Nem toda dor do mundo destrói uma lenda (Blonde, polêmico filme de Andrew Dominik, é não somente um gigantesco desserviço à memória de Marilyn Monroe, como também a prova viva de que a crueldade não tem limites no mundo do cinema)
Marilyn Monroe foi (e ainda é, não importa quanto tempo tenha passado da sua morte) a maior sex symbol da história do audiovisual norte-americano. E isso mesmo depois de tantas gerações posteriores a ela encantando a sétima arte mundial lutando bravamente para difamá-la dia após dia. E tudo por quê? Porque a inveja é definitivamente o que move a humanidade desde priscas eras. E porque, lógico, ela não está mais entre nós para se defender de tantas acusações. Nem mesmo seu nome de batismo, Norma Jean, escapou de ser espezinhado pelos haters.
Contudo, sua beleza e glamour ressoam até hoje na mente de homens alucinados pelo seu brilho bem como mulheres rancorosas por não possuírem o mesmo sex appeal que ela. Dito isto, é preciso avisar aos marinheiros de primeira viagem logo de cara: se vocês procuram um filme exaltação sobre Marilyn, esse aqui realmente não é para você. Blonde, filme de Andrew Dominik produzido pela Netflix, é não somente um desserviço à imagem da diva pop, como também um grande ensaio estúpido e elogioso à misoginia.
Sempre reclamei da maneira como hollywood retrata Marilyn em cinebiografias, narrando-a na maioria das vezes em tom pejorativo e maniqueísta. No final das contas, o que sobrava de válido eram as atrizes bonitas que a encarnavam (Michelle Williams, Ashley Judd, etc). E no caso de Blonde esse meu desaprovamento ainda piora por não se tratar de uma biografia clássica e sim da adaptação do romance homônimo da escritora Joyce Carol Oates, que já é polêmico por si só.
Acompanhamos a jornada dolorosa de Marilyn - pois é disso que se trata esse longa: uma fonte inesgotável de dor e sofrimento - desde criança, com a doença da mãe e o abandono num orfanato. E uma informação importantíssima não pode passar desapercebida aqui: ela aguardou por toda a vida o momento de conhecer o seu pai - em vão.
A menina cresce, se interessa pelo mundo artístico, estuda, mas seu primeiro acesso à indústria cinematográfica é descrito por um estupro, perpetrado por um tubarão dos estúdios da época (e não podemos passar a mão na cabeça dos covardes nesse sentido: aquela foi uma época repleta de ídolos, mas também de cafajestes e predadores sexuais de todo tipo).
Já no quesito relacionamentos amorosos o dilacerar é ainda pior. Tirando o dramaturgo Arthur Miller (Adrien Brody), Marilyn vê sua trajetória ser corrompida por homens que só fizeram lhe explorar, usar sexualmente ou agredir, como o jogador de beisebol Joe Dimaggio (Bobby Canavale). Isso sem contar, é claro, a maneira como o filme aborda o relacionamento que ela teve com o então Presidente da República, John Kennedy. Nojento, meus caros leitores, é uma palavra que nem de longe descreve o que eu vi.
Só resta então aos fãs mais ardorosos e apaixonados da atriz aguardar os raríssimos momentos de luz em que ela é mostrada trabalhando em seus longas de maior sucesso: Os homens preferem as loiras, O pecado mora ao lado e Quanto mais quente, melhor. Mas mesmo esses também estão impregnados de fúria, sexismo e abusos os mais diversos.
Ao fim da amarga "experiência" (embora Ana de Armas, que dá vida à Marilyn, seja um show à parte, digno de uma indicação ao Oscar) me peguei relembrando de um livro barra-pesada, Marilyn e JFK, escrito pelo autor François Forrestier, que li há coisa de uns cinco anos. E ele, o livro, comete o mesmo nível de desrespeito sem fim com a atriz e musa.
Mais: fiquei perplexo ao ver nos créditos o nome do ator Brad Pitt entre os produtores desse descaso. Eu sei que ele e Dominik trabalharam no longa anterior do diretor, O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford, mas... Onde esse rapaz, que vem produzindo tantos projetos interessantes nos últimos anos, estava com a cabeça quando decidiu se envolver nisso aqui? Certamente entrará para a história como uma bola fora em sua carreira.
Única certeza: a de que o diretor, que foi extremamente grosso na coletiva de imprensa do filme no Festival de Veneza, não é nem nunca foi fã de Marilyn e certamente a despreza como atriz, quiçá como mulher. Não consigo encontrar outra explicação para tamanha leviandade.
Entretanto, fiquem sabendo tanto ele quantos os próximos a decidirem, no futuro, contar a história da loira fatal que deslumbrou hollywood, que nem toda dor do mundo é capaz de destruir o legado dessa lenda. Tanto que até hoje o sonho de grande parte das atrizes é conseguir chegar até onde ela chegou. Já a maldade e a insensatez de vocês...
A cirurgia é a nova forma de arte (Crimes do futuro, de David Cronenberg, é direto em suas intenções: não faz média com posers e destruidores da própria beleza que se acham o futuro do mundo e da própria civilização. E ainda tem gente que vai dizer que ele exagerou).
"Estica aqui, aumenta ali, corrige acolá, diminui um pouquinho aquela curva do...". Sim, passamos de seres humanos à objetos que precisam ser anatomicamente consertados ou remendados o tempo todo. Em outras palavras: nos tornamos reféns do bisturí, artefato cada dia mais relevante e imprescindível nesse século XXI baseado em corpos, poses e opiniões contraditórias.
E a pergunta que não me sai da mente é: o que sobra depois disso? Resposta sincera: praticamente nada. Resposta oficial: um mundo de possibilidades (quais, exatamente, já é assunto para outro texto, pois eu preciso pensar mais a respeito). Contudo, a tecnologia não para, avança a galope e promete um mundo no futuro ainda mais tenebroso.
E é exatamente desse mundo tenebroso que o diretor David Cronenberg fala no mórbido, porém necessário, Crimes do futuro.
Cronenberg é um cineasta ligado, em sua origem, ao universo da maquiagem e do body horror. E fez disso um talento raro, para pouquíssimos na sétima arte (que o digam seus clássicos A mosca, Videodrome e Gêmeos - mórbida semelhança). Porém, nos últimos anos atrás das câmeras, vinha se dedicando a outros territórios, chegando a adaptar uma HQ - Marcas da Violência - e se propondo a falar de Freud, Jung, máfia russa e até mesmo as consequências do Occupy Wall Street no mundo.
Mas, saudoso de seus primeiros anos na direção, se reinventa e nos apresenta um retrato sórdido (digo mais: sarcástico) e por vezes doentio do mundo contemporâneo e dos exageros à vaidade.
Seu protagonista, Saul Tenser (Viggo Mortensen, parceiro recorrente nos últimos projetos) é aquilo que podemos chamar de "um artista do horror pós-moderno". Realiza cirurgias complicadas e as transforma num show business macabro que enche os olhos dos admiradores que assistem suas performances. Sua alma gêmea, Caprice (Léa Seydoux) é, em tese, a única capaz de seguí-lo até o inferno, se preciso. E eu digo em tese, pois há mais gente querendo esse lugar.
Lang Dotrice (Scott Speedman) e Timlin (Kristen Stewart) também veneram o talento deste showman insano a ponto de lhe propor as mais nefandas ousadias. A questão mesmo é: será que ele topará? Saul parece tão devotado à sua própria vaidade e talento que todo o resto parece banal diante de seus olhos. Nem mesmo o elogio ("a cirurgia é o novo sexo") proferido por Timlin é capaz de quebrar sua armadura de empoderado. E aqui começa justamente o legado do longa.
Cronenberg desenha bem uma sociedade afeita ao efêmero e à estrelismos os mais diversos, na qual o mais importante é ser venerado pelos demais e comer plástico é sinônimo de avanço social. Muitos espectadores chatos talvez digam de forma leviana: "isso é papo de filme; na realidade não é bem assim, não!". Entretanto, quando me dou conta do que andam chamando de artista, gastronomia e show business hoje em dia, eu chego à conclusão de que, na verdade, não tem nada de ficção aqui. Não mesmo.
Se preparem, adeptos e fãs de longa data do diretor, para as deformações e máquinas exóticas costumeiras do seu cinema presentes aqui (e nesse sentido, o filme me lembrou muito de Existenz, outra bola fora da curva dentro da sua carreira).
Ao fim, enquanto os créditos correm após a satisfação estampada no rosto do protagonista ao provar plastic food pela primeira vez, me pego num sentimento dúbio entre o niilismo e o apavoramento com os dias que ainda virão. Não é de hoje que a sociedade mundial vem me assombrando com suas escolhas equivocadas e, porque não dizer também, monstruosas. Da destruição da arte para favorecer as NFTs à crise dos refugiados, passando pela proposta de controle populacional ao preço que for, caminhamos para um abismo às gargalhadas, achando tudo de mais terrível extremamente natural.
E acreditem: isso é tudo o que o mundo não está sendo nas últimas décadas, pelo menos. E em meio a tanta negatividade travestida de exibicionismo, só me resta agradecer ao diretor - mestre em descortinar ao longo da carreira o amargor do que chamamos de natural impunemente - por mais essa peça rara dentro do seu currículo cinematográfico. Que venha o próximo!
O melhor filme da história? (Jeanne Dielman, de Chantal Akerman, é novo número 1 da lista da revista Sight and Sound e irrita os moderninhos babacas e aqueles que nada entendem de cinema. E isso é justamente o que a escolha tem de melhor!)
Listas são problemáticas. Digo mais: elas são a ruína quando o assunto é o debate sobre a sétima arte. Por quê? Porque elas não definem - nem de longe! - o que é o fazer cinematográfico. No máximo explicam o gosto particular de um indivíduo, o que ele considera como cinema. E como todo espectador que se preze é fruto de uma época, acho extremamente natural que ele não considere certos clássicos do cinema como os "seus clássicos".
E é preciso salientar aqui: acho muito difícil que a atual geração que frequenta os cinemas hoje em dia - uma geração baseada no que produtoras como a Disney e Netflix, só para ficar em duas das maiores (ou mais visíveis) - venha a considerar gigantes da sétima arte como Federico Fellini, Ingmar Bergman, John Ford, Akira Kurosawa, Roberto Rossellini e tantas outras feras em suas listas pessoais. Eles, a tal nova geração, buscam uma outra relação com o cinema, mais voltada para a bilheteria, a perpetuação das mesmas ideias (na forma de remakes, spin-offs, sequels, etc), a grandiosidade dos efeitos especiais, os orçamentos milionários...
E qualquer outro debate, em tempos de Rotten Tomates e Metacritic influenciando quem vive à sombra dos mesmos temas, torna-se menor ou desnecessário.
Dito isto, a nova lista dos melhores filmes da história do cinema produzida pela revista Sight and Sound - publicação que sempre polemiza e incomoda com suas escolhas a cada nova década - ganha um novo contorno de discórdia. Mas cabe aqui um aparte importante: fosse quem fosse o número 1 da referida lista o debate seria o mesmo (e preconceituoso), que dirá a insatisfação de determinados grupos cinéfilos que vivem de resmungar e falar mal de tudo.
O número 1 do famoso top 100 da revista nesse ano de 2022 - após, nos últimos anos, testemunharmos o legado de Cidadão Kane, de Orson Welles e a liderança na última edição de Um corpo que cai, de Alfred Hitchcock - é Jeanne Dielman, de Chantal Akerman (1975). E bastou que um filme dirigido por uma mulher encabeçasse a lista para que os revoltados de plantão rugissem, com as mesmas diversas - e despudoradas - reações.
"É a mania de enaltecer esse feminismo de butique vigente hoje em dia"; "Maldito cinema experimental! Está acabando com a sétima arte"; "Essa gente maluca de revista só quer mesmo é aparecer, não entende nada de cinema"; "O cinema morreu de uma vez por todas!" e etc etc etc... e outros milhões de desnecessários etcs.
Na prática, entretanto, o que temos é - pelo menos, para mim - uma grande provocação por trás dessa escolha.
Jeanne Dielman é um longa-metragem de 3 horas e 20 minutos (tudo que os imediatistas mais detestam!) que se debruça sobre a história de um dona de casa, viúva, que vive com o filho adolescente, e paga suas contas mensais levando homens para o seu apartamento, onde exerce a profissão de garota de programa. É... Já vejo os conservadores babacas de sempre gritando: "enalteceram uma puta! era só o que faltava!".
Mais do que isso, o filme de Chantal Akerman - que é uma sublime artista e eu recomendo aos leitores deste texto que procurem por sua filmografia - é um consistente ensaio sobre a rotina sufocante do dia-a-dia. E é nesse exato momento que reside a grande bronca dos detratores da lista.
Como fazer com que um grupo gigantesco de alienados cinéfilos, que resumem o cinema à IMAX, CGI, 3D, cenas de ação intermináveis, o culto aos blockbusters que não passam de caça-níqueis, heróis musculosos e personagens canastrões que emulam um estilo de vida vazio, entendam que a sétima arte é mais do que isso? Não foi à toa que citei num parágrafo anterior a palavra provocação.
A decisão da Sight and Sound ao colocar Jeanne Dielman no topo da lista provoca os amantes do cinema - sejam lá quem eles forem - a sair da sua zona de conforto, da sua bolha existencial baseada em maniqueísmos fajutos e discursos vagos. E eu, claro, gosto muito dessa tentativa heróica por parte da publicação. Redescobrir-se como espectador é, para mim, uma grande missão. E assim deveria ser para os outros (embora muitos prefiram idolatrar o comodismo).
Ao fim dessa rápida explanação (que se promete também polêmica quando eu postá-la em minhas redes sociais, repletas de fãs enjoados que adoram uma reclamação e um mimimi), digo: continuo detestando a ideia de listas dos melhores do que quer que seja. Elas limitam o debate e isso é sempre muito ruim. Contudo, é preciso elogiar esse caso específico, pois os cinéfilos e adoradores da sétima arte precisam urgentemente sair de suas trincheiras culturais. Do contrário, o cinema não evoluirá nunca. Pior: morrerá no espaço-tempo.
E o que eu menos desejo quando penso em sétima arte é a permanência do banal, do óbvio, travestido de espetáculo barato. Tudo, menos isso!
O plano definitivo para combater o crime (35 anos de Robocop, de Paul Verhoeven)
2022 chegando ao fim e eu quase me esqueço de falar sobre Robocop - o policial do futuro, de Paul Verhoeven - que completa 35 anos de existência esse ano - e da grande revolução que ele provocou na minha vida.
É preciso, porém, dizer antes: na época em que as videolocadoras eram o suprassumo em termos de ficar antenado com o que acontecia na sétima arte, o meu gênero preferido nas prateleiras era o policial. Eu não podia ver dando sopa um exemplar de Dirty Harry ou Desejo de matar e corria imediatamente para casa para assistir. E se ainda por cima fosse um longa noir, como o antológico Relíquia macabra, de John Huston (inspirado no romance de Dashiell Hammett), aí é que eu enlouquecia de vez.
Imagina então se deparar, aos 11 anos, com um misto de narrativa policial com ficção científica e robótica? Lógico que eu nem li a sinopse. E os dizeres na capa do VHS eram bastante sugestivos: "parte homem, parte máquina, todo policial". Resultado: revi o filme, na época, umas três vezes, fora as inúmeras reexibições na famigerada Sessão da tarde da Rede Globo.
Na trama, acompanhamos o policial novato Alex Murphy (Peter Weller) acompanhado de sua parceira, Annie Lewis (Nancy Allen) em sua primeira missão investigativa, que acaba mal. Alex é estraçalhado pela gangue liderada por Clarence Boddicker (Kurtwood Smith) e vai à óbito. Entretanto, a OCP - empresa privada que controla a polícia numa Detroit governada pelo caos e pela violência - tem, na figura de um de seus executivos, Bob Morton (Miguel Ferrer), que almeja a direção do orgão, outros planos.
Cansado de colocar as vidas de milhares de policiais em risco todos os dias, ele decide criar um agente meio homem, meio máquina, que combata o crime. E para isso ele precisará do cérebro de um policial morto em combate (no caso, Alex). Embora seu projeto seja visto com ressalvas por muitos executivos da organização, ele mesmo assim consegue pô-lo em prática.
O problema: as memórias pessoais do agente Murphy, o passado, a família, começam a vir à tona e interferem em todo o processo. Mais do que isso: Murphy deseja se vingar daqueles que destruíram a sua vida, transformando-se numa espécie de vingador cibernético.
Cheio de sátiras ao mundo real, campanhas publicitárias criadas para explicitar o quanto é difícil viver naquela cidade e com um hype e um estilo que, sinceramente, não cabem nessa crítica de tão elevados que são, Robocop é desses fenômenos de audiência que hollywood, no passado, produzia com bem mais frequência (e talento) do que no cinema atual.
O "robô" que é vendido para a população de Detroit como a solução definitiva contra a violência urbana percebe que, além de ter uma vida toda controlada pelo sistema (entre outras deliberações impostas pela hierarquia de comando ele nunca deve se voltar contra um executivo da OCP, seja em que circunstância ele se encontre), há situações nas ruas - o verdadeiro campo de batalha - muito mais complexas do que apenas seguir o livro de regras imposto a ele.
E é nesse momento que ele precisará se livrar de todo esse aparato, que nada mais é do que um limitador de suas funções, para conseguir realmente realizar o seu trabalho - o clássico "proteger e servir".
Primeira produção hollywoodiana do diretor Paul Verhoeven, que já mostrara ser bom diretor com os longas Louca paixão e Conquista sangrenta (ambas parcerias com o ator Rutger Hauer), Robocop não só fez um retumbante sucesso nos cinemas como também gerou duas continuações (nenhuma delas, contudo, teve sua participação no projeto), uma série de tv de pouca repercussão e um remake desnecessário dirigido pelo cineasta brazuca José Padilha, o mesmo dos arrebatadores Tropa de Elite I e II.
Porém, seu maior legado foi certamente ter popularizado de vez a figura do andróide nos cinemas. Peter Weller e Nancy Allen podem até não ter dado uma interessante continuidade às suas carreiras (e olha que eles mereciam, hein!), mas ainda assim vejo o longa como um grande catalisador de um tipo de cinema que, até então, hollywood tinha medo de investir. Precisaram trazer um diretor da Holanda, então meio desconhecido, e arriscar.
E no caso dele, Verhoeven, deu mais certo do que a própria franquia que construíram. Procurem no IMDb a carreira do diretor e me corrijam se eu estiver enganado.
O que mais faltou dizer? Que se você ainda não assistiu esse clássico da ficção-científica oitentista, você sempre entenderá o pioneirismo de O exterminador do futuro, de James Cameron (1984) de forma isolada. E bons cinéfilos que se prezem não se bastam com isso. Não mesmo.
Poucos sobreviverão ao ódio (O Menu, de Mark Mylod, é horror psicológico da melhor qualidade numa época em que o gênero terror vinha perdendo tempo com fórmulas gastas e repetitivas. E isso são poucos os artistas que conseguem atingir hoje em dia.)
Eu tenho um sentimento dúbio sobre a culinária e a alta gastronomia de uma forma geral: ao mesmo tempo que sou extremamente curioso sobre quem cozinha e como (vejo zilhões de programas e concursos sobre o tema, embora eu mesmo não cozinhe absolutamente nada), em alguns momentos acho este universo um tanto caótico e divisivo.
Explico-me: vejo esta realidade proposta pelos chefs de couisine mundo afora completamente fora do mundo real. Eles parecem ter criado um mundo paralelo onde somente os eleitos, a elite cruel e devastadora, pode (e deve) fazer parte. Resultado: uma nefanda alegoria sobre a burguesia atroz que nunca soube viver além do próprio umbigo e da própria pose.
Imagine, então, este cenário transformado num horror psicológico de primeira grandeza? Foi exatamente isso que o diretor Mark Mylod fez em O menu, das melhores coisas que a sétima arte produziu em 2022, mas que eu infelizmente só consegui assistir agora. Mas quer saber? Fico satisfeito de saber que comecei 2023 com o pé direito, pois o longa é um deleite.
Premissa simples na abertura da trama: grupo de privilegiados (no geral, eles não passam disso!) viajam para uma ilha isolada, onde aproveitarão uma experiência gastronômica que se promete única. Quando chegam ao local, que é cheio de regras e costumes próprios que não podem ser alterados sob nenhuma hipótese, se deparam com o excêntrico Chef Slowik (Ralph Fiennes, excepcional), que se considera um artífice, um gênio da comida.
Acompanhado de seus assistentes, apresenta a seus convidados um menu criado com rigor e apuro. E entre um prato e outro conta uma narrativa que tem o intuito de transformar a refeição numa experiência não somente gustativa, como também sensorial. Até que uma série de situações macabras ditam o tom do que será aquela noite inusitada.
Um informação importante: um dos convidados do jantar não comparece e no lugar dele, uma substituta, Margot (Anya Taylor-Joy), intriga o chefe. Mais do que isso: deixa-o desconcertado. É como se a presença dela tirasse o brilho ou a importância de tudo o que ele criou previamente para aquela noite em particular. E ambos, Slowik e Margot, travarão um duelo à parte durante todo o jantar.
Entre a insatisfação do chefe com certos convidados que, na visão dele, o traíram ou nunca reconheceram o seu talento e punições bem como tentativas de fuga por parte daqueles que não esperavam que a noite chegasse a tanto, o experimento chega ao seu ápice quando violência e paladar começam a assumir quase que formas análogas. Sim, eu sei... Parece louca a correlação, mas foi exatamente o que eu senti durante toda a projeção do filme.
Há uma clara distinção entre O menu e outras produções cinematográficas que trazem a culinária como o cerne ou parte da história (por exemplo, Chef; Pegando fogo; Sem reservas; Comer, rezar, amar, dentre outras): o de Mylod não esconde sua raiva através de ironias, discursos arrogantes e blasés, muito menos disputas entre chefes de cozinha e donos de restaurantes pelo protagonismo do espaço.
Aqui tudo é intenso, da reles interrupção para ir ao banheiro até a ostentação de quem acha que é mais do que os outros só porque é famoso. Tudo, absolutamente, tudo - mesmo um talher que caia ao chão - é motivo para que a raiva seja ativada e o dono da cozinha se transforme em Michael Douglas no filme Um dia de fúria. Não há razões para subterfúgios. Aquelas pessoas devem pagar com a vida, pois jamais seriam capazes de entender o talento do chefe e ele assim o decidiu.
O Menu poderia ser gore se o diretor quisesse, mas ele preferiu uma elegância assassina. Há método nos silêncios que antecedem toda a vilania em jogo. E a única que parece a priori entender esse jogo diabólico é Margot. Talvez porque tanto ela quanto o chefe não pertençam de fato àquele mundo, vieram de fora, não nasceram em berço de ouro. Logo, se reconhecem pelo olhar. E, mesmo assim, enfrentam-se como algozes de faro ímpar.
Ao fim o que sobra ao espectador é apenas uma certeza: por vivermos em castas e não numa sociedade coerente, ética ou lúcida, sobrevivemos ao ódio alheio com todas as nossas forças. Contudo, essa nunca será um batalha fácil ou mesmo ganha. E para chegar ao dia seguinte, a semana seguinte, ao mês seguinte e por aí em diante, é preciso fingir, dissimular, erguer os punhos e lutar com unhas e dentes. E principalmente: entender que nem todos conseguirão sobreviver. Apenas o que subverterem as regras ou trapacearem.
E aos demais, os que não conseguirem, tudo não passará de um "estar no lugar errado, na hora errada". Sinto muito.
Certas histórias só se contam uma vez (Matrix Ressurrections, de Lana Wachowski, é o regresso a um universo irretocável que não deveria mais ser mexido. E ainda assim quem criou esse universo não consegue muitas vezes entender o bê-a-bá disso!)
Eu tenho bronca de franquias e continuações no mundo do cinema por um motivo óbvio: porque de tempos em tempos elas arruínam ideias que pareciam melhores quando contadas de uma vez só. 11 homens e um segredo, de Steven Soderbergh, tem esse problema. Homens de preto, de Barry Sonenfeld, também. E dentro desse universo das ideias infelizes que precisam de continuações para melhorar aquilo que não precisa ser melhorado, encontra-se praticamente encabeçando a lista Matrix, dos (na época) irmãos Andy e Larry Wachowski.
O longa original de 1999 é dessas experiências que os verdadeiros cinéfilos de carteirinha nunca irão se esquecer. Seja pelas cenas de ação memoráveis, pelo uso frenético da tecnologia ou pela história aprisionante do homem comum aprisionado ao sistema que se torna o messias de um revolução. E ao descer dos créditos, você pensa: "é isso, não precisa de mais nada". Infelizmente a dupla de diretores não viu dessa forma e realizou os execráveis Matrix reloaded e revolutions, para tristeza dos fãs da boa sétima arte.
E eis que 18 anos depois, Lana (anteriormente Larry), sem a companhia do irmão (agora irmã também), decide retomar este universo como eu disse antes: irretocável. E de novo entra em choque com o que era, até então, perfeito.
Matrix Resurrections traz Neo (Keanu Reeves, em seu visual John Wick, que o consagrou nos últimos tempos) de volta à sua faceta Thomas Anderson. Ele de novo vive de forma melancólica, ciente de que algo está faltando em sua vida. E não se trata de sucesso: ele é um bem sucedido desenvolvedor de games - no caso, o The Matrix para a Warner Bros (sim, o filme tem esse quê de ironia nada fina) - que poderia estar curtindo a sua existência com todos os méritos a que tem direito. Mas, na prática, não é isso o que acontece.
A começar pelo que sente por Tiffany (Carrie-Annie Moss) que em seu jogo conhece como Trinity. Ele frequenta sessões de terapia com seu analista (vivido por Neil Patrick Harris) para tentar entender o que se passa em sua cabeça, mas será surpreendido por Morpheus (Yahya Abdul-Mateen II) e Bugs (Jessica Henwick) que o trazem de volta ao mundo real, um mundo que ele até então não sabia que conhecia tão bem e mais do que isso: era um líder.
Entre a saga para recuperar a memória de Neo e, por conseguinte, trazer de volta à tão amada Trinity e os novos desafios aos quais a resistência precisará enfrentar, o longa de Lana se perde justamente por não trazer aquilo que ele tinha de melhor em sua versão original. Esqueçam o agente Smith de Hugo Weaving e o Morpheus original de Laurence Fishburne. Eles não estão lá e, sim, você sentirá - e muito! - a falta de ambos. O oráculo que ajudou a definir o futuro da missão de Neo também não dá as caras e eu lamentei muito, porque gostava demais da atriz. E isso é apenas parte do problema.
As tão amadas cenas de ação sufocantes e em câmera lenta em alguns momentos estão lá e bem feitas, é bom que se diga!, mas parecem no todo genéricas, sem uma função específica. Que me perdoem os fanáticos da franquia, mas foi o que eu senti. O elenco de agentes que rodeiam Neo não é mal. Pelo contrário. Gosto da química entre eles, mas não têm a verve do elenco de 1999.
No final das contas, seja pelo ritmo arrastado em várias passagens, seja pela ausência de carisma (do filme, não dos atores), o que percebi como resultado foi estar diante de uma grande comédia dos erros. Os fãs de cinema de ação que não perdem a chance de testemunhar a grande paranoia por trás de franquias tresloucadas como Velozes e furiosos, Maze Runner e Resident Evil, certamente terão muito do que gostar aqui. Já os que esperavam novas ideias e teorias da conspiração... Sinto! Esse filme não será para você.
Matrix Resurrections é mais uma daquelas produções cinematográficas para você se perguntar ao fim porque hollywood continua insistindo nesse formato franchising que só serve para provar que a insistência numa trama já deu o que tinha que dar e o cinema americano precisa urgentemente de novos roteiristas, do contrário periga tornar-se refém de um loop temporal e a palavra originalidade perderá completamente o seu significado.
À parte este singelo desabafo, uma certeza será nítida ao fim da sessão: a franquia é um gosto adquirido e amar ou odiar só depende ainda dos espectadores. E eles estão cada vez mais fanáticos!
P.S ou apenas um raciocínio agregado: perguntam-me, volta e meia, porque sou contra o Quentin Tarantino realizar uma terceira parte de Kill Bill. Resposta: pelo mesmo motivo que me levou a escrever este texto. E quando a história encontra o seu desfecho, não há nada que você possa fazer para mudar isto.
A ignorância é um fenômeno global (Não olhe para cima, de Adam McKay, fala desse hoje assustador, repleto de estúpidos e covardes que se acham donos do tempo e da verdade. E tudo isso travestido de filme-catástrofe.)
Dentre os gêneros cinematográficos mais comerciais o chamado filme-catástrofe, no meu entender, é aquele que as pessoas menos estão interessadas em perceber as entrelinhas. Elas ficam, em sua grande maioria, tão fascinadas com as cenas de destruição e morte, que esquecem de todo o resto. Toda a polêmica que também se encontra muitas vezes ali, diante de seus olhos, tão visível que chega a doer, não importa. Eles, os espectadores, preferem os efeitos especiais, o CGI, o exagero promovido pela adrenalina. E que se danem as denúncias sobre o mundo contemporâneo e a sociedade falha, torta, vil.
E quando vivemos numa era repleta de negacionismos e extremistas os mais diversos, essa interpretação fica ainda mais prejudicada, pois eles, os que negam, só olham para o seu próprio umbigo, desdenham de qualquer outra verdade que não seja a sua, complicam todo o processo. Só estão interessados na sua própria vaidade ou prepotência. Não olhe para cima, novo filme do diretor Adam McKay - de longas que misturam o humor ácido com a crise política como poucos, não necessariamente agradando a todos os públicos - sofre desse dilema. Digo mais: acredito que de todos os filmes dele é o que mais sofre desse dilema, ainda mais no mundo de hoje, apegado em demasia à idiotice. Mas caso você não pertença à essa classe, sugiro que dê pelo menos uma olhada.
