A Metamorfose de Malcolm X: Uma Viagem Através dos Livros
Nascido Malcolm Little em 1925, em Omaha, Nebraska, a vida de Malcolm X foi um testemunho do poder da transformação através da auto educação. Seus primeiros anos foram marcados por dificuldades e delinquência, levando a uma sentença de prisão onde ele iria passar por uma profunda metamorfose. Foi dentro dos limites de uma cela de prisão que Malcolm X descobriu o poder transformador dos livros, uma descoberta que não só remodelaria a sua própria consciência, mas também deixaria uma marca indelével no mundo.
O despertar na prisão
O encarceramento de Malcolm X tornou-se o crucível improvável para o seu renascimento intelectual. Sentindo-se sem educação e incapaz de se expressar em letras, ele embarcou em um rigoroso programa autodidacta para dominar a palavra escrita . Ele começou por copiar todo o dicionário, uma tarefa meticulosa que expandiu seu vocabulário e melhorou suas habilidades de escrita. Esta disciplina lançou as bases para os seus vorazes hábitos de leitura.
No silêncio da sua cela, Malcolm X leu tudo o que podia colocar as mãos. Sua lista de leitura era extensa, variando da história à filosofia, abrangendo as lutas das comunidades africanas e o impacto do racismo. Juntou-se às aulas educacionais para promover os seus estudos e participou de debates na prisão, onde o seu conhecimento recém-descoberto lhe deu uma vantagem sobre os seus oponentes.
O poder da auto-educação
A jornada de auto educação de Malcolm X foi um farol de esperança para aqueles que se sentiram marginalizados e sem voz. Ele demonstrou que aprender e falar a mente eram ferramentas poderosas para a libertação pessoal. Sua experiência na prisão ensinou-lhe mais sobre o mundo, e especificamente sobre a história negra, do que ele acreditava que alguma vez teria aprendido num ambiente de educação formal.
Através de sua busca incansável pelo conhecimento, Malcolm X emergiu como um principal porta-voz do separatismo negro, defendendo que os americanos negros cortassem os laços com a comunidade branca. A sua visão radical dos direitos civis foi moldada pelos livros que leu, o que o ajudou a articular uma filosofia que combinava conhecimento político com uma profunda compreensão da discriminação racial.
A transformação e o legado
A transformação de Malcolm X de um bandido para um ministro muçulmano é vividamente narrada em sua autobiografia, co-autoria com Alex Haley . Sua conversão ao verdadeiro Islã durante uma peregrinação a Meca ajudou-o a confrontar sua raiva e a reconhecer a irmandade de toda a humanidade, levando-o a renunciar a muitas de suas crenças antigas. A autobiografia tem sido celebrada como um trabalho crucial para a compreensão da justiça social e da discriminação racial.
O legado de Malcolm X não está apenas nas suas ideias e discursos radicais, mas também na sua demonstração de como a mudança é possível a partir de dentro. A sua história de vida, contada através da sua autobiografia, continua a inspirar e desafiar os leitores, oferecendo uma visão radical para os direitos civis que permanece relevante hoje. A história de Malcolm X é um lembrete poderoso de como os livros podem moldar o destino de uma pessoa. Sua transformação de Malcolm Little para Malcolm X foi alimentada pelas palavras e ideias que ele encontrou em suas leituras. Aprendeu a ler, escrever, falar e inspirar outros, tornando-se um símbolo do poder da auto-educação e da busca da verdade.
A novela também teve erros incontestáveis. A saga da Aline não empolgou e andou em círculos ao longo dos meses. A mocinha sempre era ameaçada por Antônio,
enfrentava o vilão, acabava sofrendo alguma consequência grave (prisão, incêndio da plantação e perda das terras)
e depois o ciclo vicioso recomeçava. Barbara Reis esteve incrível e mostrou que estava preparada, sim, para uma protagonista. Mas o enredo não ajudou. Também não deu para engolir a redenção de Andrade. Espancador de mulher não merece final feliz, ainda que todo mundo tenha o direito a uma segunda chance. A situação não repetiu o grave equívoco de "O Outro Lado do Paraíso" (2017), quando Gael (Sérgio Guizé) foi transformado quase em um herói no final, e Walcyr ao menos aprendeu a lição, mas não precisava. Outro problema visível foi a perseguição exaustiva de Tadeu a Anely. O contexto envolvendo a Rainha Delícia divertiu no começo, mas depois perdeu a graça. Muito tempo de cena perdido em uma sucessão de bobagens. Ao invés de ter focado nisso, daria para criar um enredo interessante para Odilon, que ficou avulso no roteiro depois que Anely se juntou a Luigi. Jonathan Azevedo foi sendo empurrado para vários núcleos até parar no bordel. A trama envolvendo Yandara (Rafaela Cocal) também merecia mais destaque, enquanto a entrada na reta final de Natercinho (Daniel Rocha) pouco acrescentou. O ponto negativo fica em cima da fuga da Irene,
depois de ter sequestrado Danielzinho, que beirou o absurdo já que a vilã estava desarmada diante de vários policiais. Vale destacar ainda o final de Irene, rica e plena ao lado de um milionário interpretado por Rodrigo Lombardi. E com um filho adotado. Mas a dúvida permaneceu: adotado mesmo ou roubado?
o fim do mistério do assassinato de Agatha. A vilã teve um final apoteótico, digno de sua participação, e já tinha sido desvendado que Irene tinha dado os três tiros na rival, que agonizava na escada. Mas quem empurrou ainda era dúvida. Só que no final das contas, até o envenenamento provocado por Angelina foi criminoso. Ao contrário do que disse em seu depoimento, a governanta não trocou as xícaras. Ela botou veneno para Agatha tomar, mas a vilã logo sentiu o gosto e foi correndo pegar o antídoto. E na escada estava Gentil, que a empurrou. Um plot twist que não foi vazado pela imprensa, fazendo jus a vários finais do Walcyr que surpreendem o público, vide César (Antônio Fagundes) com Félix (Mateus Solano) em "Amor à Vida". A troca de risadas entre Angelina e Gentil encerrou o enigma com chave de ouro. Vale lembrar que os dois eram os únicos que sabiam que Agatha estava na prisão e não morta durante os anos que ficou sumida.
Ou seja, um novo segredo guardado a sete chaves pela dupla.
Infelizmente, os mocinhos perderam espaço. Aline sempre será lembrada como a protagonista do Walcyr que não teve uma baita guinada — e acho que se apagou mais que a Filó de “Êta Mundo Bom” —, mas a Bárbara Reis é competente e a gente ainda torcia por ela de alguma forma. Do Caio não dá para dizer o mesmo. O personagem era inverossímil nos primeiros capítulos,
além daquele amor louco pela Aline que chegava a forçar as coisas. Ela não tinha obrigação de gostar dele porque ele gostava dela, muito menos o Daniel merecia toda aquela humilhação da parte do irmão porque era com ele que a Aline queria ficar naquele momento. Para alguém que nasceu “jogado às traças”, eram lampejos de egoísmo insuportáveis. O Caio era boa pessoa, mas não dá pra dizer que ele cresceu com a trama. Deu pena que a mãe que ele amava era uma vaca? Deu.
E só! O personagem pra mim deu uma derrubada na visão do Cauã como ator, que tinha brilhado em ULAS. Além do mais, mesmo ele parecendo mais jovem, chega de fazer personagens tão mais novos que ele! Vai ser pai de adolescente, um quarentão que não aceita a idade, alguma coisa assim! Se mexe, Globo!
Agora uma coisa que eu nunca vou esquecer dessa novela é: TODAS as crianças eram um amor! A Rosa foi a que menos apareceu, ainda assim era legal. O Christian era um doce e encarou coisas pesadas em casa e na escola, e o João era um querido também, minha criança favorita da novela (e a relação dele com o Caio era bonito de ver).
"Falas Negras - Histórias Impossíveis" fecha o ciclo com um episódio de impacto
No Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, foi ao ar o último episódio da série "Histórias Impossíveis". Após "Falas Femininas" (em homenagem ao Dia Internacional da Mulher), "Falas da Terra" (em homenagem ao Dia dos Povos Indígenas), "Falas de Orgulho" (em homenagem ao Dia do Orgulho LGBTQIAP+) e "Falas da Vida" (em homenagem ao Dia Internacional das Pessoas Idosas), a TV aberta exibiu "Falas Negras" nesta segunda, após o último capítulo de "Todas as Flores".
A trama propôs uma discussão sobre os estereótipos criados para personagens negros ao longo da história do audiovisual a partir de uma narrativa ficcional carregada de mistérios. No centro do enredo, Janaína (Grace Passô), uma roteirista negra, tem um encontro com a equipe de autores, todos brancos, de um novo projeto audiovisual, cuja imersão é realizada em uma fazendo do interior, herança da época colonial. Sua chegada gera desconforto tanto aos demais roteiristas ---- o que provoca conflitos na equipe ----, quanto aos funcionários da fazenda, como Benê (Neusa Borges), Justino (Leandro Firmino) e Dita (Dandara Abreu), que aos olhos de Janaína, apresentam comportamentos estranhos.
A história, com o título de "Levante", fala sobre a representação de personagens negros na TV ao longo de várias décadas. Até porque pouco se falava do fato dos pretos só aparecem em novelas como empregados, motoristas ou porteiros. A realidade só começou a mudar recentemente com a inserção de maior diversidade nos elencos, incluindo um importante protagonismo negro, e sem profissões estereotipadas. A série aborda a questão através de um amontoado de situações que instigam o telespectador, que não identifica muito bem no início se a produção é de suspense, terror ou um drama comum. Depois de perceber que há algo incomum no lugar, Janaína passa a investigar e descobre coisas inimagináveis sobre o verdadeiro propósito da fazenda e dos planos de seus funcionários. Personagens imprescindíveis no desenrolar da história, Benê e Justino, guardam um segredo que mexe com a cabeça de Janaína e dos outros roteiristas que estão na casa. A trama é bem conduzida e consegue prender a atenção de quem está assistindo até o final. E um dos atrativos é ver Grace Passô, uma das roteiristas da série e responsável pelos outros episódios de "Histórias Impossíveis", atuando como protagonista e vivendo uma personagem que tem tudo a ver com ela.
