de terror, vale a pena prestar atenção. Nem tudo é acerto, claro, mas a produtora é uma boa representante de uma nova onda de terror que, no mínimo, tenta fugir dos vícios de um gênero tão saturado. Na verdade, saturação é a palavra-chave no novo filme de Ti West.
Para gravar um filme adulto amador, um grupo de pessoas aluga uma cabana no interior dos Estados Unidos que fica nas dependências da fazenda de Howard (Stephen Ure), um senhor de idade um tanto antipático. Durante uma das sessões de filmagem, a equipe é flagrada pela esposa do fazendeiro, agravando, assim, a tensão que já havia entre os cineastas e o proprietário desavisado.
O grupo de cineastas é composto por Wayne (Martin Henderson), o produtor do filme, as dançarinas e atrizes Maxine (Mia Goth) e Bobby-Lynne (Brittany Snow) que contracenam com o ator Jackson, interpretado por nada mais nada menos que Kid Cudi, umas das vozes mais poderosas do pop rap atual. Há ainda o diretor que dar uma visão artística para o projeto, RJ (Owen Campbell), e sua namorada que capta o áudio das cenas, Lorraine (Jenna Ortega).
X é uma homenagem clara aos clássicos slasher movies, ou como a maioria conhece, filmes em que um grupo de pessoas vai transar em um lugar isolado e um assassino aparece para, literalmente, empatar a f*da. Claro que essa é uma generalização grosseira, pois o gênero que ganhou status de cult conta com outras estruturas de história e emplacou diversos clássicos como Candyman (1992), Halloween (1978) e Psycho (1960). Além disso, por mais que essa estrutura de filme pareça conservadora, ela é sintomática de uma década de 80 em que os adolescentes se afirmam como uma faixa etária, com suas próprias questões e reivindicações. Com efeito, a liberdade sexual e a rebeldia dos jovens causava um medo genuíno na sociedade, fundindo-se ao temor generalizado das DST’s.
Não é à toa que X tem muito em comum com essa definição generalizada, como a sinopse aponta. O valor do filme está justamente em atualizar alguns aspectos desse gênero. Por exemplo, um dos principais clichês desse tipo de slasher é o da menina que sobrevive no final. Geralmente, essa personagem nunca teve relações sexuais antes, ou é envolta por uma aura que a coloca como a mais inocente entre os outros personagens que são vítimas do assassino.
O que X faz com esse clichê é trabalhar a personagem de Lorraine que, num primeiro momento, seria a mais próxima a preencher esse papel de garota inocente. Enquanto capta o áudio das cenas, a garota decide que também quer participar de uma cena de sexo. O diretor e namorado logo tem uma crise de ciúmes e, quando procura o apoio de Wayne para dissuadir sua namorada, pois ela é uma “garota legal”, o produtor afirma “Não existe ‘garotas legais’”. É como se o diretor nos dissesse que essa coisa de menina pudica que “merece” sobreviver no final é idiotice conservadora. E ele de fato coloca essa ideia em prática, pois a personagem principal aqui não é Lorraine e sim Maxine.
Maxine é a mais ambiciosa dentre seus colegas. Ela quer fazer dos filmes adultos um trampolim para a fama e riqueza em Hollywood. Essa motivação forte combinada com a atuação introspectiva de Mia Goth nos faz simpatizar com a garota e ela é o principal contraponto com o vilão do filme. Jovem, cheia de sonhos e no auge do seu físico, Maxine é a antítese da velha Pearl, uma idosa cujo passar dos anos oxidou sua aparência, mas não sua libido. Porém, seu marido já não consegue lhe proporcionar prazer e ela não tem mais ninguém na afastada fazenda onde vive. Por isso, ela se satisfaz assassinando os raros visitantes mais jovens que passam por ali, pois inveja seu potencial e juventude.