A cientista e doutoranda Kate Dubiasky (Jennifer Lawrence) descobriu em uma de suas observações a trajetória de um cometa e passa suas informações para o seu professor, o Dr. Randall Mindy (Leonardo Dicaprio, naquele que eu considero o personagem mais surtado de toda a sua carreira). Ele analisa os dados e tem como resposta que ele, o cometa, está em rota de colisão com o planeta terra, e o atingirá num prazo um pouco maior do que seis meses. Perplexos com a notícia, decidem avisar a Casa Branca. E é justamente nesse momento que começa de fato o maior dos seus problemas.
Imaginem que o mundo fosse acabar daqui a metade de um ano e você descobrisse que as pessoas só estão de fato interessadas no quanto irão ganhar com essa notícia ou com o abafamento dessa notícia. Esse é o mote do nosso filme. Um adendo: não é de hoje que a própria humanidade transformou a discussão sobre o fim do mundo numa grande piada de humor negro. Vide aquela história da profecia maia de que o mundo acabaria em 21 de dezembro de 2012 (que virou até filme babaca do Roland Emmerich, de Independence Day). E qualquer debate depois disso perdeu completamente a relevância.
A Casa Branca debocha dos cientistas (chega, inclusive, a explorá-los). A imprensa debocha dos fatos descobertos pelos cientistas. A sociedade debocha dos cientistas. Pior: os transforma em memes, em loucos, em surtados. Até mesmo o namorado de Kate entra na onda e termina com ela via mensagem de texto. Sim, é louco, eu sei... Mas o problema é que o mundo como nós conhecemos também já enlouqueceu faz tempo. A gente é que simplesmente não percebeu e prefere a piada barata à certeza dos fatos. É mais fácil acreditar na zona de conforto produzida pela ignorância. Por sinal, cabe aqui um aparte: que me perdoe quem pensa o contrário atualmente, mas a ignorância virou um fenômeno global de alta rentabilidade.
Não olhe para cima está repleto de tipos sociais os mais macabros possível, e ainda assim os achamos divertidos, fofinhos, inofensivos: a presidente dos EUA - vivida de forma impecável por Meryl Streep - é o retrato da bestialidade em forma de gente. Não é à toa que na grande nação atualmente tem gente até invadindo o capitólio e exaltando Hitler! O filho da presidente e seu chefe de gabinete é o estereótipo da futilidade e da arrogância, aquele tipo de indivíduo que realmente acredita ser a pessoa mais indispensável do mundo. A âncora feminina do telejornal mais assistido pela América não passa de uma ninfomaníaca gostosona. O guru que alimenta o desejo de milhões com seus celulares de última geração enquanto acredita piamente que algoritmos decidirão o seu futuro e o da civilização como um todo tem interesse na não-destruição do cometa, pois ele possui componentes capazes de aumentar ainda mais o seu patrimônio. E a musa pop do país é uma figura tatibitate que está mais interessada no fim do seu relacionamento amoroso efêmero do que na extinção do planeta.
Acharam pouco? Isso é só a ponta do iceberg, já que o contexto geral piora - e muito!
Some a essa catarse humana de idiotas e irresponsáveis o mau uso da tecnologia, à serviço da mentira e da leviandade, a polarização que vai crescendo no país à medida que os dias passam e a chegada do cometa vai se tornando mais iminente e até mesmo a corrupção de um dos cientistas que descobriram o problema a esse sistema cruel e diabólico e pronto: estamos literalmente testemunhando o fim dos tempos. E olha que o mundo nem precisava ser de fato atingido por nada. Nós já tínhamos estragado tudo muito antes, com nossa falta de tato e caráter.
Coisa de uns 15 anos atrás assisti no cinema um longa chamado Idiocracia, de Mike Judge. Nele, me deparei com a história de Joe Bauers (Luke Wilson), escalado para um projeto ultrassecreto no Pentágono que envolvia sua hibernação. Ele acaba esquecido por cinco séculos e ao despertar da câmara, se depara com uma civilização completamente burra que decidia, até mesmo, seu modelo eleitoral da maneira mais estúpida e infantil. Acreditem: a sociedade era tão artificial e desnecessária, que se eu vivesse naquele lugar provavelmente teria tirado a minha própria vida, por acreditar que a morte nesse caso seria mais interessante e honesta.
Hoje, depois de assistir o longa de McKay, vejo que a sociedade - tanto a ficcional quanto a do mundo real - virou Idiocracia. E não só encaramos isso com a maior naturalidade, como nos orgulhamos disso. É só olhar os tabloides, as conversas de bar, ouvir as pessoas falando nas filas dos bancos, dos cinemas, dos supermercados. O mau gosto, o atroz, o fútil, virou o tema do momento. E ele viraliza e ganha fama com uma facilidade assustadora.
Ao fim, o legado que me fica dessa experiência audiovisual é: ufa! como é bom não fazer parte dessa geração alienada e que se pavoneia de si o tempo todo. Ah! Vi muita gente na internet detonando o longa, usando como desculpa a seguinte afirmação: se esse filme estivesse afim mesmo de denunciar alguma coisa o diretor não teria escolhido a comédia como o gênero dele. Não, meus amigos! Se teve um ponto no qual o McKay acertou de fato, foi esse.
O mundo já não é mais um lugar sério há muito tempo. Mas muito, muito tempo!
A miséria humana (Amarelo Manga, de Cláudio Assis, é uma notável alegoria sobre a sociedade, essa engrenagem solta do mundo, que vive se acreditando indispensável mas não passa de um conceito frágil e autodestrutivo - mesmo que não se dê conta disso um segundo sequer)
"É mais fácil o mundo como o conhecemos chegar à sua extinção do que conseguirmos realmente entender o que é a sociedade contemporânea". A frase é de um sociólogo que palestrou no Congresso Internacional do Medo, que eu fui assistir no Teatro Maison de France, no centro do RJ, anos atrás. E quando ele proferiu essas exatas palavras foi extremamente aplaudido pela plateia. De fato, a humanidade como a conhecemos é a grande incógnita do mundo.
Levando-se em consideração o triste fato de que somos criados, desde pequenos, a viver imersos em mentiras ideologicamente fabricadas, o que sobra de valor na construção disso que chamamos de ser humano? Honestamente... Muito pouco ou quase nada, como bem diria meu pai, um dos homens mais críticos que eu conheci em toda a minha vida. Contudo, é preciso seguir em frente. É isso que diz o senso comum que move o mundo e suas controvérsias. E, de vez em quando, aguardar um grande desabafo de alguém lúcido (e corajoso) o suficiente para comprar essa briga.
Um desses é certamente o cineasta pernambucano Cláudio Assis, um típico exemplar do homem arretado, como costumam se referir aos corajosos o povo nordestino. Vide o que ele fez em seu longa de estreia Amarelo Manga, que chega aos 20 anos de existência neste 2022 confuso, perdido e devastador sem perder um segundo sequer de sua lucidez e, principalmente, sua força narrativa.
Cláudio construiu - ao lado do seu magnífico roteirista, Hilton Lacerda - um magistral caleidoscópio da sociedade frágil, infame e vil na qual sobrevivemos todo santo dia. E é dos encontros e duelos entre esses personagens que nos daremos conta do quanto a civilização procura diariamente a sua própria exclusão, mentira, autodestruição, hipocrisia, entre outros substantivos ainda mais torpes.
Entre o decadente Texas Hotel, praticamente caindo aos pedaços de tão velho - e eu falei velho mesmo, não vintage -, o Bar Avenida, administrado pela sensual e poderosa Lígia (Leona Cavalli), repleto de bebuns, boêmios e misóginos de carteirinha e o matadouro onde cabeças de gado são sacrificadas para alimentar o apetite voraz de uma sociedade cada dia mais faminta, vamos nos deparando a conta gotas com a verdadeira silhueta da humanidade, que teima em rotular suas catástrofes e cafajestisces de "o lado B da vida". Tudo para que não enxerguemos a realidade como ela realmente é.
A dona de bar que não aguenta mais a sua vidinha mais ou menos e não consegue vislumbrar uma mudança na sua rotina desgastante; O homossexual faz-tudo do hotel, cujo único objetivo na vida é ter para si o amado, o açougueiro grosseirão (Chico Diaz), casado com uma evangélica raiz e com uma amante a tiracolo; O estereótipo máximo do trambiqueiro, canalha, machista (interpretação magistral de Jonas Bloch), um homem fascinado pelo seu próprio desprezo pela morte; O padre católico falido cujo únicos fiéis que ainda frequentam sua paróquia são os cães de rua, vadios, que passeiam pelas ruas do Recife à procura de comida. São apenas algumas amostras dessa grande alcatéia amoral que virou o Brasil desde aquela época (e que duas décadas depois só fez piorar).
Como pano de fundo - mas na verdade, um importante personagem para a trama - a própria Recife, com seus trabalhadores sofridos, seus sobreviventes, suas ruas destruídas, rachadas, arrebentadas, seja pela mão do tempo ou do próprio homem, esse predador notório que a tudo destrói com uma imensa facilidade e ainda tem a cara de pau de dizer que "não é bem assim, não!".
A cada take, plano ou ângulo filmado de cima - um ângulo definitivamente intrusivo, de quem tem a clara intenção de bisbilhotar o outro -, percebemos a degradação desse bicho homem sórdido, cada vez mais voltado para seus próprios prazeres e interesses. E o país nisso? Que se dane! Vivemos no Brasil do "eu não ganho pra isso", "farinha pouca, meu pirão primeiro", "quando eu ganhar na mega-sena eu dou um jeito na minha vida", "bom mesmo é ser funcionário público e ter algum garantido no final do mês" entre outras pérolas desse nosso Febeapá nacional. Você não conhece a obra do Stanislaw Ponte Preta? Então você tá mais fodido do que eu!
Há algo na malícia, no deboche, no sarcasmo vivo do diretor que me fez vê-lo durante um tempo como uma espécie de Tarantino do agreste (mas me refiro ao Tarantino de Cães de aluguel e Pulp Fiction, não o de seus últimos filmes). O discurso seco, feroz, o dedo na cara provocativo, as frases poderosas e atualíssimas - "O pudor é a forma mais inteligente de perversão", "O ser humano é estômago e sexo" - e a correlação entre a vida cotidiana e amarelo pálido, da hepatite, do pus, da covardia diária, das feridas abertas, da falta de perspectivas sociais, são seus cartões de visita.
Tudo isso à serviço da construção da miséria humana. Sim, porque ela é construída paulatinamente, se desdobra em inúmeras nuances e formatos, todos dotados da sua parcela óbvia de mau caratismo latente. Ao fim do longa, a então religiosa, desmascarada pela vida, entra num salão de cabeleireiro e pede que mude seu visual, agora, o quanto antes. Ela, a politicamente correta, também cansou. Cansou de esperar o amanhã, a vida eterna, o paraíso. Entendeu que a existência é bem mais cruel e macabra do que um mero sonho ou delírio baseado em dogmas.
E já que o mundo não favorece o homem, que ele busque o que deseja a qualquer custo. Nem que seja na marra, ilegalmente, de forma injusta. Afinal de contas, que diferença vai fazer mesmo? Nós destruímos o que havia de melhor e faz tempo. Que Deus ainda possa ter piedade de nós!
The black Woodstock (Summer of Soul ...ou, Quando a revolução não pode ser televisionada, de Questlove, é sobre uma celebração histórica ocorrida nos EUA mas que, infelizmente, não pôde ser lembrada porque foi feita pela etnia errada)
1969 não foi um ano nada fácil para os Estados Unidos. E quando você pertence a raça negra, então... Já viu! Guerra do Vietnã, segregação, os irmãos Kennedy mortos, Malcolm X e Martin Luther King assassinados, exploração de todos os lados, chacinas, desrespeito, violência e mais violência. Tudo isso na Grande Nação (como eles bem gostam de se autodenominar).
E em meio a tanta tragédia e caos, como fazer para encontrar paz e esperança por dias melhores? Mais do que isso: onde encontrar um lugar que fale a minha língua, respeite a minha cultura, quem sou, minhas escolhas, meu direito a ser diferente? Eis que nesse momento entra em cena o cantor Tony Lawrence e organiza, entre os dias 29 de junho e 24 de agosto, no Mount Morris Park, o Festival cultural do Harlem, e oferece ao público o melhor da música negra.
E dessa experiência, que ficou engavetada dentro de um galpão por cinco décadas, sem uso aparente, nasceu o extraordinário documentário Summer of Soul ...ou, Quando a revolução não pode ser televisionada, do diretor Questlove.
Agora imaginem - e eu disse: só imaginem - poder sair da sua casa para assistir lendas como Stevie Wonder, B. B. King, Nina Simone, Gladys Knight, Sly and the family stone, entre outras feras, sem precisar pagar um centavo sequer. Parece um grande delírio ou conto da carochinha, não é mesmo? Pois aconteceu e por interesses meramente políticos e ideológicos, ficou esquecido da memória do povo que lá esteve por tantos anos. Motivo: o velho e arcaico racismo (e tem gente que até hoje, em pleno século XXI, diz que ele não existe ou é velado).
O simples fato de Questlove ter trazido à tona todas essas imagens fortes e nostálgicas já vale por um século dos EUA, pois trata-se também da história do mundo, sendo apagada de forma vil e covarde. Mas quando nos deparamos com os depoimentos de quem lá esteve, testemunhou aquilo tudo e, ao longo dos anos, foi induzido a acreditar que tudo aquilo não passava de uma ilusão, de uma lenda urbana, engrandece ainda mais a importância deste longa - que desde já figura na minha lista de melhores coisas que eu pude ver no ano que acabou.
Depoimentos altamente políticos e controversos como o do pastor e ativista Jesse Jackson, inflamando a plateia cansada de tantas injustiças; a apresentação meteórica de Steve Wonder ao teclado, levando os fãs ao delírio; as canções politizadas e afiadíssimas de Nina Simone, expondo o racha no qual o país vivia naqueles tempos; instrumentistas em transe dedilhando suas guitarras e tremelicando seus corpos numa catarse que nada deve à Jimi Hendrix no Monterey Pop.
E isso tudo para ficar apenas numa singela amostra do que rolou naquelas seis semanas que mais pareceram uma eternidade. Desde já, adianto: quem quiser saber mais, só vendo o documentário cuja única palavra que o define é sublime.
O Festival cultural do Harlem aconteceu na mesma época do Festival de Woodstock e não à toa acabou eclipsado pelo seu primo rico e famoso. Embora todas as apresentações tenham sido gravadas, conforme relatado por um dos produtores, ninguém se interessou em transmitir a festa negra. Teve até gente recalcada dizendo que tudo aquilo havia sido criado como um grande cala boca, para que o povo negro, revoltado, não pusesse fogo no país todo. Enfim... A demagogia ou polarização nossa de todo dia!
Há um raciocínio que costumo fazer - e que deixa muitos de meus colegas hipócritas e falsos burgueses putos! - acerca da minha descrença sobre o capitalismo que cai como uma luva para entender o legado dessa produção magnífica. O capitalismo, em sua forma mais pura e nefanda, adora encontrar maneiras de destruir nossa memória e nossa capacidade de construir narrativas. Ele sobrevive de nossa ignorância e de nossa tendência a sermos escravos, obedientes, sem quaisquer perspectivas de vida.
Pois foi exatamente isso que Questlove mostrou aqui: durante 50 anos o país que se vende como a nação mais poderosa do planeta escondeu de sua própria população um dos maiores manifestos já realizados pela comunidade negra. E tudo isso por um simples motivo para lá de mesquinho: a covardia étnica. Fossem os artistas que se apresentaram ali Frank Sinatra, Tony Bennett, Elton John e companhia limitada, e essas imagens não estariam amarfanhadas em meio a toneladas de poeira. Isso é triste e diabólico, eu sei...
E, infelizmente, também diz muito sobre a terra do Tio Sam, famosa por sua hipocrisia de longa data disfarçada de patriotismo.
E no fim sobrou apenas o charlatanismo (O beco do pesadelo, de Guillermo del Toro, remake de um clássico dos anos 1940, se pretende um grande filme noir e acaba nos entregando uma óbvia alegoria sobre o mal, tema já visto e revisto nas telas americanas. E desse gosto amargo da decepção, fica-nos apenas o sentimento de que o mau caráter virou um estilo de vida que não sai de moda)
Eu nunca me esqueço da primeira vez que ouvi a frase: "no fim, somente as baratas sobreviverão ao inferno e à explosão nuclear" e me lembro do riso nervoso que dei ao ouvir a declaração. Realmente, baratas são seres terríveis e você tem a legítima sensação de que elas não morrem nunca e sim proliferam, de forma ininterrupta. Contudo, há uma outra classe que, passe o tempo que for, estejamos nós no século XL, eles nunca deixarão de existir. Falo dos golpistas, charlatães, estelionatários, gente que devota sua vida a enganar os outros.
Eu às vezes me pergunto se nós, cidadãos de bem, vivemos tanto quanto eles, pois à primeira vista o que eu vejo é uma multidão de cafajestes que só faz crescer a olhos vistos, entra ano sai ano. E eis que o diretor Guillermo del Toro se propõe a contar uma história de cunho meio noir com seu O beco do pesadelo, recém-indicado ao Oscar de melhor filme, e acaba me fazendo pensar em outras questões completamente diferentes (digamos, mais ácidas).
No novo longa de Del Toro acompanhamos a saga de Stanton Carlisle (Bradley Cooper), que chegou aquela etapa da vida em que percebe a duras penas que trabalho duro e ética não são suficientes para salvar o patrimônio da família. Como adendo a essa descoberta, o fato dos EUA ainda viver o resquício do caos da chamada grande depressão, que devastou o país após a quebra da Bolsa de Nova York. Como único recurso, ele põe fogo na própria fazenda e parte rumo a uma nova vida.
E a princípio ele encontra essa nova realidade num circo mambembe, repleto de figuras as mais detestáveis e oportunistas possíveis, mas também o amor - ou o que ele pensava ser o amor - na figura de Molly Cahill (Rooney Mara). Ao conhecer Pete (David Starthairn), um golpista que já teve seus dias de glória e que agora vive de pequenos golpes, ele aprende a arte do chamando mentalismo e vê nesse aprendizado seu passaporte para o sucesso.
Cansado de uma vida pela metade e de ser colocado para escanteio a todo momento, ele - acompanhado de Molly - vai para a cidade e se torna um mentalista famoso e conceituado. Seus truques, que a plateia considera um dom divino, são capazes de transformá-lo na atração do momento. Mas ele, no fundo, como todo golpista que se preze, deseja mais. E quando conhece a ardilosa terapeuta Lilith Ritter (Cate Blanchett), ele se depara com a chance de dar o golpe perfeito.
Ela o apresenta ao alto escalão dos seus clientes, homens ricos, mas completamente sem alma, desesperados por um fiapo de esperança que os console das perdas sofridas ao longo da vida. E essa é a chance de Stanton conseguir fazer sua independência financeira de vez. Entretanto, o que ele se esqueceu de levar em conta é que normalmente, no mundo onde homens como ele habitam, você está sempre rodeado de pessoas tão ruins ou piores do que você mesmo, e isso pode gerar consequências altamente destrutivas.
Stanton é um homem que nunca teve o amor do próprio pai e reagiu a isso de forma extremamente brutal e vingativa. Ele é o exemplo vivo do que a vida pode fazer com você quando guardamos nossos traumas e os transformamos em força motriz para seguir em frente. O resultado dessa equação é sempre desastroso. E para quem vive segundo suas próprias regras, acreditando que os demais não passam de futuras vítimas a serem descartadas, o que sobra ao fim são as agruras do próprio charlatanismo, que nunca oferece uma zona de conforto agradável.
Para quem esperava uma produção mais police novel, O beco do pesadelo é meio decepcionante. Na verdade, a narrativa é um tanto irregular em alguns momentos. Tive a sensação, na segunda parte do longa, de já ter assistido àquele filme antes dirigido de forma mais brilhante. O segmento do circo me pareceu mais coeso e ele poderia ter centrado a película toda nele. Entretanto, ao contrário do que andei lendo nas redes sociais e nos portais de cinema, que consideraram o filme o mais fraco da carreira do diretor, confesso que ele ainda me agradou mais do que alguns dos últimos projetos dele (principalmente A mansão escarlate e A forma da água). Podem até me chamar de louco, mas achei que faltou disciplina artística. O projeto em si não era um equívoco. Longe disso. Ele apenas deveria ter tomado um outro caminho.
Dentro do caminho proposto, ficou-me a impressão de ter visto uma grande alegoria sobre a maldade humana e suas consequências nefastas. E o problema é que esse cinema já vem sendo mostrado em excesso nos últimos tempos em hollywood, daí um pouco da minha decepção. Eu esperava um novo caminho, algo mais original. Mas tudo bem. Não se pode acertar sempre. Nem sempre é possível tirar um novo O labirinto de fauno da cartola!
Ainda assim, recomendo aos fãs do diretor que vejam o longa, que possui uma direção segura, é bem produzido e tem um elenco interessantíssimo (que ainda conta, além dos atores já citados, com Willem Dafoe, Toni Collette, Richard Jenkins, Mary Steenburgen e o eterno parceiro Ron Perlman, de Hellboy).
P.S: O filme de Guillermo del Toro é um remake do clássico O beco das almas perdidas (1947), do diretor Edmund Goulding. E eu recomendo aos fãs da boa sétima arte que o vejam, pois o original me pareceu bastante superior à esta versão aqui. Isso, é claro, se você - como eu - também curte cinema em preto-e-branco.
Não se pode dar um preço ao amor (Com Veneza, o diretor Miguel Falabella realiza não só seu filme mais maduro como também um grande experimento sobre o lúdico, o onírico e prova por vias nada convencionais que o amor não é uma ciência exata)
Nada é mais doloroso e implacável na vida de qualquer ser humano do que a culpa e o ressentimento. Passamos a vida acreditando que nossas escolhas são as melhores possíveis tendo em vista o horizonte que vislumbramos, mas não estamos isentos de amar de forma equivocada, de culpar o outro injustamente ou mesmo de fracassar em nossas intenções. E nem sempre conseguimos consertar nossos erros (e não somente isso: há quem prefira a terrível zona de conforto de frases hipócritas como "eu faria tudo de novo").
Esta semana, como faço de tempos em tempos, andei procurando um longa-metragem que abordasse os relacionamentos amorosos de uma forma não tão padronizada. Não queria uma reles love story ou uma comédia romântica e sim uma história que desconstruísse a ideia imaginária que temos do amor idealizado, algo que sempre me irritou, por exemplo, em hollywood e seus romances açucarados em demasia. E eis que me deparo com Veneza, novo longa do diretor Miguel Falabella, e uma grata surpresa cinematográfica desse início de 2021 (que, confesso, deveria ter assistido no ano passado).
Baseado na peça de Jorge Accame, Veneza se passa dentro de um prostíbulo cuja dona, Gringa (Carmen Maura, em uma interpretação irretocável), não consegue esquecer o homem que amou e dispensou de forma amarga para continuar no mundo da prostituição. Ela passa os dias em tormento, lembrando do que viveram e de uma promessa: que um dia iria à Veneza para reencontrar Giacomo (Magno Bandarz) e pedir perdão pelo que fez. Suas funcionárias não aguentam mais o desespero da pobre mulher, mas a mais compadecida de todas é Rita (Dira Paes), que ao lado de Tonho (Eduardo Moscovis), uma versão rústica do "homem da casa", promete levá-la ao país, nem que seja a última coisa que ela faça.
Contudo, o que eles ganham no estabelecimento mal dá para pagar as contas. E mais do que isso: como acreditar realmente, num lugar como aquele, onde o amor é comercializado da maneira mais gratuita possível, que a história da Gringa possa ser crível? Para muitas deles, este tipo de sentimento é simplesmente inverossímil ou ilusório. Elas foram doutrinadas a acreditar que, na vida, tudo não passa de um grande negócio.
Mas após irem a uma apresentação teatral dentro de um circo mambembe, Tonho descobre uma maneira de levarem a Gringa à Veneza sem precisarem sair do país e, nesse momento, a película ganha contornos de ilusão, chegando a me fazer pensar em alguns momentos nos filmes do cineasta italiano Federico Fellini e em Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues (cuja caravana Rolidei, muito mais do que uma mera trupe circense, era um grande receptáculo das catarses humanas). E nesse sentido Falabella realiza seu melhor e mais maduro filme como diretor de cinema.
Há uma frase dita por um dos membros do circo no início da sessão que pautou meu pensamento durante toda a narrativa: "não se pode dar um preço ao amor". E esse é exatamente o mote que define a angústia da Gringa. Ela culpou seu amado por tê-la transformado numa mercadoria barata, mas demorou demais a perceber que também se vendeu para atender a seus próprios interesses. E quando se deu conta era tarde demais para corrigir a situação, pois a vida passou por ela como um rolo compressor (e a vida, assim como amor, não são ciências exatas, que definimos a nosso bel prazer).
Veneza é, de forma interessantíssima, um grande experimento sobre o lúdico e o onírico que volta e meia perseguem a humanidade, embora muitos prefiram a certeza imposta pela caretice cotidiana e a velha mania do "se arriscar não é seguro e a vida é por demais implacável com quem a desobedece". E o resultado disso são pessoas amargas, infelizes ou desesperadas (como é o caso da nossa protagonista), tentando reconstruir os cacos que se quebraram, acreditando na possibilidade de uma redenção.
No segmento final, enquanto embarcamos juntos no sonho e na imaginação da Gringa, que acredita piamente ter tido a chance de consertar seus erros, me peguei pensando na minha própria vida e se eu teria também uma segunda chance para resolver uma história mal resolvida do passado. E nesse momento me dei conta de que o filme de Falabella atingira o seu objetivo.
Para quem se acostumou a ver o ator, dramaturgo, diretor e apresentador do Vídeo Show criando seus personagens cômicos em produções como Sai de baixo, Toma lá dá cá e Polaróides urbanas - seu primeiro longa para a sétima arte - achei este novo trabalho de um requinte e de uma ousadia raras vezes vista no cinema nacional, que muitas vezes adora perder tempo com produções meia-boca e de gosto duvidoso. Em suma: ele acertou em cheio contando uma história simples, sem arroubos ou grandezas. E nosso audiovisual anda precisando de mais opções como esta!
Tempos atrás, o vi dando uma entrevista, não me recordo exatamente em que canal de tv ou programa, em que ele dizia ter a pretensão de transpor algumas de suas próprias peças para o cinema, dentre elas Império (que eu adoro). Espero ansiosamente que ele cumpra a promessa, pois me deparei com um artista seguro, que sabe o que quer e conhece bem o seu próprio trabalho. E é de pessoas assim que se faz uma grande arte.
P.S: pouquíssimas vezes eu vi um elenco feminino tão bem escalado quanto aqui. Carmen Maura (eterna musa Almodovariana), Dira Paes, Carol Castro, Daniele Winits, Maria Eduarda de Carvalho, Maria Paquim, Georgina Barbarossa, Camila Vives... O cast é um colírio para os olhos, tanto pela beleza quanto pelo talento. E só mesmo quem for muito louco - ou gostar demais de perder tempo com as bobagens audiovisuais do Leandro Hassum e da Ingrid Guimarães - vai perder a chance de ver essa produção que é uma bola fora da curva dentro do nosso cinema. E este que vos escreve adora bolas fora da curva.
Continue caminhando em frente (tick, tick... BOOM!, de Lin-Manuel Miranda, é a jornada pela mente do dramaturgo Jonathan Larson, um artista que infelizmente nos deixou cedo demais)
Em 2005 eu tinha 29 anos de idade e fui a um cinema no Largo do Machado para assistir ao filme R.E.N.T - os boêmios, de Chris Columbus, baseado no musical da Broadway escrito pelo dramaturgo Jonathan Larson que ficou em cartaz por 12 anos.
Quando vi o cartaz do longa na entrada do cinema achei estranho porque o diretor Columbus era uma artista envolvido mais com o universo infantil, a comédia e a aventura. Logo, não tinha a menor expectativa sobre o que deveria esperar do projeto. Saí de lá em êxtase e entrei imediatamente no google para saber mais sobre o criador da peça, que falava de um grupo de amigos portadores de HIV vivendo numa América em crise, esfacelada.
16 anos depois, ouço falar do projeto tick, tick... BOOM!, dirigido pelo queridinho da Broadway atualmente, o diretor Lin-Manuel Miranda, e com o ator Andrew Garfield (que nos últimos anos se notabilizou interpretando o Homem-Aranha) na pele de Larson. Pensei na hora: isto não vai dar certo.
E eu estava redondamente enganado. Durante quase duas horas de projeção me deparei com uma viagem por dentro da mente e do universo criado por Larson, um artista que infelizmente nos deixou cedo demais (o dramaturgo faleceu aos 35 anos de um aneurisma na aorta) e tinha tanta coisa a nos dizer.
Larson vive entre o seu trabalho corrido no café Moondance e a escrita de seu primeiro espetáculo, Superbia, que participará de um workshop, visando conseguir investidores para uma futura montagem. O problema é que o seu texto não é exatamente comercial. Muitos o veem como uma ficção-científica confusa repleta de personagens um tanto nonsenses.
A vida social de Larson não ajuda a construir um universo mais palatável à crítica. Seu relacionamento com Susan (Alexandra Shipp) está indo pro ralo, pois ela deseja sair de Nova York e vislumbrar novos horizontes e ele não imagina que sua carreira possa dar certo em outro lugar. Não bastasse isso, ele testemunha alguns de seus melhores amigos serem devastados pela AIDS, que atingiu números exorbitantes nos EUA naquele período.
E cabe aqui um detalhe importante: Jonathan fez parte de uma geração que sentiu na pele as agruras do chamado sonho americano: o de correr atrás de um vida nova e gratificante custe o que custar, mesmo que em muitos casos ela não se concretize, não importa o quanto você tente ou arrombe a porta.
E enquanto a fama não surge ele precisa correr de lá pra cá e de cá pra lá, à procura de músicos e atores que comprem a sua ideia, às vezes tendo que pagar do próprio bolso, para conseguir convencer as pessoas certas a patrocinarem a sua ideia.
O dramaturgo Stephen Sondheim, criador de West Side Story e falecido recentemente, é um dos que acredita que ele não pode desistir. A jornada nunca é fácil. E mesmo a sua agente diz pra ele a frase mais autêntica que alguém poderia dizer para uma pessoa desse ramo: continue caminhando em frente, não importa o quanto digam não, o quanto tentem te derrubar. É pra frente que se olha!".