Após muitas dúvidas ao longo da trama, perto do final o intuito do enredo é revelado e o plot provoca um impacto gigantesco em quem assiste. Vários personagens negros e indígenas estereotipados ganham vida e resolvem dar um basta diante de tantos anos protagonizando roteiros escritos por brancos que desrespeitam suas vivências e histórias. O diálogo da representação do traficante, da empregada doméstica, da sambista, do 'preto véio', da ama de leite, entre tantos outros tipos, provoca reflexão e indignação. Neusa Borges, Thalma de Freitas, Ju Colombo, MV Bill e Leandro Firmino são alguns dos que brilham. Já a cena final, da fazenda sendo incendiada pelos personagens com a ajuda de Janaína, arrepia, assim como o encerramento das gravações com a protagonista sendo aclamada por todos da produção. Tudo ao som de "Promessas do Sol", cantada por Milton Nascimento. Uma metalinguagem genial e também uma autocrítica pra Globo que por muitos anos reproduziu o que a série critica.
A antologia "Histórias Impossíveis", apresentadas nos especiais "Falas" deste ano, foi criada e escrita por Renata Martins, Grace Passô e Jaqueline Souza, escrita com Thais Fujinaga, Hela Santana, Graciela Guarani e Renata Tupinambá. A direção artística é de Luisa Lima e direção de Thereza Médicis, Everlane Moraes, Graciela Guarani e Fabio Rodrigo, com produção de Leilanie Silva. Alinhado à jornada ESG da Globo, o projeto tem direção executiva de produção de Simone Lamosa, e direção de gênero de José Luiz Villamarim. O melhor episódio foi o que justamente fechou o ciclo.
Há uma frase de Dora, personagem de Fernanda Montenegro em Central do Brasil, de Walter Salles, que até hoje me emociona e perturba.
Sem se despedir do menino Josué, vivido por Vinicius de Oliveira, ela embarca, no desfecho do filme, em um ônibus caindo aos pedaços, de volta ao Rio de Janeiro, e lhe escreve uma carta de despedida. Nela, fala de sua já distante infância, e conta sobre quando o pai, maquinista ferroviário, a deixou, ainda pequena, fazer soar o apito do trem. Um momento perdido no tempo. Mas único, inesquecível para ela.
Dora pede ao garoto que, quando sentir falta dela, dê uma olhada no retratinho que tiraram juntos, e arremata a carta: “Eu digo isso porque tenho medo que um dia você também me esqueça. Tenho saudade do meu pai. Tenho saudade de tudo.”
Esse epílogo, embora triste, melancólico, embute uma ponta de esperança. Josué, órfão de mãe, encontra os irmãos mais velhos, e ganha a perspectiva de ter, enfim, uma família. E ela, antes uma mulher amarga, desesperançada e egoísta, parece reencontrar a sua humanidade.
Mas voltemos à frase de Dora, aquela em que a personagem diz ter medo do esquecimento e, ao mesmo tempo, sentir saudade de tudo. Quem já viveu um tanto, e tem, como eu, o hábito de olhar com frequência pelo retrovisor, de revisitar estradas percorridas, em busca de novos significados para antigas paisagens, sente, como a personagem de Fernanda Montenegro, o temor de que essa jornada seja, no fim das contas, uma longa estrada solitária. E, além da nostalgia, a tal “saudade de tudo” seja o único legado da existência quando finalmente chegarmos ao destino, seja ele qual for.
E, revi meio ao acaso, na televisão, trechos de Aquarius, longa-metragem do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho estrelado por Sonia Braga. A atriz paranaense, em estado de graça, é Clara, crítica de música aposentada que se recusa a deixar o apartamento onde viveu boa parte da vida, apesar de toda a pressão que sofre da construtora que pretende demolir o antigo edifício na orla de Recife para construir um grande empreendimento imobiliário. O filme fala de resistência e memória, tema que me é muito caro.
A Sonia chegou ao estrelato na televisão brasileira quando protagonizou, em 1975, a novela Gabriela - quando a histórica adaptação do romance de Jorge Amado estreou na TV aberta. O folhetim, escrito por Walter George Durst e dirigida por Walter Avancini, virou em pouco tempo um fenômeno cultural – e um acontecimento de grandes proporções na minha família. Só se falava das ousadas – e sensualíssimas, para os daquela, ou de qualquer época – cenas de amor entre a personagem-título, uma desinibida retirante do interior da Bahia, de pele morena e pés descalços, e o turco Nacib, que na verdade é sírio-libanês.
Gabriela e Nacib se deitavam e se amavam diante das câmeras – e do Brasil inteiro – ao som de temas de Dori Caymmi e de “Alegre Menina”, cujos belos versos eram cantados por um ainda quase desconhecido compositor alagoano chamado Djavan. E o país, em plena era da pornochanchada, se chocava e se deleitava, encantado em ver tudo aquilo no conforto do lar.
Talvez por causa desse alto teor erótico, considerado uma temeridade nos anos de chumbo de ditadura militar, eu era, digamos, “proibido” de ficar acordado até as 10 horas da noite para assistir ao folhetim. “Não é programa para criança”, cansei de ouvir. Mesmo assim, a maioria desafiava as regras domésticas e lembra de ter visto, escondido, muitos dos 130 e poucos capítulos de Gabriela.
Você se lembra disso: "Esperava minha mãe, que entrava no trabalho muito cedo, pegar no sono e, pé ante pé, saía do quarto sem fazer qualquer barulho. Sentava-me no tapete da sala de nosso apartamento em Copacabana, a dois, três palmos do primeiro aparelho de televisão em cores que tivemos, e mergulhava na Ilhéus dos anos 20. Inebriado."
E, logo em seguida, me levaram até ela: Sonia Braga, já com os cabelos alisados e bem mais curtos, à altura do ombro, se transmutando em Gabriela(1983) ou Dona Flor(1975) ou Solange(1978). Linda, de grandes olhos castanhos e muito simpática, Sônia Braga, Gabriela, Dona Flor e Solange tinham me beijado. E agora as quatro te afagavam os cabelos.
Vai Na Fé: A “trilogia” de superação feminina de Rosane Svartman chega ao apogeu
Autora da novela das 19 reforça seu lugar em sua “mitologia suburbana”, que inclui talento, fama, adolescentes, revelações, música… e sempre um deslizezinho no final.
Quando Vai Na Fé foi anunciada pela TV ela quase sofreu do recorrente equívoco de marketing que o braço streaming da empresa vive cometendo: foi “vendida” do jeito errado, como uma “novela evangélica”, provavelmente para que essa informação atravessasse a mídia e fosse buscar alguns espectadores perdidos para as terras bíblicas da Record. Na ocasião, fiz um texto sobre o quanto essa era uma estratégia equivocada, uma vez que por uma questão de compromisso artístico, a Globo jamais faria uma novela seguindo os padrões conservadores de uma novela da Record e, evidentemente, jamais interessaria o público que está lá buscando produtos de natureza estritamente gospel.
A culpa não era de Rosane Svartman e sua equipe, é preciso dizer. Por tradição crítica, os evangélicos apresentados em novelas da casa eram sempre personagens sem likeability, extremistas, castradores. A partir do momento em que a protagonista seria uma mulher evangélica, era natural pensarmos até que ponto a questão religiosa apareceria com destaque na trama. Estaríamos diante de evangélicos “esterilizados” ou simplesmente de pessoas realistas, que podem seguir uma doutrina religiosa sem que isso signifique excluir ou julgar quem não faz parte dela?
A segunda opção se tornou uma evidência assim que a novela começou. A família de Sol (Sheron Menezes) era uma família suburbana, preta, pobre, evangélica; ou seja, muito próxima da realidade da maioria dos brasileiros desse país. Contudo, a maneira elegante, delicada e justa com a qual a religiosidade desses personagens foi retratada aproximava o núcleo daquele mundo “como deveria ser”, muito mais do que como ele realmente é (e como pessoa gay criada dentro do seio de uma família evangélica, atesto o que quero dizer). Rosane Svartman estava fazendo aqui na nossa teledramaturgia o que já vem sendo feito em algumas narrativas estrangeiras nos últimos anos: naturalizar questões sociais sem polemizar sobre elas.
Nunca vimos uma cena em que um dos membros da família de Sol repreendesse outros personagens por não serem evangélicos como eles. A melhor amiga e a afilhada não eram convertidas; o melhor amigo era gay; o amor de infância era de uma religião de matriz africana… E nunca houve a conversa sobre estar cada um numa ponta desse quadrado (forçado, essencialmente, pelo organismo religioso como um todo). Todo mundo convivia bem, tudo era natural; não havia necessidade de discutir as diferenças, porque elas não eram o centro da narrativa. E assim, a primeira família evangélica simpática – e empática – da TV foi guiada por Rosane e sua equipe com extrema competência.
Svartmanverso
A autora, aliás, parece ter encontrado em Vai Na Fé o resultado quase completo de uma progressão ideológica que já aparecia discretamente em Totalmente Demais, sua primeira novela. Seu texto esperto e inteligente já estava lá, mas ainda era preciso que a mocinha pobre tivesse o rosto europeu de Marina Ruy Barbosa e o galã seguisse esses passos, estampado na beleza de Fábio Assunção. Mas, quando Bom Sucesso chegou, um tempo depois, apesar da protagonista ainda precisar dos olhos azuis de uma Grazi Massafera, ela já tinha uma família inter-racial. Houve uma tentativa um pouco fracassada de dar a David Júnior o destaque de um verdadeiro protagonista; mas o curso foi corrigido com o Ben de Samuel de Assis. Passo a passo, as transformações foram sendo feitas.
Contudo, assim como qualquer autor, Rosane tem suas recorrências. As protagonistas perdidas à margem e que sempre tem algum talento e uma pretensão artística; a mulher executiva complexa, que faz coisas ruins por bons motivos (Juliana Paes, Fabíola Nascimento, Carolina Dieckman); o vilão de terno que tem senso de humor (Armando Babbaioff, Emílio Dantas) e por aí vai… Apesar de amarmos Bruna (Carla Cristina Cardoso), foi até um pouco de exagero coloca-la para fazer uma personagem quase igual a que fez em Bom Sucesso.
Em Vai Na Fé esse mundo próprio do estilo de Rosane parece ter encontrado uma sintonia especial. Se em Totalmente Demais ela – por estar chegando – não podia ousar demais; em Bom Sucesso já começou a incutir elementos lúdicos particulares, ligados sempre a questões artísticas e clássicas. Na novela de Paloma foram os livros; com cenas e cenas inspiradas em grandes títulos da literatura e citações elegantes de autores de todas as nacionalidades. Em Vai Na Fé a estrela foi a música. Canções originais ganharam o país através de Sol e Lui (José Loreto); mas numa virada interessante (e um pouquinho mal dosada) personagens começaram a cantar clássicos, em sequências musicais que costuravam a história.