Não obstante, Pearl é interpretada também por Mia Goth, ressaltando a dualidade entre as personagens e a oposição entre juventude e velhice. Essa oposição é quase nietzschiana, já que segundo o filósofo
“O feio é entendido como sinal e sintoma de degenerescência: aquilo que recorda minimamente a degenerescência produz em nós o juízo de “feio”. Todo indício de esgotamento, de idade, de peso, de cansaço, toda espécie de falta de liberdade, como a convulsão, como a paralisia, sobretudo o cheiro, a cor, a forma da dissolução, da decomposição, ainda que na extrema rarefação de símbolo — tudo provoca a mesma reação, o juízo de valor “feio”. Um ódio irrompe: o que odeia aí o ser humano? Não há dúvida: o declínio de seu tipo.” — Crepúsculo dos Ídolos
De certa forma, Pearl é uma síntese desse medo da velhice que, na verdade, é o medo da morte. Ambos são processos inexoráveis, mas simultaneamente assustadores na cultura ocidental, por isso Pearl não é só velha, mas é retratada como uma criatura feia, enquanto Maxine é essa mulher jovem que quer viver a vida ao máximo e chegar no topo da fama. Inclusive, no ritmo que ela leva sua vida, talvez envelhecer não esteja nos planos, pois a mulher cheira cocaína como se fosse um astro do rock e a vida que ela almeja parece ser aquela sobre a qual Neil Young cantou:
“É melhor queimar do que desaparecer
(…) É melhor queimar do que enferrujar” — Hey Hey, My My (Out of the Blue)”
Essa relação com a velhice é um pouco complicada no filme, mas talvez o que Ti West atabalhoadamente queira dizer com isso está também relacionado com o clichê da menina inocente. Voltemos à Pearl e Howard. A velhice do casal vai além do físico debilitado. Eles representam uma moralidade que está prestes a ser superada por novos valores, valores modernos. Por exemplo, A TV da casa dos idosos está sempre num canal religioso passando as pregações fervorosas de um pastor linha-dura. Seus sermões condenam a nova geração e sua perversão moral e sexual. Os trechos em que o pregador aprece estão sempre em preto e branco ,e enquadrados em 4:3. Isso é extremamente importante, pois os únicos momentos que também são filmados em 4:3 são as cenas do filme de sexo, contudo essas sãos coloridas.
Então, de certo modo, West parece comentar sem muito aprofundamento sobre a decadência de valores retrógrados que dá lugar a pessoas mais abertas e mais em paz com a própria sexualidade. Pois, esse é outro ponto-chave: se por um lado os fazendeiros moralistas são capazes de matar pessoas só porque as julga imorais, esse ódio, como já foi mencionado, é pura frustração por não conseguir lidar com o próprio desejo. Uma digressão maior nos permitira até pensar na guinada conservadora que o clima político mundial sofreu nos últimos anos, e enxergar esse ódio que se manifesta pelo racismo, pela LGBTQIA+fobia, pela misoginia, através da lente da libido. Ou, para não reduzir todo o ódio e discriminação à “gente que não transa”, o que chega até ser uma piada, pensar que Ti West está chamando essas pessoas de decrépitas assassinas.
Mas, a bem da verdade, talvez isso seja dar muito crédito ao longa, que é até um filme bem divertido na primeira metade, mas não tem muito a oferecer além dessa implosão do slasher através da desconstrução do gênero. Pois, se tem algo que paródias/desconstruções/sátiras revelam na maioria das vezes é a decadência do gênero com o qual está brincando — quando o gênero é explorado até o limite, não restam muitas alternativas além da desconstrução. Porém, subverter é, em certo nível, matar. E é isso que X faz, assassinar o já batido gênero slasher.
Possessão
3.9 585Monogamia é cárcere
A década de 80, data em que Possessão foi lançado, é uma época singular se tomamos o final dos anos 60 como referência. Apesar de mais de uma década pós Revolução Sexual e toda a contestação de valores que efervescia nos anos 60, ainda é possível conceber os anos 80 como um período que ainda sentia os impactos dessas rupturas e em que novos paradigmas de relacionamento, feminilidade e masculinidade se afirmavam no Ocidente. Assim sendo, Possessão cumpre um dos papéis mais importantes do gênero de terror: aglutinar ansiedades coletivas em metáforas visuais. Essa dimensão do gênero é bem lugar-comum, como é o caso de O Exorcista (1973) - o clássico de William Friedkin é uma analogia à condição da mulher solteira nos Estados Unidos daquela época. De forma parecida, Andrzej Żuławski usa a linguagem cinematográfica para abordar um casal moderno em crise
.
Inicialmente, o filme nos apresenta o casal formado por Anne (Isabelle Adjani) e Mark (Sam Neill) no que parece um reencontro após algum tempo de afastamento. Uma das primeiras coisas que Mark pergunta para a esposa é se ela já tem uma resposta, ao que ela simplesmente responde "Eu não sei". Em seguida, fica mais claro que os dois estão se divorciando, à contragosto do marido frustrado por não entender os motivos de Anne. A falta de confiança é clara entre os dois e, no relacionamento, paira suspeitas de traição que transbordam em brigas intensas, a despeito da presença do filho do casal, que tem apenas 5 anos.