Ao fim da projeção me peguei pensando em Ed Wood, filme do diretor Tim Burton. Embora tenha ganho o rótulo, com o passar das décadas, de o pior diretor de todos os tempos, ele nunca abaixou a cabeça para aqueles que viviam dizendo nos corredores dos estúdios "você está perdendo o seu tempo aqui; isso não é pra você". Jonathan Larson passou pelas mesmas dores, o mesmo desprezo, teve todos os motivos do mundo para desistir e ainda assim seguiu em frente e fez história, contra tudo e contra todos. O único deslize dessa história é que ela não termina em happy end (o que é uma pena!)
Se você não curte musical porque acha uma bobajada essa gente que canta e interpreta, tick, tick... BOOM! não é pra você, mas sinto muito lhe dizer. Você não faz a menor ideia do que está perdendo. Mesmo. E o rapaz que até então era apenas o Homem-Aranha deu um show à parte.
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Certas histórias só se contam uma vez (Matrix Resurrections, de Lana Wachowski, é o regresso a um universo irretocável que não deveria mais ser mexido. E ainda assim quem criou esse universo não consegue muitas vezes entender o bê-a-bá disso!)
Eu tenho bronca de franquias e continuações no mundo do cinema por um motivo óbvio: porque de tempos em tempos elas arruínam ideias que pareciam melhores quando contadas de uma vez só. 11 homens e um segredo, de Steven Soderbergh, tem esse problema. Homens de preto, de Barry Sonenfeld, também. E dentro desse universo das ideias infelizes que precisam de continuações para melhorar aquilo que não precisa ser melhorado, encontra-se praticamente encabeçando a lista Matrix, dos (na época) irmãos Andy e Larry Wachowski.
O longa original de 1999 é dessas experiências que os verdadeiros cinéfilos de carteirinha nunca irão se esquecer. Seja pelas cenas de ação memoráveis, pelo uso frenético da tecnologia ou pela história aprisionante do homem comum aprisionado ao sistema que se torna o messias de um revolução. E ao descer dos créditos, você pensa: "é isso, não precisa de mais nada". Infelizmente a dupla de diretores não viu dessa forma e realizou os execráveis Matrix reloaded e revolutions, para tristeza dos fãs da boa sétima arte.
E eis que 18 anos depois, Lana (anteriormente Larry), sem a companhia do irmão (agora irmã também), decide retomar este universo como eu disse antes: irretocável. E de novo entra em choque com o que era, até então, perfeito.
Matrix Resurrections traz Neo (Keanu Reeves, em seu visual John Wick, que o consagrou nos últimos tempos) de volta à sua faceta Thomas Anderson. Ele de novo vive de forma melancólica, ciente de que algo está faltando em sua vida. E não se trata de sucesso: ele é um bem sucedido desenvolvedor de games - no caso, o The Matrix para a Warner Bros (sim, o filme tem esse quê de ironia nada fina) - que poderia estar curtindo a sua existência com todos os méritos a que tem direito. Mas, na prática, não é isso o que acontece.
A começar pelo que sente por Tiffany (Carrie-Annie Moss) que em seu jogo conhece como Trinity. Ele frequenta sessões de terapia com seu analista (vivido por Neil Patrick Harris) para tentar entender o que se passa em sua cabeça, mas será surpreendido por Morpheus (Yahya Abdul-Mateen II) e Bugs (Jessica Henwick) que o trazem de volta ao mundo real, um mundo que ele até então não sabia que conhecia tão bem e mais do que isso: era um líder.
Entre a saga para recuperar a memória de Neo e, por conseguinte, trazer de volta à tão amada Trinity e os novos desafios aos quais a resistência precisará enfrentar, o longa de Lana se perde justamente por não trazer aquilo que ele tinha de melhor em sua versão original. Esqueçam o agente Smith de Hugo Weaving e o Morpheus original de Laurence Fishburne. Eles não estão lá e, sim, você sentirá - e muito! - a falta de ambos. O oráculo que ajudou a definir o futuro da missão de Neo também não dá as caras e eu lamentei muito, porque gostava demais da atriz. E isso é apenas parte do problema.
As tão amadas cenas de ação sufocantes e em câmera lenta em alguns momentos estão lá e bem feitas, é bom que se diga!, mas parecem no todo genéricas, sem uma função específica. Que me perdoem os fanáticos da franquia, mas foi o que eu senti. O elenco de agentes que rodeiam Neo não é mal. Pelo contrário. Gosto da química entre eles, mas não têm a verve do elenco de 1999.
No final das contas, seja pelo ritmo arrastado em várias passagens, seja pela ausência de carisma (do filme, não dos atores), o que percebi como resultado foi estar diante de uma grande comédia dos erros. Os fãs de cinema de ação que não perdem a chance de testemunhar a grande paranoia por trás de franquias tresloucadas como Velozes e furiosos, Maze Runner e Resident Evil, certamente terão muito do que gostar aqui. Já os que esperavam novas ideias e teorias da conspiração... Sinto! Esse filme não será para você.
Matrix Resurrections é mais uma daquelas produções cinematográficas para você se perguntar ao fim porque hollywood continua insistindo nesse formato franchising que só serve para provar que a insistência numa trama já deu o que tinha que dar e o cinema americano precisa urgentemente de novos roteiristas, do contrário periga tornar-se refém de um loop temporal e a palavra originalidade perderá completamente o seu significado.
À parte este singelo desabafo, uma certeza será nítida ao fim da sessão: a franquia é um gosto adquirido e amar ou odiar só depende ainda dos espectadores. E eles estão cada vez mais fanáticos!
P.S ou apenas um raciocínio agregado: perguntam-me, volta e meia, porque sou contra o Quentin Tarantino realizar uma terceira parte de Kill Bill. Resposta: pelo mesmo motivo que me levou a escrever este texto. E quando a história encontra o seu desfecho, não há nada que você possa fazer para mudar isto.
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A paixão nacional (As telenovelas completam 70 anos no Brasil e mantém seu legado de compromisso e devoção com o público espectador.)
Como é que se começa um texto que se promete interminável desde a primeira palavra? Não sei dizer, mas vou escrever assim mesmo!
Não se sabe ao certo de onde vem tamanho sucesso (ou talvez saibam e eu, que já não assisto o formato há tempos, é que esteja por fora), mas as telenovelas são um fenômeno que veio e ficou. E por mais que muitos possam dizer - e têm até esse direito - que elas não são mais as mesmas, que se entregaram a uma temática pasteurizada, babaca, que entupiram tudo com a moral trending topics do século XXI, ainda assim o público quer saber do que se trata, comparece, acompanha, às vezes se veste igual, aprende as gírias e jargões, tem até quem já fumou e bebeu no passado por causa delas.
De concreto mesmo: as telenovelas, que deram as caras por aqui em 21 de dezembro de 1951, completam sete décadas de existência e ainda fascinam um grande público.
Mas não pensem vocês, leitores, que elas foram somente sorrisos e abraços. Não, meus caros! As novelas também já incomodaram e muito. Que o diga o primeiro beijo, na novela Sua vida me pertence, na TV Tupi, em fevereiro de 1952, dado pelo casal Walter Foster e Vida Alves. A polêmica já começou dentro da própria emissora, quando o fotógrafo dos Diários Associados, Chico Vizzoni, se recusou a registrar o momento por considerá-lo um escândalo. Imaginem, então, na sociedade puritana daquela época...
O primeiro beijo é no fundo apenas o primeiro episódio apaixonado de uma saga que passou por muitas intempéries. Da transmissão ao vivo ao videotape, os vilões consagrados, os casais que entraram para a história (Tarcísio Meira e Glória Menezes certamente lideram essa categoria com folga), as musas que não saem da cabeça dos espectadores (Regina Duarte, a namoradinha do Brasil; Nívea Maria; Sônia Braga, Lídia Brondi - que eu me pergunto sempre por onde anda -, Betty Faria, Maitê Proença, etc etc etc e haja etc), até mesmo os triângulos amorosos e as histórias que fugiram do padrão convencional.
Sim, porque como esquecer de Saramandaia e sua ode à excentricidade com personagens que voavam e Dona redonda que explodiu? E a Sucupira de Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), criada por Dias Gomes em O bem-amado? E a novela A viagem, de Ivani Ribeiro, que fez com que nos perguntássemos sobre a vida após a morte? E o Vlad (Ney Latorraca), protagonista de Vamp, que trouxe os vampiros ao folhetim televisivo? E a Avilã, cidade história de Que rei sou eu? Eu poderia ficar aqui o resto da semana, do mês, e não conseguiria terminar este parágrafo, tamanho o número de universos criados pela televisão.
Eu disse lá no primeiro parágrafo que há tempos não vejo novela e mesmo na época em que assistia ela não era o meu carro-chefe da tv. Eu gostava mesmo era de programas como Armação Ilimitada, TV Pirata, Tamanho família (sitcom famosa da Rede Manchete no final dos anos 1980), Programa Livre com Serginho Groissman no SBT e, lógico, as sessões de cinema na madrugada. Mas se houve uma figura que chamou minha atenção nesse universo e me fez sentar no sofá para acompanhar a trama foi o vilão ou bad boy (ou, às vezes, bad girl).
Casos mais óbvios disso: 1) Nazaré Tedesco (Renata Sorrah) em Senhora do destino, que sequestrou uma criança e criou como sua filha até que a verdade viesse à tona e a mãe biológica descobrisse o seu paradeiro; 2) Donato Menezes (Miguel Falabella) em As noivas de copacabana, o psicopata obcecado com as mulheres que estavam às vésperas do altar; 3) Zé das medalhas (Armando Bogus) em Roque Santeiro, protótipo vivo do homem deslumbrado com a riqueza; 4) Adalberto (Cecil Thiré) em A próxima vítima, ou o assassino do horóscopo chinês, que matou todas as testemunhas de um crime ocorrido num iate na noite de reveillon; 5) Leila (Cássia Kiss) em Vale tudo, que entrou para a história da teledramaturgia nacional como a assassina de Odete Roitman (Beatriz Segall). Vai ter gente dizendo que eu esqueci da Carminha (Adriana Esteves) em Avenida Brasil, mas nessa época eu já estava em outra vibe, sinto muito!
E lógico que os mocinhos foram amados com a mesma intensidade: João Coragem (Tarcísio Meira) de Os irmãos Coragem, fenômeno televisivo eterno; o motorista Carlão (Francisco Cuoco) em Pecado Capital, cuja mala que encontrou em seu carro mudou completamente sua vida; Sassá Mutema (Lima Barreto) em O salvador da pátria; Maria do carmo (Regina Duarte) em Rainha da sucata, que saiu do lixo para o luxo; Sinhozinho Malta (Lima Duarte) em Roque Santeiro; até os mais controversos Comendador José Alfredo (Alexandre Nero) em Império e Giovanni Improta (José Wilker) em Senhora do destino.
Outro aspecto a ser destacado nas novelas ao longo das décadas foram assuntos de relevância nacional, como barrigas de aluguel (que foi tema de uma novela das seis de Glória Perez), clonagem humana, reforma agrária (que tomou um grande arco dentro da novela O rei do gado, ao som de Admirável gado novo, de Zé Ramalho), mulheres que apanham dos maridos (em Mulheres apaixonadas), tráfico de mulheres (em Salve Jorge), crianças desaparecidas, envolvimento com drogas, prostituição no mundo da moda (em Verdades secretas), entre tantos outros.
E por falar em Verdades secretas, ela - em sua segunda temporada - apresenta o formato a um outro universo: o streaming. Ou seja, acabou a ideia do compromisso com o horário fechado, a grade específica, o "eu não posso perder a novela das 6, das 7, das 9, etc". Não. Você pode assistir quando quiser, a hora que for, quantas vezes for, pelo celular, tablet, notebook... O céu é o limite. E muitos produtores já se perguntam qual será o futuro disso para as próximas décadas que virão.
Não faço a menor ideia de como responder a pergunta entre aspas que encerra o parágrafo anterior. Só o que posso afirmar é que as novelas continuarão por aí, se reinventando, procurando novos caminhos que cheguem ao espectador. E permanecerão essa grande paixão nacional, não importa o quanto os seus detratores falem mal delas. Elas, mais do que mero entretenimento, viraram um compromisso social da população. E isso é praticamente impossível de ser desfeito.
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Pai nosso que estás no Rio de Janeiro (Uma crônica sobre os 90 anos do Cristo Redentor)
Enquanto alguns habitantes da cidade maravilhosa se ressentem da chegada à terceira idade e começam a dar piti aos 60 anos, reclamando de tudo, dores, velhice, locomoção lenta, perda da memória, cabelos brancos etc etc etc, uma figura notória de nossa cidade chega às nove décadas com corpinho de... (melhor pular essa parte!). Falo - e com orgulho - da estátua do Cristo Redentor que hoje completa 90 anos de pura fé e esperança.
Localizado no Morro do Corcovado à 710 metros de altitude, com 38 metros de altura e pesando 1145 toneladas, o monumento (um dos maiores no estilo art déco no mundo) abençoa lá de cima a cidade que cantou Vinicius, Caymmi, Noel Rosa e Roberto Carlos. E acreditem: nos últimos anos andamos precisando, e muito!, dessa benção.
Embora tenha sido inaugurado em 1931 a ideia começa a nascer mesmo em 1859 quando o padre Pedro Maria Boss, capelão do Colégio Imaculada Conceição (em Botafogo) decide erigir na capital do império um monumento de exaltação à fé cristã. Contudo, a autorização para a construção só sairia em 1º de junho de 1922, por vontade de Homero Baptista, então Ministro da Fazenda, e sua pedra fundamental lançada meses depois, em outubro.
O empreendimento passou por uma série de revezes, pois mais de um projeto foi oferecido e mudanças precisaram ser feitas ao longo dos anos. Na concepção inicial, por exemplo, a figura de Jesus Cristo empunharia em sua mão direita um globo e na esquerda uma cruz. Mas a proposta acabou recusada e, ao final, o desenho escolhido foi o do professor de gravura e desenho do Liceu de artes e ofícios do Rio de Janeiro, Carlos Oswald. Entretanto, um especialista em estatuária, o artista francês de origem polonesa, Paul Landowsky, foi chamado para ajudar na construção. E mesmo com tantas reviravoltas, a mobilização popular na época foi grande (o que prova o quanto a devoção católica já era imensa naquele período).
No dia da inauguração o físico Guglielmo Marconi, inventor do telégrafo, ligou os refletores da estátua da Itália, porém conforme informações do site do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o sistema não funcionou como o esperado, e o Cristo acabou sendo iluminado graças à habilidade do engenheiro Gustavo Corção e sua equipe.
Ao longo das décadas a estátua foi alvo de grandes homenagens e polêmicas. Durante uma edição do programa Criança Esperança, o comediante Renato Aragão fez questão de subir no monumento para tocar numa das mãos do Cristo. Já em 1989 o carnavalesco Joãosinho Trinta trouxe no enredo "Ratos e urubus, larguem a minha fantasia", da Beija-flor de Nilópolis uma escultura do Cristo mendigo e sofreu severas críticas por parte da Arquidiocese, responsável pela gestão do Cristo Redentor. Resultado: a estátua desfilou no sambódromo coberta por uma capa preta e segurando uma placa com os dizeres "mesmo proibido, olhai por nós".
E ao longo dos anos, toda vez que a cidade do Rio de Janeiro entrou em algum tipo de crise econômica ou política, a imagem do Cristo Redentor foi muito utilizada por chargistas em algum tipo de sátira ou denúncia, seja juntando as mãos em oração, seja com os braços levantados em posição de assalto ou mesmo vertendo lágrimas. E tem sempre quem veja isso como desrespeito ou falta de consideração!
Em 1990, o monumento foi restaurado e em 7 de julho de 2007, o Cristo Redentor foi eleito uma das sete maravilhas do mundo moderno. Ficou em terceiro lugar, atrás da Muralha da China e da Cidade de Petra, na Jordânia. Se grandes artistas e figuras públicas - como Lady Di, Obama, Jim Carrey, o Papa João Paulo II, entre tantos outros - já gostavam de visitar o ponto turístico, depois da premiação isso virou uma espécie de programação obrigatória na cidade. Eu mesmo quando lá estive, coisa de uns 15 anos atrás, fiquei extasiado com a imagem que se vê da cidade lá de cima.
Digo mais: tive a sensação, em alguns momentos, de estar vislumbrando uma espécie de mundo paralelo. Difícil explicar o que meus olhos realmente viram. E fiquei imaginando então o que se passa na cabeça dos católicos mais fanáticos que visitam o local.
Resta dizer mais alguma coisa? Sim. Que o Cristo nos viu rir, chorar, celebrar, nos lamentar, rezar - e muito - por uma cidade melhor, mais justa, não refém de modelos religiosos extremistas, agradecer (algo do qual a sociedade, muitas vezes, se esquece porque prefere só reclamar, mandar, exigir), pedir paz e não a guerra, diálogo e não conflito. E, no final das contas, se sentir orgulhoso porque a nossa cidade, essa que tantos falaram mal e preferiram ir embora nos últimos tempos, tem o filho do criador olhando por nós, bem de pertinho. E isso, meus amigos, é pra poucos.
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O paraíso definitivamente não é aqui (Tempo, de M. Night Shyamalan, é uma perturbadora parábola sobre a vida, a humanidade e suas escolhas equivocadas)
Conhecem aquela expressão "viver é precioso"? Então... Levando-se em consideração o que tem sido o século XXI e a demolição de certos conceitos e estruturas até então vistas como eternas, essa frase ganhou uma conotação ainda maior e mais assustadora. A sensação que eu tenho às vezes é a de estarmos vivendo nossos últimos instantes como civilização. E tudo isso é tratado pelo ser humano médio como uma grande brincadeira ou celebração.
O desrespeito à vida virou um way of life que se replica cada vez mais rápido com a "ajuda" das redes sociais e reality shows que invadem a sociedade todo santo dia. E o que nos sobra de lúcido precisa ser vivenciado à máxima potência, pois pode acabar a qualquer momento e nos deixar órfãos de sanidade.
Parece consulta de desajustado mental com seu terapeuta, mas não é. É o mundo real e suas distorções repetitivas me fazendo pensar a todo momento o que é que eu ainda estou fazendo por aqui. E o diretor M. Night Shyamalan - dos clássicos O sexto sentido e Corpo fechado - me fez pensar nisso novamente e de forma um tanto quanto preocupante com seu novo e misterioso longa, Tempo.
Um grupo de turistas se hospeda num resort distante de praticamente tudo no planeta terra e imagina que irá se esbaldar em meio a inúmeras atrações. São recebidos pela gerência do local como se fossem celebridades ilustres, só faltando o tapete vermelho da temporada de prêmios. Após desfrutarem de alguns privilégios do lugar são informados da existência de uma praia privativa, apenas para uso de clientes vip e decidem conhecê-la. E é justamente nesse momento que percebem que suas vidas nunca mais serão as mesmas.
O lugar que se prometia um oásis refrescante começa a mostrar sinais inquietantes quando os turistas começam a envelhecer numa velocidade espantosa. E não somente isso: Algumas das pessoas, que possuem condições de saúde específicas (uma delas possui um tumor, outra sofre de epilepsia) veem seus casos serem agravados. Com o passar das horas, descobrem que a cada 30 minutos eles envelhecem o correspondente a um ano de vida. Logo, no final do dia, muitos deles já terão falecido.
E o resultado dessa informação é puro caos: assassinato; os filhos pequenos crescem, se relacionam, engravidam, sofrem aborto; a pessoa de mais idade na ilha sofre um enfarto, o médico que acompanha o grupo enlouquece; um perde parte da audição, outro perde parte da visão... Toda a rotina deles é abalada, pois o tempo que possuem de vida foi significativamente alterado e a única salvação é fugir da ilha, mas isso também é um problema de difícil solução.
Entretanto, o que a película de Shyamalan tem de mais valioso é levar em consideração o que era a vida dessas pessoas antes de chegarem à ilha. Trata-se de um grupo que embora aparente estar bem resolvido, estar em paz, percebe-se logo de cara que vivem de forma infeliz ou desperdiçada. Um casal vive à sombra do adultério, o outro é um mescla de uma mulher que nunca enxergou a vida além da própria beleza e o marido, cansado por uma existência estafante e repetitiva. E quando o desfecho, o motivo pelo qual a ilha existe, é enfim esmiuçado para os espectadores, uma certeza é visível: a de que estamos vivendo em torno de nossas próprias ganâncias e comodismos.
E nenhum paraíso terrestre ou ponto turístico mudará essa realidade, não importa o quanto você sonhe ou deseje isso!
Tempo é uma grande parábola sobre a vida, a crise humana e as eternas escolhas equivocadas e nonsenses que fazemos ao longo de nossas jornadas. Passamos tanto tempo contabilizando patrimônios e emoções que não nos damos conta do simples, do verdadeiramente útil, daquilo que é válido. Estamos, enfim, registrando nossa passagem aqui pela terra como calculamos balancetes patrimoniais ou fazemos a declaração do imposto de renda. E isso é por demais assustador!
Desde A vila - realizado pelo diretor 17 anos atrás - um filme de Shyamalan não mexia tanto comigo. O tema presente nas entrelinhas da trama é de uma realidade assustadoramente autêntica. E o pior: vai ter gente saindo do cinema dizendo que tudo não passa da cabeça de um artista desmiolado, tamanha a alienação e o negacionismo vigente nos tempos atuais. Mesmo assim, convido os leitores dessa crítica a darem uma chance ao filme.
É, com folga, uma das melhores coisas que eu assisti esse ano em termos de sétima arte. A questão primordial é: diferentemente dos blockbusters vazios e repletos de CGI você precisa enxergar além do óbvio. E isso, atualmente, é para um grupo seleto de espectadores.
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O autoexílio (Os 25 anos de Terra estrangeira, de Walter Salles e Daniela Thomas)
Para quem acha difícil viver no Brasil de hoje, com tantos negacionismos e cegos ideológicos, é preciso também lembrar sempre: o Brasil de ontem já aprontou, já nos sacaneou muito! E foi dessa eterna mania de não aprendermos com o passado, de repetirmos as mesmas experiências frustradas, que chegamos ao Brasil de Hoje, confuso, ilógico, cada vez mais perdido dentro de si mesmo.
Falo disso porque me deparo com a notícia, no caderno cultural da Folha de São Paulo, dos 25 anos do longa Terra estrangeira, da dupla Walter Salles e Daniela Thomas, provavelmente um dos filmes da retomada do cinema nacional que melhor falaram desse nosso país contraditório. E ainda: o filme foi restaurado para exibição na Mostra de cinema de São Paulo. Um deleite só!
Acompanhamos a história de Paco (Fernando Alves Pinto), um ator fracassado à procura de um novo caminho e sua mãe, Manuela (Laura Cardoso, simplesmente fantástica), cujo maior sonho é voltar à sua terra natal, San Sebastián, na Espanha, tendo em vista a desilusão com o Brasil. Contudo, seus planos são drasticamente interrompidos com a notícia do confisco das cadernetas de poupança durante o governo Collor. Mais do que isso: Manuela enfarta e tomba ali mesmo, no sofá.
Devastado pelo luto e pela falta de perspectivas no mercado de trabalho, Paco decide ir embora para Portugal. E conhece Igor (Luís Mello), o estereótipo vivo do trambiqueiro, que decide contratá-lo para que ele entregue à Miguel (Alexandre Borges), um músico de formação, mas que vive de pequenos contrabandos, um pacote contendo um violino. Ao chegar à terra lusitana descobre que Miguel está morto e se encontra com Alex (Fernanda Torres), a namorada dele, que trabalha num reles botequim. E juntos precisam aprender a viver nessa terra cheia de contradições, enquanto fogem dos assassinos de Miguel.
Terra estrangeira é um filme que tem como primeira prerrogativa a ideia de deslocamento. Têm-se a sensação, a todo momento, de que seus personagens estão numa espécie de autoexílio, motivados pela desilusão com suas vidas e, logicamente, o país de onde vieram. Entretanto, mesmo o tão idolatrado Portugal - fenômeno que se repetiu na atual sociedade, em tempos de crise econômica mundial - lhes mostra uma outra faceta amarga, cheia de inverdades e ilusões.
É possível ver, transitando pelas ruas, africanos desesperados, à procura de um ganha-pão (quase um prenúncio da onda de refugiados que assola o século XXI) ou mesmo europeus que andam na corda-bamba para sobreviver com muito custo. Não se esqueçam: é cara a vida na Europa e só acredita em milagres ou facilidades quem é completamente ignorante ou ingênuo. E quem não consegue enxergar a realidade no seu próprio país, dificilmente a enxergará em qualquer país para onde vá. Este talvez seja o maior defeito de nós, brasileiros: acreditar que a grama é sempre mais verde no país dos outros.
Embora sua narrativa se passe nos anos 1990 e tenha sido lançado seis anos depois, em plena efervescência cultural proposta pela nova geração da sétima arte brazuca, o filme de Walter e Daniela nos mostra o quanto o Brasil não amadureceu como deveria. Pior: em alguns aspectos, até piorou - e muito. Hoje em dia nos escondemos sob a alcunha da falsa religiosidade e a mentalidade caduca de quem acredita que armas são a solução para lidarmos com qualquer problema. Quanta falácia!
Nunca mais assisti a produção e mesmo assim me lembro dela, da ocasião em que a vi no cinema Roxy, como se fosse hoje. Lembro-me de cada detalhe, de cada frame e, por conseguinte, de vizinhos meus que também morreram naquela época, após saberem do confisco, exatamente como Manuela. Foi uma tragédia estarrecedora. Teve gente até que se suicidou!
Recomendo Terra estrangeira às novas gerações de olhos fechados, como recomendaria O auto da compadecida, Carlota Joaquina - princesa do Brazil, Cidade de Deus, O quatrilho e Central do Brasil (finalistas ao Oscar de melhor filme internacional em 1995 e 1999). É certamente das coisas mais corajosas e enfáticas que produzimos em nossa cinematografia da metade dos anos 1990 para cá. E mesmo correndo o risco de ser apedrejado pelos cinéfilos fanáticos e os fabricantes de mentira da nova era, coloco-o junto à produções como Terra em transe, Ganga Zumba e Macunaíma. A dupla fez por onde o seu lugar entre eles!
Mas como nem tudo são fábulas ou alegrias, fica a retumbante tristeza de o país não ter evoluído ou aprendido com os ensinamentos propostos pelo longa. Quem sabe um dia! (ou será que eu tenho mais é que tomar vergonha na cara e parar de viver de delírio e sonho?). Sei lá... Nessas horas o meu lado esperançoso ainda fala - ou sussurra - um pouquinho.
P.S: ouvir Vapor barato, de Jards Macalé e Waly Salomão, na voz indiscutível de Gal Costa já vale metade desta experiência cinematográfica.
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Os caubóis também envelhecem (Cry macho, de Clint Eastwood, é um doloroso, mas não menos interessante, ensaio sobre o tempo e o que fazemos - ou deixamos de fazer - com nossas vidas.)
Há uma máxima da vida a qual não podemos superar, embora tentemos angustiadamente: o tempo.
Lutamos contra o tempo de teimosos que somos. Ele chega, apronta das suas, vira nossa vida de ponta a cabeça, nos faz discutir e questionar absolutamente tudo. Pior: nos faz perder tempo, às vezes com coisas simples, com aquilo que está diante de nossos olhos e não somos capazes de ver nem mesmo com lupa ou telescópio. E ainda assim continuamos, seguimos em frente, putos, pois a sensação que se tem em alguns momentos é a de que a vida não passa de um jogo - às vezes de cartas marcadas, às vezes covarde, injusto. E precisamos lidar com as trapaças do dia-a-dia.
O cinema, nesse sentido, sempre foi uma grande ferramenta para nos colocar à parte desse quesito, o tempo. E mais: ele é capaz de transformá-lo a seu bel prazer, desconstruí-lo, fazer dele gato e sapato, quando a ficção proposta assim o exige. Contudo, nos últimos anos, confesso que tenho andado um pouco decepcionado com certas narrativas que falam sobre o tempo. Tudo me parece um tanto pasteurizado, envelhecido. A sociedade persegue doentiamente a beleza, o status, a ganância, a identidade de gênero e a indústria cinematográfica acabou por comprar esses discursos de forma um tanto equivocada. Em outras palavras: quem poderia falar sobre o tempo parece acovardado ou diminuído diante dos assuntos que tomaram as páginas dos tabloides e a grande mídia.
Bem... Nem todo mundo. Clint Eastwood, o eterno caubói dos tempos de O cavaleiro solitário, Era uma vez no Oeste e o indefectível Os imperdoáveis (vencedor do Oscar), além de voz e corpo da grande persona que marcou a época das franquias, o policial Harry Calahan, continua por aí convivendo e narrando acerca de seus próprios traumas e fantasmas. E é exatamente isso o que ele faz com todo garbo e estilo em Cry macho, seu mais novo longa.
Na trama, Mike Milo (Clint Eastwood) é um antigo ídolo dos tempos de rodeio que viu seus dias de glória passarem mais rápido do que ele gostaria e agora vive de realizar pequenos serviços para o inescrupuloso empresário Howard Polk (Dwight Yoakam). Polk, por sua vez, sabe melhor do que ninguém que pode contar com a confiança e a discrição de Milo em todos os sentidos e por isso pede para que o velho caubói atravesse a fronteira do México e traga seu filho para morar com ele, pois acredita que a influência da mãe promíscua e alcoólatra está fazendo mal ao garoto. A partir daí, o que vemos na tela, mais do que uma mera busca ou resgate, é um grande conflito de gerações como há um bom tempo eu não via em hollywood. Pelo menos não narrado dessa forma.
Eastwood, embora com mais de 90 anos, ainda mostra bastante fôlego na direção e não desaponta como contador de histórias e criador de dramas existenciais. Mas para aqueles que vêm crucificando o diretor nos últimos anos por conta de suas escolhas pessoais e projetos, vai aqui um recado: esqueçam a figura notória e máscula que Clint construiu ao longo da carreira com Dirty Harry e os faroestes de Sergio Leone. O tempo, meus caros leitores, passou e o caubói envelheceu. Como, aliás, todo mundo um dia irá.