E tivemos espaço para a celebração da teledramaturgia também. Embora infelizmente a autora tenha escolhido o cinema para colocar a inesquecível Vilma (Renata Sorrah) em ação; a personagem passou a novela citando personagens da nossa história teledramatúrgica e fazendo com que o coração dos noveleiros batesse com um carinho especial por esse projeto. Não só Rosane e seu fantástico time estavam escrevendo uma novela divertida, esperta e coerente, como também estavam aproveitando para festejar esse gênero (que com o crescimento do streaming passou a ser desprezado, precisando cada vez mais de honrarias).
A Fé Não Costuma Falhar
Outro aspecto recorrente da obra de Rosane é a perda de fôlego na reta final, que atingiu toda sua trilogia e que acaba atrapalhando um pouco a experiência. Assim como em Totalmente Demais e Bom Sucesso, a protagonista estava em busca da realização de um sonho artístico. No caso de Sol é possível que no intuito de manter a situação sob controle, o sucesso da personagem tenha demorado demais para acontecer; questão essa que atribuo justamente a esse descarrilho nos 40 capítulos finais.
A progressão da carreira de Sol foi bloqueada pelo longo e penoso enredo envolvendo o julgamento de Téo; uma trama que durou muitos capítulos, trouxe discussões importantes, mas que foi encerrado sem o mesmo apuro comum ao texto da novela. Téo vencer o processo é totalmente coerente com a realidade, mas a falta de uma amarração narrativa para que ele pagasse por isso em seguida não é coerente com a ficção. A questão dos abusos foi esquecida na reta final, ele não passou por novo processo, não houve um encerramento digno para essa questão; e o que causou sua “falsa morte” e sua prisão foram as arestas do contrabando. Sempre tive a sensação de que Érika (Letícia Salles) se aproximaria dele, defendendo-o, para ser uma outra vítima; e que isso a acordaria (já que ela tinha um ótimo enredo como contraponto para as questões etaristas levantadas por Vilma). Mas, essa foi uma oportunidade perdida.
Mel Maia foi outra que sofreu com um planejamento difícil. A patricinha influencer tinha um grande potencial, já que estudava em meio a uma porção de bolsistas e tinha zero referência familiar. Os embates com Jennifer (Bella Campos) eram ótimos, a aproximação com a maravilhosa Dora (Claudia Ohana) também foi um acerto… Mas, no meio da novela Guiga foi desviada para um enredo estapafúrdio que foi parar no fim do fofíssimo casal gay formado por Guthierry Sotero e Jean Paulo Campos. Uma mancada quase imperdoável, que encerrou uma bem-vinda trama LGBTQ guiada por atores pretos e terminou por destruir a relevância dos que sobreviveram aos escombros.
É claro que estamos falando de uma novela, uma obra aberta, passível de interferências e pormenores que desconhecemos. Mas, ficamos nos perguntando por que a trama de adoção para o personagem de Marcos Veras não veio antes? Por que não exploraram a relação de Bruna com o filho da fofoqueira? Por que Vitinho (Luis Lobianco) nunca teve uma vida própria…? Talvez jamais saibamos quais as engrenagens que levaram a essas decisões. Elas estão aí e cada um decide qual vai ser o tamanho do pano que passará.
O meu “pano” eu precisei torcer bem para que ele desse conta do absurdo que foi o enredo do sequestro falso armado por Kate (Clara Moneke) e da maluquice que foi ver Jennifer e Rafael (Caio Manhente) achando que enganariam Téo. A maluquice dos irmãos atrapalhados ainda resultou nas acusações de contrabando, mas o falso sequestro não teve absolutamente NENHUM desdobramento coerente. Foi uma decisão narrativa tão ruim, mas tão ruim, que passou um bom tempo circulando pela internet como razão para o descrédito na novela. Rosane ainda tentou defender a ideia usando o passado de Kate para justificar sua irresponsabilidade; traindo a evolução da própria personagem.
E Kate foi o fenômeno que todos nós estávamos precisando. O trabalho de Clara foi comovente de tão especial. Kate era divertida, debochada, mas eram lindas a sensibilidade e a afetuosidade vislumbradas de um simples olhar, vazando de seus escudos de petulância. Se não fosse pelo famigerado sequestro falso, ela teria passado pela novela sem um arranhão sequer; já que, até mesmo na reta final, sua persona empresária foi simplesmente deliciosa de assistir. O trabalho de Clara e o de Carolina Dieckman (como Lumiar), fulguram entre os traços mais inesquecíveis de Vai Na Fé; uma pela expansão, outra pela introversão; mas ambas imperfeitas, humanas, adoráveis.
Apesar dos tropeços (que incluem um último capítulo abaixo da média), está consagrado que quando Rosane Svartman aparece no horário das sete, seremos presenteados com uma novela bem escrita, cuidadosa, com cara de Brasil, com o doce da mentira e a força que supera as realidades. A linda canção de abertura (talvez uma das melhores da história da teledramaturgia), diz perfeitamente que queremos ver nossa família bem, nossos amigos bem, todo mundo bem… E Vai Na Fé passou por nós como uma oração delicada, só fazendo bem, cheia daquele otimismo que acessamos na dúvida, porque o que nos move é o bom e velho “graças a Deus que eu não choro mais”.
Tudo sobre "No Limite - Amazônia" com o apresentador Fernando Fernandes, os diretores Rodrigo Giannetto e Gabriel Jacome, e o vice-presidente de criação da Endemol Allan Lico.
Fernando Fernandes falou do novo ambiente do reality: "Tudo é muito difícil, mas muito lindo. A Amazônia encanta e amedronta. É o 'No Limite' mesmo. Isso que é bonito daqui. A gente vem preparado achando que conhece alguma coisa da floresta, mas quando cai dentro dela... É uma mistura de amor com beleza e medo. Os desafios são interessantes e vários serão dados aos participantes para eles se resolverem na convivência, no acampamento, enfim. O que eles vão fazer com cada conquista e cada derrota. Como farão as estratégias para isso. Vamos dar ênfase a essas estratégias. Minha vida é me adaptar o tempo inteiro e podem ter certeza que essa temporada está diferente e radicalmente nova e intensa.", se empolgou o apresentador.
O diretor Gabriel Jacome soltou alguns spoilers: "Um dos grandes diferenciais da Globo é escutar seu público. A gente tá sempre observando os comentários, faz muita pesquisa e tá sempre buscando incorporar. O entretenimento está sempre em transformação e vou aproveitar para dar um spoiler. A final sempre foi algo polemizado porque são várias finais no mundo no 'Survivor' e uma das coisas que escutávamos muito era sobre a votação ao vivo com participação do público e que isso tirava a justiça em torno da trajetória do participante.
A gente optou nessa temporada em não ter a participação do público. A final agora será definida por uma prova e são as habilidades que farão o vencedor do 'No Limite - Amazônia'. Escutamos o público. Vamos nos aproximar mais do formato original do 'Survivor'. Vai ter Ídolo de Imunidade escondido!", adiantou.
O vice-presidente de criação da Endemol, Allan Lico, complementou: "Estamos trabalhando essa edição há aproximadamente um ano. Também escutamos o público sobre a convivência dos participantes. Muitos reclamavam que não tinha muito esse foco e agora vamos ter. Vamos ter muitas referências ao 'Survivor'. Vai ter gente identificando 'ah, mas isso é referência da temporada tal', enfim. Estamos muito feliz em trazer de volta a origem, ao 'No Limite' raiz. Quem é fã do formato vai reconhecer muitos momentos do clássico. A gente tá trazendo esse ano muito forte a questão da convivência.", ressaltou.
O diretor geral da Endemol, Rodrigo Giannetto, também fez questão de acrescentar: "É importante mesmo que os participantes terminem a trajetória deles de uma forma mais justa. E uma grande novidade é como inserimos o telespectador na experiência agora. O público não tem a força mais da decisão do voto, mas ele segue se sentindo dentro do programa e terá uma nova experiência assistindo ao 'No Limite'. Vão se sentir andando com o Fernando, uma experiência mais imersiva nas provas, enfim, uma inovação trazer essa sensação para o público. A escolha da Amazônia é porque é um dos maiores centros do mundo e temos todo o respeito que esse espaço merece ter. A gente escolheu uma região de um dos maiores fenômenos naturais que é a inundação da floresta. Um dos ambientes mais desafiadores do mundo. Nos adaptamos e também na cultura das provas. Um trabalho feito em conjunto. As provas serão desafios amazônicos. Estamos emocionados com o que está acontecendo no programa. É a produção mais desafiadora das nossas vidas. Só tenho a agradecer todo mundo que topou, desde os profissionais até os participantes. É algo realmente novo. Todos nós só temos a ganhar, inclusive o público.", finalizou.
O "No Limite - Amazônia" estreia no dia 18 de julho de 2023, nesta terça. E pela primeira vez sem a direção de Boninho.
Exibida originalmente de 10 de maio de 1999 a 28 de janeiro de 2000, com 226 capítulos, "Força de um Desejo" foi uma novela das seis marcada pelo capricho e grande elenco. No entanto, não é um folhetim muito lembrado pelo grande público e nunca tem seus personagens citados em homenagens televisivas sobre a história da teledramaturgia. A reprise de 2005, no "Vale a Pena Ver de Novo" já tinha provado que o 'esquecimento' é injusto e a reexibição no Canal Viva, iniciada em outubro de 2022 e encerrada nesta quinta-feira (13/07/2023), comprovou o fato.
Escrita por Gilberto Braga, Alcides Nogueira e Sérgio Marques (dirigida por Marcos Paulo e Mauro Mendonça Filho), a novela foi a terceira mais longa da Globo nos anos 90 ----- ficou atrás de "Barriga de Aluguel" (243) e "Quatro por Quatro" (233). Planejada para 179 capítulos, a história acabou esticada a pedido da emissora, o que resultou em reclamações de Gilberto e sua equipe na época. Porém, o esticamento não se deu em virtude do sucesso e, sim, por conta de planejamentos na grade do canal. A produção teve 26 pontos de média geral, índice considerado baixo na época. É até compreensível o certo afastamento do público porque a história tem uma energia pesada e algumas vezes parece as extintas minisséries que eram exibidas após as 23h. Não é um enredo leve e tem pouco humor.
Todavia, o conjunto da obra transborda qualidades. Os autores conseguiram criar personagens densos e um enredo que não caía no marasmo, mesmo em uma época onde a agilidade dos folhetins praticamente inexistia. Era comum toda novela ter longos meses de ritmo arrastado.
Além dos conflitos atrativos, a história tinha os maiores acertos de um bom roteiro: vilões bem construídos e um casal de mocinhos com química. Aliás, a junção de Gilberto com Alcides e Sergio teve grande importância neste quesito. Gilberto sempre foi expert na criação de personagens desprezíveis, mas falhava constantemente na parte dos protagonistas. Com a ajuda de Alcides e Sergio conseguiu construir seu melhor par de mocinhos na carreira: Ester Delamare (Malu Mader) e Inácio Sobral (Fábio Assunção).