Até esse ponto tudo pareceria comum, não fosse a aura de anormalidade que as atuações de Adjani e Neill entregam. Sam Neill faz um marido possessivo e desamoroso - seu sofrimento no divórcio parece consistir na perda de algo que lhe pertence e não em algum resquício de afeto. Se há mais alguma camada na sua contrariedade, se trata da quebra da estrutura familiar, algo que o marido acredita firmemente. Mesmo com o relacionamento destruído, Mark acredita em preservar a família, e essa certeza, quase fé, se auto justifica.
Já Anne tem sua própria cota de sofrimentos. A mulher se divide entre a crença retrógrada de manter um lar a qualquer custo e o desejo/medo de algo que, em vários momentos do filme, foge à capacidade de expressão. Parte desse sentimento está na noção de que a vida pode oferecer horizontes mais amplos, até mesmo no sentido sexual, mas Anne é esmagada pela insegurança e pelo medo de "falhar" como mãe.
Adiante, vemos o casal sucumbir a esses sentimentos a semelhança da possessão maligna dos filmes de terror mais comuns. Mark passa dias na cama de um hotel, apenas gemendo, com sua aparência desfigurada pela amargura, enquanto Anne extravasa sua dor em surtos viscerais. É importante destacar o a escolha pelo body horror no filme, isto é, um subgênero do terror que usa o corpo humano como ferramenta para provocar o choque. Se num filme como Histórias de Um Casamento acompanhamos a dor de um casal em crise através do diálogo e das expressões, aqui o diretor explora o corpo de Anne como palco do seu sofrimento. Há ainda outra camada em seus surtos, pois ela os têm em momentos que envolvem atividades e objetos facilmente associados à vida doméstica. Ela destrói a casa da família no meio de uma faxina, estraga todas as compras feitas no mercado, e chega até mesmo a se mutilar com uma faca de cozinha enquanto corta carne.
Esses símbolos domésticos ressaltam o principal tema do filme: as mudanças nas relações modernas. Antes, o mito de que casamento era sinônimo de estabilidade e harmonia era mais sólido e o marido em específico é o personagem que mais sofre por acreditar nesse mito. Ele viveu para cumprir o papel que julgava lhe caber - de pai e marido provedor - e se deparou com uma mulher incapaz de amá-lo apenas por isso. Na verdade, nem a instituição monogâmica é o bastante para Anne e ela de fato se envolve com outro homem, um personagem que não tem tanto espaço no filme como o casal principal, mas chama atenção por ser uma antítese do marido. Heinrich (Heinz Bennent) é um literato adepto de filosofias orientais e do uso de substâncias para potencializar o prazer sexual. A forma que ele aparece é quase como se fosse um tutor para Anne, alguém que lhe apresenta outras possibilidades e ainda se afirma como um novo padrão de homem para substituir o antiquado pai de família representado pelo marido.
No entanto, essa experiência extraconjugal de Anne também se revela fonte de sofrimento quando ela percebe que seu amante é mais um homem "igual a todos os outros", nas palavras da personagem. Seu ar refinado e intelectual não dão conta dos desejos de Anne, muito menos do seu dilema moral. Quando Heinrich e outros homens contemplam "o monstro" antes oculto de Anne, reagem com um misto irracional de horror e repulsa, destacando o quão distante e estranho é o estado de Anne em comparação àqueles homens que, mesmo sendo gays ou intelectuais progressistas, ainda são conservadores demais para ela.
Possessão é um filme difícil e não entrega de bandeja todos os seus significados, pois nos convida a desvendar sua complexidade, ao mesmo tempo que não deixa de nos manter intrigados pela trama e pelos horrores que afligem os personagens principais. Através do terror, o longa trabalha temas que hoje circulam livremente no debate público, como a monogamia e a família tradicional como lugar de opressão para mulheres. O terror do filme está menos nessas "novidades" que nos atritos e reações à elas, como se o diretor exasperasse um sincero "Eu não estou pronto. Não sei lidar com isso". Uma possível leitura do seu final confuso é de que estamos destinados a repetir um ciclo de engajar em relacionamentos egoístas cujo fim é sempre a destruição mútua. Nesse sentido, a visão de Żuławski parece concordar com o contemporâneo Makalister: "Monogamia é cárcere, mate o ciúme ou mate-se!". Mas , Em Possessão, um cárcere voluntário e irresistível.
X: A Marca da Morte
3.4 1,2K Assista Agoraquero a legenda em pt br pra eu ver com minha bb :(
Memórias de um Assassino
4.2 366 Assista AgoraSe você "der um google" em Memories of Murder, de Bong Joon-ho (Parasita), possivelmente vai esbarrar em ensaios que o defendem como um dos melhores filmes de todos os tempos. O longa, que é um clássico do true crime (gênero policial baseado em crimes reais), é também uma aula de cinema e já foi denominado como filme perfeito pelo genial diretor Guillermo del Toro (O Labirinto do Fauno). Porém, ao assistir a essa obra-prima pela primeira vez, ficou claro para mim que suas principais qualidades estão na transcendência do gênero policial e da morbidez em torno dos famosos "filmes baseados em fatos reais".