Convencer o garoto problemático e mestre em encrencas a voltar com ele é uma saga por si só, mas o velho caubói não está disposto a entregar a toalha tão fácil. A mãe do menino, que não quer vê-lo morando com o pai, embora não dê a mínima para o filho, pede a um dos seus capangas que impeça que a dupla chegue à fronteira. E não bastasse isso, ainda por cima terão que se esconder, pedir abrigo à dona de um estabelecimento comercial - que se encanta pelo velho Milo -, serão confundidos com transportadores de droga e sabe-se lá Deus o quê mais.
Dos longas que Eastwood dirigiu nos últimos anos certamente foi o que eu mais gostei, pois achei coeso e não me soou melodramático em demasia. Pelo contrário: é de uma verdade assustadora quando toca em questões como heroísmo, juventude e velhice. E acredito que muitos dos espectadores que prefeririam que o diretor se aposentasse a produzir algo do tipo tenham se incomodado - e muito! - com esse aspecto.
Nossa sociedade atual só pensa em festas, glórias e conquistas. Ninguém parece interessado naquilo que pareça remotamente real. Fugimos dos nossos próprios problemas sob a falsa crença de que eles simplesmente desaparecerão com o passar dos anos. Mas o tempo nunca funcionou dessa maneira. E aqui, em Cry Macho, o que vejo é um ensaio doloroso, mas extremamente necessário e verdadeiro, sobre o tempo, esse inimigo invisível e devastador que nos acompanha até o último dia de nossas vidas.
Você, festeiro, alienado, que já não queria ver o filme, ficou ainda mais decepcionado após a leitura desta crítica? Pois quem perdeu foi você mesmo. Um dia, quer você goste ou não, essa história também será a sua. Os questionamentos e dúvidas darão as caras e somente você poderá lidar com eles. Sem turminhas, galeras e amigos ao redor. E eu tenho é pena da decisão que você irá tomar quando esse dia chegar...
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A metamorfose (Os 35 anos de A mosca, de David Cronenberg)
O gênero terror já me assustou mais e já me passou uma ideia de ser mais sujo, nojento. Não, é sério! Eu tenho achado o gênero um tanto clean nos últimos anos (salvo, é claro, diretores interessantíssimos como Jordan Peele e Robert Eggers) e a culpa disso é da própria hollywood, que não investe tanto em novas ideias boas e perde tempo sucessivamente com remakes desnecessários.
Nada era mais gratificante naquelas sessões de antigamente - no cinema e na tv, de madrugada - do que a boa e velha participação da maquiagem, dos efeitos práticos e das soluções baratas. Sim, pois CGI ainda não era sequer considerado prematuro naqueles tempos.
E um grande exemplo disso, desse cinema assustador, sujo, repulsivo, que marcou época é o sempre cult (pelo menos, para mim) A mosca, do diretor David Cronenberg, que completa 25 anos em 2021.
Acompanhamos a saga do cientista Seth Brundle (Jeff Goldblum) envolvido num projeto ultrassecreto. Ele convida a jovem jornalista Veronica Quaife (Geena Davis) para seu apartamento e lhe apresenta a um protótipo revolucionário de teletransportador. A princípio sua invenção parece extremamente bem-sucedida e desperta a atenção da jornalista, que quer fazer dele a sua matéria de capa.
O problema é quando Brundle decide testar seu invento em si próprio e é teletransportado de um módulo para o outro junto com uma pequena mosca. Suas cadeias de dna se fundem e ele passa a sofrer mutações genéticas irreversíveis. Desde o gosto acentuado por açúcar até o desinteresse nítido por asseio, ele começa a se tornar um inseto gigantesco, para o pavor de Veronica, única a testemunhar toda a autodestruição do cientista de perto.
A mosca faz parte, junto com longas como Videodrome - a síndrome do vídeo, A hora da zona morta, Gêmeos: mórbida semelhança e Scanners - sua mente pode destruir, daquela que eu considero a primeira fase da carreira do diretor David Cronenberg, que envolve - dentre outras temáticas - o fascínio exagerado pela maquiagem, o mórbido e o visual exótico.
Com o passar dos anos e a chegada dos cabelos brancos Cronenberg acabou direcionando sua sétima arte para outro caminho e se tornou um interessante diretor de dramas existenciais. Contudo, até hoje eu confesso sentir falta desse "outro lado" dele nas telas.
E no caso específico de A mosca, eu sempre vi o filme como a representação viva do que o escritor Franz Kafka fez com Gregor Samsa em seu livro mais famoso. Seth Brundle é, à maneira de Cronenberg, A metamorfose sem tirar nem pôr uma vírgula sequer.
E é preciso fazer um adendo importante aqui: desafio qualquer leitor dessa crítica que viu o filme e seja capaz de me apresentar um filme mais nojento do que esse. Até hoje eu olho para um inseto pousando na mesa da cozinha quando estou almoçando e me lembro de toda a deterioração corporal sofrida por Brundle no longa. Eu nunca mais consegui olhar para estas pequenas criaturas sem um certo nojo (e isso, meus caros leitores, é com certeza mérito da produção).
Depois de testemunhar toda essa nojentice muito bem criada como seria possível chamar esses filmes de exorcismo meia-boca e figuras sobrenaturais criadas em computação gráfica de assustadoras? Pois é. Como eu disse: o terror não assusta mais, não é mais repulsivo como antigamente. E isso é uma pena.
P.S: se tiverem tempo sobrando procurem também por A mosca da cabeça branca, de Kurt Neumann. Ambos são baseados num conto do escritor George Langelaan e a adaptação de 1958 também vale uma boa conferida (principalmente se você for cinéfilo raiz como eu!).
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Antologia do horror americano (A trilogia Rua do medo, da cineasta Leigh Janiak, é o que existe de melhor no chamado filme-homenagem e apresenta para as novas gerações o suprassumo daquele que é o gênero preferido dos hollywoodianos.)
Não conheço gênero cinematográfico mais clichê do que o terror e ainda assim isso não significa demérito algum a ele. Na verdade, o terror é o segmento ideal para aqueles que amam ver suas expectativas correspondidas. Ele se exulta daqueles que aguardam por momentos providenciais, heróicos, assustadores, mesmo sexuais. E quando não cumpre o que promete os espectadores abandonam a sala de projeção decepcionados, às vezes querendo pedir na bilheteria o seu dinheiro de volta.
Imagine então pagar o ingresso para assistir um longa em que uma maldição de mais três séculos envolvendo uma suposta bruxa transforma uma pequena cidade norte-americana num verdadeiro celeiro de psicopatas. Você, fã de terror, deve estar pensando: "eu já vi esse mesmo filme outras, pelo menos, dezenas vezes e vou querer ver de novo, pois uma releitura do tema não faz mal a ninguém".
E se você pensou exatamente nisso, nessa releitura, então a trilogia Rua do medo, da diretora Leigh Janiak, é o seu filme. Sem tirar nem pôr.
A cidade amaldiçoada em questão é Shadyside e ela vive às turras com uma outra, Sunnyvale, repleta de falsos moralistas que se acham bem sucedidos ou virtuosos em demasia. E quando as mortes começam a acontecer dentro de um shopping somente um grupo de desajustados que não se encaixam no padrão de normalidade dos EUA será capaz de combater a ameaça aterrorizante, incluindo rituais satânicos, muitos tiros e machadadas.
A primeira parte ou 1994 tem como referência mais presente a clássica franquia Pânico e seu serial killer mascarado, mas muito bem acompanhado de outros psicopatas tão sanguinolentos quanto. E a turma de jovens que deverão enfrentar esses assassinos percebe logo de cara que o problema remonta a anos passados e precisa averiguar com calma todo o cenário.
Vem a segunda parte ou 1978 (para mim, o melhor episódio dos três) trazendo em seu bojo os acampamentos assustadores com flertes, sexo proibido e competições entre jovens que invadiram a minha adolescência assistindo Sessão das Dez no SBT ou Corujão e Sessão de Gala nas madrugadas na Globo, além da ilustre homenagem à Jason, da série cult Sexta-feira 13.
Mas a raiz do problema não se encontra exatamente ali e por isso na terceira e última parte ou 1666 a diretora recorre a um terror mais clássico, que me remeteu a longas como A vila (de M. Night Shyamalan) e A Bruxa (de Robert Eggers) e enfim encontra a razão da toda a maldição: a jovem Sarah Fear, cujo único pecado que cometeu em sua comunidade foi o de ser diferente. Deu no que deu.
Matanças, matanças e mais matanças por onde nossos olhos passam, uma trilha sonora capaz de produzir uma playlist notável e nostálgica, a dose certa de jump scares e frases de duplo sentido, corrupção policial, regime de castas, romances proibidos ou, à primeira vista, impossíveis e, claro, todo o sex appeal que o gênero que consagrou nomes como John Carpenter, Wes Craven e Stephen King dentre tantos outros, é capaz de produzir.
Como única, digamos, diferença óbvia (pelo menos para mim) apenas a protagonista abertamente lésbica. E digo isso porque não tenho essa lembrança de ver tantos casais homossexuais nos filmes de terror dos anos 80 ou 90 que eu via e revia na tv. Tanto que, anos depois, muitos desses diretores foram acusados de misóginos por atrizes desses mesmos filmes, o que gerou uma controvérsia tremenda.
Divergências à parte, no final das contas o que vislumbramos na trilogia é uma grande antologia do horror americano, com todos os estereótipos e características que tornaram o cinema de terror americano um ícone que enlouqueceu plateias ao redor do mundo.
Para quem pertence a essa atual geração e quer conhecer um pouco do clima proposto por aquele cinema ou quer reviver esses "tempos gloriosos", Rua do medo é imperdível. Mais do que isso: a quintessência do chamado filme-homenagem naquilo que ele possui de melhor. E mais do que isso só mesmo procurando a trilogia para ver na Netflix (que acertou em cheio, de novo).
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Os kamikazes (O Esquadrão suicida, de James Gunn, é o filme mais surreal que hollywood entregará em tempos de pandemia. E os fãs certamente esperarão por uma sequência!)
Se teve uma coisa que a pandemia do coronavírus trouxe em termos cinematográficos foi a popularização de longas-metragens surreais, desses capazes de explodir a cabeça de qualquer espectador. Que o digam Army of the dead: Invasão em Las Vegas, de Zack Snyder e Godzilla vs. Kong, de Adam Wingard, e suas respectivas ausências de um bom roteiro e o excesso de efeitos especiais e cenas de ação que beiram às vezes o nonsense!
Entretanto, o ano - que ainda está longe de acabar - e hollywood aprontaram mais uma e entregaram de lambuja para o público fanático por super-heróis e filmes da DC o alucinado O Esquadrão Suicida. Resultado: agora você poderá dizer para as próximas gerações que 2021, no que se refere à sétima arte, foi um ano realmente louco.
Amanda Waller (Viola Davis, ainda uma das melhores coisas do filme) novamente recruta o grupo de bandidos e desajustados mais perigoso do planeta para mais uma daquelas missões que você sabe de antemão que serão quase impossíveis. E eles, os bandidões, que almejam uma redução significativa em suas penas, lógico que aceitarão.
Desta vez o destino é o Corto Maltês que vive uma espécie de golpe de estado e possui as instalações de um certo projeto estrela do mar (é insano, eu sei...). São mandadas duas equipes, uma delas apenas para distrair a vigilância do país. Como já era de se esperar, muita morte, explosão, sangue jorrando e os poucos que sobrevivem verão suas vidas cruzarem com a outra turma, aquela que saltou em outro ponto do país. E a consequência disso é... Sim, isso mesmo que o seu cérebro está matutando.
Parece confuso e é. Na verdade, desde a versão original dirigida por David Ayer cinco anos antes, essa era uma das grandes "qualidades" do filme, que se prometia nonsense desde o trailer. O resultado não agradou aos mais fanáticos que viram na presença do diretor James Gunn, da franquia Guardiões da Galáxia, da Marvel, assumindo o projeto uma chance de verem seus sonhos enfim realizados. Mas cá entre nós... Não mudou tanto quanto eu estava esperando, não!
Arlequina (Margot Robbie) continua sendo a coisa mais engraçada do filme. No lugar do Pistoleiro, vivido por Will Smith na versão original, entra o Sanguinário (Idris Elba) e eu até confesso que achei um avanço. Rick Flagg (Joel Kinnaman) desta vez não lidera o grupo como antes, mas exibe sua macheza quando pode. Entre as novidades do elenco a que mais se destaca é o Pacificador (John Cena) com direito à zoação para o capacete dele. E olha que ainda tem uma doninha - não, é isso mesmo que você leu! -, uma jovem que controla ratos, um louco que atira bolinhas e uma tubarão meio lesado com a voz do Sylvester Stallone.
E o principal: todos eles kamikazes, dispostos a ir até às últimas consequências para realizar a missão combinada enquanto tiram sarro um da cara do outro. Como eu disse antes, o filme mais surreal do ano.
Para os que ficam procurando correlações entre o projeto e outros filmes, há um clima (eu disse um clima) meio tarantinesco na maneira como os mortos vão se acumulando a cada rajada de balas proferida e uma leve homenagem - e eu disse leve - à Os doze condenados, de Robert Aldrich. Ah! E a trilha sonora, que é ótima, ajuda a compor o clima de exótico que o filme entrega sem medo de ser feliz. Afinal de contas, minha gente, é tudo baseado em histórias em quadrinhos.
Vi algumas pessoas reclamando na internet sobre a ausência de nudez e cenas de sexo (e olha que o filme tem classificação indicativa 18 anos). Mas é a velha hipocrisia norte-americana falando: matar, estraçalhar, estrangular pode. Peitos e bundas, nada feito! Ainda mais em tempos de MeToo. Faltou falar alguma coisa? Ah! Tem a brasileira Alice Braga também no elenco fazendo uma ponta como uma guerrilheira. Pois é...
Se eu contar mais vai ter spoiler e gente me jurando de morte. Logo, melhor parar por aqui. E apreciar essa paranoia toda enquanto a DC decide o que fará a seguir com o diretor.
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O stalker (Encurralado, de Steven Spielberg, completa cinco décadas de existência provando a hollywood que é possível fazer boa sétima arte acreditando apenas numa ideia simples e bem realizada.)
É preciso confessar algo aos meus leitores de longa data: ando meio assustado com essa geração de cinéfilos atuais que vão ao cinema apenas para conferir franquias e blockbusters vazios e que exigem cenas de ação rebuscadas, por vezes nonsense, beirando até mesmo o surreal. Hollywood definitivamente virou uma grande megalomania e isso não é necessariamente um elogio. Pelo contrário... Em muitos casos a falta de uma ideia ou premissa simples faz toda a diferença para que nós, espectadores, possamos seguir com gosto a narrativa proposta pelo diretor.
E não é que o ano de 2021 quase acaba e eu me esqueço de falar de um clássico que mudou completamente a minha concepção sobre cinema americano e está comemorando 50 anos de carreira trazendo como sua principal virtude exatamente isso: uma ideia simples e bem realizada? Estou falando logicamente de Encurralado, filme de estreia do diretor Steven Spielberg, que já mostrava muito do que iria se tornar o blockbuster moderno nos anos seguintes.
E para que vocês, leitores, tenham noção clara do quanto a premissa da história é simples, ei-la: David Mann (Dennis Weaver) é um homem de negócios que viaja pelas estradas empoeiradas dos EUA quando percebe que está sendo perseguindo por um caminhoneiro completamente enfurecido, sem nenhuma razão aparente para tal. E... Pois é: esse é o longa. Pouco mais de uma hora e 20 minutos da mais pura perseguição alucinada por uma América anos-luz daquela que conhecemos por suas vitórias, paisagens exuberantes e a eterna Las Vegas.
David se esconde onde pode, procura refúgio num restaurante, tenta ajudar crianças na estrada, que porventura possam vir a ser atropeladas pelo maníaco, corre, corre muito, foge (e como foge!). A única coisa que ele não consegue é ver o rosto de seu algoz. Na verdade, nem ele nem nós, espectadores aflitos, doidos para ver o semblante aterrorizante do antagonista.
E como pano de fundo para essa fuga desenfreada muitos closes e uma sensação recorrente de claustrofobia. Eu confesso: senti a todo momento a agonia de David, como se eu fosse o perseguido. E o caminhoneiro stalker não dá trégua um segundo sequer.
Apenas para aguçar a curiosidade dos mais nerds e fanáticos, encontrei no IMDb a identidade do ator por trás do motorista. O nome dele é Carey Loftin, é considerado uma lenda dentre os dublês pilotos, tem quase 400 créditos em longas os mais diversos e ano que vem completará duas décadas e meia de falecido. Uma pena! Realizou um grande trabalho e passamos anos sem saber de fato como ele era, quase como o(s) ator(es) que interpretaram Jason na franquia Sexta-feira 13.
Um outro detalhe que eu não posso deixar de mencionar acerca deste longa: antes de assistir Encurralado os filmes que eu conhecia de Steven Spielberg eram os mais famosos e celebrados pela mídia (E.T, Contatos imediatos do terceiro grau, Tubarão etc) e eu passei, então, a ter uma outra dimensão sobre o diretor. Comecei a entender que ele não era apenas o cineasta por trás de criaturas assassinas e alienígenas fofinhos. A partir daí encontrei longas como A cor púrpura, Além da eternidade e O Império do sol e minha admiração pelo seu trabalho só aumentou. Em outras palavras: Encurralado, para mim, é um grande divisor de águas na forma como me relaciono com a sua filmografia. Um "antes e depois" curiosíssimo, diga-se de passagem!
Se possível, após assistir ao filme, procurem também por produções como Corrida contra o destino, de Richard Serafian e Corrida sem fim, de Monte Hellman (com o cantor James Taylor protagonizando). Todos os três têm muitos pontos em comunhão entre si, falam de uma América que se perdeu com o tempo por culpa do próprio Tio Sam. São praticamente complementares em muitos sentidos e, por isso mesmo, marcaram época nos anos 1970.
De triste mesmo somente saber que a indústria cinematográfica norte-americana preferiu deixar de lado o simples para explorar o universo espetacular em excesso (e pior: chamar toda essa neurastenia tecnológica de sofisticação. Pelo amor de Deus!).
P.S (há tempos eu não sentia vontade de escrever um): será que ainda dá para sonhar, a esta altura da carreira, que a lenda Spielberg volte a esse universo modesto, porém bem feito e cheio de ironias bem calculadas? Eu, como cinéfilo raiz que sou, prefiro continuar acreditando que sim. Sonhar ainda é de graça, não é mesmo?
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A outra Maria (Rogai por nós, primeiro longa de Evan Spiliotopoulos, será visto por muitos "devotos" como um elo perdido do cinema e, no entanto, trata não somente da fé como também dos exageros em torno dela)
Nunca se falou tanto de religião ao redor do mundo como do final do século XX para cá. Na verdade, corrijo-me: nunca fanatizamos tanto a expressão religião como na sociedade contemporânea. E dessa hiperpopularização dos dogmas e da necessidade deles funcionarem como botes salva-vidas para seres humanos desesperados nasceu também uma urgência na procura por profetas, salvadores da pátria e "homens e mulheres de Deus" em todos os lugares, esperando na esquina mais próxima. E quando o assunto é milagre, então... Já viu o caos!
Com o passar dos anos fui aumentando meu descrédito por esse tipo de gente que simplesmente não consegue enxergar a realidade com os próprios olhos e precisa doentiamente de uma muleta (pode ser um padre, um pastor, um Dalai lama, um jesuíta, enfim...). Contudo, o tema desespero religioso no cinema continua chamando a minha atenção e vejo o gênero quase como uma denúncia a certas práticas do setor.
Esta semana eu enfim consegui assistir o interessante Rogai por nós, longa-metragem de estreia da diretora Evan Spiliotopoulos (responsável pelo roteiro do live action de A bela e a fera para a Disney), do qual eu vinha ouvindo comentários instigantes na internet. E ela fala, à sua maneira, exatamente dessa mentalidade torpe dos chamados religiosos de carteirinha.
No longa, a jovem muda Alice (Cricket Brown) começa a ouvir a voz de uma mulher que ela considera ser a da Virgem Maria e reúne um número gigantesco de fiéis ao redor da pequena cidade onde vive. Alguns moradores preferem sair do povoado o quanto antes - por acreditar que o ocorrido possa estar relacionado à algo maligno num futuro próximo -, enquanto outros almejam permanecer ali por tempo indeterminado, pois acham que ela trouxe a esperança vindoura tão aguardada. O Vaticano manda um especialista para investigar a jovem e comprovar o milagre por trás dela, mas a moça exige nos encontros a presença de Gerry Fenn (Jeffrey Dean Morgan), um jornalista expert em matérias sensacionalistas.
O resultado não poderia ser outro, é claro: embates entre o funcionário do Vaticano e o padre da paróquia, tio de Alice, com Gerry. Mas à medida que o jornalista vai investigando o caso e descobre a existência de uma outra Maria, esta uma força bem mais diabólica do que a mãe de Cristo, ele percebe que na verdade a população que rodeia a jovem Alice está se tornando refém de uma trama maligna com possíveis consequências catastróficas. E decide denunciar suas suspeitas, para repulsa dos interessados em perpetuar o milagre.
Rogai por nós é aquele tipo de produção no limiar entre o terror e o gospel que me faz pensar no quanto estamos equivocados como sociedade. E o pior: todo esse equívoco é tratado com grande deboche por parte daqueles que preferem ser cegos a questionar certas profecias ou desígnios supostamente sacros.
Vivemos tempos sombrios e a sociedade atual - como já disse antes, desesperada -, espera sofregamente por falsos ídolos que lhes devolvam a esperança de épocas passadas, hoje rotuladas de "tempos melhores" por uma gigantesca fração do mundo que nunca enxergou a realidade como ela realmente era. Perdemos, em nosso íntimo, a capacidade de sermos lúcidos e quando o assunto é fé tudo parece um grande jogo ou disputa de poder. Capitalizamos nossas crenças e afetos a tal ponto que até mesmo falar em nome de Deus virou um assunto monetário dos mais lucrativos.
Deem uma boa olhada nos fieis das igrejas e templos que vocês, leitores, frequentam e vejam quantos estão ali somente pensando em mudar de vida (leia-se: status social). Trata-se do traço mais mesquinho da chamada teologia da prosperidade. Nunca associamos tanto o criador à bens materiais e, ao mesmo tempo, nos fingimos de santos ou humildes. Todos se dizem cristãos, mas quase ninguém pensa de fato no restante da humanidade.
Se Alice, protagonista desta história nefanda (e quem ouviu de fato o suposto milagre) foi objeto de um embuste em forma de possessão, imaginem então os devotos de parca instrução que abundam as instituições religiosas atuais. E olha que eu nem cheguei a mencionar o número de igrejas que vêm sendo incendiadas ao redor mundo nos últimos anos por desafetos religiosos interessados em projetos de poder inescrupulosos. Como eu disse dois parágrafos atrás: tempos sombrios.
O Padre Hagan (William Sadler), tio de Alice, em determinado momento do longa diz ao jornalista em busca de prestígio que teme as consequências por trás do milagre envolvendo a sobrinha. "Pois quando Deus constrói uma igreja, o diabo costuma construir uma capela logo ao lado", ele diz. E eu complemento com o seguinte raciocínio: normalmente quando a escuridão e a sombra dão as caras em algum lugar a cegueira está sempre presente em larga escala, aplaudindo-as. Assim na arte como na vida. E de certeza apenas uma: não será a última vez que a sociedade será enganada, seja na ficção ou na vida real. E por culpa dela mesma e de seus exageros morais.
P.S: enquanto os créditos iam descendo a tela eu me peguei pensando: os fãs do recente longa Deus não está morto vão gostar disso aqui! Tirem a prova dos nove, quem quiser.
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As outsiders (Os 30 anos de Thelma & Louise, de Ridley Scott, um precursor do empoderamento feminino dos dias de hoje)
Por ter nascido do sexo masculino nunca entenderei de fato o que significa ser mulher num mundo tão machista como o nosso. E não adianta eu defender aqui a ideia de que fui criado por mulheres extremamente bem resolvidas, que me ensinaram que lugar de mulher não é só na cozinha e que elas não são uma categoria ou uma caixa a qual você mantém guardada 24 horas por dia e só abre quando lhe interessa. Não, não é a mesma coisa. Ter nascido mulher - acreditem! - é outro departamento. E por demais complexo para conseguir explicá-lo em poucas palavras.
Dito isto, é engrandecedor ver todo esse movimento do empoderamento feminino e as mulheres dessa nova geração brigando por seus direitos e espaços. Se minha mãe e minha avó ainda estivessem vivas certamente estariam orgulhosas de ver toda essa revolução, essa luta diária. Mesmo que o machismo articulado e o feminicídio em massa dos últimos anos faça parecer a priori que a luta esteja um tanto quanto perdida. Não está.
Leio na internet a notícia de que Thelma & Louise, longa hoje cult do diretor Ridley Scott, está completando três décadas de existência e no momento em que leio a matéria o meu cérebro relembra de todo o filme, de toda a experiência e do dia exato em que fui ao cinema para vê-lo. E ele continua mais atual do que nunca!
Thelma (Geena Davis) e Louise (Susan Sarandon) chegaram naquele ponto da vida em que você se pega dizendo para si mesmo "já deu!" e precisam urgentemente de um novo caminho. Principalmente Thelma, que não bastasse a rotina insuportável e as agruras da vida familiar, ainda tem de aturar um marido autoritário que acredita piamente que ela deve seguir as diretrizes do que ele acredita ser o mais correto ou sensato. Incentivada pela amiga transgressora elas saem juntas numa aventura e tudo parece seguir o plano que elas imaginaram. Entretanto, numa parada num bar de beira de estrada uma fatalidade acontece e elas se tornam, do dia para a noite, fugitivas da justiça.
É nesse momento que entra em cena o agente Hal (Harvey Keitel), responsável por caçá-las e prendê-las. Mais do que isso, ele representa o eterno senso de moralidade que a sociedade vive imputando em nós dia a dia. Não há de fato um interesse legítimo dele em averiguar a história real por trás da tragédia que as acometeu. Ele precisa, isso sim, prender as duas assassinas. É assim que a a sociedade, a mídia, o sistema em geral as enxerga agora. Qualquer outra informação ou versão dos fatos é meramente coadjuvante.
Apenas dois homens são capazes realmente de entender Thelma e Louise. J.D. (Brad Pitt, em início de carreira), o perfeito amante que Thelma precisa para encarar aquela "nova realidade" e o exato oposto do seu marido mandão, e por isso mesmo descartável e Jimmy (Michael Madsen), um homem do passado de Louise que nunca entendeu totalmente as escolhas dela nem porque ambos não ficaram juntos lá atrás, mas a respeita bem como suas decisões. No mais, todos veem a dupla como o problema e não a solução. Logo, elas fogem.
Contudo, mais importante do que a fuga em si e as desventuras pelas quais elas passam, é o fato de que precisamos entender que ambas são, no fundo, outsiders. Não pertencem a nenhum grupo pré-determinado desta sociedade que só sabe rotular as pessoas e ainda por cima cansaram de jogar segundo as regras incômodas da boa conduta. Para elas, todo esse discurso moral e castrador, a cabeça baixa, o "sim, senhor e não, senhor" diários não atendem em nenhum nível a necessidade de serem livres, donas de seus próprios narizes. E por conta desse choque de valores elas são transformadas em exemplo, para que futuras mulheres não tenham a mesma ideia que elas e se rebelem.
Você pode até me dizer ao final da película que Ridley Scott não teve de fato esse pensamento, que ele não criou a dupla visando essa postura, mas quando acompanhamos o jeito com que ele narra a história, como esmiuça o texto de Callie Khouri (vencedora do Oscar de melhor roteiro original pelo longa) e permite a Geena e Susan que falem abertamente, sem rodeios, cansadas de serem apenas a esposa, a companheira, a amante, putz!, é inegável que havia ali toda uma abordagem feminista e, não somente isso, precursora de uma era. Que me critiquem os moralistas, se quiserem, mas vejo Thelma & Louise, sim, como um grande libelo pela emancipação feminina. E realizado de forma elegante, sem caricaturas ou clichês óbvios.
Impossível não se deparar com filmes recentes como Bela Vingança, Adoráveis mulheres e As sufragistas e não levar em consideração a importância do discurso dessas duas mulheres perseguidas, que não tiveram o menor direito de se defender ou mesmo explicar suas razões. E tudo isso por simplesmente pertencerem ao tal "sexo frágil", expressão execrável criada com o único intuito de determinar quem pode o que, quando, onde e como na atual sociedade.
No final das contas o filme de Ridley Scott é mais um a entrar para uma lista de obras cinematográficas indispensáveis, que não envelheceram com o tempo e precisam ser vistas (pelas novas gerações) e revistas (pelas que já a assistiram pelo menos uma vez) sempre que possível. Pois como todos sabemos, ou deveríamos saber, o preconceito ao tema mulher continua por aí. E pior: lutando contra de maneira cada vez mais brutal e covarde. Logo, desistir nunca foi uma opção para elas.
E diferentemente dos outros homens, eu acredito que essa covardia também deveria ser um assunto nosso... Do contrário, nada muda. Nunca.
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Blonde
2.6 443 Assista AgoraNem toda dor do mundo destrói uma lenda
(Blonde, polêmico filme de Andrew Dominik, é não somente um gigantesco desserviço à memória de Marilyn Monroe, como também a prova viva de que a crueldade não tem limites no mundo do cinema)
Marilyn Monroe foi (e ainda é, não importa quanto tempo tenha passado da sua morte) a maior sex symbol da história do audiovisual norte-americano. E isso mesmo depois de tantas gerações posteriores a ela encantando a sétima arte mundial lutando bravamente para difamá-la dia após dia. E tudo por quê? Porque a inveja é definitivamente o que move a humanidade desde priscas eras. E porque, lógico, ela não está mais entre nós para se defender de tantas acusações. Nem mesmo seu nome de batismo, Norma Jean, escapou de ser espezinhado pelos haters.