Aliás, o enredo é um dos clichês mais conhecidos: pai e filho se envolvendo com a mesma mulher, ainda que na teledramaturgia o mais comum seja mãe e filha se apaixonando pelo mesmo homem. Ambientada no século XIX, Vale da Paraíba, Rio de Janeiro, a novela conta a história do amor vivido por Inácio e Ester. O rapaz é o filho predileto de um dos maiores fazendeiros da região e conhece a mulher de sua vida quando a encontra no salão mais famoso da Corte. A elegante proprietária do local é uma cortesã que provoca a admiração de todos os homens do lugar. Os dois se apaixonam perdidamente a ponto da personagem aceitar largar aquela vida para ser a esposa de Inácio.
Porém, os planos são arruinados quando o estudante recebe a notícia da morte de sua mãe, a baronesa Helena (Sônia Braga em uma breve participação), e volta para a fazenda para ajudar o pai nos negócios da produção de café. Ele acaba contando que está apaixonado, mas a conversa é ouvida pela sua avó, a perversa Idalina (Nathalia Timberg), que forja uma carta e envia para a tal pretendente mesmo sem saber a sua identidade. Afinal, o objetivo da vilã é casar o neto com a fútil Alice (Lavínia Vlasak), filha de Higino Ventura (Paulo Betti), rival e grande inimigo do Barão Henrique Sobral (Reginaldo Faria), o genro que sempre detestou. Vale ressaltar também todos os meandros que envolvem a patricinha, que engravida de Aberlado porque sempre soube que não eram irmãos e usa a criança para prender Inácio.
Os mocinhos acabam se separando e passam a se odiar a ponto de Ester iniciar uma procura para se vingar do rapaz, já que pensa que foi abandonada.
Enquanto planeja a vingança, acaba conhecendo Henrique, que se encontra de luto pela perda da esposa, a quem nunca perdoou pela única traição que originou Abelardo (Selton Mello), filho da falecida baronesa com Higino. Um se torna o apoio emocional do outro até que o barão se apaixona por Ester, que se casa com o poderoso fazendeiro, ainda que mais por admiração e amizade do que por amor. Obviamente, quando vai morar com o novo marido se depara com Inácio e tudo vem à tona, incluindo a armação que vitimou o amor de ambos. Os dois passam a ter que lidar com a dolorosa convivência diária e Ester precisando engolir a arrogância e o deboche de Idalina, que nem imagina que era a pessoa que afastou de seu neto.
O enredo vai se entrelaçando de uma forma muito habilidosa e dá gosto de acompanhar, incluindo as vilanias de Idalina e Higino. Nathalia Timberg e Paulo Betti ---- que ganhou o seu melhor personagem da carreira ---- estão irretocáveis.
Há ainda uma ótima trama protagonizada por Cláudia Abreu, que vive Olívia
, uma golpista que surge na cidade e depois todos descobrem que se trata de uma escrava branca fugida. O enredo é claramente inspirado no clássico "Escrava Isaura", novela de 1976, baseada no livro "A Escrava Isaura" e adaptada pelo mesmo Gilberto Braga em 1976.
É quase um folhetim paralelo, já que a personagem é uma espécie de mocinha que se torna vítima da obsessão de Higino Ventura. E a personagem ainda tem um lindo romance com o médico Mariano, vivido por Marcelo Serrado. Também há um núcleo dos escravizados, cujas cenas quase sempre são bastante pesadas, com direito a surras de chicote e muitas humilhações. Chico Diaz está brilhante como o feitor Clemente, enquanto Chica Xavier (Rosália), Sérgio Menezes (Jesus) e Ana Carbatti (Zulmira) emocionam. Já Isabel Fillardis é responsável pelos raros momentos cômicos da trama na pele da interesseira Luzia. Aliás, outra atriz que dá show na comicidade é Louise Cardoso, que rouba a cena como Guiomar, ex-cafetina e braço direito de Ester. A veterana forma uma divertida dupla com Daniel Dantas, intérprete do jornalista Bartolomeu.
O elenco ainda tem vários outros nomes que se destacam, como Júlia Feldens (Juliana), José de Abreu (em uma breve participação na pele do português Pereira), José Lewgoy (Felício), Cláudio Correa e Castro (Leopoldo), Nelson Dantas (Dr. Xavier), Antônio Grassi (Vitório), André Barros (Trajano), Dira Paes (Palmira), Luiz Magnelli (o barbeiro Gaspar), Rosita Tomaz Lopes (Fabíola), Alexandre Moreno (Cristóvão), Carlos Eduardo Dolabella (Comendador Queiroz), Nill Marcondes (Zelito), Otávio Augusto (Dr. Eurico), Yaçanã Martins (Socorro), Mário Lago (em uma luxuosa participação como Dr. Teodoro), Helena Fernandes (Clara), Delma Silva (Diva), Clemente Viscaíno (Inspetor Bustamante), entre outros. Vale uma menção especial ao talento de Denise Del Vecchio, que brilha na pele da desbocada Bárbara, esposa de Higino, que transborda burrice e falta de educação. A personagem ainda é a responsável pelo maior 'plot' do enredo porque é vista ao longo de toda história
como uma completa idiota e no final é revelado que foi a assassina de Henrique Sobral e responsável por todas as mortes suspeitas que ocorreram ao longo do folhetim ----- a produção tem um 'quem matou?'
na reta final, fazendo jus ao estilo de Gilberto Braga.
"Força de um Desejo" é uma novela que esbanja capricho e merecia ser mais lembrada pelos telespectadores. Embora transborde qualidades, está na lista de produções injustiçadas, tanto na audiência quanto na memória do grande público. A reprise no Viva foi um presente para quem assistiu e esqueceu de muitos detalhes e para quem ainda não tinha prestigiado uma obra tão bem escrita, atuada e desenvolvida.
Segunda parte de ‘Todas as Flores’ opta pelo excesso e pelo pastiche
'Todas as Flores', novela de João Emanuel Carneiro, embora muito interessante, perdeu parte do brilho em seu trecho final, ao mergulhar de cabeça no melodrama e abrir mão de seu contexto político e sociocultural.
O autor João Emanuel Carneiro radicalizou na reta final de Todas as Flores, telenovela de 85 capítulos que o roteirista e teledramaturgia carioca escreveu para a plataforma de streaming do Brasil. Se na primeira parte, que foi ao ar no ano passado, o autor parecia disposto a subverter o formato melodramático, se utilizando de suas convenções para nelas injetar doses de realismo e de comentário social, na segunda leva de episódios ele resolveu ir em outra direção e optar pelo excesso, pelo pastiche.
A saga de Maíra (Sophie Charlotte), jovem cega, criada pelo pai, Rivaldo (Chico Diaz) no coração do país, não fugia a convenções do folhetim tradicional em sua temporada inicial. Depois de precipitar a morte do ex-marido, a mãe da garota, Zoé (Regina Casé), a convence a retornar ao Rio com um propósito escuso: salvar a vida da irmã, a inescrupulosa Vanessa (Letícia Colin), que está com leucemia, doando-lhe a medula óssea.
Em um capricho de destino, Maíra se apaixona por Rafael (Humberto Carrão), noivo milionário da irmã, que não o ama e só está interessada no dinheiro do rapaz, herdeiro da Rhodes, grande loja e marca de roupa, acessórios e perfumes. Detalhe: a garota cega tem um olfato privilegiado e sonha tornar-se perfumista.
O que Maíra também não sabe é que Zoé, desde a juventude miserável, é amante de Humberto (Fábio Assunção), pai de Rafael, e faz parte de uma organização criminosa, que tráfico humano e mantém no interior de Minas Gerais uma fazenda, onde jovens trabalham em regime análogo à escravidão, além de gerarem bebês, vendidos a peso de ouro a famílias estrangeiras.
João Emanuel Carneiro, autor de Avenida Brasil, a mais importante novela exibida neste século, e um dos roteiristas do premiado filme Central do Brasil, conseguiu fazer de Todas as Flores no ano passado um grande sucesso de audiência e fenômeno nas redes sociais. Tanto por conta da trama central, muito bem amarrada, mas também por seus enredos subjacentes
Encantou o público, por exemplo, a deliciosa Mauritânia (Thalita Carauta), ex-atriz pornô decadente que, ao se casar com o tio de Rafael e ficar viúva, torna-se herdeira da Rhodes e traz à trama da novela picardia e alívio cômico, contrapontos importantes para o teor melodramático da trama principal, focada no intenso jogo de trapaças orquestrado por Zoé e Vanessa, amante de Pablo (Caio Castro), ambicioso funcionário da Rodes, filho da costureira Judite (Mariana Nunes), por quem Humberto é apaixonado desde sempre.
Todas as Flores, por mais que não fugisse em sua essência da matriz melodramática mais tradicional, não se apropriava dela, em sua primeira parte, sem, também, subvertê-la. Na pele de Regina Casé, atriz que como poucas consegue transitar entre o cômico e o dramático, Zoé é uma mãe sem qualquer instinto maternal: alpinista social, por baixo de sua fina casca de sofisticação, é vulgar até a medula. Saiu da Gamboa, bairro pobre do Centro do Rio, de onde também são Humberto, Judite e Mauritânia, mas nega suas origens.
Mas se, em sua primeira temporada, Carneiro parecia estar costurando uma inventiva crônica folhetinesca sobre a sociedade brasileira, retratando seus paradoxos e abismos, o autor tomou outra direção na leva final de episódios. Seria injusto dizer que se perdeu. Ele parece, sim, ter feito outra opção, bastante consciente: a de abrir mão do contexto socioeconômico e cultural da trama, para mergulhar de cabeça no melodrama, deixando pelo caminho, por exemplo, toda a potência de Mauritânia e sua subtrama, muito enfraquecida.
A narrativa ágil e diálogos inspirados, cortantes, continuaram de certa forma em Todas as Flores, mas a novela esqueceu do Brasil, do cenário político, de seus personagens mais populares, para focar, com lente de aumento, no estapafúrdio jogo de gatos e ratos de Maíra, Zoé, Vanessa, Humberto e Pablo.
Eles vivem até o último capítulo as situações mais absurdas, inverossímeis, com direito e tiros, torturas, chantagens e correrias, por vezes eletrizantes e/ou hilariantes. Todas as Flores, no entanto, enfraqueceu, perdeu muito de seu brilho, mas continuou uma das novelas mais interessantes dos últimos tempos, muito por conta da pena afiada de João Emanuel Carneiro.