A sinopse do filme é simples: em 1983 uma onda de assassinatos acontece no interior da Coreia do Sul, deixando a polícia local estupefata frente a crimes tão complexos e difíceis de investigar. Para tentar sanar o caso, os detetives locais Park (Kang-ho Song) e Cho (Roe-ha Kim) terão que superar seu despreparo e truculência no que talvez seja a primeira investigação de verdade dos oficiais em sua longa carreira.
Entretanto, o cenário que o diretor constrói aqui nos possibilita ter uma visão mais ampla da situação do país naquele momento. O período é de uma ditadura militar que usa a polícia para suprimir revoltas e greves, de maneira que esse é basicamente o cotidiano dos oficiais. O detetive Park, o mais próximo de um protagonista no filme, se gaba por decidir os casos olhando nos olhos dos acusados, pois isso seria o suficiente para ele "adivinhar" se são olhos de um culpado ou inocente. Já o oficial Cho é o típico bad cop e protagoniza as sessões de tortura, enquanto Park combina com os acusados as confissões. Que bom que é na Coreia do Sul dos anos 80 e não no Brasil democrático de 2022, não é mesmo?
A isso soma-se a falta tecnologia para facilitar a investigação, de modo que, quando é preciso comparar amostras de DNA, o teste tem que ser mandado para os Estados Unidos, atrasando ainda mais o processo legal. Na verdade, esse contraste entre "primeiro" e "terceiro mundo" é uma parte importante do subtexto, sendo o personagem do detetive Seo (Kim Sang-kyung) a personificação desse contraste, pois é um homem da região metropolitana de Seul que vai à província para auxiliar no caso. Ao trabalhar com seus colegas do interior, Seo é quase o oposto deles. É metódico, ponderado e esquematiza todo o processo de investigação, sem cair nas armadilhas da intuição e do pré-conceito. Está sempre de sobretudo e é dado a longos silêncios enquanto fuma cigarro, com a atuação de Kim Sang-kyung nos indicando que o detetive não para de pensar no assassino até em seus momentos de lazer.
Apesar da presença do detetive Seo, que é uma brincadeira com o arquétipo noir, o trabalho investigativo aqui é retratado de maneira realista, sem grandes insights ou adivinhações, como é o caso dos filmes policiais mais genéricos. Seu cotidiano é maçante, podendo ter dias, semanas, sem nenhuma novidade ou pista significativa. É esse trabalho que consome o trio de detetives no caso que ficou conhecido como o primeiro serial killer da Coreia do Sul. Aqui, os detetives durões e intuitivos são mostrados como assalariados que atuam mais como uma força opressora do Estado, chegando ao ponto de despertar revoltas violentas na comunidade. Já o detetive Seo, apesar de sua pompa metropolitana, é pouco menos inútil que seus colegas e também sucumbe à violência e passa por cima da legalidade quando levado ao limite. Ironicamente, a personagem que tem mais a oferecer para a investigação é uma policial comum, que não é ouvida simplesmente por ser mulher e estar abaixo na hierarquia da corporação.
Ao final, Memories of Murder, cujo título ambíguo permite uma tradução diferente da feita pela distribuidora brasileira ("Memórias de um Assassino") - "Memórias de Assassinato" - é menos que o típico mergulho mórbido na mente do psicopata do que a representação de um período traumático na Coréia do Sul. Em meio a instituições decadentes e um clima de abandono governamental, o crime, apesar de hediondo, aparece como sintomático, deixando um gosto ruim ao final do filme quando nos lembra que, antes de qualquer coisa, criminosos são… humanos.
Red: Crescer é uma Fera
3.9 554 Assista AgoraMesmo com toda a polêmica da Disney vs Pixar, acredito que o motivo principal de esse filme não ir para o cinema é que ele é controverso demais pra Disney. É quase como se a empresa quisesse "escondê-lo" jogando ele direto no streaming. Tem muita coisa subliminar aqui que não é tipo aquelas piadas de duplo sentido de Shrek, mas é algo mais sério e mais profundo sobre puberdade, libido e autonomia. Sinceramente, acho que geral não tá pronto pra discutir aquela cena
em que a Mei Mei começa a desenhar quase compulsivamente seu crush secreto. O som intenso do lápis (fricção), a personagem imersa na atividade repetitiva que ela parece não entender muito bem e toda tensão como se estivesse fazendo algo proibido... Sério, se isso não é uma metáfora visual pra descobrimento do próprio corpo, então eu vi o filme errado.