Contudo, sua beleza e glamour ressoam até hoje na mente de homens alucinados pelo seu brilho bem como mulheres rancorosas por não possuírem o mesmo sex appeal que ela. Dito isto, é preciso avisar aos marinheiros de primeira viagem logo de cara: se vocês procuram um filme exaltação sobre Marilyn, esse aqui realmente não é para você. Blonde, filme de Andrew Dominik produzido pela Netflix, é não somente um desserviço à imagem da diva pop, como também um grande ensaio estúpido e elogioso à misoginia.
Sempre reclamei da maneira como hollywood retrata Marilyn em cinebiografias, narrando-a na maioria das vezes em tom pejorativo e maniqueísta. No final das contas, o que sobrava de válido eram as atrizes bonitas que a encarnavam (Michelle Williams, Ashley Judd, etc). E no caso de Blonde esse meu desaprovamento ainda piora por não se tratar de uma biografia clássica e sim da adaptação do romance homônimo da escritora Joyce Carol Oates, que já é polêmico por si só.
Acompanhamos a jornada dolorosa de Marilyn - pois é disso que se trata esse longa: uma fonte inesgotável de dor e sofrimento - desde criança, com a doença da mãe e o abandono num orfanato. E uma informação importantíssima não pode passar desapercebida aqui: ela aguardou por toda a vida o momento de conhecer o seu pai - em vão.
A menina cresce, se interessa pelo mundo artístico, estuda, mas seu primeiro acesso à indústria cinematográfica é descrito por um estupro, perpetrado por um tubarão dos estúdios da época (e não podemos passar a mão na cabeça dos covardes nesse sentido: aquela foi uma época repleta de ídolos, mas também de cafajestes e predadores sexuais de todo tipo).
Já no quesito relacionamentos amorosos o dilacerar é ainda pior. Tirando o dramaturgo Arthur Miller (Adrien Brody), Marilyn vê sua trajetória ser corrompida por homens que só fizeram lhe explorar, usar sexualmente ou agredir, como o jogador de beisebol Joe Dimaggio (Bobby Canavale). Isso sem contar, é claro, a maneira como o filme aborda o relacionamento que ela teve com o então Presidente da República, John Kennedy. Nojento, meus caros leitores, é uma palavra que nem de longe descreve o que eu vi.
Só resta então aos fãs mais ardorosos e apaixonados da atriz aguardar os raríssimos momentos de luz em que ela é mostrada trabalhando em seus longas de maior sucesso: Os homens preferem as loiras, O pecado mora ao lado e Quanto mais quente, melhor. Mas mesmo esses também estão impregnados de fúria, sexismo e abusos os mais diversos.
Ao fim da amarga "experiência" (embora Ana de Armas, que dá vida à Marilyn, seja um show à parte, digno de uma indicação ao Oscar) me peguei relembrando de um livro barra-pesada, Marilyn e JFK, escrito pelo autor François Forrestier, que li há coisa de uns cinco anos. E ele, o livro, comete o mesmo nível de desrespeito sem fim com a atriz e musa.
Mais: fiquei perplexo ao ver nos créditos o nome do ator Brad Pitt entre os produtores desse descaso. Eu sei que ele e Dominik trabalharam no longa anterior do diretor, O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford, mas... Onde esse rapaz, que vem produzindo tantos projetos interessantes nos últimos anos, estava com a cabeça quando decidiu se envolver nisso aqui? Certamente entrará para a história como uma bola fora em sua carreira.
Única certeza: a de que o diretor, que foi extremamente grosso na coletiva de imprensa do filme no Festival de Veneza, não é nem nunca foi fã de Marilyn e certamente a despreza como atriz, quiçá como mulher. Não consigo encontrar outra explicação para tamanha leviandade.
Entretanto, fiquem sabendo tanto ele quantos os próximos a decidirem, no futuro, contar a história da loira fatal que deslumbrou hollywood, que nem toda dor do mundo é capaz de destruir o legado dessa lenda. Tanto que até hoje o sonho de grande parte das atrizes é conseguir chegar até onde ela chegou. Já a maldade e a insensatez de vocês...
Crimes do Futuro
3.2 263 Assista AgoraA cirurgia é a nova forma de arte
(Crimes do futuro, de David Cronenberg, é direto em suas intenções: não faz média com posers e destruidores da própria beleza que se acham o futuro do mundo e da própria civilização. E ainda tem gente que vai dizer que ele exagerou).
"Estica aqui, aumenta ali, corrige acolá, diminui um pouquinho aquela curva do...". Sim, passamos de seres humanos à objetos que precisam ser anatomicamente consertados ou remendados o tempo todo. Em outras palavras: nos tornamos reféns do bisturí, artefato cada dia mais relevante e imprescindível nesse século XXI baseado em corpos, poses e opiniões contraditórias.
E a pergunta que não me sai da mente é: o que sobra depois disso? Resposta sincera: praticamente nada. Resposta oficial: um mundo de possibilidades (quais, exatamente, já é assunto para outro texto, pois eu preciso pensar mais a respeito). Contudo, a tecnologia não para, avança a galope e promete um mundo no futuro ainda mais tenebroso.
E é exatamente desse mundo tenebroso que o diretor David Cronenberg fala no mórbido, porém necessário, Crimes do futuro.
Cronenberg é um cineasta ligado, em sua origem, ao universo da maquiagem e do body horror. E fez disso um talento raro, para pouquíssimos na sétima arte (que o digam seus clássicos A mosca, Videodrome e Gêmeos - mórbida semelhança). Porém, nos últimos anos atrás das câmeras, vinha se dedicando a outros territórios, chegando a adaptar uma HQ - Marcas da Violência - e se propondo a falar de Freud, Jung, máfia russa e até mesmo as consequências do Occupy Wall Street no mundo.
Mas, saudoso de seus primeiros anos na direção, se reinventa e nos apresenta um retrato sórdido (digo mais: sarcástico) e por vezes doentio do mundo contemporâneo e dos exageros à vaidade.
Seu protagonista, Saul Tenser (Viggo Mortensen, parceiro recorrente nos últimos projetos) é aquilo que podemos chamar de "um artista do horror pós-moderno". Realiza cirurgias complicadas e as transforma num show business macabro que enche os olhos dos admiradores que assistem suas performances. Sua alma gêmea, Caprice (Léa Seydoux) é, em tese, a única capaz de seguí-lo até o inferno, se preciso. E eu digo em tese, pois há mais gente querendo esse lugar.
Lang Dotrice (Scott Speedman) e Timlin (Kristen Stewart) também veneram o talento deste showman insano a ponto de lhe propor as mais nefandas ousadias. A questão mesmo é: será que ele topará? Saul parece tão devotado à sua própria vaidade e talento que todo o resto parece banal diante de seus olhos. Nem mesmo o elogio ("a cirurgia é o novo sexo") proferido por Timlin é capaz de quebrar sua armadura de empoderado. E aqui começa justamente o legado do longa.
Cronenberg desenha bem uma sociedade afeita ao efêmero e à estrelismos os mais diversos, na qual o mais importante é ser venerado pelos demais e comer plástico é sinônimo de avanço social. Muitos espectadores chatos talvez digam de forma leviana: "isso é papo de filme; na realidade não é bem assim, não!". Entretanto, quando me dou conta do que andam chamando de artista, gastronomia e show business hoje em dia, eu chego à conclusão de que, na verdade, não tem nada de ficção aqui. Não mesmo.
Se preparem, adeptos e fãs de longa data do diretor, para as deformações e máquinas exóticas costumeiras do seu cinema presentes aqui (e nesse sentido, o filme me lembrou muito de Existenz, outra bola fora da curva dentro da sua carreira).
Ao fim, enquanto os créditos correm após a satisfação estampada no rosto do protagonista ao provar plastic food pela primeira vez, me pego num sentimento dúbio entre o niilismo e o apavoramento com os dias que ainda virão. Não é de hoje que a sociedade mundial vem me assombrando com suas escolhas equivocadas e, porque não dizer também, monstruosas. Da destruição da arte para favorecer as NFTs à crise dos refugiados, passando pela proposta de controle populacional ao preço que for, caminhamos para um abismo às gargalhadas, achando tudo de mais terrível extremamente natural.
E acreditem: isso é tudo o que o mundo não está sendo nas últimas décadas, pelo menos. E em meio a tanta negatividade travestida de exibicionismo, só me resta agradecer ao diretor - mestre em descortinar ao longo da carreira o amargor do que chamamos de natural impunemente - por mais essa peça rara dentro do seu currículo cinematográfico. Que venha o próximo!
Jeanne Dielman
4.1 109 Assista AgoraO melhor filme da história?
(Jeanne Dielman, de Chantal Akerman, é novo número 1 da lista da revista Sight and Sound e irrita os moderninhos babacas e aqueles que nada entendem de cinema. E isso é justamente o que a escolha tem de melhor!)
Listas são problemáticas. Digo mais: elas são a ruína quando o assunto é o debate sobre a sétima arte. Por quê? Porque elas não definem - nem de longe! - o que é o fazer cinematográfico. No máximo explicam o gosto particular de um indivíduo, o que ele considera como cinema. E como todo espectador que se preze é fruto de uma época, acho extremamente natural que ele não considere certos clássicos do cinema como os "seus clássicos".
E é preciso salientar aqui: acho muito difícil que a atual geração que frequenta os cinemas hoje em dia - uma geração baseada no que produtoras como a Disney e Netflix, só para ficar em duas das maiores (ou mais visíveis) - venha a considerar gigantes da sétima arte como Federico Fellini, Ingmar Bergman, John Ford, Akira Kurosawa, Roberto Rossellini e tantas outras feras em suas listas pessoais. Eles, a tal nova geração, buscam uma outra relação com o cinema, mais voltada para a bilheteria, a perpetuação das mesmas ideias (na forma de remakes, spin-offs, sequels, etc), a grandiosidade dos efeitos especiais, os orçamentos milionários...
E qualquer outro debate, em tempos de Rotten Tomates e Metacritic influenciando quem vive à sombra dos mesmos temas, torna-se menor ou desnecessário.
Dito isto, a nova lista dos melhores filmes da história do cinema produzida pela revista Sight and Sound - publicação que sempre polemiza e incomoda com suas escolhas a cada nova década - ganha um novo contorno de discórdia. Mas cabe aqui um aparte importante: fosse quem fosse o número 1 da referida lista o debate seria o mesmo (e preconceituoso), que dirá a insatisfação de determinados grupos cinéfilos que vivem de resmungar e falar mal de tudo.
O número 1 do famoso top 100 da revista nesse ano de 2022 - após, nos últimos anos, testemunharmos o legado de Cidadão Kane, de Orson Welles e a liderança na última edição de Um corpo que cai, de Alfred Hitchcock - é Jeanne Dielman, de Chantal Akerman (1975). E bastou que um filme dirigido por uma mulher encabeçasse a lista para que os revoltados de plantão rugissem, com as mesmas diversas - e despudoradas - reações.
"É a mania de enaltecer esse feminismo de butique vigente hoje em dia";
"Maldito cinema experimental! Está acabando com a sétima arte";
"Essa gente maluca de revista só quer mesmo é aparecer, não entende nada de cinema";
"O cinema morreu de uma vez por todas!"
e etc etc etc... e outros milhões de desnecessários etcs.
Na prática, entretanto, o que temos é - pelo menos, para mim - uma grande provocação por trás dessa escolha.
Jeanne Dielman é um longa-metragem de 3 horas e 20 minutos (tudo que os imediatistas mais detestam!) que se debruça sobre a história de um dona de casa, viúva, que vive com o filho adolescente, e paga suas contas mensais levando homens para o seu apartamento, onde exerce a profissão de garota de programa. É... Já vejo os conservadores babacas de sempre gritando: "enalteceram uma puta! era só o que faltava!".
Mais do que isso, o filme de Chantal Akerman - que é uma sublime artista e eu recomendo aos leitores deste texto que procurem por sua filmografia - é um consistente ensaio sobre a rotina sufocante do dia-a-dia. E é nesse exato momento que reside a grande bronca dos detratores da lista.
Como fazer com que um grupo gigantesco de alienados cinéfilos, que resumem o cinema à IMAX, CGI, 3D, cenas de ação intermináveis, o culto aos blockbusters que não passam de caça-níqueis, heróis musculosos e personagens canastrões que emulam um estilo de vida vazio, entendam que a sétima arte é mais do que isso? Não foi à toa que citei num parágrafo anterior a palavra provocação.
A decisão da Sight and Sound ao colocar Jeanne Dielman no topo da lista provoca os amantes do cinema - sejam lá quem eles forem - a sair da sua zona de conforto, da sua bolha existencial baseada em maniqueísmos fajutos e discursos vagos. E eu, claro, gosto muito dessa tentativa heróica por parte da publicação. Redescobrir-se como espectador é, para mim, uma grande missão. E assim deveria ser para os outros (embora muitos prefiram idolatrar o comodismo).
Ao fim dessa rápida explanação (que se promete também polêmica quando eu postá-la em minhas redes sociais, repletas de fãs enjoados que adoram uma reclamação e um mimimi), digo: continuo detestando a ideia de listas dos melhores do que quer que seja. Elas limitam o debate e isso é sempre muito ruim. Contudo, é preciso elogiar esse caso específico, pois os cinéfilos e adoradores da sétima arte precisam urgentemente sair de suas trincheiras culturais. Do contrário, o cinema não evoluirá nunca. Pior: morrerá no espaço-tempo.
E o que eu menos desejo quando penso em sétima arte é a permanência do banal, do óbvio, travestido de espetáculo barato. Tudo, menos isso!
RoboCop: O Policial do Futuro
3.6 681 Assista AgoraO plano definitivo para combater o crime
(35 anos de Robocop, de Paul Verhoeven)
2022 chegando ao fim e eu quase me esqueço de falar sobre Robocop - o policial do futuro, de Paul Verhoeven - que completa 35 anos de existência esse ano - e da grande revolução que ele provocou na minha vida.
É preciso, porém, dizer antes: na época em que as videolocadoras eram o suprassumo em termos de ficar antenado com o que acontecia na sétima arte, o meu gênero preferido nas prateleiras era o policial. Eu não podia ver dando sopa um exemplar de Dirty Harry ou Desejo de matar e corria imediatamente para casa para assistir. E se ainda por cima fosse um longa noir, como o antológico Relíquia macabra, de John Huston (inspirado no romance de Dashiell Hammett), aí é que eu enlouquecia de vez.
Imagina então se deparar, aos 11 anos, com um misto de narrativa policial com ficção científica e robótica? Lógico que eu nem li a sinopse. E os dizeres na capa do VHS eram bastante sugestivos: "parte homem, parte máquina, todo policial". Resultado: revi o filme, na época, umas três vezes, fora as inúmeras reexibições na famigerada Sessão da tarde da Rede Globo.
Na trama, acompanhamos o policial novato Alex Murphy (Peter Weller) acompanhado de sua parceira, Annie Lewis (Nancy Allen) em sua primeira missão investigativa, que acaba mal. Alex é estraçalhado pela gangue liderada por Clarence Boddicker (Kurtwood Smith) e vai à óbito. Entretanto, a OCP - empresa privada que controla a polícia numa Detroit governada pelo caos e pela violência - tem, na figura de um de seus executivos, Bob Morton (Miguel Ferrer), que almeja a direção do orgão, outros planos.
Cansado de colocar as vidas de milhares de policiais em risco todos os dias, ele decide criar um agente meio homem, meio máquina, que combata o crime. E para isso ele precisará do cérebro de um policial morto em combate (no caso, Alex). Embora seu projeto seja visto com ressalvas por muitos executivos da organização, ele mesmo assim consegue pô-lo em prática.
O problema: as memórias pessoais do agente Murphy, o passado, a família, começam a vir à tona e interferem em todo o processo. Mais do que isso: Murphy deseja se vingar daqueles que destruíram a sua vida, transformando-se numa espécie de vingador cibernético.
Cheio de sátiras ao mundo real, campanhas publicitárias criadas para explicitar o quanto é difícil viver naquela cidade e com um hype e um estilo que, sinceramente, não cabem nessa crítica de tão elevados que são, Robocop é desses fenômenos de audiência que hollywood, no passado, produzia com bem mais frequência (e talento) do que no cinema atual.
O "robô" que é vendido para a população de Detroit como a solução definitiva contra a violência urbana percebe que, além de ter uma vida toda controlada pelo sistema (entre outras deliberações impostas pela hierarquia de comando ele nunca deve se voltar contra um executivo da OCP, seja em que circunstância ele se encontre), há situações nas ruas - o verdadeiro campo de batalha - muito mais complexas do que apenas seguir o livro de regras imposto a ele.
E é nesse momento que ele precisará se livrar de todo esse aparato, que nada mais é do que um limitador de suas funções, para conseguir realmente realizar o seu trabalho - o clássico "proteger e servir".
Primeira produção hollywoodiana do diretor Paul Verhoeven, que já mostrara ser bom diretor com os longas Louca paixão e Conquista sangrenta (ambas parcerias com o ator Rutger Hauer), Robocop não só fez um retumbante sucesso nos cinemas como também gerou duas continuações (nenhuma delas, contudo, teve sua participação no projeto), uma série de tv de pouca repercussão e um remake desnecessário dirigido pelo cineasta brazuca José Padilha, o mesmo dos arrebatadores Tropa de Elite I e II.
Porém, seu maior legado foi certamente ter popularizado de vez a figura do andróide nos cinemas. Peter Weller e Nancy Allen podem até não ter dado uma interessante continuidade às suas carreiras (e olha que eles mereciam, hein!), mas ainda assim vejo o longa como um grande catalisador de um tipo de cinema que, até então, hollywood tinha medo de investir. Precisaram trazer um diretor da Holanda, então meio desconhecido, e arriscar.
E no caso dele, Verhoeven, deu mais certo do que a própria franquia que construíram. Procurem no IMDb a carreira do diretor e me corrijam se eu estiver enganado.
O que mais faltou dizer? Que se você ainda não assistiu esse clássico da ficção-científica oitentista, você sempre entenderá o pioneirismo de O exterminador do futuro, de James Cameron (1984) de forma isolada. E bons cinéfilos que se prezem não se bastam com isso. Não mesmo.
O Menu
3.6 1,0K Assista AgoraPoucos sobreviverão ao ódio
(O Menu, de Mark Mylod, é horror psicológico da melhor qualidade numa época em que o gênero terror vinha perdendo tempo com fórmulas gastas e repetitivas. E isso são poucos os artistas que conseguem atingir hoje em dia.)
Eu tenho um sentimento dúbio sobre a culinária e a alta gastronomia de uma forma geral: ao mesmo tempo que sou extremamente curioso sobre quem cozinha e como (vejo zilhões de programas e concursos sobre o tema, embora eu mesmo não cozinhe absolutamente nada), em alguns momentos acho este universo um tanto caótico e divisivo.
Explico-me: vejo esta realidade proposta pelos chefs de couisine mundo afora completamente fora do mundo real. Eles parecem ter criado um mundo paralelo onde somente os eleitos, a elite cruel e devastadora, pode (e deve) fazer parte. Resultado: uma nefanda alegoria sobre a burguesia atroz que nunca soube viver além do próprio umbigo e da própria pose.
Imagine, então, este cenário transformado num horror psicológico de primeira grandeza? Foi exatamente isso que o diretor Mark Mylod fez em O menu, das melhores coisas que a sétima arte produziu em 2022, mas que eu infelizmente só consegui assistir agora. Mas quer saber? Fico satisfeito de saber que comecei 2023 com o pé direito, pois o longa é um deleite.
Premissa simples na abertura da trama: grupo de privilegiados (no geral, eles não passam disso!) viajam para uma ilha isolada, onde aproveitarão uma experiência gastronômica que se promete única. Quando chegam ao local, que é cheio de regras e costumes próprios que não podem ser alterados sob nenhuma hipótese, se deparam com o excêntrico Chef Slowik (Ralph Fiennes, excepcional), que se considera um artífice, um gênio da comida.
Acompanhado de seus assistentes, apresenta a seus convidados um menu criado com rigor e apuro. E entre um prato e outro conta uma narrativa que tem o intuito de transformar a refeição numa experiência não somente gustativa, como também sensorial. Até que uma série de situações macabras ditam o tom do que será aquela noite inusitada.
Um informação importante: um dos convidados do jantar não comparece e no lugar dele, uma substituta, Margot (Anya Taylor-Joy), intriga o chefe. Mais do que isso: deixa-o desconcertado. É como se a presença dela tirasse o brilho ou a importância de tudo o que ele criou previamente para aquela noite em particular. E ambos, Slowik e Margot, travarão um duelo à parte durante todo o jantar.
Entre a insatisfação do chefe com certos convidados que, na visão dele, o traíram ou nunca reconheceram o seu talento e punições bem como tentativas de fuga por parte daqueles que não esperavam que a noite chegasse a tanto, o experimento chega ao seu ápice quando violência e paladar começam a assumir quase que formas análogas. Sim, eu sei... Parece louca a correlação, mas foi exatamente o que eu senti durante toda a projeção do filme.
Há uma clara distinção entre O menu e outras produções cinematográficas que trazem a culinária como o cerne ou parte da história (por exemplo, Chef; Pegando fogo; Sem reservas; Comer, rezar, amar, dentre outras): o de Mylod não esconde sua raiva através de ironias, discursos arrogantes e blasés, muito menos disputas entre chefes de cozinha e donos de restaurantes pelo protagonismo do espaço.
Aqui tudo é intenso, da reles interrupção para ir ao banheiro até a ostentação de quem acha que é mais do que os outros só porque é famoso. Tudo, absolutamente, tudo - mesmo um talher que caia ao chão - é motivo para que a raiva seja ativada e o dono da cozinha se transforme em Michael Douglas no filme Um dia de fúria. Não há razões para subterfúgios. Aquelas pessoas devem pagar com a vida, pois jamais seriam capazes de entender o talento do chefe e ele assim o decidiu.
O Menu poderia ser gore se o diretor quisesse, mas ele preferiu uma elegância assassina. Há método nos silêncios que antecedem toda a vilania em jogo. E a única que parece a priori entender esse jogo diabólico é Margot. Talvez porque tanto ela quanto o chefe não pertençam de fato àquele mundo, vieram de fora, não nasceram em berço de ouro. Logo, se reconhecem pelo olhar. E, mesmo assim, enfrentam-se como algozes de faro ímpar.
Ao fim o que sobra ao espectador é apenas uma certeza: por vivermos em castas e não numa sociedade coerente, ética ou lúcida, sobrevivemos ao ódio alheio com todas as nossas forças. Contudo, essa nunca será um batalha fácil ou mesmo ganha. E para chegar ao dia seguinte, a semana seguinte, ao mês seguinte e por aí em diante, é preciso fingir, dissimular, erguer os punhos e lutar com unhas e dentes. E principalmente: entender que nem todos conseguirão sobreviver. Apenas o que subverterem as regras ou trapacearem.
E aos demais, os que não conseguirem, tudo não passará de um "estar no lugar errado, na hora errada". Sinto muito.
Matrix Resurrections
2.8 1,3K Assista AgoraCertas histórias só se contam uma vez
(Matrix Ressurrections, de Lana Wachowski, é o regresso a um universo irretocável que não deveria mais ser mexido. E ainda assim quem criou esse universo não consegue muitas vezes entender o bê-a-bá disso!)
Eu tenho bronca de franquias e continuações no mundo do cinema por um motivo óbvio: porque de tempos em tempos elas arruínam ideias que pareciam melhores quando contadas de uma vez só. 11 homens e um segredo, de Steven Soderbergh, tem esse problema. Homens de preto, de Barry Sonenfeld, também. E dentro desse universo das ideias infelizes que precisam de continuações para melhorar aquilo que não precisa ser melhorado, encontra-se praticamente encabeçando a lista Matrix, dos (na época) irmãos Andy e Larry Wachowski.
O longa original de 1999 é dessas experiências que os verdadeiros cinéfilos de carteirinha nunca irão se esquecer. Seja pelas cenas de ação memoráveis, pelo uso frenético da tecnologia ou pela história aprisionante do homem comum aprisionado ao sistema que se torna o messias de um revolução. E ao descer dos créditos, você pensa: "é isso, não precisa de mais nada". Infelizmente a dupla de diretores não viu dessa forma e realizou os execráveis Matrix reloaded e revolutions, para tristeza dos fãs da boa sétima arte.
E eis que 18 anos depois, Lana (anteriormente Larry), sem a companhia do irmão (agora irmã também), decide retomar este universo como eu disse antes: irretocável. E de novo entra em choque com o que era, até então, perfeito.
Matrix Resurrections traz Neo (Keanu Reeves, em seu visual John Wick, que o consagrou nos últimos tempos) de volta à sua faceta Thomas Anderson. Ele de novo vive de forma melancólica, ciente de que algo está faltando em sua vida. E não se trata de sucesso: ele é um bem sucedido desenvolvedor de games - no caso, o The Matrix para a Warner Bros (sim, o filme tem esse quê de ironia nada fina) - que poderia estar curtindo a sua existência com todos os méritos a que tem direito. Mas, na prática, não é isso o que acontece.
A começar pelo que sente por Tiffany (Carrie-Annie Moss) que em seu jogo conhece como Trinity. Ele frequenta sessões de terapia com seu analista (vivido por Neil Patrick Harris) para tentar entender o que se passa em sua cabeça, mas será surpreendido por Morpheus (Yahya Abdul-Mateen II) e Bugs (Jessica Henwick) que o trazem de volta ao mundo real, um mundo que ele até então não sabia que conhecia tão bem e mais do que isso: era um líder.
Entre a saga para recuperar a memória de Neo e, por conseguinte, trazer de volta à tão amada Trinity e os novos desafios aos quais a resistência precisará enfrentar, o longa de Lana se perde justamente por não trazer aquilo que ele tinha de melhor em sua versão original. Esqueçam o agente Smith de Hugo Weaving e o Morpheus original de Laurence Fishburne. Eles não estão lá e, sim, você sentirá - e muito! - a falta de ambos. O oráculo que ajudou a definir o futuro da missão de Neo também não dá as caras e eu lamentei muito, porque gostava demais da atriz. E isso é apenas parte do problema.
As tão amadas cenas de ação sufocantes e em câmera lenta em alguns momentos estão lá e bem feitas, é bom que se diga!, mas parecem no todo genéricas, sem uma função específica. Que me perdoem os fanáticos da franquia, mas foi o que eu senti. O elenco de agentes que rodeiam Neo não é mal. Pelo contrário. Gosto da química entre eles, mas não têm a verve do elenco de 1999.
No final das contas, seja pelo ritmo arrastado em várias passagens, seja pela ausência de carisma (do filme, não dos atores), o que percebi como resultado foi estar diante de uma grande comédia dos erros. Os fãs de cinema de ação que não perdem a chance de testemunhar a grande paranoia por trás de franquias tresloucadas como Velozes e furiosos, Maze Runner e Resident Evil, certamente terão muito do que gostar aqui. Já os que esperavam novas ideias e teorias da conspiração... Sinto! Esse filme não será para você.
Matrix Resurrections é mais uma daquelas produções cinematográficas para você se perguntar ao fim porque hollywood continua insistindo nesse formato franchising que só serve para provar que a insistência numa trama já deu o que tinha que dar e o cinema americano precisa urgentemente de novos roteiristas, do contrário periga tornar-se refém de um loop temporal e a palavra originalidade perderá completamente o seu significado.
À parte este singelo desabafo, uma certeza será nítida ao fim da sessão: a franquia é um gosto adquirido e amar ou odiar só depende ainda dos espectadores. E eles estão cada vez mais fanáticos!
P.S ou apenas um raciocínio agregado: perguntam-me, volta e meia, porque sou contra o Quentin Tarantino realizar uma terceira parte de Kill Bill. Resposta: pelo mesmo motivo que me levou a escrever este texto. E quando a história encontra o seu desfecho, não há nada que você possa fazer para mudar isto.
Não Olhe para Cima
3.7 1,9K Assista AgoraA ignorância é um fenômeno global
(Não olhe para cima, de Adam McKay, fala desse hoje assustador, repleto de estúpidos e covardes que se acham donos do tempo e da verdade. E tudo isso travestido de filme-catástrofe.)
Dentre os gêneros cinematográficos mais comerciais o chamado filme-catástrofe, no meu entender, é aquele que as pessoas menos estão interessadas em perceber as entrelinhas. Elas ficam, em sua grande maioria, tão fascinadas com as cenas de destruição e morte, que esquecem de todo o resto. Toda a polêmica que também se encontra muitas vezes ali, diante de seus olhos, tão visível que chega a doer, não importa. Eles, os espectadores, preferem os efeitos especiais, o CGI, o exagero promovido pela adrenalina. E que se danem as denúncias sobre o mundo contemporâneo e a sociedade falha, torta, vil.
E quando vivemos numa era repleta de negacionismos e extremistas os mais diversos, essa interpretação fica ainda mais prejudicada, pois eles, os que negam, só olham para o seu próprio umbigo, desdenham de qualquer outra verdade que não seja a sua, complicam todo o processo. Só estão interessados na sua própria vaidade ou prepotência. Não olhe para cima, novo filme do diretor Adam McKay - de longas que misturam o humor ácido com a crise política como poucos, não necessariamente agradando a todos os públicos - sofre desse dilema. Digo mais: acredito que de todos os filmes dele é o que mais sofre desse dilema, ainda mais no mundo de hoje, apegado em demasia à idiotice. Mas caso você não pertença à essa classe, sugiro que dê pelo menos uma olhada.
A cientista e doutoranda Kate Dubiasky (Jennifer Lawrence) descobriu em uma de suas observações a trajetória de um cometa e passa suas informações para o seu professor, o Dr. Randall Mindy (Leonardo Dicaprio, naquele que eu considero o personagem mais surtado de toda a sua carreira). Ele analisa os dados e tem como resposta que ele, o cometa, está em rota de colisão com o planeta terra, e o atingirá num prazo um pouco maior do que seis meses. Perplexos com a notícia, decidem avisar a Casa Branca. E é justamente nesse momento que começa de fato o maior dos seus problemas.