Com "Vai na Fé", Rosane Svartman trouxe de volta a essência de um bom folhetim
A atual novela das sete da TV não para de receber elogios desde que estreou, em janeiro. Já são cinco meses no ar e não há qualquer sinal de esgotamento do enredo. Pelo contrário, não falta conflito. Todos os capítulos são dinâmicos e com acontecimentos que mexem na narrativa. "Vai na Fé", dirigida por Paulo Silvestrini, reúne todas as qualidades de uma boa história e uma das principais é a essência do folhetim. Rosane Svartman trouxe de volta características que andaram (e andam) em falta na teledramaturgia da TV
As quatro novelas da TV Globo ("Cara e Coragem", "Mar do Sertão", "Amor Perfeito" e "Travessia) fracassaram no desenvolvimento e na estruturação do roteiro. E, ironicamente, as quatro apresentaram problemas semelhantes: história que não tem fôlego para ficar no ar por seis meses e um início corrido para causar uma falsa impressão de agilidade. "Cara e Coragem", de Cláudia Souto, teve quase 200 capítulos com um enredo que não duraria nem cinco semanas.
Para culminar, a autora 'matou' Clarice (Taís Araújo) no terceiro capítulo da novela, o que impediu que o público criasse qualquer vínculo com ela. Ainda foi um equívoco a obra ter ficado voltada apenas para a resolução de um crime que ninguém se importava porque mal conhecia a vítima. E a pressa nem se justificou porque foi uma falsa morte e a história ficou andando em círculos o tempo todo. Os três vilões ainda se mostraram desinteressantes e até inofensivos.
"Travessia" apresentou um conjunto de erros praticamente igua
l. Débora (Grazi Massafera) vivia uma relação infeliz com Guerra (Humberto Martins), engravidou do amante, foi descoberta pelo marido, meses se passaram, sofreu um acidente de carro e morreu. Isso tudo na estreia da novela de Glória Perez.
O telespectador não teve tempo de criar empatia e muito menos ódio por ninguém. Foi tudo jogado de qualquer maneira para provocar a sensação de um capítulo ágil e dinâmico.
Mas o resultado foi apenas um atropelo de acontecimentos que destruiu um dos motes centrais. Para culminar, o enredo em torno da rivalidade das irmãs, Guida (Alessandra Negrini) e Leonor (Vanessa Giácomo), também teve a pressa como característica.
Uma irmã casou com o ex da outra no terceiro capítulo, o que provocou um ataque de fúria com direito a vestido de noiva incendiado. E novamente não deu para sentir identificação com nenhuma das duas porque não foi possível entender o motivo do relacionamento conturbado entre elas. A cena do embate era par ter acontecido lá pela metade da trama, após meses desenvolvendo a temperatura necessária para um ebulição futura. E os conflitos da mocinha Brisa (Lucy Alves) foram outro problema grave, pois a questão das fake news sumiu. A vilania de Moretti (Rodrigo Lombardi) e Ari (Chay Suede) também deixou muito a desejar.
Já "Mar do Sertão" se diferenciava das outras duas por conta dos personagens carismáticos. O público foi conquistado pelos deliciosos perfis secundários que divertiram o tempo todo. Tanto que a produção de Mário Teixeira se sustentava por esquetes que costumavam durar uma semana. Porque o enredo central nunca saiu do lugar. E novamente por culpa da necessidade de causar a falsa impressão de dinamismo. A rivalidade de Zé Paulino (Sérgio Guizé) e Tertulinho (Renato Góes) mal foi trabalhada, assim como o amor do mocinho por Candoca (Isadora Cruz).
Em menos de duas semanas, o protagonista foi dado como morto, quase acabou assassinado pelo vilão e o público não acompanhou nenhum personagem recebendo a notícia da falsa morte do rapaz. Nem teve luto e houve uma passagem de tempo de dez anos. Zé voltou para se vingar, ninguém soube como ficou rico e depois a produção nunca mais teve uma história para contar. Não houve vingança alguma. A vilã Deodora (Debora Bloch) foi outra decepção.
E "Amor Perfeito"? A novela é escrita por três autores titulares: Duca Rachid, Júlio Fisher e Elisio Lopes Jr. Mesmo assim, apresentou problemas primários de desenvolvimento de roteiro. A história, baseada no livro "Marcelino Pão e Vinho", foi praticamente desenvolvida e finalizada em duas semanas
. Marê (Camila Queiroz) se apaixonou pelo mocinho subitamente e engravidou no primeiro capítulo. Foi acusada por um crime que não cometeu e no segundo capítulo já foi presa, enquanto que no terceiro acabou condenada injustamente, depois fugiu da cadeia, pariu em tempo recorde, perdeu o filho, voltou para a prisão, ficou oito anos presa, foi libertada, se vingou da vilã Gilda (Mariana Ximenes), recuperou seus bens, virou presidente do hotel do falecido pai e conheceu o filho, embora ainda não saiba que se trata da criança que tanto procura.
Ficou sem fôlego sem lendo? Compreensível. Não há mais enredo para contar. Tanto que agora a trama se resume no jogo de gato de rato entre mocinha e vilã. Agora Gilda deu um golpe na protagonista e virou a dona do hotel. Cansativo. Já os personagens secundários mal foram apresentados e todos têm dramas superficiais que não envolvem quem assiste.
O que Rosane Svartman vem fazendo em "Vai na Fé"? Absolutamente tudo o que as produções citadas não apresentaram: personagens bem construídos, um desenvolvimento que foge do marasmo, ao mesmo tempo que não atropela acontecimentos relevantes, e uma história que está sendo, de fato, contada. A morte de Carlão (Che Moais), por exemplo, perderia todo o impacto se tivesse acontecido na primeira semana, de forma corrida. Houve uma preocupação em mostrar o cotidiano do personagem com Sol (Sheron Menezzes) e sua família, provocando uma avalanche de sentimentos no público. E até a sequência do acidente foi bem preparada para resultar em uma catarse. O telespectador viu o motorista do caminhão com pressa na estrada, Ben (Samuel de Assis) preocupado, Carlão distraído e emocionado com a mensagem da filha. Não improvisaram uma batida de cinco segundos com efeitos de computação rasos. Houve uma preocupação em cada detalhe. Aliás, outro êxito: mostrou a reação de todos os personagens com a notícia da tragédia e sem correria ou passagem de tempo já cortando para o velório. O fã de novela quer ver como cada personagem reage, é um recurso dramatúrgico que jamais pode ser desperdiçado.
E os mocinhos da novela das sete? Até agora não deram um beijo sequer. Enrolação? Não, apenas uma construção bem aprimorada para resultar no clímax tão esperado. Isso porque a demora vem aumentando cada vez mais a expectativa do público, ao mesmo tempo que não provoca lentidão no roteiro porque há sempre uma leva de acontecimentos em cima de todos os núcleos em um ótimo esquema de rodízio.
A separação de Ben e Lumiar (Carolina Dieckmann) se deu por uma conjunção de fatores que foram sendo desmembrados ao longo dos meses, enquanto o envolvimento da advogada com Theo (Emílio Dantas) ocorreu em virtude de sua grave dependência emocional. E o rompimento da amizade de infância entre mocinho e vilão aconteceu quando Bruna (Carla Cristina Cardoso) contou sobre o abuso sofrido por Sol, que resultou em uma das catarses mais aguardadas com direito a socos na cara do empresário. Já recentemente ocorreu outro momento de grande intensidade: o exame de DNA comprovou que Theo é o pai biológico de Jenifer (Bella Campos) e Sol descobriu através de Benjamin que foi estuprada pelo vilão no passado. O abusador ainda sofreu um atentado, o que resultou na descoberta de Jenifer sobre o abuso sofrido por sua mãe.
Uma avalanche de emoções à flor da pele. Está tudo tão harmônico que nem parece que a história chegou ao centésimo capítulo mês passado.
"Vai na Fé" está a cada dia mais envolvente. Os elogios nunca cessam e a audiência só aumenta. Rosane Svartman trouxe de volta aquela novela que tem orgulho em ser novela. .
Decepcionante, segunda parte de "Todas as Flores" foi repleta de absurdos!
A segunda parte de "Todas as Flores" estreou no início de abril e teve como maior missão manter o interesse do público pela história, que fez um grande sucesso ano passado. Novela exclusiva do Globoplay, a trama de João Emanuel Carneiro teve sua exibição interrompida para não concorrer com o "BBB 23". E o autor se saiu bem diante do hiato. Afinal, a continuação manteve a história em primeiro lugar de produtos mais consumidos do streaming da Globo. Todo mundo queria saber o que aconteceria com os personagens principais. Porém, os 40 capítulos restantes, de um total de 85, ficaram muito aquém dos 45 anteriores.
É preciso ressaltar que o enredo já tinha sido prejudicado com a passagem de tempo na reta final da primeira parte.
O avanço dos meses destruiu a lógica da narrativa, principalmente em torno da gravidez de Maíra (Sophie Charlotte) e Jéssica (Duda Batsow). As duas engravidaram praticamente no mesmo momento, mas a protagonista pariu assim que o tempo passou, enquanto a irmã de Diego (Nicolas Prattes) só teve seu filho na parte de 2023. E o concurso do Garoto Rhodes ficou ainda mais interminável do que já era diante da cronologia apresentada. A própria fuga de Diego, que quase foi preso por Luis Felipe (Cássio Gabus Mendes), se mostrou ridícula porque o rapaz entrou em um VLT (Veículo Leve sob Trilhos), que não passa dos vinte quilômetros por hora, no Centro do Rio de Janeiro.
Mas eram situações que dariam para relevar diante do conjunto da obra. O problema é que os defeitos foram agravados na segunda parte. Os maiores equívocos, que se resumiam a núcleos secundários repetitivos e sem a menor graça (o ponto fraco do autor em toda novela sua), tomaram conta da trama central.
Maíra estava entrando na lista de melhores mocinhas de João Emanuel Carneiro, o que era algo difícil diante de tantas protagonistas fracas criadas pelo escritor, com exceção de Preta (Taís Araújo), de "Da Cor do Pecado", e Nina (Débora Falabella), de "Avenida Brasil". A deficiência visual nunca foi o mote dos dramas da personagem. Era apenas uma condição. E não a atrapalhava em nada, tanto que conseguiu descobrir os podres das vilãs sozinha e ainda se mostrou desconfiada em diversas situações. Porém, parece que a cirurgia para
voltar a enxergar transformou Maíra em uma imbecil.