Ataque dos Cães
3.7 934É indiscutível a eminência da figura do cowboy no imaginário estadunidense. A idealização desses homens não só flerta com o mito como é, em parte, uma expressão do nacionalismo nos Estados Unidos, pois, supostamente, foram esses homens que ajudaram a construir a nação americana, combatendo nativos e desbravando terras inóspitas. Não é à toa que o gênero western é um dos mais consolidados e sua “era” atravessou décadas de produção cinematográfica, tendo algumas obras que se encaixam nessa escola feitas até mesmo na atualidade. Categorizar o filme de Jane Campion como um western pode dar margem para debate, mas sem dúvida a diretora e roteirista promove um olhar crítico sobre o tão romantizado “Velho Oeste”.
Phil (Benedict Cumberbatch) e George Burbank (Jesse Plemons) são os bem sucedidos administradores de um rancho herdado pelos pais. Porém, isso parece ser a única coisa que os dois têm em comum. George é um homem que tenta se adequar ao padrão de masculinidade aristocrata do início do século XX e está sempre bem vestido, disposto a demonstrar cordialidade e se esforça para passar uma imagem de respeitável, como se tentasse de fato fazer jus a riqueza que possui.
Por outro lado, Phil é, na superfície, um estereótipo ambulante. Sua indumentária de cowboy está sempre coberta de poeira, assim como sua pele. Uma das primeiras cenas que do filme mostra Phil numa pousada jantando com os funcionários de rancho e encarando as flores de papel que enfeitam a mesa. Como expectadores, sabemos que as flores foram feitas por Peter (Kodi Smit-Mcphee), garçom e filho da dona da pousada. Em seguida, o cowboy queima uma das flores e a usa para acender um cigarro. Esse fragmento do filme é análogo à postura do personagem frente à sensibilidade, naturalmente associada à fraqueza para Phil.
Há uma tensão clara entre esses irmãos, o que seria facilmente justificado pela disparidade dos seus temperamentos. Vemos constantemente George desaprovar as ações de seu irmão, embora não verbalize o sentimento com veemência. Aliás, essa é uma característica marcante no personagem destacada pela atuação brilhante de Plemons — George é um homem hesitante. Seu esforço para parecer mais sofisticado se confunde com uma postura passiva frente as possibilidades de conflito.
Há momentos em que Phil evoca o passado dos dois como se quisesse reatar ou até mesmo criar o laço que eles deveriam ter como sangue do mesmo sangue. Nesses momentos, Phil sorri ao evocar a figura de Bronco Henry, um vaqueiro já falecido que trabalhou a vida inteira no rancho da família deles e se tornou uma referência para os outros trabalhadores, mas principalmente para Phil. Entretanto, observamos no olhar de George a vontade de esquecer esse passado e fica claro o quanto essas experiências foram doloridas para ele a despeito da nostalgia do seu irmão.
Como se não bastasse, a relação dos dois é desgastada ainda mais pelo repentino casamento de George com a viúva que administra a pousada do início do filme. A lúgubre Rose Gordon (Kristen Dunst) entra para a família Burbank trazendo seu filho Peter, o mesmo jovem com quem Phil antipatizou inicialmente. A forma com que o casamento acontece evidencia o quanto George queria buscar uma conexão que não fosse com aquelas pessoas do rancho, e sua esposa da cidade é sua esperança de curar sua solidão.
Nesse cenário, vários problemas se sobrepõem. A começar por George, cuja hesitação e dificuldade para expressar-se o torna deslocado no próprio casamento. Além disso, ele espera que Rose seja uma dama urbana, capaz de entreter seus convidados aristocratas em jantares importantes, algo que Rose claramente não quer fazer. Por sua vez, Rose lida com a hostilidade constante de Phil, que julga que ela casou por interesse e hostiliza seu filho junto dos outros cowboys por ele não corresponder aos estereótipos de masculinidade. Assim, a viúva busca alívio no alcoolismo e sua ressaca diária é notada por todos, menos pelo seu marido ausente.