Imaginem que o mundo fosse acabar daqui a metade de um ano e você descobrisse que as pessoas só estão de fato interessadas no quanto irão ganhar com essa notícia ou com o abafamento dessa notícia. Esse é o mote do nosso filme. Um adendo: não é de hoje que a própria humanidade transformou a discussão sobre o fim do mundo numa grande piada de humor negro. Vide aquela história da profecia maia de que o mundo acabaria em 21 de dezembro de 2012 (que virou até filme babaca do Roland Emmerich, de Independence Day). E qualquer debate depois disso perdeu completamente a relevância.
A Casa Branca debocha dos cientistas (chega, inclusive, a explorá-los). A imprensa debocha dos fatos descobertos pelos cientistas. A sociedade debocha dos cientistas. Pior: os transforma em memes, em loucos, em surtados. Até mesmo o namorado de Kate entra na onda e termina com ela via mensagem de texto. Sim, é louco, eu sei... Mas o problema é que o mundo como nós conhecemos também já enlouqueceu faz tempo. A gente é que simplesmente não percebeu e prefere a piada barata à certeza dos fatos. É mais fácil acreditar na zona de conforto produzida pela ignorância. Por sinal, cabe aqui um aparte: que me perdoe quem pensa o contrário atualmente, mas a ignorância virou um fenômeno global de alta rentabilidade.
Não olhe para cima está repleto de tipos sociais os mais macabros possível, e ainda assim os achamos divertidos, fofinhos, inofensivos: a presidente dos EUA - vivida de forma impecável por Meryl Streep - é o retrato da bestialidade em forma de gente. Não é à toa que na grande nação atualmente tem gente até invadindo o capitólio e exaltando Hitler! O filho da presidente e seu chefe de gabinete é o estereótipo da futilidade e da arrogância, aquele tipo de indivíduo que realmente acredita ser a pessoa mais indispensável do mundo. A âncora feminina do telejornal mais assistido pela América não passa de uma ninfomaníaca gostosona. O guru que alimenta o desejo de milhões com seus celulares de última geração enquanto acredita piamente que algoritmos decidirão o seu futuro e o da civilização como um todo tem interesse na não-destruição do cometa, pois ele possui componentes capazes de aumentar ainda mais o seu patrimônio. E a musa pop do país é uma figura tatibitate que está mais interessada no fim do seu relacionamento amoroso efêmero do que na extinção do planeta.
Acharam pouco? Isso é só a ponta do iceberg, já que o contexto geral piora - e muito!
Some a essa catarse humana de idiotas e irresponsáveis o mau uso da tecnologia, à serviço da mentira e da leviandade, a polarização que vai crescendo no país à medida que os dias passam e a chegada do cometa vai se tornando mais iminente e até mesmo a corrupção de um dos cientistas que descobriram o problema a esse sistema cruel e diabólico e pronto: estamos literalmente testemunhando o fim dos tempos. E olha que o mundo nem precisava ser de fato atingido por nada. Nós já tínhamos estragado tudo muito antes, com nossa falta de tato e caráter.
Coisa de uns 15 anos atrás assisti no cinema um longa chamado Idiocracia, de Mike Judge. Nele, me deparei com a história de Joe Bauers (Luke Wilson), escalado para um projeto ultrassecreto no Pentágono que envolvia sua hibernação. Ele acaba esquecido por cinco séculos e ao despertar da câmara, se depara com uma civilização completamente burra que decidia, até mesmo, seu modelo eleitoral da maneira mais estúpida e infantil. Acreditem: a sociedade era tão artificial e desnecessária, que se eu vivesse naquele lugar provavelmente teria tirado a minha própria vida, por acreditar que a morte nesse caso seria mais interessante e honesta.
Hoje, depois de assistir o longa de McKay, vejo que a sociedade - tanto a ficcional quanto a do mundo real - virou Idiocracia. E não só encaramos isso com a maior naturalidade, como nos orgulhamos disso. É só olhar os tabloides, as conversas de bar, ouvir as pessoas falando nas filas dos bancos, dos cinemas, dos supermercados. O mau gosto, o atroz, o fútil, virou o tema do momento. E ele viraliza e ganha fama com uma facilidade assustadora.
Ao fim, o legado que me fica dessa experiência audiovisual é: ufa! como é bom não fazer parte dessa geração alienada e que se pavoneia de si o tempo todo. Ah! Vi muita gente na internet detonando o longa, usando como desculpa a seguinte afirmação: se esse filme estivesse afim mesmo de denunciar alguma coisa o diretor não teria escolhido a comédia como o gênero dele. Não, meus amigos! Se teve um ponto no qual o McKay acertou de fato, foi esse.
O mundo já não é mais um lugar sério há muito tempo. Mas muito, muito tempo!
Amarelo Manga
3.8 542 Assista AgoraA miséria humana
(Amarelo Manga, de Cláudio Assis, é uma notável alegoria sobre a sociedade, essa engrenagem solta do mundo, que vive se acreditando indispensável mas não passa de um conceito frágil e autodestrutivo - mesmo que não se dê conta disso um segundo sequer)
"É mais fácil o mundo como o conhecemos chegar à sua extinção do que conseguirmos realmente entender o que é a sociedade contemporânea". A frase é de um sociólogo que palestrou no Congresso Internacional do Medo, que eu fui assistir no Teatro Maison de France, no centro do RJ, anos atrás. E quando ele proferiu essas exatas palavras foi extremamente aplaudido pela plateia. De fato, a humanidade como a conhecemos é a grande incógnita do mundo.
Levando-se em consideração o triste fato de que somos criados, desde pequenos, a viver imersos em mentiras ideologicamente fabricadas, o que sobra de valor na construção disso que chamamos de ser humano? Honestamente... Muito pouco ou quase nada, como bem diria meu pai, um dos homens mais críticos que eu conheci em toda a minha vida. Contudo, é preciso seguir em frente. É isso que diz o senso comum que move o mundo e suas controvérsias. E, de vez em quando, aguardar um grande desabafo de alguém lúcido (e corajoso) o suficiente para comprar essa briga.
Um desses é certamente o cineasta pernambucano Cláudio Assis, um típico exemplar do homem arretado, como costumam se referir aos corajosos o povo nordestino. Vide o que ele fez em seu longa de estreia Amarelo Manga, que chega aos 20 anos de existência neste 2022 confuso, perdido e devastador sem perder um segundo sequer de sua lucidez e, principalmente, sua força narrativa.
Cláudio construiu - ao lado do seu magnífico roteirista, Hilton Lacerda - um magistral caleidoscópio da sociedade frágil, infame e vil na qual sobrevivemos todo santo dia. E é dos encontros e duelos entre esses personagens que nos daremos conta do quanto a civilização procura diariamente a sua própria exclusão, mentira, autodestruição, hipocrisia, entre outros substantivos ainda mais torpes.
Entre o decadente Texas Hotel, praticamente caindo aos pedaços de tão velho - e eu falei velho mesmo, não vintage -, o Bar Avenida, administrado pela sensual e poderosa Lígia (Leona Cavalli), repleto de bebuns, boêmios e misóginos de carteirinha e o matadouro onde cabeças de gado são sacrificadas para alimentar o apetite voraz de uma sociedade cada dia mais faminta, vamos nos deparando a conta gotas com a verdadeira silhueta da humanidade, que teima em rotular suas catástrofes e cafajestisces de "o lado B da vida". Tudo para que não enxerguemos a realidade como ela realmente é.
A dona de bar que não aguenta mais a sua vidinha mais ou menos e não consegue vislumbrar uma mudança na sua rotina desgastante; O homossexual faz-tudo do hotel, cujo único objetivo na vida é ter para si o amado, o açougueiro grosseirão (Chico Diaz), casado com uma evangélica raiz e com uma amante a tiracolo; O estereótipo máximo do trambiqueiro, canalha, machista (interpretação magistral de Jonas Bloch), um homem fascinado pelo seu próprio desprezo pela morte; O padre católico falido cujo únicos fiéis que ainda frequentam sua paróquia são os cães de rua, vadios, que passeiam pelas ruas do Recife à procura de comida. São apenas algumas amostras dessa grande alcatéia amoral que virou o Brasil desde aquela época (e que duas décadas depois só fez piorar).
Como pano de fundo - mas na verdade, um importante personagem para a trama - a própria Recife, com seus trabalhadores sofridos, seus sobreviventes, suas ruas destruídas, rachadas, arrebentadas, seja pela mão do tempo ou do próprio homem, esse predador notório que a tudo destrói com uma imensa facilidade e ainda tem a cara de pau de dizer que "não é bem assim, não!".
A cada take, plano ou ângulo filmado de cima - um ângulo definitivamente intrusivo, de quem tem a clara intenção de bisbilhotar o outro -, percebemos a degradação desse bicho homem sórdido, cada vez mais voltado para seus próprios prazeres e interesses. E o país nisso? Que se dane! Vivemos no Brasil do "eu não ganho pra isso", "farinha pouca, meu pirão primeiro", "quando eu ganhar na mega-sena eu dou um jeito na minha vida", "bom mesmo é ser funcionário público e ter algum garantido no final do mês" entre outras pérolas desse nosso Febeapá nacional. Você não conhece a obra do Stanislaw Ponte Preta? Então você tá mais fodido do que eu!
Há algo na malícia, no deboche, no sarcasmo vivo do diretor que me fez vê-lo durante um tempo como uma espécie de Tarantino do agreste (mas me refiro ao Tarantino de Cães de aluguel e Pulp Fiction, não o de seus últimos filmes). O discurso seco, feroz, o dedo na cara provocativo, as frases poderosas e atualíssimas - "O pudor é a forma mais inteligente de perversão", "O ser humano é estômago e sexo" - e a correlação entre a vida cotidiana e amarelo pálido, da hepatite, do pus, da covardia diária, das feridas abertas, da falta de perspectivas sociais, são seus cartões de visita.
Tudo isso à serviço da construção da miséria humana. Sim, porque ela é construída paulatinamente, se desdobra em inúmeras nuances e formatos, todos dotados da sua parcela óbvia de mau caratismo latente. Ao fim do longa, a então religiosa, desmascarada pela vida, entra num salão de cabeleireiro e pede que mude seu visual, agora, o quanto antes. Ela, a politicamente correta, também cansou. Cansou de esperar o amanhã, a vida eterna, o paraíso. Entendeu que a existência é bem mais cruel e macabra do que um mero sonho ou delírio baseado em dogmas.
E já que o mundo não favorece o homem, que ele busque o que deseja a qualquer custo. Nem que seja na marra, ilegalmente, de forma injusta. Afinal de contas, que diferença vai fazer mesmo? Nós destruímos o que havia de melhor e faz tempo. Que Deus ainda possa ter piedade de nós!
Summer of Soul (...ou, Quando A Revolução Não Pôde Ser …
4.3 61 Assista AgoraThe black Woodstock
(Summer of Soul ...ou, Quando a revolução não pode ser televisionada, de Questlove, é sobre uma celebração histórica ocorrida nos EUA mas que, infelizmente, não pôde ser lembrada porque foi feita pela etnia errada)
1969 não foi um ano nada fácil para os Estados Unidos. E quando você pertence a raça negra, então... Já viu! Guerra do Vietnã, segregação, os irmãos Kennedy mortos, Malcolm X e Martin Luther King assassinados, exploração de todos os lados, chacinas, desrespeito, violência e mais violência. Tudo isso na Grande Nação (como eles bem gostam de se autodenominar).
E em meio a tanta tragédia e caos, como fazer para encontrar paz e esperança por dias melhores? Mais do que isso: onde encontrar um lugar que fale a minha língua, respeite a minha cultura, quem sou, minhas escolhas, meu direito a ser diferente? Eis que nesse momento entra em cena o cantor Tony Lawrence e organiza, entre os dias 29 de junho e 24 de agosto, no Mount Morris Park, o Festival cultural do Harlem, e oferece ao público o melhor da música negra.
E dessa experiência, que ficou engavetada dentro de um galpão por cinco décadas, sem uso aparente, nasceu o extraordinário documentário Summer of Soul ...ou, Quando a revolução não pode ser televisionada, do diretor Questlove.
Agora imaginem - e eu disse: só imaginem - poder sair da sua casa para assistir lendas como Stevie Wonder, B. B. King, Nina Simone, Gladys Knight, Sly and the family stone, entre outras feras, sem precisar pagar um centavo sequer. Parece um grande delírio ou conto da carochinha, não é mesmo? Pois aconteceu e por interesses meramente políticos e ideológicos, ficou esquecido da memória do povo que lá esteve por tantos anos. Motivo: o velho e arcaico racismo (e tem gente que até hoje, em pleno século XXI, diz que ele não existe ou é velado).
O simples fato de Questlove ter trazido à tona todas essas imagens fortes e nostálgicas já vale por um século dos EUA, pois trata-se também da história do mundo, sendo apagada de forma vil e covarde. Mas quando nos deparamos com os depoimentos de quem lá esteve, testemunhou aquilo tudo e, ao longo dos anos, foi induzido a acreditar que tudo aquilo não passava de uma ilusão, de uma lenda urbana, engrandece ainda mais a importância deste longa - que desde já figura na minha lista de melhores coisas que eu pude ver no ano que acabou.
Depoimentos altamente políticos e controversos como o do pastor e ativista Jesse Jackson, inflamando a plateia cansada de tantas injustiças; a apresentação meteórica de Steve Wonder ao teclado, levando os fãs ao delírio; as canções politizadas e afiadíssimas de Nina Simone, expondo o racha no qual o país vivia naqueles tempos; instrumentistas em transe dedilhando suas guitarras e tremelicando seus corpos numa catarse que nada deve à Jimi Hendrix no Monterey Pop.
E isso tudo para ficar apenas numa singela amostra do que rolou naquelas seis semanas que mais pareceram uma eternidade. Desde já, adianto: quem quiser saber mais, só vendo o documentário cuja única palavra que o define é sublime.
O Festival cultural do Harlem aconteceu na mesma época do Festival de Woodstock e não à toa acabou eclipsado pelo seu primo rico e famoso. Embora todas as apresentações tenham sido gravadas, conforme relatado por um dos produtores, ninguém se interessou em transmitir a festa negra. Teve até gente recalcada dizendo que tudo aquilo havia sido criado como um grande cala boca, para que o povo negro, revoltado, não pusesse fogo no país todo. Enfim... A demagogia ou polarização nossa de todo dia!
Há um raciocínio que costumo fazer - e que deixa muitos de meus colegas hipócritas e falsos burgueses putos! - acerca da minha descrença sobre o capitalismo que cai como uma luva para entender o legado dessa produção magnífica. O capitalismo, em sua forma mais pura e nefanda, adora encontrar maneiras de destruir nossa memória e nossa capacidade de construir narrativas. Ele sobrevive de nossa ignorância e de nossa tendência a sermos escravos, obedientes, sem quaisquer perspectivas de vida.
Pois foi exatamente isso que Questlove mostrou aqui: durante 50 anos o país que se vende como a nação mais poderosa do planeta escondeu de sua própria população um dos maiores manifestos já realizados pela comunidade negra. E tudo isso por um simples motivo para lá de mesquinho: a covardia étnica. Fossem os artistas que se apresentaram ali Frank Sinatra, Tony Bennett, Elton John e companhia limitada, e essas imagens não estariam amarfanhadas em meio a toneladas de poeira. Isso é triste e diabólico, eu sei...
E, infelizmente, também diz muito sobre a terra do Tio Sam, famosa por sua hipocrisia de longa data disfarçada de patriotismo.
O Beco do Pesadelo
3.5 495 Assista AgoraE no fim sobrou apenas o charlatanismo
(O beco do pesadelo, de Guillermo del Toro, remake de um clássico dos anos 1940, se pretende um grande filme noir e acaba nos entregando uma óbvia alegoria sobre o mal, tema já visto e revisto nas telas americanas. E desse gosto amargo da decepção, fica-nos apenas o sentimento de que o mau caráter virou um estilo de vida que não sai de moda)
Eu nunca me esqueço da primeira vez que ouvi a frase: "no fim, somente as baratas sobreviverão ao inferno e à explosão nuclear" e me lembro do riso nervoso que dei ao ouvir a declaração. Realmente, baratas são seres terríveis e você tem a legítima sensação de que elas não morrem nunca e sim proliferam, de forma ininterrupta. Contudo, há uma outra classe que, passe o tempo que for, estejamos nós no século XL, eles nunca deixarão de existir. Falo dos golpistas, charlatães, estelionatários, gente que devota sua vida a enganar os outros.
Eu às vezes me pergunto se nós, cidadãos de bem, vivemos tanto quanto eles, pois à primeira vista o que eu vejo é uma multidão de cafajestes que só faz crescer a olhos vistos, entra ano sai ano. E eis que o diretor Guillermo del Toro se propõe a contar uma história de cunho meio noir com seu O beco do pesadelo, recém-indicado ao Oscar de melhor filme, e acaba me fazendo pensar em outras questões completamente diferentes (digamos, mais ácidas).
No novo longa de Del Toro acompanhamos a saga de Stanton Carlisle (Bradley Cooper), que chegou aquela etapa da vida em que percebe a duras penas que trabalho duro e ética não são suficientes para salvar o patrimônio da família. Como adendo a essa descoberta, o fato dos EUA ainda viver o resquício do caos da chamada grande depressão, que devastou o país após a quebra da Bolsa de Nova York. Como único recurso, ele põe fogo na própria fazenda e parte rumo a uma nova vida.
E a princípio ele encontra essa nova realidade num circo mambembe, repleto de figuras as mais detestáveis e oportunistas possíveis, mas também o amor - ou o que ele pensava ser o amor - na figura de Molly Cahill (Rooney Mara). Ao conhecer Pete (David Starthairn), um golpista que já teve seus dias de glória e que agora vive de pequenos golpes, ele aprende a arte do chamando mentalismo e vê nesse aprendizado seu passaporte para o sucesso.
Cansado de uma vida pela metade e de ser colocado para escanteio a todo momento, ele - acompanhado de Molly - vai para a cidade e se torna um mentalista famoso e conceituado. Seus truques, que a plateia considera um dom divino, são capazes de transformá-lo na atração do momento. Mas ele, no fundo, como todo golpista que se preze, deseja mais. E quando conhece a ardilosa terapeuta Lilith Ritter (Cate Blanchett), ele se depara com a chance de dar o golpe perfeito.
Ela o apresenta ao alto escalão dos seus clientes, homens ricos, mas completamente sem alma, desesperados por um fiapo de esperança que os console das perdas sofridas ao longo da vida. E essa é a chance de Stanton conseguir fazer sua independência financeira de vez. Entretanto, o que ele se esqueceu de levar em conta é que normalmente, no mundo onde homens como ele habitam, você está sempre rodeado de pessoas tão ruins ou piores do que você mesmo, e isso pode gerar consequências altamente destrutivas.
Stanton é um homem que nunca teve o amor do próprio pai e reagiu a isso de forma extremamente brutal e vingativa. Ele é o exemplo vivo do que a vida pode fazer com você quando guardamos nossos traumas e os transformamos em força motriz para seguir em frente. O resultado dessa equação é sempre desastroso. E para quem vive segundo suas próprias regras, acreditando que os demais não passam de futuras vítimas a serem descartadas, o que sobra ao fim são as agruras do próprio charlatanismo, que nunca oferece uma zona de conforto agradável.
Para quem esperava uma produção mais police novel, O beco do pesadelo é meio decepcionante. Na verdade, a narrativa é um tanto irregular em alguns momentos. Tive a sensação, na segunda parte do longa, de já ter assistido àquele filme antes dirigido de forma mais brilhante. O segmento do circo me pareceu mais coeso e ele poderia ter centrado a película toda nele. Entretanto, ao contrário do que andei lendo nas redes sociais e nos portais de cinema, que consideraram o filme o mais fraco da carreira do diretor, confesso que ele ainda me agradou mais do que alguns dos últimos projetos dele (principalmente A mansão escarlate e A forma da água). Podem até me chamar de louco, mas achei que faltou disciplina artística. O projeto em si não era um equívoco. Longe disso. Ele apenas deveria ter tomado um outro caminho.
Dentro do caminho proposto, ficou-me a impressão de ter visto uma grande alegoria sobre a maldade humana e suas consequências nefastas. E o problema é que esse cinema já vem sendo mostrado em excesso nos últimos tempos em hollywood, daí um pouco da minha decepção. Eu esperava um novo caminho, algo mais original. Mas tudo bem. Não se pode acertar sempre. Nem sempre é possível tirar um novo O labirinto de fauno da cartola!
Ainda assim, recomendo aos fãs do diretor que vejam o longa, que possui uma direção segura, é bem produzido e tem um elenco interessantíssimo (que ainda conta, além dos atores já citados, com Willem Dafoe, Toni Collette, Richard Jenkins, Mary Steenburgen e o eterno parceiro Ron Perlman, de Hellboy).
P.S: O filme de Guillermo del Toro é um remake do clássico O beco das almas perdidas (1947), do diretor Edmund Goulding. E eu recomendo aos fãs da boa sétima arte que o vejam, pois o original me pareceu bastante superior à esta versão aqui. Isso, é claro, se você - como eu - também curte cinema em preto-e-branco.
Veneza
3.4 38Não se pode dar um preço ao amor
(Com Veneza, o diretor Miguel Falabella realiza não só seu filme mais maduro como também um grande experimento sobre o lúdico, o onírico e prova por vias nada convencionais que o amor não é uma ciência exata)
Nada é mais doloroso e implacável na vida de qualquer ser humano do que a culpa e o ressentimento. Passamos a vida acreditando que nossas escolhas são as melhores possíveis tendo em vista o horizonte que vislumbramos, mas não estamos isentos de amar de forma equivocada, de culpar o outro injustamente ou mesmo de fracassar em nossas intenções. E nem sempre conseguimos consertar nossos erros (e não somente isso: há quem prefira a terrível zona de conforto de frases hipócritas como "eu faria tudo de novo").
Esta semana, como faço de tempos em tempos, andei procurando um longa-metragem que abordasse os relacionamentos amorosos de uma forma não tão padronizada. Não queria uma reles love story ou uma comédia romântica e sim uma história que desconstruísse a ideia imaginária que temos do amor idealizado, algo que sempre me irritou, por exemplo, em hollywood e seus romances açucarados em demasia. E eis que me deparo com Veneza, novo longa do diretor Miguel Falabella, e uma grata surpresa cinematográfica desse início de 2021 (que, confesso, deveria ter assistido no ano passado).
Baseado na peça de Jorge Accame, Veneza se passa dentro de um prostíbulo cuja dona, Gringa (Carmen Maura, em uma interpretação irretocável), não consegue esquecer o homem que amou e dispensou de forma amarga para continuar no mundo da prostituição. Ela passa os dias em tormento, lembrando do que viveram e de uma promessa: que um dia iria à Veneza para reencontrar Giacomo (Magno Bandarz) e pedir perdão pelo que fez. Suas funcionárias não aguentam mais o desespero da pobre mulher, mas a mais compadecida de todas é Rita (Dira Paes), que ao lado de Tonho (Eduardo Moscovis), uma versão rústica do "homem da casa", promete levá-la ao país, nem que seja a última coisa que ela faça.
Contudo, o que eles ganham no estabelecimento mal dá para pagar as contas. E mais do que isso: como acreditar realmente, num lugar como aquele, onde o amor é comercializado da maneira mais gratuita possível, que a história da Gringa possa ser crível? Para muitas deles, este tipo de sentimento é simplesmente inverossímil ou ilusório. Elas foram doutrinadas a acreditar que, na vida, tudo não passa de um grande negócio.
Mas após irem a uma apresentação teatral dentro de um circo mambembe, Tonho descobre uma maneira de levarem a Gringa à Veneza sem precisarem sair do país e, nesse momento, a película ganha contornos de ilusão, chegando a me fazer pensar em alguns momentos nos filmes do cineasta italiano Federico Fellini e em Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues (cuja caravana Rolidei, muito mais do que uma mera trupe circense, era um grande receptáculo das catarses humanas). E nesse sentido Falabella realiza seu melhor e mais maduro filme como diretor de cinema.
Há uma frase dita por um dos membros do circo no início da sessão que pautou meu pensamento durante toda a narrativa: "não se pode dar um preço ao amor". E esse é exatamente o mote que define a angústia da Gringa. Ela culpou seu amado por tê-la transformado numa mercadoria barata, mas demorou demais a perceber que também se vendeu para atender a seus próprios interesses. E quando se deu conta era tarde demais para corrigir a situação, pois a vida passou por ela como um rolo compressor (e a vida, assim como amor, não são ciências exatas, que definimos a nosso bel prazer).
Veneza é, de forma interessantíssima, um grande experimento sobre o lúdico e o onírico que volta e meia perseguem a humanidade, embora muitos prefiram a certeza imposta pela caretice cotidiana e a velha mania do "se arriscar não é seguro e a vida é por demais implacável com quem a desobedece". E o resultado disso são pessoas amargas, infelizes ou desesperadas (como é o caso da nossa protagonista), tentando reconstruir os cacos que se quebraram, acreditando na possibilidade de uma redenção.
No segmento final, enquanto embarcamos juntos no sonho e na imaginação da Gringa, que acredita piamente ter tido a chance de consertar seus erros, me peguei pensando na minha própria vida e se eu teria também uma segunda chance para resolver uma história mal resolvida do passado. E nesse momento me dei conta de que o filme de Falabella atingira o seu objetivo.
Para quem se acostumou a ver o ator, dramaturgo, diretor e apresentador do Vídeo Show criando seus personagens cômicos em produções como Sai de baixo, Toma lá dá cá e Polaróides urbanas - seu primeiro longa para a sétima arte - achei este novo trabalho de um requinte e de uma ousadia raras vezes vista no cinema nacional, que muitas vezes adora perder tempo com produções meia-boca e de gosto duvidoso. Em suma: ele acertou em cheio contando uma história simples, sem arroubos ou grandezas. E nosso audiovisual anda precisando de mais opções como esta!
Tempos atrás, o vi dando uma entrevista, não me recordo exatamente em que canal de tv ou programa, em que ele dizia ter a pretensão de transpor algumas de suas próprias peças para o cinema, dentre elas Império (que eu adoro). Espero ansiosamente que ele cumpra a promessa, pois me deparei com um artista seguro, que sabe o que quer e conhece bem o seu próprio trabalho. E é de pessoas assim que se faz uma grande arte.
P.S: pouquíssimas vezes eu vi um elenco feminino tão bem escalado quanto aqui. Carmen Maura (eterna musa Almodovariana), Dira Paes, Carol Castro, Daniele Winits, Maria Eduarda de Carvalho, Maria Paquim, Georgina Barbarossa, Camila Vives... O cast é um colírio para os olhos, tanto pela beleza quanto pelo talento. E só mesmo quem for muito louco - ou gostar demais de perder tempo com as bobagens audiovisuais do Leandro Hassum e da Ingrid Guimarães - vai perder a chance de ver essa produção que é uma bola fora da curva dentro do nosso cinema. E este que vos escreve adora bolas fora da curva.
tick, tick... BOOM!
3.8 450Continue caminhando em frente
(tick, tick... BOOM!, de Lin-Manuel Miranda, é a jornada pela mente do dramaturgo Jonathan Larson, um artista que infelizmente nos deixou cedo demais)
Em 2005 eu tinha 29 anos de idade e fui a um cinema no Largo do Machado para assistir ao filme R.E.N.T - os boêmios, de Chris Columbus, baseado no musical da Broadway escrito pelo dramaturgo Jonathan Larson que ficou em cartaz por 12 anos.
Quando vi o cartaz do longa na entrada do cinema achei estranho porque o diretor Columbus era uma artista envolvido mais com o universo infantil, a comédia e a aventura. Logo, não tinha a menor expectativa sobre o que deveria esperar do projeto. Saí de lá em êxtase e entrei imediatamente no google para saber mais sobre o criador da peça, que falava de um grupo de amigos portadores de HIV vivendo numa América em crise, esfacelada.
16 anos depois, ouço falar do projeto tick, tick... BOOM!, dirigido pelo queridinho da Broadway atualmente, o diretor Lin-Manuel Miranda, e com o ator Andrew Garfield (que nos últimos anos se notabilizou interpretando o Homem-Aranha) na pele de Larson. Pensei na hora: isto não vai dar certo.
E eu estava redondamente enganado. Durante quase duas horas de projeção me deparei com uma viagem por dentro da mente e do universo criado por Larson, um artista que infelizmente nos deixou cedo demais (o dramaturgo faleceu aos 35 anos de um aneurisma na aorta) e tinha tanta coisa a nos dizer.
Larson vive entre o seu trabalho corrido no café Moondance e a escrita de seu primeiro espetáculo, Superbia, que participará de um workshop, visando conseguir investidores para uma futura montagem. O problema é que o seu texto não é exatamente comercial. Muitos o veem como uma ficção-científica confusa repleta de personagens um tanto nonsenses.
A vida social de Larson não ajuda a construir um universo mais palatável à crítica. Seu relacionamento com Susan (Alexandra Shipp) está indo pro ralo, pois ela deseja sair de Nova York e vislumbrar novos horizontes e ele não imagina que sua carreira possa dar certo em outro lugar. Não bastasse isso, ele testemunha alguns de seus melhores amigos serem devastados pela AIDS, que atingiu números exorbitantes nos EUA naquele período.
E cabe aqui um detalhe importante: Jonathan fez parte de uma geração que sentiu na pele as agruras do chamado sonho americano: o de correr atrás de um vida nova e gratificante custe o que custar, mesmo que em muitos casos ela não se concretize, não importa o quanto você tente ou arrombe a porta.
E enquanto a fama não surge ele precisa correr de lá pra cá e de cá pra lá, à procura de músicos e atores que comprem a sua ideia, às vezes tendo que pagar do próprio bolso, para conseguir convencer as pessoas certas a patrocinarem a sua ideia.