Primeiramente, é preciso ressaltar que a ideia de uma operação milagrosa no último capítulo da primeira parte foi um dos muitos furos do roteiro. Por que a mocinha nunca contou para Judite (Mariana Nunes) ou Rafael (Humberto Carrão) que tinha a possibilidade de voltar a enxergar com uma cirurgia? Ficou claro que o autor inventou aquela carta na manga para criar um gancho potente para a segunda parte. Porque na prática não houve alteração alguma na narrativa. Tudo o que a protagonista fez com baixa visão, faria cega. Foi um plot desnecessário e até um desserviço diante da causa tão importante que a história levantou sobre os deficientes visuais. Mas voltando ao assunto da burrice da mocinha, foi constrangedora a vingança que João criou para a perfumista. O grande plano para dar o troco na mãe e recuperar o seu bebê, sequestrado pela avó, foi virar uma traficante de crianças e criar uma aliança com Galo (Jackson Antunes) para o vilão entregar os podres de Zoé (Regina Casé). Não seria mais fácil ter contado a verdade para Rafael, que é o pai do bebê e rico? O pior foi Maíra ter levado uma das crianças compradas para morar com ela. E ainda ter confirmado para a polícia que pagou, sim, pela menina, mas com o intuito de salvá-la. Aliás, qual o nexo da polícia ter ido atrás da mocinha assim que Zoé a denunciou? Nem houve investigação antes. Tudo beirou o ridículo. E mais absurdo ainda foi Maíra ter fugido da cadeia posteriormente. Como uma pessoa com baixa visão conseguiu fugir tão facilmente com um plano tão besta (derrubando comida no chão e saindo enquanto a carcereira limpava)?
Aliás, todo o conjunto em torno da protagonista se mostrou um show de estupidez.
Maíra fugiu alegando que não aguentava mais ficar na cela. E fugiu sem qualquer objetivo. Foi para casa de Judite e depois passou a morar com Rafael. Vivendo uma vida normal de dona de casa, sem qualquer importunação. Como a polícia não foi atrás dela em locais tão óbvios? E os policiais só foram até a casa de Judite depois que Vanessa denunciou a irmã. Mas ainda não acabou. A mocinha desenvolveu uma nova fragrância de perfume para ajudar Rafael a reerguer a Rhodes e a sequência serviu para uma ação do patrocinador. Como a empresa aceitou ser associada a uma fugitiva, ainda que na ficção? E Maíra no antepenúltimo capítulo foi atrás de Zoé para provar sua inocência. Mas provar como se realmente comprou crianças? Por incrível que pareça, a personagem foi para a cadeia por um crime que, de fato, cometeu e a sua mãe não teve nada a ver com aquilo.
Outra saga que naufragou foi a envolvendo Diego, que também acabou prejudicada pelo conjunto de situações estapafúrdias
. A morte de Samsa (Ângelo Antônio), assassinado por Débora (Barbara Reis), foi uma das melhores cenas da segunda parte. A catarse surpreendeu e tirou o fôlego do telespectador. Mas tudo o que aconteceu depois decepcionou. Não fez sentido algum Luis Felipe ter caído na chantagem da vilã. Que promotor de justiça iria para a cadeia por ter assassinado o líder de uma quadrilha procurada há anos pela Polícia Federal? Até porque quem matou foi Débora, mas, ainda que tivesse sido ele, seria em legítima defesa. Algo facilmente provado pela circunstância do crime. Não deu para engolir. E Diego que tentou fugir da fundação apontando uma arma para Débora e depois virando as costas, sendo desarmado? Sem comentários. Aliás, a fuga do rapaz também foi outro furo complicado de aceitar. Diego e Luis Felipe foram parar em uma ala que deixava os prisioneiros em surto por conta de um forte medicamento. Os dois não tomaram os remédios e conseguiram armar uma fuga.
Simples assim.
O desfecho da trama da fazenda foi mais um erro grave de João Emanuel Carneiro. O autor é um expert em sequências de suspense e tinha tudo para fechar o arco de forma apoteótica. Afinal, era o que o público esperava porque se tratava do enredo central da novela.
Tudo estava voltado para a poderosa organização que traficava crianças, órgãos e praticava trabalho escravo. Mas a mãe de Samsa, vivida pela talentosa Denise Weimberg, se revelou uma vilã decepcionante e tudo foi resolvido por Rafael e seu segurança particular, além de Diego. Três pessoas desmontaram a estrutura de uma quadrilha gigantesca que estava por toda parte da fazenda. A polícia, para variar, não fez diferença e só chegou no final. A morte da insuportável Ciça (Samantha Jones) não teve impacto algum e Jéssica nem apareceu sendo resgatada, após tanto sofrimento. A irmã de Diego apenas surgiu com os figurantes depois que tudo estava resolvido. E o filho que pariu? Ela nem se lembrou depois de ter falado por mais de 40 capítulos que não deixaria que levassem seu bebê. O telespectador ainda ficou sabendo que Biel (Rodrigo Vidal) estava em um ala infantil na fazenda depois que desapareceu do enredo após a morte da algoz de seu irmão.
o assassinato de Débora foi outro ponto controverso. Embora a sequência tenha surpreendido com a ótima virada provocada por Zoé, o espirro do sangue teve um delay que prejudicou
o resultado final. No caso, a culpa nem foi do autor e, sim, da direção da equipe de Carlos Araújo. Entre os acontecimentos sem lógica da segunda parte, é preciso ainda citar a perda de rumo de uma das personagens mais queridas da história: Mauritânia. Thalita Carauta deu um show,
mas a ex-atriz pornô perdeu todo o destaque que tinha quando se envolveu com Javé (Jhona Burjack). Para culminar, foi ridículo uma mulher tão vivida quanto aquela ter caído no golpe do Humberto (Fábio Assunção) e perdido suas ações na Rhodes.
A decepção foi maior porque era uma das únicas integrantes dos repetitivos e desinteressantes núcleos secundários que protagonizava geniais cenas cômicas.
E voltando ao enredo de Humberto, o personagem tinha uma complexidade muito atrativa. Era um canalha, mas apresentava momentos de fragilidade e seu amor por Judite era sua fraqueza. Mas o seu desfecho foi uma decepção.
O pai de Pablo (Caio Castro) descobriu o endereço de Zoé ligando para várias imobiliárias. Fácil assim. E depois que chegou ao casarão houve um breve enfrentamento com a sua ex-aliada, onde acabou assassinando Galo a sangue frio. Antes de prosseguir, um adendo: qual o nexo de um sujeito tão asqueroso que manipulava crianças ter virado uma pessoa com problemas mentais graves? Jackson Antunes brilhou em cena, mas o papel se perdeu desde que resolveu se aliar a Maíra. Toda a inteligência virou burrice misturada a uma instabilidade emocional que nunca tinha sido apresentada antes. Por isso sua morte não teve densidade. Levou um tiro de Humberto durante um surto sem qualquer cabimento. E Humberto foi morto por Zoé enquanto tentava resgatar a sua fortuna enterrada. Mas foi morto por uma vilã deitada de bruçus e com as duas pernas quebradas. A uma distância imensa. Ainda assim, Zoé acertou direitinho o coração de seu 'amor' e foi se arrastando até ele para uma despedida. Depois se arrastou de volta até o casarão e comeu uns biscoitos. Depois se arrastou novamente até uma estrada, onde acabou encontrada por Vanessa (Letícia Colin) e Pablo. Incrível a força da matriarca.
Já os embates entre Vanessa e Zoé na mansão, que acabou virando um cativeiro, foram geniais graças ao talento de Regina Casé e Letícia Colin. O grande trunfo da novela foi a dupla de vilãs e as duas acabaram carregando a segunda parte nas costas. Apenas elas renderam cenas deliciosas que mesclaram humor e perversidade. Até porque a prometida vingança de Maíra virou piada. E o Globoplay reservou os capítulos 84 e 85 para esta semana. O penúltimo exibido na terça-feira, dia 30, em uma live, e o último no dia 1º de junho, também no mesmo esquema. O objetivo foi aumentar a audiência no streaming, e consequentemente o engajamento em tempo real, porque o autor declarou que reservou os dois capítulos finais exclusivamente para o acerto de contas de Maíra, Vanessa e Zoé. Mas não foi bem verdade.
O escritor arrumou tempo para inserir uma cena sem qualquer importância do casamento de Brenda (Heloísa Honein) e Celinho (Leonardo Lima Carvalho). Aliás, o penúltimo capítulo apresentou mais uma leva de situações sem qualquer lógica. Como Maíra e Pablo conseguiram tirar Zoé do porão? A vilã estava com as duas pernas quebradas e a escada era feita de cordas. Só que o pior ainda estava por vir: Pablo traiu Vanessa e ajudou Maíra e colocá-la no porão no lugar de Zoé. No entanto, na hora que foi dar uma maçã para Vanessa, o filho de Judite desceu a escada ao invés de simplesmente jogar o alimento de cima. A atitude, claro, resultou no contra-ataque de Vanessa, que o golpeou por trás. O último gancho do enredo foi a filha tentando enforcar a própria mãe.
O último capítulo era a chance do autor amenizar os vários equívocos da segunda parte com um desfecho digno para sua história. Mas, infelizmente, apenas fez jus ao vários problemas da narrativa. Não houve nenhuma cena emocionante ou catártica. Nada. V
anessa não enforcou a mãe e tentou atirar em Maíra, que tomou a arma da irmã e a feriu no ombro. As três ficaram sentadas esperando a polícia. Maíra desistiu da vingança que nunca chegou a realizar. E por mais absurdo que pareça, a protagonista seguiu burra até no final. Assim que o delegado chegou, Vanessa incriminou a irmã e teve a cumplicidade de Zoé. Maíra foi presa e durante o julgamento dependeu da súbita confissão de Zoé, que admitiu todos os crimes que cometeu para inocentar a filha. A mocinha terminou de forma passiva e sem qualquer vitória. Só escapou porque a vilã resolveu ser mãe pela primeira vez na vida. Diego ficou ao lado de Joy (Yara Charry) e o personagem foi outro que não fez vingança alguma. Tudo ficou na promessa. Já a gravidez de Jéssica foi algo sem qualquer necessidade, ainda mais depois do trauma de ter seu bebê traficado. A comemoração da menina ao lado de Rominho (Luiz Fortes) soou ridícula. Dois jovens de 18 anos que nem concluíram os estudos felizes porque terão um filho. Por sinal, que fim levou a Organização? Tinham sede até na Croácia e ninguém descobriu.
Já o destino dos personagens dos núcleos secundários fizeram jus ao enredos fracos:
Brenda (Heloísa Honein) no "Big Brother" da Estônia, Darcy (Xande de Pilares) namorando Darci (Zezeh Barbosa) e Chininha (Micheli Machado) fracassando mais uma vez na carreira de atriz. E o que dizer sobre o desfecho de Pablo? O interesseiro fugiu com os milhões desviados da Rhodes e guardou tudo em um armário de hotel? A ponto de ser roubado por duas prostitutas?