É importante notar que até esse ponto do filme tudo é tensão e falta de comunicação, é quase como se fosse norma da época e ninguém parece falar o que pensa, exceto o sem papas-na-língua Phil, pelo menos inicialmente. Parte disso é quebrado quando Peter, ao vagar pelos entornos da propriedade, encontra Phil banhando-se numa lagoa. Ali, nu e livre até da poeira que se agarrava a sua pele, o cowboy parece quase vulnerável em sua solitude. A partir daí, Peter decide devolver a hostilidade de Phil com interesse. Ele tenta aprender a cavalgar, acompanha Phil pela propriedade e a escuta falar com tanta admiração do lendário Bronco Henry. A relação evolui gradualmente para uma conexão genuína e o cowboy se surpreende com a sagacidade de Peter que o faz lembrar dos ensinamentos de Henry. Subtende-se aí que Bronco Henry foi para Phil mais do que um mentor, até mesmo mais que um amigo.
Porém, as circunstâncias são simplesmente sufocantes demais e suprimem até a relação entre Peter e Phil. O ponto máximo entre esses dois acaba sendo um cigarro compartilhado que é quase um beijo indireto, mas nunca temos uma confirmação física daquilo que capitamos nesses dois apenas pelo olhar. Isso se estende aos demais personagens do filme. George é um marido e incapaz de se conectar com sua esposa, e o próprio Peter, que parece mais confortável com sua homoafetividade tem suas formas de descontar a violência que recebe diariamente.
Ao final, Ataque dos Cães é o retrato de uma época em que as pessoas estavam sob um peso sufocante das expectativas da sociedade. Não apenas devido à homofobia, mas externar aquilo que está latente nos olhos parece condenável por si só. Todos os personagens são reprimidos ao extremo e suas verdades podem escapar a um olhar desatento, mas vêm à tona em gestos viscerais. A diretora nos oferece um velho oeste possível, livre de nacionalismo e nostalgia, e onde as pessoas são tão áridas como a terra que povoam. Nesse sentido, George e Phil são um ótimo retrato de um período de transição, pois da mesma forma que ele tenta obter mais prestígio social incorporando signos de poder, sua origem ainda é a de uma criança do campo, enquanto Phil é o homem forte e viril do campo, mas incapaz de demonstrar seu afeto em toda sua plenitude.
Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa
4.2 1,8K Assista AgoraGeralmente a gente vê a Marvel nerfar os poderes dos heróis pra fazer o roteiro funcionar. Meio que tá todo mundo acostumado com isso, embora sempre exija uma pouco da nossa suspensão de descrença. Nesse filme nerfaram foi o CÉREBRO do Stephen Strange - sério pelamor o jeito que o feiticeiro reage a proposto do Peter não faz sentido. Dito isso, a gente nerfa o nosso cérebro e se deixa levar com esse belo festival de nostalgia. Willem Dafoe já garante o filme fácil e, pela primeira vez, o Tom Holland parece um Teioso mais ou menos ok.
jeen-yuhs: A Kanye Trilogy
4.5 26 Assista AgoraKanye chegou onde queria chegar, mas isso lhe custou a confiança das pessoas "reais" ao seu redor, além de se cercar de outras que só estavam ali pelo hype. O Kanye de hoje é um homem sem um objetivo que sirva para descarregar todo o seu sentimento, e principalmente, sem um apoio concreto, antes representado pela sua amada e sábia mãe. O que isso faz com qualquer um é assustador. Imagina com alguém com questões mentais.
Acredito que esse documentário não dê conta de entender o artista totalmente, mas é uma boa coletânea de fragmentos emblemáticos na vida caótica de um dos maiores e mais completos artistas de todos os tempos.
Batman
4.0 1,9K Assista AgoraAdaptar Batman não é tarefa fácil. O que difere o Morcego da maioria dos heróis populares, ao menos nas suas versões mais convencionais, é que parte dos inimigos com quem o herói lida são… pessoas. Humanos infratores da lei, desprovidos de muitas ambições além de conseguir dinheiro e sem nada daquela baboseira de explodir o mundo ou transformar todo ser humano em hospedeiro de raça alienígena. Esse é o tipo de gente que está na motivação essencial do herói: ladrões que, por descontrole, nervosismo ou brutalidade, comentem latrocínio e, por um colar de pérolas, deixam uma criança inocente órfã. Movido pelo desejo de justiça, o herói sai todas as noites para dar cabo de criminosos com as próprias mãos, e esse mote foi o suficiente para fazer os olhos de qualquer criança brilhar enquanto lia quadrinhos ou via Batman Begins (2005) pela milésima vez em uma TV de tubo nos anos 2000. Era simplesmente legal ver esse cara sair na porrada com meia dúzia de caras maus e deixá-los inconscientes. Em filmes assim, o carisma ficava mesmo por conta dos vilões fascinantes, tanto que um deles ganhou um filme solo. Mas em 2022, esse plot funciona? O filme de Matt Reeves busca uma resposta para essa pergunta.