O dramaturgo Stephen Sondheim, criador de West Side Story e falecido recentemente, é um dos que acredita que ele não pode desistir. A jornada nunca é fácil. E mesmo a sua agente diz pra ele a frase mais autêntica que alguém poderia dizer para uma pessoa desse ramo: continue caminhando em frente, não importa o quanto digam não, o quanto tentem te derrubar. É pra frente que se olha!".
Ao fim da projeção me peguei pensando em Ed Wood, filme do diretor Tim Burton. Embora tenha ganho o rótulo, com o passar das décadas, de o pior diretor de todos os tempos, ele nunca abaixou a cabeça para aqueles que viviam dizendo nos corredores dos estúdios "você está perdendo o seu tempo aqui; isso não é pra você". Jonathan Larson passou pelas mesmas dores, o mesmo desprezo, teve todos os motivos do mundo para desistir e ainda assim seguiu em frente e fez história, contra tudo e contra todos. O único deslize dessa história é que ela não termina em happy end (o que é uma pena!)
Se você não curte musical porque acha uma bobajada essa gente que canta e interpreta, tick, tick... BOOM! não é pra você, mas sinto muito lhe dizer. Você não faz a menor ideia do que está perdendo. Mesmo. E o rapaz que até então era apenas o Homem-Aranha deu um show à parte.
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Matrix Resurrections
2.8 1,3K Assista AgoraCertas histórias só se contam uma vez
(Matrix Resurrections, de Lana Wachowski, é o regresso a um universo irretocável que não deveria mais ser mexido. E ainda assim quem criou esse universo não consegue muitas vezes entender o bê-a-bá disso!)
Eu tenho bronca de franquias e continuações no mundo do cinema por um motivo óbvio: porque de tempos em tempos elas arruínam ideias que pareciam melhores quando contadas de uma vez só. 11 homens e um segredo, de Steven Soderbergh, tem esse problema. Homens de preto, de Barry Sonenfeld, também. E dentro desse universo das ideias infelizes que precisam de continuações para melhorar aquilo que não precisa ser melhorado, encontra-se praticamente encabeçando a lista Matrix, dos (na época) irmãos Andy e Larry Wachowski.
O longa original de 1999 é dessas experiências que os verdadeiros cinéfilos de carteirinha nunca irão se esquecer. Seja pelas cenas de ação memoráveis, pelo uso frenético da tecnologia ou pela história aprisionante do homem comum aprisionado ao sistema que se torna o messias de um revolução. E ao descer dos créditos, você pensa: "é isso, não precisa de mais nada". Infelizmente a dupla de diretores não viu dessa forma e realizou os execráveis Matrix reloaded e revolutions, para tristeza dos fãs da boa sétima arte.
E eis que 18 anos depois, Lana (anteriormente Larry), sem a companhia do irmão (agora irmã também), decide retomar este universo como eu disse antes: irretocável. E de novo entra em choque com o que era, até então, perfeito.
Matrix Resurrections traz Neo (Keanu Reeves, em seu visual John Wick, que o consagrou nos últimos tempos) de volta à sua faceta Thomas Anderson. Ele de novo vive de forma melancólica, ciente de que algo está faltando em sua vida. E não se trata de sucesso: ele é um bem sucedido desenvolvedor de games - no caso, o The Matrix para a Warner Bros (sim, o filme tem esse quê de ironia nada fina) - que poderia estar curtindo a sua existência com todos os méritos a que tem direito. Mas, na prática, não é isso o que acontece.
A começar pelo que sente por Tiffany (Carrie-Annie Moss) que em seu jogo conhece como Trinity. Ele frequenta sessões de terapia com seu analista (vivido por Neil Patrick Harris) para tentar entender o que se passa em sua cabeça, mas será surpreendido por Morpheus (Yahya Abdul-Mateen II) e Bugs (Jessica Henwick) que o trazem de volta ao mundo real, um mundo que ele até então não sabia que conhecia tão bem e mais do que isso: era um líder.
Entre a saga para recuperar a memória de Neo e, por conseguinte, trazer de volta à tão amada Trinity e os novos desafios aos quais a resistência precisará enfrentar, o longa de Lana se perde justamente por não trazer aquilo que ele tinha de melhor em sua versão original. Esqueçam o agente Smith de Hugo Weaving e o Morpheus original de Laurence Fishburne. Eles não estão lá e, sim, você sentirá - e muito! - a falta de ambos. O oráculo que ajudou a definir o futuro da missão de Neo também não dá as caras e eu lamentei muito, porque gostava demais da atriz. E isso é apenas parte do problema.
As tão amadas cenas de ação sufocantes e em câmera lenta em alguns momentos estão lá e bem feitas, é bom que se diga!, mas parecem no todo genéricas, sem uma função específica. Que me perdoem os fanáticos da franquia, mas foi o que eu senti. O elenco de agentes que rodeiam Neo não é mal. Pelo contrário. Gosto da química entre eles, mas não têm a verve do elenco de 1999.
No final das contas, seja pelo ritmo arrastado em várias passagens, seja pela ausência de carisma (do filme, não dos atores), o que percebi como resultado foi estar diante de uma grande comédia dos erros. Os fãs de cinema de ação que não perdem a chance de testemunhar a grande paranoia por trás de franquias tresloucadas como Velozes e furiosos, Maze Runner e Resident Evil, certamente terão muito do que gostar aqui. Já os que esperavam novas ideias e teorias da conspiração... Sinto! Esse filme não será para você.
Matrix Resurrections é mais uma daquelas produções cinematográficas para você se perguntar ao fim porque hollywood continua insistindo nesse formato franchising que só serve para provar que a insistência numa trama já deu o que tinha que dar e o cinema americano precisa urgentemente de novos roteiristas, do contrário periga tornar-se refém de um loop temporal e a palavra originalidade perderá completamente o seu significado.
À parte este singelo desabafo, uma certeza será nítida ao fim da sessão: a franquia é um gosto adquirido e amar ou odiar só depende ainda dos espectadores. E eles estão cada vez mais fanáticos!
P.S ou apenas um raciocínio agregado: perguntam-me, volta e meia, porque sou contra o Quentin Tarantino realizar uma terceira parte de Kill Bill. Resposta: pelo mesmo motivo que me levou a escrever este texto. E quando a história encontra o seu desfecho, não há nada que você possa fazer para mudar isto.
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70 Anos Esta Noite
3.5 6A paixão nacional
(As telenovelas completam 70 anos no Brasil e mantém seu legado de compromisso e devoção com o público espectador.)
Como é que se começa um texto que se promete interminável desde a primeira palavra? Não sei dizer, mas vou escrever assim mesmo!
Não se sabe ao certo de onde vem tamanho sucesso (ou talvez saibam e eu, que já não assisto o formato há tempos, é que esteja por fora), mas as telenovelas são um fenômeno que veio e ficou. E por mais que muitos possam dizer - e têm até esse direito - que elas não são mais as mesmas, que se entregaram a uma temática pasteurizada, babaca, que entupiram tudo com a moral trending topics do século XXI, ainda assim o público quer saber do que se trata, comparece, acompanha, às vezes se veste igual, aprende as gírias e jargões, tem até quem já fumou e bebeu no passado por causa delas.
De concreto mesmo: as telenovelas, que deram as caras por aqui em 21 de dezembro de 1951, completam sete décadas de existência e ainda fascinam um grande público.
Mas não pensem vocês, leitores, que elas foram somente sorrisos e abraços. Não, meus caros! As novelas também já incomodaram e muito. Que o diga o primeiro beijo, na novela Sua vida me pertence, na TV Tupi, em fevereiro de 1952, dado pelo casal Walter Foster e Vida Alves. A polêmica já começou dentro da própria emissora, quando o fotógrafo dos Diários Associados, Chico Vizzoni, se recusou a registrar o momento por considerá-lo um escândalo. Imaginem, então, na sociedade puritana daquela época...
O primeiro beijo é no fundo apenas o primeiro episódio apaixonado de uma saga que passou por muitas intempéries. Da transmissão ao vivo ao videotape, os vilões consagrados, os casais que entraram para a história (Tarcísio Meira e Glória Menezes certamente lideram essa categoria com folga), as musas que não saem da cabeça dos espectadores (Regina Duarte, a namoradinha do Brasil; Nívea Maria; Sônia Braga, Lídia Brondi - que eu me pergunto sempre por onde anda -, Betty Faria, Maitê Proença, etc etc etc e haja etc), até mesmo os triângulos amorosos e as histórias que fugiram do padrão convencional.
Sim, porque como esquecer de Saramandaia e sua ode à excentricidade com personagens que voavam e Dona redonda que explodiu? E a Sucupira de Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), criada por Dias Gomes em O bem-amado? E a novela A viagem, de Ivani Ribeiro, que fez com que nos perguntássemos sobre a vida após a morte? E o Vlad (Ney Latorraca), protagonista de Vamp, que trouxe os vampiros ao folhetim televisivo? E a Avilã, cidade história de Que rei sou eu? Eu poderia ficar aqui o resto da semana, do mês, e não conseguiria terminar este parágrafo, tamanho o número de universos criados pela televisão.
Eu disse lá no primeiro parágrafo que há tempos não vejo novela e mesmo na época em que assistia ela não era o meu carro-chefe da tv. Eu gostava mesmo era de programas como Armação Ilimitada, TV Pirata, Tamanho família (sitcom famosa da Rede Manchete no final dos anos 1980), Programa Livre com Serginho Groissman no SBT e, lógico, as sessões de cinema na madrugada. Mas se houve uma figura que chamou minha atenção nesse universo e me fez sentar no sofá para acompanhar a trama foi o vilão ou bad boy (ou, às vezes, bad girl).
Casos mais óbvios disso: 1) Nazaré Tedesco (Renata Sorrah) em Senhora do destino, que sequestrou uma criança e criou como sua filha até que a verdade viesse à tona e a mãe biológica descobrisse o seu paradeiro; 2) Donato Menezes (Miguel Falabella) em As noivas de copacabana, o psicopata obcecado com as mulheres que estavam às vésperas do altar; 3) Zé das medalhas (Armando Bogus) em Roque Santeiro, protótipo vivo do homem deslumbrado com a riqueza; 4) Adalberto (Cecil Thiré) em A próxima vítima, ou o assassino do horóscopo chinês, que matou todas as testemunhas de um crime ocorrido num iate na noite de reveillon; 5) Leila (Cássia Kiss) em Vale tudo, que entrou para a história da teledramaturgia nacional como a assassina de Odete Roitman (Beatriz Segall). Vai ter gente dizendo que eu esqueci da Carminha (Adriana Esteves) em Avenida Brasil, mas nessa época eu já estava em outra vibe, sinto muito!
E lógico que os mocinhos foram amados com a mesma intensidade: João Coragem (Tarcísio Meira) de Os irmãos Coragem, fenômeno televisivo eterno; o motorista Carlão (Francisco Cuoco) em Pecado Capital, cuja mala que encontrou em seu carro mudou completamente sua vida; Sassá Mutema (Lima Barreto) em O salvador da pátria; Maria do carmo (Regina Duarte) em Rainha da sucata, que saiu do lixo para o luxo; Sinhozinho Malta (Lima Duarte) em Roque Santeiro; até os mais controversos Comendador José Alfredo (Alexandre Nero) em Império e Giovanni Improta (José Wilker) em Senhora do destino.
Outro aspecto a ser destacado nas novelas ao longo das décadas foram assuntos de relevância nacional, como barrigas de aluguel (que foi tema de uma novela das seis de Glória Perez), clonagem humana, reforma agrária (que tomou um grande arco dentro da novela O rei do gado, ao som de Admirável gado novo, de Zé Ramalho), mulheres que apanham dos maridos (em Mulheres apaixonadas), tráfico de mulheres (em Salve Jorge), crianças desaparecidas, envolvimento com drogas, prostituição no mundo da moda (em Verdades secretas), entre tantos outros.
E por falar em Verdades secretas, ela - em sua segunda temporada - apresenta o formato a um outro universo: o streaming. Ou seja, acabou a ideia do compromisso com o horário fechado, a grade específica, o "eu não posso perder a novela das 6, das 7, das 9, etc". Não. Você pode assistir quando quiser, a hora que for, quantas vezes for, pelo celular, tablet, notebook... O céu é o limite. E muitos produtores já se perguntam qual será o futuro disso para as próximas décadas que virão.
Não faço a menor ideia de como responder a pergunta entre aspas que encerra o parágrafo anterior. Só o que posso afirmar é que as novelas continuarão por aí, se reinventando, procurando novos caminhos que cheguem ao espectador. E permanecerão essa grande paixão nacional, não importa o quanto os seus detratores falem mal delas. Elas, mais do que mero entretenimento, viraram um compromisso social da população. E isso é praticamente impossível de ser desfeito.
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Cristo Redentor
3.8 2Pai nosso que estás no Rio de Janeiro
(Uma crônica sobre os 90 anos do Cristo Redentor)
Enquanto alguns habitantes da cidade maravilhosa se ressentem da chegada à terceira idade e começam a dar piti aos 60 anos, reclamando de tudo, dores, velhice, locomoção lenta, perda da memória, cabelos brancos etc etc etc, uma figura notória de nossa cidade chega às nove décadas com corpinho de... (melhor pular essa parte!). Falo - e com orgulho - da estátua do Cristo Redentor que hoje completa 90 anos de pura fé e esperança.
Localizado no Morro do Corcovado à 710 metros de altitude, com 38 metros de altura e pesando 1145 toneladas, o monumento (um dos maiores no estilo art déco no mundo) abençoa lá de cima a cidade que cantou Vinicius, Caymmi, Noel Rosa e Roberto Carlos. E acreditem: nos últimos anos andamos precisando, e muito!, dessa benção.
Embora tenha sido inaugurado em 1931 a ideia começa a nascer mesmo em 1859 quando o padre Pedro Maria Boss, capelão do Colégio Imaculada Conceição (em Botafogo) decide erigir na capital do império um monumento de exaltação à fé cristã. Contudo, a autorização para a construção só sairia em 1º de junho de 1922, por vontade de Homero Baptista, então Ministro da Fazenda, e sua pedra fundamental lançada meses depois, em outubro.
O empreendimento passou por uma série de revezes, pois mais de um projeto foi oferecido e mudanças precisaram ser feitas ao longo dos anos. Na concepção inicial, por exemplo, a figura de Jesus Cristo empunharia em sua mão direita um globo e na esquerda uma cruz. Mas a proposta acabou recusada e, ao final, o desenho escolhido foi o do professor de gravura e desenho do Liceu de artes e ofícios do Rio de Janeiro, Carlos Oswald. Entretanto, um especialista em estatuária, o artista francês de origem polonesa, Paul Landowsky, foi chamado para ajudar na construção. E mesmo com tantas reviravoltas, a mobilização popular na época foi grande (o que prova o quanto a devoção católica já era imensa naquele período).
No dia da inauguração o físico Guglielmo Marconi, inventor do telégrafo, ligou os refletores da estátua da Itália, porém conforme informações do site do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o sistema não funcionou como o esperado, e o Cristo acabou sendo iluminado graças à habilidade do engenheiro Gustavo Corção e sua equipe.
Ao longo das décadas a estátua foi alvo de grandes homenagens e polêmicas. Durante uma edição do programa Criança Esperança, o comediante Renato Aragão fez questão de subir no monumento para tocar numa das mãos do Cristo. Já em 1989 o carnavalesco Joãosinho Trinta trouxe no enredo "Ratos e urubus, larguem a minha fantasia", da Beija-flor de Nilópolis uma escultura do Cristo mendigo e sofreu severas críticas por parte da Arquidiocese, responsável pela gestão do Cristo Redentor. Resultado: a estátua desfilou no sambódromo coberta por uma capa preta e segurando uma placa com os dizeres "mesmo proibido, olhai por nós".
E ao longo dos anos, toda vez que a cidade do Rio de Janeiro entrou em algum tipo de crise econômica ou política, a imagem do Cristo Redentor foi muito utilizada por chargistas em algum tipo de sátira ou denúncia, seja juntando as mãos em oração, seja com os braços levantados em posição de assalto ou mesmo vertendo lágrimas. E tem sempre quem veja isso como desrespeito ou falta de consideração!
Em 1990, o monumento foi restaurado e em 7 de julho de 2007, o Cristo Redentor foi eleito uma das sete maravilhas do mundo moderno. Ficou em terceiro lugar, atrás da Muralha da China e da Cidade de Petra, na Jordânia. Se grandes artistas e figuras públicas - como Lady Di, Obama, Jim Carrey, o Papa João Paulo II, entre tantos outros - já gostavam de visitar o ponto turístico, depois da premiação isso virou uma espécie de programação obrigatória na cidade. Eu mesmo quando lá estive, coisa de uns 15 anos atrás, fiquei extasiado com a imagem que se vê da cidade lá de cima.
Digo mais: tive a sensação, em alguns momentos, de estar vislumbrando uma espécie de mundo paralelo. Difícil explicar o que meus olhos realmente viram. E fiquei imaginando então o que se passa na cabeça dos católicos mais fanáticos que visitam o local.
Resta dizer mais alguma coisa? Sim. Que o Cristo nos viu rir, chorar, celebrar, nos lamentar, rezar - e muito - por uma cidade melhor, mais justa, não refém de modelos religiosos extremistas, agradecer (algo do qual a sociedade, muitas vezes, se esquece porque prefere só reclamar, mandar, exigir), pedir paz e não a guerra, diálogo e não conflito. E, no final das contas, se sentir orgulhoso porque a nossa cidade, essa que tantos falaram mal e preferiram ir embora nos últimos tempos, tem o filho do criador olhando por nós, bem de pertinho. E isso, meus amigos, é pra poucos.
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Tempo
3.1 1,1K Assista AgoraO paraíso definitivamente não é aqui
(Tempo, de M. Night Shyamalan, é uma perturbadora parábola sobre a vida, a humanidade e suas escolhas equivocadas)
Conhecem aquela expressão "viver é precioso"? Então... Levando-se em consideração o que tem sido o século XXI e a demolição de certos conceitos e estruturas até então vistas como eternas, essa frase ganhou uma conotação ainda maior e mais assustadora. A sensação que eu tenho às vezes é a de estarmos vivendo nossos últimos instantes como civilização. E tudo isso é tratado pelo ser humano médio como uma grande brincadeira ou celebração.
O desrespeito à vida virou um way of life que se replica cada vez mais rápido com a "ajuda" das redes sociais e reality shows que invadem a sociedade todo santo dia. E o que nos sobra de lúcido precisa ser vivenciado à máxima potência, pois pode acabar a qualquer momento e nos deixar órfãos de sanidade.
Parece consulta de desajustado mental com seu terapeuta, mas não é. É o mundo real e suas distorções repetitivas me fazendo pensar a todo momento o que é que eu ainda estou fazendo por aqui. E o diretor M. Night Shyamalan - dos clássicos O sexto sentido e Corpo fechado - me fez pensar nisso novamente e de forma um tanto quanto preocupante com seu novo e misterioso longa, Tempo.
Um grupo de turistas se hospeda num resort distante de praticamente tudo no planeta terra e imagina que irá se esbaldar em meio a inúmeras atrações. São recebidos pela gerência do local como se fossem celebridades ilustres, só faltando o tapete vermelho da temporada de prêmios. Após desfrutarem de alguns privilégios do lugar são informados da existência de uma praia privativa, apenas para uso de clientes vip e decidem conhecê-la. E é justamente nesse momento que percebem que suas vidas nunca mais serão as mesmas.
O lugar que se prometia um oásis refrescante começa a mostrar sinais inquietantes quando os turistas começam a envelhecer numa velocidade espantosa. E não somente isso: Algumas das pessoas, que possuem condições de saúde específicas (uma delas possui um tumor, outra sofre de epilepsia) veem seus casos serem agravados. Com o passar das horas, descobrem que a cada 30 minutos eles envelhecem o correspondente a um ano de vida. Logo, no final do dia, muitos deles já terão falecido.
E o resultado dessa informação é puro caos: assassinato; os filhos pequenos crescem, se relacionam, engravidam, sofrem aborto; a pessoa de mais idade na ilha sofre um enfarto, o médico que acompanha o grupo enlouquece; um perde parte da audição, outro perde parte da visão... Toda a rotina deles é abalada, pois o tempo que possuem de vida foi significativamente alterado e a única salvação é fugir da ilha, mas isso também é um problema de difícil solução.
Entretanto, o que a película de Shyamalan tem de mais valioso é levar em consideração o que era a vida dessas pessoas antes de chegarem à ilha. Trata-se de um grupo que embora aparente estar bem resolvido, estar em paz, percebe-se logo de cara que vivem de forma infeliz ou desperdiçada. Um casal vive à sombra do adultério, o outro é um mescla de uma mulher que nunca enxergou a vida além da própria beleza e o marido, cansado por uma existência estafante e repetitiva. E quando o desfecho, o motivo pelo qual a ilha existe, é enfim esmiuçado para os espectadores, uma certeza é visível: a de que estamos vivendo em torno de nossas próprias ganâncias e comodismos.
E nenhum paraíso terrestre ou ponto turístico mudará essa realidade, não importa o quanto você sonhe ou deseje isso!
Tempo é uma grande parábola sobre a vida, a crise humana e as eternas escolhas equivocadas e nonsenses que fazemos ao longo de nossas jornadas. Passamos tanto tempo contabilizando patrimônios e emoções que não nos damos conta do simples, do verdadeiramente útil, daquilo que é válido. Estamos, enfim, registrando nossa passagem aqui pela terra como calculamos balancetes patrimoniais ou fazemos a declaração do imposto de renda. E isso é por demais assustador!
Desde A vila - realizado pelo diretor 17 anos atrás - um filme de Shyamalan não mexia tanto comigo. O tema presente nas entrelinhas da trama é de uma realidade assustadoramente autêntica. E o pior: vai ter gente saindo do cinema dizendo que tudo não passa da cabeça de um artista desmiolado, tamanha a alienação e o negacionismo vigente nos tempos atuais. Mesmo assim, convido os leitores dessa crítica a darem uma chance ao filme.
É, com folga, uma das melhores coisas que eu assisti esse ano em termos de sétima arte. A questão primordial é: diferentemente dos blockbusters vazios e repletos de CGI você precisa enxergar além do óbvio. E isso, atualmente, é para um grupo seleto de espectadores.
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Terra Estrangeira
4.1 182 Assista AgoraO autoexílio
(Os 25 anos de Terra estrangeira, de Walter Salles e Daniela Thomas)
Para quem acha difícil viver no Brasil de hoje, com tantos negacionismos e cegos ideológicos, é preciso também lembrar sempre: o Brasil de ontem já aprontou, já nos sacaneou muito! E foi dessa eterna mania de não aprendermos com o passado, de repetirmos as mesmas experiências frustradas, que chegamos ao Brasil de Hoje, confuso, ilógico, cada vez mais perdido dentro de si mesmo.
Falo disso porque me deparo com a notícia, no caderno cultural da Folha de São Paulo, dos 25 anos do longa Terra estrangeira, da dupla Walter Salles e Daniela Thomas, provavelmente um dos filmes da retomada do cinema nacional que melhor falaram desse nosso país contraditório. E ainda: o filme foi restaurado para exibição na Mostra de cinema de São Paulo. Um deleite só!
Acompanhamos a história de Paco (Fernando Alves Pinto), um ator fracassado à procura de um novo caminho e sua mãe, Manuela (Laura Cardoso, simplesmente fantástica), cujo maior sonho é voltar à sua terra natal, San Sebastián, na Espanha, tendo em vista a desilusão com o Brasil. Contudo, seus planos são drasticamente interrompidos com a notícia do confisco das cadernetas de poupança durante o governo Collor. Mais do que isso: Manuela enfarta e tomba ali mesmo, no sofá.
Devastado pelo luto e pela falta de perspectivas no mercado de trabalho, Paco decide ir embora para Portugal. E conhece Igor (Luís Mello), o estereótipo vivo do trambiqueiro, que decide contratá-lo para que ele entregue à Miguel (Alexandre Borges), um músico de formação, mas que vive de pequenos contrabandos, um pacote contendo um violino. Ao chegar à terra lusitana descobre que Miguel está morto e se encontra com Alex (Fernanda Torres), a namorada dele, que trabalha num reles botequim. E juntos precisam aprender a viver nessa terra cheia de contradições, enquanto fogem dos assassinos de Miguel.
Terra estrangeira é um filme que tem como primeira prerrogativa a ideia de deslocamento. Têm-se a sensação, a todo momento, de que seus personagens estão numa espécie de autoexílio, motivados pela desilusão com suas vidas e, logicamente, o país de onde vieram. Entretanto, mesmo o tão idolatrado Portugal - fenômeno que se repetiu na atual sociedade, em tempos de crise econômica mundial - lhes mostra uma outra faceta amarga, cheia de inverdades e ilusões.
É possível ver, transitando pelas ruas, africanos desesperados, à procura de um ganha-pão (quase um prenúncio da onda de refugiados que assola o século XXI) ou mesmo europeus que andam na corda-bamba para sobreviver com muito custo. Não se esqueçam: é cara a vida na Europa e só acredita em milagres ou facilidades quem é completamente ignorante ou ingênuo. E quem não consegue enxergar a realidade no seu próprio país, dificilmente a enxergará em qualquer país para onde vá. Este talvez seja o maior defeito de nós, brasileiros: acreditar que a grama é sempre mais verde no país dos outros.
Embora sua narrativa se passe nos anos 1990 e tenha sido lançado seis anos depois, em plena efervescência cultural proposta pela nova geração da sétima arte brazuca, o filme de Walter e Daniela nos mostra o quanto o Brasil não amadureceu como deveria. Pior: em alguns aspectos, até piorou - e muito. Hoje em dia nos escondemos sob a alcunha da falsa religiosidade e a mentalidade caduca de quem acredita que armas são a solução para lidarmos com qualquer problema. Quanta falácia!
Nunca mais assisti a produção e mesmo assim me lembro dela, da ocasião em que a vi no cinema Roxy, como se fosse hoje. Lembro-me de cada detalhe, de cada frame e, por conseguinte, de vizinhos meus que também morreram naquela época, após saberem do confisco, exatamente como Manuela. Foi uma tragédia estarrecedora. Teve gente até que se suicidou!
Recomendo Terra estrangeira às novas gerações de olhos fechados, como recomendaria O auto da compadecida, Carlota Joaquina - princesa do Brazil, Cidade de Deus, O quatrilho e Central do Brasil (finalistas ao Oscar de melhor filme internacional em 1995 e 1999). É certamente das coisas mais corajosas e enfáticas que produzimos em nossa cinematografia da metade dos anos 1990 para cá. E mesmo correndo o risco de ser apedrejado pelos cinéfilos fanáticos e os fabricantes de mentira da nova era, coloco-o junto à produções como Terra em transe, Ganga Zumba e Macunaíma. A dupla fez por onde o seu lugar entre eles!
Mas como nem tudo são fábulas ou alegrias, fica a retumbante tristeza de o país não ter evoluído ou aprendido com os ensinamentos propostos pelo longa. Quem sabe um dia! (ou será que eu tenho mais é que tomar vergonha na cara e parar de viver de delírio e sonho?). Sei lá... Nessas horas o meu lado esperançoso ainda fala - ou sussurra - um pouquinho.
P.S: ouvir Vapor barato, de Jards Macalé e Waly Salomão, na voz indiscutível de Gal Costa já vale metade desta experiência cinematográfica.
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Cry Macho: O Caminho para Redenção
3.0 178 Assista AgoraOs caubóis também envelhecem
(Cry macho, de Clint Eastwood, é um doloroso, mas não menos interessante, ensaio sobre o tempo e o que fazemos - ou deixamos de fazer - com nossas vidas.)
Há uma máxima da vida a qual não podemos superar, embora tentemos angustiadamente: o tempo.
Lutamos contra o tempo de teimosos que somos. Ele chega, apronta das suas, vira nossa vida de ponta a cabeça, nos faz discutir e questionar absolutamente tudo. Pior: nos faz perder tempo, às vezes com coisas simples, com aquilo que está diante de nossos olhos e não somos capazes de ver nem mesmo com lupa ou telescópio. E ainda assim continuamos, seguimos em frente, putos, pois a sensação que se tem em alguns momentos é a de que a vida não passa de um jogo - às vezes de cartas marcadas, às vezes covarde, injusto. E precisamos lidar com as trapaças do dia-a-dia.
O cinema, nesse sentido, sempre foi uma grande ferramenta para nos colocar à parte desse quesito, o tempo. E mais: ele é capaz de transformá-lo a seu bel prazer, desconstruí-lo, fazer dele gato e sapato, quando a ficção proposta assim o exige. Contudo, nos últimos anos, confesso que tenho andado um pouco decepcionado com certas narrativas que falam sobre o tempo. Tudo me parece um tanto pasteurizado, envelhecido. A sociedade persegue doentiamente a beleza, o status, a ganância, a identidade de gênero e a indústria cinematográfica acabou por comprar esses discursos de forma um tanto equivocada. Em outras palavras: quem poderia falar sobre o tempo parece acovardado ou diminuído diante dos assuntos que tomaram as páginas dos tabloides e a grande mídia.
Bem... Nem todo mundo. Clint Eastwood, o eterno caubói dos tempos de O cavaleiro solitário, Era uma vez no Oeste e o indefectível Os imperdoáveis (vencedor do Oscar), além de voz e corpo da grande persona que marcou a época das franquias, o policial Harry Calahan, continua por aí convivendo e narrando acerca de seus próprios traumas e fantasmas. E é exatamente isso o que ele faz com todo garbo e estilo em Cry macho, seu mais novo longa.
Na trama, Mike Milo (Clint Eastwood) é um antigo ídolo dos tempos de rodeio que viu seus dias de glória passarem mais rápido do que ele gostaria e agora vive de realizar pequenos serviços para o inescrupuloso empresário Howard Polk (Dwight Yoakam). Polk, por sua vez, sabe melhor do que ninguém que pode contar com a confiança e a discrição de Milo em todos os sentidos e por isso pede para que o velho caubói atravesse a fronteira do México e traga seu filho para morar com ele, pois acredita que a influência da mãe promíscua e alcoólatra está fazendo mal ao garoto. A partir daí, o que vemos na tela, mais do que uma mera busca ou resgate, é um grande conflito de gerações como há um bom tempo eu não via em hollywood. Pelo menos não narrado dessa forma.