É subestimar demais a inteligência do telespectador.
O único final aceitável, embora bastante questionável, foi o da dupla que carregou a novela nas costas:
Zoé e Vanessa terminaram como batedoras de carteira. Regina Casé e Letícia Colin brilharam do início ao fim. Mas o autor prometeu um final nunca visto antes em novelas e não cumpriu nada, nem mesmo com a dupla de vilãs. O que mais tem na ficção é vilão que termina pobre e dando golpes. E Zoé ter seguido sem escrúpulos enfraqueceu sua motivação para a confissão de seus crimes. E Vanessa se contentaria em uma vida de ladra de rua? Safa do jeito que era? Há controvérsias. A última cena foi de Maíra e Rafael com seus filhos na praia, incluindo Aninha, a menina que tinha sido comprada pela mocinha.
Um último capítulo insosso, capenga e inconsistente.
O saldo geral de "Todas as Flores" não é ruim, ainda mais comparado aos dois últimos trabalhos do autor ----- as problemáticas e desinteressantes "A Regra do Jogo" e "Segundo Sol". João Emanuel Carneiro comprovou que segue hábil na construção de vilãs e fez da dupla Zoé e Vanessa um sucesso. Mas também deixou claro que não sabe construir bons mocinhos, vide a controversa saga de Rafael e Maíra, onde o mocinho transbordou burrice na primeira parte e transferiu sua estupidez para a mocinha na segunda. Ainda ficou evidente que os núcleos secundários sempre serão o ponto fraco das suas histórias. Já o enredo central apresentou atrativos e tensos conflitos, mas que se perderam diante da quantidade de absurdos que tomou conta da narrativa. Os 40 capítulos de 2023 não fizeram jus aos 45 exibidos ano passado. A decepção do público e da crítica foi inevitável. Pena.
Dupla formada por Vanessa e Zoé é o maior trunfo de "Todas as Flores"
A segunda parte de "Todas as Flores" estreou no dia 5 de abril, exclusivamente no streaming, no mesmo esquema da primeira parte, exibida ano passado: cinco capítulos por semana, todos disponibilizados na quarta-feira. A novela de João Emanuel Carneiro foi um sucesso no segundo semestre de 2022 e repete o êxito agora. Um dos acertos é justamente o que o escritor tem de melhor: a habilidade de boas vilãs. Vanessa e Zoé são perfis muito bem desenvolvidos e interpretados.
Letícia Colin e Regina Casé iniciaram a trama fazendo uma dupla perfeita. A 'vilã filha' complementava a 'vilã mãe' e vice-versa. A primeira cena de Zoé é digna de uma malvada clássica:
assassinando uma pessoa. No caso, o ex-marido, interpretado por Chico Diaz.
A perua foi buscar Maíra (Sophie Charlotte), a filha que abandonou no passado, para forçar uma aproximação e assim conseguir um transplante de medula para curar Vanessa de uma leucemia.
Como o pai da mocinha tentou impedir, acabou sufocado pela ex com um travesseiro enquanto tinha uma crise.
Logo depois, o telespectador conheceu Vanessa e ficou claro de imediato que a filha era muito pior que a mãe. A frieza, o deboche, a arrogância foram expostos sem qualquer pudor, ainda mais por conta da irmã ter deficiência visual.
E nada mudou nem depois que Vanessa foi curada graças ao transplante.
Pelo contrário, o ódio por Maíra foi aumentando cada vez mais porque Zoé, por conta de uma ironia do destino, acabou se afeiçoando pela herdeira que tinha renegado no passado. E a fúria da personagem explodiu de vez quando descobriu que a irmã, que tanto desprezava, estava envolvida com Rafael (Humberto Carrão), seu então noivo e alvo para um golpe do baú clássico. Maíra expôs, ainda que involuntariamente, o lado humano de Zoé. O afeto genuíno da filha, que na época não suspeitava da perversidade da mãe, fez a vilã se desarmar e até repensar em tudo o que fez ao longo da vida. E o 'tudo' reflete muitos crimes, incluindo o maior de todos: ser integrante de uma quadrilha que trafica bebês e exerce trabalho escravo. Por um breve momento, a personagem chegou a cogitar desistir de tudo e ficar com o único homem que amou: Humberto (Fábio Assunção). Porém, enquanto a parte mais sensível da mãe era aflorada pela mocinha, a crueldade da irmã era cada vez mais desnudada. Vanessa chantageou Zoé para internar Maíra na fundação que recebe todos os adolescentes traficados e ainda sumir com a criança que a protagonista esperava de Rafael.
A parceria de Regina Casé e Letícia Colin é genial. As atrizes tiveram uma sintonia imediata em cena que só evoluiu ao longo da trama. As cenas foram ficando cada vez melhores e mais inspiradas. Isso porque João Emanuel Carneiro dedica o seu melhor texto a elas. Há uma avalanche de perversidade, mas também muito humor e elevadas doses de sarcasmo. As duas estão o tempo todo se ofendendo e proferindo absurdos, o que deixa os momentos com uma comicidade deliciosa. Humor que inexiste nos núcleos secundários dedicados a ele, vale ressaltar. A clássica expressão 'É cobra comendo cobra' representa a essência da relação de mãe e filha. Até porque Zoé é bem mais pragmática, enquanto Vanessa transborda passionalidade ---- e na reta final
vem se descontrolando emocionalmente em virtude de seu amor por Pablo (Caio Castro)
. Os temperamentos divergentes vêm provocando cada vez mais embates, o que proporciona ótimas cenas que mesclam tensão e, sim, diversão.
"Todas as Flores" tem um enredo central bastante atrativo, ainda que os absurdos tenham tomado conta da narrativa na segunda parte. E o maior trunfo da atual história de João Emanuel Carneiro é a dupla formada por Vanessa e Zoé. Enquanto as bem construídas vilãs brigam, Letícia Colin e Regina Casé brilham.
Letícia Colin deu um show como Vanessa em "Todas as Flores"
A segunda parte de "Todas as Flores" estreou em abril exclusivamente no streaming e faltam poucos capítulos para o seu desfecho. A trama de João Emanuel Carneiro, dirigida por Carlos Araújo, sempre teve como maior atrativo seu enredo central, repleto de personagens controversos e muita vilania, pontos onde o autor costuma se destacar. E um dos êxitos do escritor foi a criação de Vanessa, vivida brilhantemente por Letícia Colin.
A vilã é digna de uma novela mexicana. Caricata, maniqueísta e com vários tons acima, a patricinha esnobe é aquele tipo que cai facilmente nas graças do público por conta da liberdade de dizer atrocidades em forma de deboche. A personagem é tão perversa que acaba deixando a mãe, Zoé (Regina Casé), a outra grande vilã da novela, mais 'leve'. Não por acaso, a interesseira está sempre humilhando a mãe e vomitando superioridade justamente por se gabar de ser mais fria. É uma dupla ótima e um dos maiores trunfos do enredo.
Embora seja uma vilã exagerada, a atriz consegue utilizar o excesso a seu favor, sem parecer artificial. Até porque um tipo caricato costuma ser tão desafiador para um intérprete quanto um complexo ou com mais camadas. Ao contrário do que muitos pensam, a caricatura está longe de ser algo ridículo. O desafio é justamente escapar da armadilha e Letícia consegue sem esforço. Aliás, foi perfeita a escolha da direção da novela em trocar os papéis.
Vale lembrar que Sophie Charlotte seria Vanessa e Colin a Maíra. Ainda bem que a equipe percebeu que estava na hora de Letícia viver uma malvada, após uma longa sequência de mulheres íntegras ou mergulhadas em dramas profundos. Até porque Sophie também está impecável na pele da mocinha, apesar dos absurdos que tomaram conta do enredo. Letícia Colin viveu seu melhor momento na televisão em "Novo Mundo", de 2017, onde roubou a cena como Leopoldina. Ganhou uma grande personagem e soube aproveitar a maior oportunidade que teve na TV até agora. Revelada na série "Sandy e Júnior", em 2001, a atriz se destacou em "Malhação", na pele da atrapalhada Kailane, em 2002, e chegou a ser apresentadora do infantil "TV Globinho" (2003). Foi para a Band em 2005, onde participou de "Floribella", novela infantil de sucesso da emissora. Em 2007, se transferiu para a Record, integrando o elenco de três novelas e uma minissérie: "Luz do Sol", "Chamas da Vida" (onde brilhou como Vivi, menina que sofria constantes abusos), "A História de Ester" e "Vidas em Jogo". Já em 2013 voltou para o canal que a lançou, participando da fracassada "Além do Horizonte", onde está até hoje.
Além dos bons trabalhos já mencionados, esteve ótima como Elisa, em "Sete Vidas", e roubou a cena com a prostituta Rosa, na problemática "Segundo Sol". Um dos poucos êxitos da trama de João Emanuel Carneiro era justamente a personagem tão bem defendida por Letícia e sua química com Chay Suede era arrebatadora. Recentemente, a atriz foi vista na pesada série "Onde Está Meu Coração", exibida pelo streaming em 2021 e que fez parte da grade da TV entre janeiro e abril, toda terça, após o "BBB 23". Seu desempenho na pele da médica Amanda, viciada em crack, impressionou. Foram muitas cenas difíceis e angustiantes. Vê-la em um tipo tão diferente em "Todas as Flores", após um papel tão dramático, apenas comprovou o que todos já sabiam sobre sua versatilidade.
Letícia Colin é uma das profissionais mais talentosas de sua geração e Vanessa entrou para a galeria de grandes trabalhos de sua carreira. Uma pena que a vilã tenha perdido a relevância na reta final de "Todas as Flores". Mas, ainda assim, a atriz sobressai sempre que surge em cena e tem aproveitado com habilidade a veia cômica da personagem cada vez mais utilizada pelo autor.
"Falas da Terra - Histórias Impossíveis" aborda temas importantes e lança três talentos
O projeto da TV chamado "Falas Femininas - Histórias Impossíveis" foi lançado no dia 6 de março em homenagem ao Dia Internacional da Mulher e a história com o título de "Mancha" foi protagonizada por Luellen de Castro e Isabel Teixeira. A produção impactou e repercutiu nas redes sociais. Agora, dia 17 de março, mais de um mês depois e na semana do Dia dos Povos Indígenas, foi exibido mais um episódio, intitulado "Pintadas", logo após o "BBB 23".