Inicialmente, o filme nos oferece a voz do próprio Batman para explicar a rotina de um vigilante que tenta dar conta de uma cidade arruinada pela corrupção estrutural. Gotham é um lugar sombrio, úmido, de moral cinzenta e chuva constante. A fotografia é pesada para dar o tom da cidade e a voz de Robert Pattinson diz a principal ferramenta do Batman — o medo. Já que não pode estar em todos os lugares, o Batman é menos um vigilante humano do que um mito, uma história de ninar para bandidos. A promessa de que o Batman virá para punir quem merece paira sobre a cidade como nuvens que anunciam a tempestade.
Na sequência, temos uma cena do Batman fazendo jus ao seu mito ao salvar um senhor de ser gratuitamente espancado por uma gangue juvenil cuja maquiagem remete ao palhaço mais anárquico da cultura pop. O que segue é um combate que lembra bastante o Batman de Christopher Nolan, pois o objetivo da cena não é retratar com plasticidade (nem câmera lenta) a briga, mas nos convencer de que um emo bilionário é capaz derrotar vários inimigos sem uso de armas letais. O Batman de Reeves é eficiente, brutal, e até sua máscara, que apesar de não ser das mais bonitas, tem um design que diz que aquilo é para proteger, e não para ser bonito. Esse sentimento é uma constante em todas as cenas de ação — esse Batman toma tiro, apanha, cai, mas se mantém implacável e dá pena de quem cruza seu caminho. Quando perguntado quem ele é a resposta dada pelo próprio é “Vingança”. Arrepiou também, né?
Mais à frente vemos o Morcego chegar à batcaverna depois de uma longa noite combatendo o crime, suas cicatrizes e hematomas contam a mesma história que os arranhões e marcas na armadura, e a primeira coisa que ele faz é pegar algumas provas recolhidas na cena do crime e destrincha-las em busca de pistas. Enquanto faz isso, os alto falantes do local reproduzem o noticiário em alto volume. Nesse momento, o maravilhoso Andy Serkis chega para dar vida à Alfred. O mordomo nota o seu patrão machucado e insone e depois de uma rápida conversa, uma das coisas mais interessantes que Alfred diz é “vá tomar um banho”. Isso ressalta o estado de obsessão (vale a pena focar nessa palavra) em que Bruce se encontra, pois nada parece ser mais importante que sua cruzada.
A partir daí a trama abre para nos apresentar os elementos-chave do filme. O herói está investigando uma sequência de assassinatos cujo modus operandi parece levar a um quebra-cabeça maior. Desvendar a identidade e estar um passo a frente do serial killer é o objetivo aqui, e para isso Batman contará com a cooperação constante de Jim Gordon (Jeffrey Wright), assim como da melhor Selina Kyle (Zoe Kravitz) do cinema. A futura Mulher-Gato tem um interesse pessoal nessa onda de assassinatos, pois sua amiga pagou com a vida por se envolver com as piores figuras de Gotham.
Somos apresentados a um excelente Pinguim (interpretado por um irreconhecível Colin Farrell), que aqui é ainda um mafioso menor e capacho de Falcone (John Turturro), o maior chefão do crime organizado da cidade. Toda a trama envolvendo o Charada passa pelo submundo de Gotham e da sua relação com as instituições, como a prefeitura, o departamento de polícia, e organizações beneficentes. Estas últimas dizem respeito especialmente a família Wayne, já que o vilão do filme está desposto a desenterrar o suposto passado escuso dos ancestrais de Bruce.
Entretanto, é necessário dizer que essa parte, que seria o fio condutor do filme é menos interessante do que ver esse novo Batman em ação. O mistério é suficientemente instigante, as cenas de ação são competentes, mas o grande trunfo do filme e discutir a figura do Batman.
Por exemplo, voltemos à resposta do Morcego sobre quem ele é. A cruzada do herói é contra a corrupção de Gotham. O herói busca se vingar da cidade que levou seus pais num ato violento e sem sentido. Para tal, Batman combate o crime pessoalmente, tendo só o seu “mito” para o auxiliar num trabalho incessante, tal como se o herói estivesse “dando murro em ponta de faca”. Entretanto, Bruce não é o único a ter sua vida arruinada pela cidade. A existência em Gotham é sufocante e sem esperança, e assim como retratando em Coringa, há uma massa de revoltados que odeiam tanto o poder paralelo quanto às instituições contaminadas por ele. O vilão do filme é fruto desse sentimento e parte da sua esperteza é capitalizar esse sentimento e angariar vários seguidores entre os civis para, mais uma vez a palavra reaparece, se vingarem da cidade.