Eastwood, embora com mais de 90 anos, ainda mostra bastante fôlego na direção e não desaponta como contador de histórias e criador de dramas existenciais. Mas para aqueles que vêm crucificando o diretor nos últimos anos por conta de suas escolhas pessoais e projetos, vai aqui um recado: esqueçam a figura notória e máscula que Clint construiu ao longo da carreira com Dirty Harry e os faroestes de Sergio Leone. O tempo, meus caros leitores, passou e o caubói envelheceu. Como, aliás, todo mundo um dia irá.
Convencer o garoto problemático e mestre em encrencas a voltar com ele é uma saga por si só, mas o velho caubói não está disposto a entregar a toalha tão fácil. A mãe do menino, que não quer vê-lo morando com o pai, embora não dê a mínima para o filho, pede a um dos seus capangas que impeça que a dupla chegue à fronteira. E não bastasse isso, ainda por cima terão que se esconder, pedir abrigo à dona de um estabelecimento comercial - que se encanta pelo velho Milo -, serão confundidos com transportadores de droga e sabe-se lá Deus o quê mais.
Dos longas que Eastwood dirigiu nos últimos anos certamente foi o que eu mais gostei, pois achei coeso e não me soou melodramático em demasia. Pelo contrário: é de uma verdade assustadora quando toca em questões como heroísmo, juventude e velhice. E acredito que muitos dos espectadores que prefeririam que o diretor se aposentasse a produzir algo do tipo tenham se incomodado - e muito! - com esse aspecto.
Nossa sociedade atual só pensa em festas, glórias e conquistas. Ninguém parece interessado naquilo que pareça remotamente real. Fugimos dos nossos próprios problemas sob a falsa crença de que eles simplesmente desaparecerão com o passar dos anos. Mas o tempo nunca funcionou dessa maneira. E aqui, em Cry Macho, o que vejo é um ensaio doloroso, mas extremamente necessário e verdadeiro, sobre o tempo, esse inimigo invisível e devastador que nos acompanha até o último dia de nossas vidas.
Você, festeiro, alienado, que já não queria ver o filme, ficou ainda mais decepcionado após a leitura desta crítica? Pois quem perdeu foi você mesmo. Um dia, quer você goste ou não, essa história também será a sua. Os questionamentos e dúvidas darão as caras e somente você poderá lidar com eles. Sem turminhas, galeras e amigos ao redor. E eu tenho é pena da decisão que você irá tomar quando esse dia chegar...
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A Mosca
3.7 1,0KA metamorfose
(Os 35 anos de A mosca, de David Cronenberg)
O gênero terror já me assustou mais e já me passou uma ideia de ser mais sujo, nojento. Não, é sério! Eu tenho achado o gênero um tanto clean nos últimos anos (salvo, é claro, diretores interessantíssimos como Jordan Peele e Robert Eggers) e a culpa disso é da própria hollywood, que não investe tanto em novas ideias boas e perde tempo sucessivamente com remakes desnecessários.
Nada era mais gratificante naquelas sessões de antigamente - no cinema e na tv, de madrugada - do que a boa e velha participação da maquiagem, dos efeitos práticos e das soluções baratas. Sim, pois CGI ainda não era sequer considerado prematuro naqueles tempos.
E um grande exemplo disso, desse cinema assustador, sujo, repulsivo, que marcou época é o sempre cult (pelo menos, para mim) A mosca, do diretor David Cronenberg, que completa 25 anos em 2021.
Acompanhamos a saga do cientista Seth Brundle (Jeff Goldblum) envolvido num projeto ultrassecreto. Ele convida a jovem jornalista Veronica Quaife (Geena Davis) para seu apartamento e lhe apresenta a um protótipo revolucionário de teletransportador. A princípio sua invenção parece extremamente bem-sucedida e desperta a atenção da jornalista, que quer fazer dele a sua matéria de capa.
O problema é quando Brundle decide testar seu invento em si próprio e é teletransportado de um módulo para o outro junto com uma pequena mosca. Suas cadeias de dna se fundem e ele passa a sofrer mutações genéticas irreversíveis. Desde o gosto acentuado por açúcar até o desinteresse nítido por asseio, ele começa a se tornar um inseto gigantesco, para o pavor de Veronica, única a testemunhar toda a autodestruição do cientista de perto.
A mosca faz parte, junto com longas como Videodrome - a síndrome do vídeo, A hora da zona morta, Gêmeos: mórbida semelhança e Scanners - sua mente pode destruir, daquela que eu considero a primeira fase da carreira do diretor David Cronenberg, que envolve - dentre outras temáticas - o fascínio exagerado pela maquiagem, o mórbido e o visual exótico.
Com o passar dos anos e a chegada dos cabelos brancos Cronenberg acabou direcionando sua sétima arte para outro caminho e se tornou um interessante diretor de dramas existenciais. Contudo, até hoje eu confesso sentir falta desse "outro lado" dele nas telas.
E no caso específico de A mosca, eu sempre vi o filme como a representação viva do que o escritor Franz Kafka fez com Gregor Samsa em seu livro mais famoso. Seth Brundle é, à maneira de Cronenberg, A metamorfose sem tirar nem pôr uma vírgula sequer.
E é preciso fazer um adendo importante aqui: desafio qualquer leitor dessa crítica que viu o filme e seja capaz de me apresentar um filme mais nojento do que esse. Até hoje eu olho para um inseto pousando na mesa da cozinha quando estou almoçando e me lembro de toda a deterioração corporal sofrida por Brundle no longa. Eu nunca mais consegui olhar para estas pequenas criaturas sem um certo nojo (e isso, meus caros leitores, é com certeza mérito da produção).
Depois de testemunhar toda essa nojentice muito bem criada como seria possível chamar esses filmes de exorcismo meia-boca e figuras sobrenaturais criadas em computação gráfica de assustadoras? Pois é. Como eu disse: o terror não assusta mais, não é mais repulsivo como antigamente. E isso é uma pena.
P.S: se tiverem tempo sobrando procurem também por A mosca da cabeça branca, de Kurt Neumann. Ambos são baseados num conto do escritor George Langelaan e a adaptação de 1958 também vale uma boa conferida (principalmente se você for cinéfilo raiz como eu!).
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Rua do Medo: 1994 - Parte 1
3.1 773 Assista AgoraAntologia do horror americano
(A trilogia Rua do medo, da cineasta Leigh Janiak, é o que existe de melhor no chamado filme-homenagem e apresenta para as novas gerações o suprassumo daquele que é o gênero preferido dos hollywoodianos.)
Não conheço gênero cinematográfico mais clichê do que o terror e ainda assim isso não significa demérito algum a ele. Na verdade, o terror é o segmento ideal para aqueles que amam ver suas expectativas correspondidas. Ele se exulta daqueles que aguardam por momentos providenciais, heróicos, assustadores, mesmo sexuais. E quando não cumpre o que promete os espectadores abandonam a sala de projeção decepcionados, às vezes querendo pedir na bilheteria o seu dinheiro de volta.
Imagine então pagar o ingresso para assistir um longa em que uma maldição de mais três séculos envolvendo uma suposta bruxa transforma uma pequena cidade norte-americana num verdadeiro celeiro de psicopatas. Você, fã de terror, deve estar pensando: "eu já vi esse mesmo filme outras, pelo menos, dezenas vezes e vou querer ver de novo, pois uma releitura do tema não faz mal a ninguém".
E se você pensou exatamente nisso, nessa releitura, então a trilogia Rua do medo, da diretora Leigh Janiak, é o seu filme. Sem tirar nem pôr.
A cidade amaldiçoada em questão é Shadyside e ela vive às turras com uma outra, Sunnyvale, repleta de falsos moralistas que se acham bem sucedidos ou virtuosos em demasia. E quando as mortes começam a acontecer dentro de um shopping somente um grupo de desajustados que não se encaixam no padrão de normalidade dos EUA será capaz de combater a ameaça aterrorizante, incluindo rituais satânicos, muitos tiros e machadadas.
A primeira parte ou 1994 tem como referência mais presente a clássica franquia Pânico e seu serial killer mascarado, mas muito bem acompanhado de outros psicopatas tão sanguinolentos quanto. E a turma de jovens que deverão enfrentar esses assassinos percebe logo de cara que o problema remonta a anos passados e precisa averiguar com calma todo o cenário.
Vem a segunda parte ou 1978 (para mim, o melhor episódio dos três) trazendo em seu bojo os acampamentos assustadores com flertes, sexo proibido e competições entre jovens que invadiram a minha adolescência assistindo Sessão das Dez no SBT ou Corujão e Sessão de Gala nas madrugadas na Globo, além da ilustre homenagem à Jason, da série cult Sexta-feira 13.
Mas a raiz do problema não se encontra exatamente ali e por isso na terceira e última parte ou 1666 a diretora recorre a um terror mais clássico, que me remeteu a longas como A vila (de M. Night Shyamalan) e A Bruxa (de Robert Eggers) e enfim encontra a razão da toda a maldição: a jovem Sarah Fear, cujo único pecado que cometeu em sua comunidade foi o de ser diferente. Deu no que deu.
Matanças, matanças e mais matanças por onde nossos olhos passam, uma trilha sonora capaz de produzir uma playlist notável e nostálgica, a dose certa de jump scares e frases de duplo sentido, corrupção policial, regime de castas, romances proibidos ou, à primeira vista, impossíveis e, claro, todo o sex appeal que o gênero que consagrou nomes como John Carpenter, Wes Craven e Stephen King dentre tantos outros, é capaz de produzir.
Como única, digamos, diferença óbvia (pelo menos para mim) apenas a protagonista abertamente lésbica. E digo isso porque não tenho essa lembrança de ver tantos casais homossexuais nos filmes de terror dos anos 80 ou 90 que eu via e revia na tv. Tanto que, anos depois, muitos desses diretores foram acusados de misóginos por atrizes desses mesmos filmes, o que gerou uma controvérsia tremenda.
Divergências à parte, no final das contas o que vislumbramos na trilogia é uma grande antologia do horror americano, com todos os estereótipos e características que tornaram o cinema de terror americano um ícone que enlouqueceu plateias ao redor do mundo.
Para quem pertence a essa atual geração e quer conhecer um pouco do clima proposto por aquele cinema ou quer reviver esses "tempos gloriosos", Rua do medo é imperdível. Mais do que isso: a quintessência do chamado filme-homenagem naquilo que ele possui de melhor. E mais do que isso só mesmo procurando a trilogia para ver na Netflix (que acertou em cheio, de novo).
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O Esquadrão Suicida
3.6 1,3K Assista AgoraOs kamikazes
(O Esquadrão suicida, de James Gunn, é o filme mais surreal que hollywood entregará em tempos de pandemia. E os fãs certamente esperarão por uma sequência!)
Se teve uma coisa que a pandemia do coronavírus trouxe em termos cinematográficos foi a popularização de longas-metragens surreais, desses capazes de explodir a cabeça de qualquer espectador. Que o digam Army of the dead: Invasão em Las Vegas, de Zack Snyder e Godzilla vs. Kong, de Adam Wingard, e suas respectivas ausências de um bom roteiro e o excesso de efeitos especiais e cenas de ação que beiram às vezes o nonsense!
Entretanto, o ano - que ainda está longe de acabar - e hollywood aprontaram mais uma e entregaram de lambuja para o público fanático por super-heróis e filmes da DC o alucinado O Esquadrão Suicida. Resultado: agora você poderá dizer para as próximas gerações que 2021, no que se refere à sétima arte, foi um ano realmente louco.
Amanda Waller (Viola Davis, ainda uma das melhores coisas do filme) novamente recruta o grupo de bandidos e desajustados mais perigoso do planeta para mais uma daquelas missões que você sabe de antemão que serão quase impossíveis. E eles, os bandidões, que almejam uma redução significativa em suas penas, lógico que aceitarão.
Desta vez o destino é o Corto Maltês que vive uma espécie de golpe de estado e possui as instalações de um certo projeto estrela do mar (é insano, eu sei...). São mandadas duas equipes, uma delas apenas para distrair a vigilância do país. Como já era de se esperar, muita morte, explosão, sangue jorrando e os poucos que sobrevivem verão suas vidas cruzarem com a outra turma, aquela que saltou em outro ponto do país. E a consequência disso é... Sim, isso mesmo que o seu cérebro está matutando.
Parece confuso e é. Na verdade, desde a versão original dirigida por David Ayer cinco anos antes, essa era uma das grandes "qualidades" do filme, que se prometia nonsense desde o trailer. O resultado não agradou aos mais fanáticos que viram na presença do diretor James Gunn, da franquia Guardiões da Galáxia, da Marvel, assumindo o projeto uma chance de verem seus sonhos enfim realizados. Mas cá entre nós... Não mudou tanto quanto eu estava esperando, não!
Arlequina (Margot Robbie) continua sendo a coisa mais engraçada do filme. No lugar do Pistoleiro, vivido por Will Smith na versão original, entra o Sanguinário (Idris Elba) e eu até confesso que achei um avanço. Rick Flagg (Joel Kinnaman) desta vez não lidera o grupo como antes, mas exibe sua macheza quando pode. Entre as novidades do elenco a que mais se destaca é o Pacificador (John Cena) com direito à zoação para o capacete dele. E olha que ainda tem uma doninha - não, é isso mesmo que você leu! -, uma jovem que controla ratos, um louco que atira bolinhas e uma tubarão meio lesado com a voz do Sylvester Stallone.
E o principal: todos eles kamikazes, dispostos a ir até às últimas consequências para realizar a missão combinada enquanto tiram sarro um da cara do outro. Como eu disse antes, o filme mais surreal do ano.
Para os que ficam procurando correlações entre o projeto e outros filmes, há um clima (eu disse um clima) meio tarantinesco na maneira como os mortos vão se acumulando a cada rajada de balas proferida e uma leve homenagem - e eu disse leve - à Os doze condenados, de Robert Aldrich. Ah! E a trilha sonora, que é ótima, ajuda a compor o clima de exótico que o filme entrega sem medo de ser feliz. Afinal de contas, minha gente, é tudo baseado em histórias em quadrinhos.
Vi algumas pessoas reclamando na internet sobre a ausência de nudez e cenas de sexo (e olha que o filme tem classificação indicativa 18 anos). Mas é a velha hipocrisia norte-americana falando: matar, estraçalhar, estrangular pode. Peitos e bundas, nada feito! Ainda mais em tempos de MeToo. Faltou falar alguma coisa? Ah! Tem a brasileira Alice Braga também no elenco fazendo uma ponta como uma guerrilheira. Pois é...
Se eu contar mais vai ter spoiler e gente me jurando de morte. Logo, melhor parar por aqui. E apreciar essa paranoia toda enquanto a DC decide o que fará a seguir com o diretor.
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Encurralado
3.9 432 Assista AgoraO stalker
(Encurralado, de Steven Spielberg, completa cinco décadas de existência provando a hollywood que é possível fazer boa sétima arte acreditando apenas numa ideia simples e bem realizada.)
É preciso confessar algo aos meus leitores de longa data: ando meio assustado com essa geração de cinéfilos atuais que vão ao cinema apenas para conferir franquias e blockbusters vazios e que exigem cenas de ação rebuscadas, por vezes nonsense, beirando até mesmo o surreal. Hollywood definitivamente virou uma grande megalomania e isso não é necessariamente um elogio. Pelo contrário... Em muitos casos a falta de uma ideia ou premissa simples faz toda a diferença para que nós, espectadores, possamos seguir com gosto a narrativa proposta pelo diretor.
E não é que o ano de 2021 quase acaba e eu me esqueço de falar de um clássico que mudou completamente a minha concepção sobre cinema americano e está comemorando 50 anos de carreira trazendo como sua principal virtude exatamente isso: uma ideia simples e bem realizada? Estou falando logicamente de Encurralado, filme de estreia do diretor Steven Spielberg, que já mostrava muito do que iria se tornar o blockbuster moderno nos anos seguintes.
E para que vocês, leitores, tenham noção clara do quanto a premissa da história é simples, ei-la: David Mann (Dennis Weaver) é um homem de negócios que viaja pelas estradas empoeiradas dos EUA quando percebe que está sendo perseguindo por um caminhoneiro completamente enfurecido, sem nenhuma razão aparente para tal. E... Pois é: esse é o longa. Pouco mais de uma hora e 20 minutos da mais pura perseguição alucinada por uma América anos-luz daquela que conhecemos por suas vitórias, paisagens exuberantes e a eterna Las Vegas.
David se esconde onde pode, procura refúgio num restaurante, tenta ajudar crianças na estrada, que porventura possam vir a ser atropeladas pelo maníaco, corre, corre muito, foge (e como foge!). A única coisa que ele não consegue é ver o rosto de seu algoz. Na verdade, nem ele nem nós, espectadores aflitos, doidos para ver o semblante aterrorizante do antagonista.
E como pano de fundo para essa fuga desenfreada muitos closes e uma sensação recorrente de claustrofobia. Eu confesso: senti a todo momento a agonia de David, como se eu fosse o perseguido. E o caminhoneiro stalker não dá trégua um segundo sequer.
Apenas para aguçar a curiosidade dos mais nerds e fanáticos, encontrei no IMDb a identidade do ator por trás do motorista. O nome dele é Carey Loftin, é considerado uma lenda dentre os dublês pilotos, tem quase 400 créditos em longas os mais diversos e ano que vem completará duas décadas e meia de falecido. Uma pena! Realizou um grande trabalho e passamos anos sem saber de fato como ele era, quase como o(s) ator(es) que interpretaram Jason na franquia Sexta-feira 13.
Um outro detalhe que eu não posso deixar de mencionar acerca deste longa: antes de assistir Encurralado os filmes que eu conhecia de Steven Spielberg eram os mais famosos e celebrados pela mídia (E.T, Contatos imediatos do terceiro grau, Tubarão etc) e eu passei, então, a ter uma outra dimensão sobre o diretor. Comecei a entender que ele não era apenas o cineasta por trás de criaturas assassinas e alienígenas fofinhos. A partir daí encontrei longas como A cor púrpura, Além da eternidade e O Império do sol e minha admiração pelo seu trabalho só aumentou. Em outras palavras: Encurralado, para mim, é um grande divisor de águas na forma como me relaciono com a sua filmografia. Um "antes e depois" curiosíssimo, diga-se de passagem!
Se possível, após assistir ao filme, procurem também por produções como Corrida contra o destino, de Richard Serafian e Corrida sem fim, de Monte Hellman (com o cantor James Taylor protagonizando). Todos os três têm muitos pontos em comunhão entre si, falam de uma América que se perdeu com o tempo por culpa do próprio Tio Sam. São praticamente complementares em muitos sentidos e, por isso mesmo, marcaram época nos anos 1970.
De triste mesmo somente saber que a indústria cinematográfica norte-americana preferiu deixar de lado o simples para explorar o universo espetacular em excesso (e pior: chamar toda essa neurastenia tecnológica de sofisticação. Pelo amor de Deus!).
P.S (há tempos eu não sentia vontade de escrever um): será que ainda dá para sonhar, a esta altura da carreira, que a lenda Spielberg volte a esse universo modesto, porém bem feito e cheio de ironias bem calculadas? Eu, como cinéfilo raiz que sou, prefiro continuar acreditando que sim. Sonhar ainda é de graça, não é mesmo?
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Rogai Por Nós
2.3 408 Assista AgoraA outra Maria
(Rogai por nós, primeiro longa de Evan Spiliotopoulos, será visto por muitos "devotos" como um elo perdido do cinema e, no entanto, trata não somente da fé como também dos exageros em torno dela)
Nunca se falou tanto de religião ao redor do mundo como do final do século XX para cá. Na verdade, corrijo-me: nunca fanatizamos tanto a expressão religião como na sociedade contemporânea. E dessa hiperpopularização dos dogmas e da necessidade deles funcionarem como botes salva-vidas para seres humanos desesperados nasceu também uma urgência na procura por profetas, salvadores da pátria e "homens e mulheres de Deus" em todos os lugares, esperando na esquina mais próxima. E quando o assunto é milagre, então... Já viu o caos!
Com o passar dos anos fui aumentando meu descrédito por esse tipo de gente que simplesmente não consegue enxergar a realidade com os próprios olhos e precisa doentiamente de uma muleta (pode ser um padre, um pastor, um Dalai lama, um jesuíta, enfim...). Contudo, o tema desespero religioso no cinema continua chamando a minha atenção e vejo o gênero quase como uma denúncia a certas práticas do setor.
Esta semana eu enfim consegui assistir o interessante Rogai por nós, longa-metragem de estreia da diretora Evan Spiliotopoulos (responsável pelo roteiro do live action de A bela e a fera para a Disney), do qual eu vinha ouvindo comentários instigantes na internet. E ela fala, à sua maneira, exatamente dessa mentalidade torpe dos chamados religiosos de carteirinha.
No longa, a jovem muda Alice (Cricket Brown) começa a ouvir a voz de uma mulher que ela considera ser a da Virgem Maria e reúne um número gigantesco de fiéis ao redor da pequena cidade onde vive. Alguns moradores preferem sair do povoado o quanto antes - por acreditar que o ocorrido possa estar relacionado à algo maligno num futuro próximo -, enquanto outros almejam permanecer ali por tempo indeterminado, pois acham que ela trouxe a esperança vindoura tão aguardada. O Vaticano manda um especialista para investigar a jovem e comprovar o milagre por trás dela, mas a moça exige nos encontros a presença de Gerry Fenn (Jeffrey Dean Morgan), um jornalista expert em matérias sensacionalistas.
O resultado não poderia ser outro, é claro: embates entre o funcionário do Vaticano e o padre da paróquia, tio de Alice, com Gerry. Mas à medida que o jornalista vai investigando o caso e descobre a existência de uma outra Maria, esta uma força bem mais diabólica do que a mãe de Cristo, ele percebe que na verdade a população que rodeia a jovem Alice está se tornando refém de uma trama maligna com possíveis consequências catastróficas. E decide denunciar suas suspeitas, para repulsa dos interessados em perpetuar o milagre.
Rogai por nós é aquele tipo de produção no limiar entre o terror e o gospel que me faz pensar no quanto estamos equivocados como sociedade. E o pior: todo esse equívoco é tratado com grande deboche por parte daqueles que preferem ser cegos a questionar certas profecias ou desígnios supostamente sacros.
Vivemos tempos sombrios e a sociedade atual - como já disse antes, desesperada -, espera sofregamente por falsos ídolos que lhes devolvam a esperança de épocas passadas, hoje rotuladas de "tempos melhores" por uma gigantesca fração do mundo que nunca enxergou a realidade como ela realmente era. Perdemos, em nosso íntimo, a capacidade de sermos lúcidos e quando o assunto é fé tudo parece um grande jogo ou disputa de poder. Capitalizamos nossas crenças e afetos a tal ponto que até mesmo falar em nome de Deus virou um assunto monetário dos mais lucrativos.
Deem uma boa olhada nos fieis das igrejas e templos que vocês, leitores, frequentam e vejam quantos estão ali somente pensando em mudar de vida (leia-se: status social). Trata-se do traço mais mesquinho da chamada teologia da prosperidade. Nunca associamos tanto o criador à bens materiais e, ao mesmo tempo, nos fingimos de santos ou humildes. Todos se dizem cristãos, mas quase ninguém pensa de fato no restante da humanidade.
Se Alice, protagonista desta história nefanda (e quem ouviu de fato o suposto milagre) foi objeto de um embuste em forma de possessão, imaginem então os devotos de parca instrução que abundam as instituições religiosas atuais. E olha que eu nem cheguei a mencionar o número de igrejas que vêm sendo incendiadas ao redor mundo nos últimos anos por desafetos religiosos interessados em projetos de poder inescrupulosos. Como eu disse dois parágrafos atrás: tempos sombrios.
O Padre Hagan (William Sadler), tio de Alice, em determinado momento do longa diz ao jornalista em busca de prestígio que teme as consequências por trás do milagre envolvendo a sobrinha. "Pois quando Deus constrói uma igreja, o diabo costuma construir uma capela logo ao lado", ele diz. E eu complemento com o seguinte raciocínio: normalmente quando a escuridão e a sombra dão as caras em algum lugar a cegueira está sempre presente em larga escala, aplaudindo-as. Assim na arte como na vida. E de certeza apenas uma: não será a última vez que a sociedade será enganada, seja na ficção ou na vida real. E por culpa dela mesma e de seus exageros morais.
P.S: enquanto os créditos iam descendo a tela eu me peguei pensando: os fãs do recente longa Deus não está morto vão gostar disso aqui! Tirem a prova dos nove, quem quiser.
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Thelma & Louise
4.2 967 Assista AgoraAs outsiders
(Os 30 anos de Thelma & Louise, de Ridley Scott, um precursor do empoderamento feminino dos dias de hoje)
Por ter nascido do sexo masculino nunca entenderei de fato o que significa ser mulher num mundo tão machista como o nosso. E não adianta eu defender aqui a ideia de que fui criado por mulheres extremamente bem resolvidas, que me ensinaram que lugar de mulher não é só na cozinha e que elas não são uma categoria ou uma caixa a qual você mantém guardada 24 horas por dia e só abre quando lhe interessa. Não, não é a mesma coisa. Ter nascido mulher - acreditem! - é outro departamento. E por demais complexo para conseguir explicá-lo em poucas palavras.
Dito isto, é engrandecedor ver todo esse movimento do empoderamento feminino e as mulheres dessa nova geração brigando por seus direitos e espaços. Se minha mãe e minha avó ainda estivessem vivas certamente estariam orgulhosas de ver toda essa revolução, essa luta diária. Mesmo que o machismo articulado e o feminicídio em massa dos últimos anos faça parecer a priori que a luta esteja um tanto quanto perdida. Não está.
Leio na internet a notícia de que Thelma & Louise, longa hoje cult do diretor Ridley Scott, está completando três décadas de existência e no momento em que leio a matéria o meu cérebro relembra de todo o filme, de toda a experiência e do dia exato em que fui ao cinema para vê-lo. E ele continua mais atual do que nunca!
Thelma (Geena Davis) e Louise (Susan Sarandon) chegaram naquele ponto da vida em que você se pega dizendo para si mesmo "já deu!" e precisam urgentemente de um novo caminho. Principalmente Thelma, que não bastasse a rotina insuportável e as agruras da vida familiar, ainda tem de aturar um marido autoritário que acredita piamente que ela deve seguir as diretrizes do que ele acredita ser o mais correto ou sensato. Incentivada pela amiga transgressora elas saem juntas numa aventura e tudo parece seguir o plano que elas imaginaram. Entretanto, numa parada num bar de beira de estrada uma fatalidade acontece e elas se tornam, do dia para a noite, fugitivas da justiça.
É nesse momento que entra em cena o agente Hal (Harvey Keitel), responsável por caçá-las e prendê-las. Mais do que isso, ele representa o eterno senso de moralidade que a sociedade vive imputando em nós dia a dia. Não há de fato um interesse legítimo dele em averiguar a história real por trás da tragédia que as acometeu. Ele precisa, isso sim, prender as duas assassinas. É assim que a a sociedade, a mídia, o sistema em geral as enxerga agora. Qualquer outra informação ou versão dos fatos é meramente coadjuvante.
Apenas dois homens são capazes realmente de entender Thelma e Louise. J.D. (Brad Pitt, em início de carreira), o perfeito amante que Thelma precisa para encarar aquela "nova realidade" e o exato oposto do seu marido mandão, e por isso mesmo descartável e Jimmy (Michael Madsen), um homem do passado de Louise que nunca entendeu totalmente as escolhas dela nem porque ambos não ficaram juntos lá atrás, mas a respeita bem como suas decisões. No mais, todos veem a dupla como o problema e não a solução. Logo, elas fogem.
Contudo, mais importante do que a fuga em si e as desventuras pelas quais elas passam, é o fato de que precisamos entender que ambas são, no fundo, outsiders. Não pertencem a nenhum grupo pré-determinado desta sociedade que só sabe rotular as pessoas e ainda por cima cansaram de jogar segundo as regras incômodas da boa conduta. Para elas, todo esse discurso moral e castrador, a cabeça baixa, o "sim, senhor e não, senhor" diários não atendem em nenhum nível a necessidade de serem livres, donas de seus próprios narizes. E por conta desse choque de valores elas são transformadas em exemplo, para que futuras mulheres não tenham a mesma ideia que elas e se rebelem.
Você pode até me dizer ao final da película que Ridley Scott não teve de fato esse pensamento, que ele não criou a dupla visando essa postura, mas quando acompanhamos o jeito com que ele narra a história, como esmiuça o texto de Callie Khouri (vencedora do Oscar de melhor roteiro original pelo longa) e permite a Geena e Susan que falem abertamente, sem rodeios, cansadas de serem apenas a esposa, a companheira, a amante, putz!, é inegável que havia ali toda uma abordagem feminista e, não somente isso, precursora de uma era. Que me critiquem os moralistas, se quiserem, mas vejo Thelma & Louise, sim, como um grande libelo pela emancipação feminina. E realizado de forma elegante, sem caricaturas ou clichês óbvios.
Impossível não se deparar com filmes recentes como Bela Vingança, Adoráveis mulheres e As sufragistas e não levar em consideração a importância do discurso dessas duas mulheres perseguidas, que não tiveram o menor direito de se defender ou mesmo explicar suas razões. E tudo isso por simplesmente pertencerem ao tal "sexo frágil", expressão execrável criada com o único intuito de determinar quem pode o que, quando, onde e como na atual sociedade.
No final das contas o filme de Ridley Scott é mais um a entrar para uma lista de obras cinematográficas indispensáveis, que não envelheceram com o tempo e precisam ser vistas (pelas novas gerações) e revistas (pelas que já a assistiram pelo menos uma vez) sempre que possível. Pois como todos sabemos, ou deveríamos saber, o preconceito ao tema mulher continua por aí. E pior: lutando contra de maneira cada vez mais brutal e covarde. Logo, desistir nunca foi uma opção para elas.
E diferentemente dos outros homens, eu acredito que essa covardia também deveria ser um assunto nosso... Do contrário, nada muda. Nunca.
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