Isso é importante porque, quando finalmente face a face com o serial killer, Batman o ouve dizer que seu plano era dar continuidade ao trabalho do vigilante. O Charada quer limpar a cidade tanto quanto o Batman, e ainda que os seus métodos sejam extremos, parecem apenas uma extrapolação daquilo que o vigilante decidiu representar: a vingança. Quando Batman se depara com essa corruptela dos seus ideais o que se segue é uma autorreflexão sobre o que ele quer representar a partir de agora. Além disso, sua cruzada é posta em xeque também pela sua motivação inicial, pois os pais de Bruce se revelam imersos na espiral de corrupção que corrói Gotham. E é impressionante como a atuação de Pattinson consegue dar peso a esses conflitos. Se um emo mascarado batendo em bandido com golpes de karatê israelense não é suficiente para sustentar a identidade do herói (algo que Zack Snyder ainda não entendeu), o filme de Matt Reves nos oferece o que há de mais interessante no personagem, a sua psicologia complexa. Pois, no limite, o que separa o vigilante dos vilões mais bizarros de Gotham é como Bruce criou o Batman para lidar com seus traumas. Para usar uma linguagem da psicologia, Bruce desloca a reação emocional do trauma para sua vingança contra o crime, enquanto seus inimigos percorrem o caminho inverso, descarregando na vida criminosa sua reação ao sofrimento psicológico. Os caminhos diferem, mas o princípio é o mesmo.
O ponto acaba sendo que desse modo nunca há uma ressignificação do trauma. Tanto o Batman quanto os “malucos” de Gotham vivem em função desse sofrimento. O Bruce do filme é atormentado, lúgubre, diferente da versão playboy bonachão que estamos acostumados. Isso não é exatamente novidade, já que em versões como a da HQ O Longo Dia das Bruxas exploram um Batman tão traumatizado que era capaz de “surtar” quando o trauma era evocado. Assim, é principalmente essa faceta do herói que preenche os espaços para sustentar um filme de quase 3 horas. Um vislumbre na psique de Bruce Wayne, um vigilante com muito em comum com o mal que quer combater. É difícil se importar com um herói que é quase uma máquina de moer criminoso, uma força imparável que, apesar de humano, está sempre preparado para qualquer dificuldade — inclusive a sua “armadura” serve para ressaltar isso, pois nem tememos tanto quando o vigilante é alvejado. Contudo, nesse filme nos importamos porque o Batman está psicologicamente frágil e em processo de reflexão.
Em suma, o resultado do filme é muito positivo. Paul Dano é um excelente Charada, promissor em continuações futuras, já que o filme ainda não contempla o alcance do personagem e da atuação de Dano. E se a corrupção nas diversas esferas sociais e políticas de Gotham não é novidade, o que geralmente tínhamos nas versões anteriores do herói era uma perspectiva derrotista. No excelente Batman: O Cavaleiro das Trevas, de Nolan, as instituições são desacreditadas, O Batman volta a ser inimigo da polícia, as pessoas que tentam melhorar a realidade pelas vias legais são corrompidas e a política serve ao crime sem nenhuma possibilidade de mudança. Já no filme de Reeves, que não deixa de retratar uma Gotham corroída por essas mazelas também, há espaço para um certo otimismo e o Batman sozinho não é a solução para recuperar a cidade. Há até uma mensagem de fé nas pessoas e no potencial delas de fazer a coisa certa ocupando os espaços certos. O melhor filme do Batman até então? Talvez. A melhor versão do herói? Com certeza.
Os Canibais
1.9 183infelizmente vc dichava o filme mto fácil, até pelo cartaz mesmo. Um pouco mais de mistério beneficiaria muito a narrativa. No mais, é até visualmente interessante as máscaras e o cotidiano da fazenda, mas isso não sustenta um filme
Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo
3.9 502 Assista Agoranada é eterno
Animatrix
3.9 254 Assista Agorashinichiro watanabe <33333
Killer Bean – O Super Herói
2.9 35clássico cult
The Innocents
3.7 157Frustração, máquina de fazer vilão (e a máxima de que toda cultura pop pode ser resumida em Racionais, Chaves e Evangelion se mantém intacta)
Um Cadáver para Sobreviver
3.5 936 Assista AgoraHá um problema muito sério com esse filme adorável e absolutamente apropriado: ele é feito pra gente inteligente. Ou seja, quem ele mais deveria atingir vai achar o filme um saco e nem vai perceber suas ironias e sutilezas.
Matrix Resurrections
2.8 1,3K Assista Agoraé como dizem, filme q gera muita divergência é essencialmente bom