Preservação do meio ambiente, violência contra a mulher e ancestralidade são algumas das temáticas presentes na narrativa de 'Falas da Terra’, sendo protagonizada por três jovens indígenas. Luara (Ellie Makuxi), Josy (Dandara Queiroz) e Michele (Isabela Santana) se encontram no Mato Grosso do Sul para gravação de um videoclipe de rap na floresta e, quando se veem diante de uma natureza destruída, são impactadas por uma série de acontecimentos fantásticos que as levarão a um mergulho na ancestralidade de seus povos.
De origens distintas e com visões de mundo diferentes, Luara está de volta à sua terra com a melhor amiga da faculdade, Michele, depois de passar anos fora, estudando. O retorno visa apoiar a parente rapper, Josy, com seu trabalho na música. Mas, ao chegar ao local da gravação, que remete à memória afetiva de Josy e Luara, as jovens se deparam com a degradação da natureza. Frente a um cenário destruído, elas precisam encontrar uma nova solução para a filmagem, mas, no caminho, acabam por enfrentar desafios que as levam a encontros e desencontros com seus próprios medos, identidades e histórias.
O elenco é um diferencial do episódio: estreantes, as jovens atrizes indígenas têm raízes nos povos originários Makuxi, em Roraima (Ellie), Mato Grosso do Sul (Dandara) e Pataxó do Sul da Bahia (Isabela). As três passaram por um processo de seleção e preparação, conectando suas emoções às das personagens. O trabalho surtiu efeito. O trio está incrível em cena. A história tem um início aparentemente leve e ao longo do tempo um clima de tensão vai dominando a narrativa e prendendo a atenção do telespectador, até que o trio encontra uma onça debilitada dentro de uma tapera, o que provoca uma lembrança imediata da novela "Pantanal". Enquanto cuidam do animal, há uma sensível conversa que mescla temas importantes: preservação do meio ambiente, violência contra mulher e ancestralidade.
Composta por tramas ficcionais de suspense criadas a partir de medos femininos, a antologia ‘Histórias Impossíveis’ é apresentada no projeto ‘Falas’, marcando as efemérides do ano na TV Globo. Criada e escrita por Renata Martins, Grace Passô e Jaqueline Souza, com direção artística de Luisa Lima, a obra se destaca pela diversidade tanto na frente das câmeras quanto nos bastidores. Em ‘Pintadas’, as autoras e Luísa convidaram roteiristas, consultoras e sensíveis aos temas tratados nos episódios. Juntam-se ao olhar cuidadoso de Luísa as diretoras Thereza de Medicis e Graciela Guarani, que estreiam assinando a direção de um projeto na TV. Já na sala de roteiro, somam-se às autoras as roteiristas Thais Fujinaga, Hela Santana e Renata Tupinambá, além de Graciela Guarani, para que os elementos e linguagem da cultura indígena (em especial a do povo Guarani-Kaiowá, que dá base para a história), estivessem devidamente representados.
O projeto convida o público ao diálogo sobre tópicos atuais e importantes para a sociedade através da linguagem do mistério e da fantasia, com enredos que possibilitam múltiplas interpretações e provocam a reflexão. Em ‘Pintadas’, ao longo do episódio, memórias ligadas à violência no passado das protagonistas trazem essa questão à tona.
A antologia ‘Histórias Impossíveis’, apresentada nos especiais ‘Falas’ deste ano, foi criada e escrita por Renata Martins, Grace Passô e Jaqueline Souza, escrita com Thais Fujinaga, Hela Santana, Graciela Guarani e Renata Tupinambá. A direção artística é de Luísa Lima e direção de Thereza Médicis, Everlane Moraes, Graciela Guarani e Fábio Rodrigo e produção de Leilanie Silva. Alinhado à jornada ESG da Globo, o projeto tem direção executiva de produção de Simone Lamosa, e a direção de gênero, de José Luiz Villamarim.
A atual novela das sete da TV está a cada dia melhor. Rosane Svartman e sua equipe de roteiristas estão conseguindo contar uma história sem correria, ao mesmo tempo que nada arrastada. "Vai na Fé" vem angariando elogios desde a estreia e virou rotina enaltecer a trama dirigida por Paulo Silvestrini. Porém, há um outro fator que tem deixado o conjunto ainda melhor: situações na ficção iguais a acontecimentos que vêm sendo notícia na vida real.
Claro que toda obra aberta é desenvolvida de acordo com a resposta do público e não por acaso todos os folhetins que foram ao ar inteiramente gravados, na época da pandemia, enfrentaram dificuldades. Mas em "Vai na Fé" não tem sido necessário mexer no desenvolvimento do enredo por conta de possíveis rejeições do telespectador. Tudo vem sendo bem aceito e os personagens caíram na boca do povo. E por isso mesmo o excesso de 'coincidências' entre ficção e realidade tem despertado atenção. Por ironia do destino, a história exibiu uma de suas sequências mais emocionantes na mesma semana em que houve um caso escandaloso de intolerância religiosa no "BBB 23". Cristian, Key e Gustavo transbordaram preconceito e ignorância por conta da fé de Fred Nicácio.
O ocorrido provocou até uma interferência do apresentador Tadeu Schmidt falando da importância da pluralidade de religiões. E qual foi a cena mostrada na trama das sete? Ben (Samuel de Assis) conhecendo um terreiro de umbanda e participando da cerimônia, se emocionando diante de Mãe Ana (Valdineia Soriano). Obviamente, não foi algo proposital. Tudo já estava planejado. Mas a 'coincidência' impressionou. E a história segue apresentando situações parecidas com outras que viraram destaque nas redes sociais. Na mesma semana em que um sujeito machista foi exposto por conta da denúncia da atriz Lívia La Gatto, que mostrou a ameaça de morte feita pelo coach Thiago Schutz contra ela ----- depois que viu um vídeo em que a intérprete debochava de suas declarações repletas de sexismo -----, a novela de Rosane Svartman passou a exibir um conflito pontual protagonizado por Lui Lorenzo (José Loreto), que resolveu entrar em uma espécie de 'escola de machos' para inflar sua masculinidade tóxica. Julião (Kiko Pissolato) era a representação perfeita de tudo o que estava sendo discutido no momento. O desfecho, com Vitinho (Luis Lobianco) expondo a babaquice daquele grupo, foi ótimo e até bem-humorado. Se tivesse sido algo combinado, não daria tão certo. Outro caso que chamou atenção pela coincidência: na mesma semana em que a influenciadora Virgínia estava enfrentando uma onda de ataques por conta da má qualidade de sua maquiagem, Guiga (Mel Maia) se esforçava para reverter o seu cancelamento se aproveitando de pautas feministas.
Na semana passada, mais um conflito que teve relação direta a um acontecimento que viralizou nas redes sociais e nos telejornais foi ao ar. Após ter recebido um telegrama amoroso de Lui, Sol (Sheron Menezzes) virou chacota na igreja e passou a ser ainda mais massacrada pelas vizinhas, que já estavam comentando sobre a dúvida de Jenifer (Bella Campos) a respeito da identidade de seu pai biológico. Duda (Manu Estêvão), filha mais nova da mocinha, acabou sofrendo bullying de Meire (Nathalia Costa) na escola em um claro efeito 'manada'. Porém, depois que foi criticada pelos amigos por conta da fala sobre o pai falecido de Duda, Carlão (Che Moais), Meire se arrependeu e protagonizou um lindo momento ao lado da agora ex-inimiga. A cena foi ao ar um dia depois que um vídeo de uma menina autista sendo humilhada pelas colegas, na cidade de Natividade (RJ), se espalhou na internet e parou até nos jornais, o que provocou comoção e indignação.
"Vai na Fé", além de todas as qualidades mencionadas em outras postagens, vem acertando até na representação precisa de problemas recorrentes na sociedade. Rosane Svartman sempre foi uma autora que se preocupa em se manter atualizada e bem informada. Mas, no caso de sua atual deliciosa história, o universo parece conspirar a seu favor. A novela aparenta ser aquele fenômeno raro, onde tudo funciona. O folhetim certo para o momento certo. Levando em conta seu título, parece até abençoada.
A atual novela das seis está em sua quinta semana de exibição. Praticamente um mês no ar. Mas não parece. "Amor Perfeito" aparenta estar em plena reta final a ponto do telespectador pensar qual será a produção substituta da TV na faixa das 18h. Exagero? Infelizmente, não é o caso. A história, dirigida por André Câmara, teve um primeiro capítulo atropelado de acontecimentos e o equívoco da correria se mantém até hoje inexplicavelmente.
É incompreensível o método que Duca Rachid, Júlio Fisher e Elisio Lopes Jr. têm utilizado para contar uma história que desperta a atenção por ser baseada em um livro tão querido e conhecido ---- "Marcelino Pão e Vinho", escrito pelo espanhol José María Sanchez Silva, publicado em 1950 e que foi transformado em filme em 1955. O livro em si não daria uma novela, então, claro que novos núcleos e personagens foram criados, incluindo o enredo dos mocinhos, já que na história original Marê (Camila Queiroz) está morta. Os autores têm corrido tanto com a narrativa que todas as catarses que provocariam viradas de impacto foram destruídas em três semanas. É vital para qualquer folhetim que os personagens cativem o público para, assim, despertarem empatia, torcida e envolvimento. E isso só ocorre com uma boa construção, o que não está acontecendo na atual produção. Como já mencionado na crítica anterior, a estreia apresentou uma quantidade de acontecimentos que preencheriam uns 20 capítulos com certa tranquilidade e com um bom dinamismo, sem implicar em um ritmo arrastado.
Os mocinhos se conheceram, se apaixonaram, transaram, a mocinha rompeu o noivado com o vilão e enfrentou o pai, enquanto o mocinho perdeu seu pai, que antes de falecer o alertou que sofreu um golpe do pai de Marê. Orlando mandou uma mensagem para sua amada comunicando o falecimento do pai, mas Leonel (Paulo Gorgulho) interceptou a carta. Orlando achou que Marê era mesmo uma golpista, Orlando viajou para o Canadá, Marê foi atrás do mocinho, Gilda (Mariana Ximenes) teve seu caso com Gaspar (Thiago Lacerda) descoberto por Leonel, Gilda matou Leonel e armou para Marê ser acusada. Já nos capítulos seguintes, em um julgamento recorde, Marê foi presa pelo assassinato do pai, mesmo com todas as provas transbordando fragilidade. Logo depois, descobriu a gravidez na prisão e meses se passaram. A mocinha fugiu da cadeia com a ajuda de duas colegas de cela, entrou em trabalho de parto e Marcelino nasceu rapidamente. Um dos nascimentos mais rápidos da teledramaturgia. Os policiais recapturam uma presa, mataram a que levava o bebê e flagraram a mocinha desmaiada. A protagonista foi levada de volta ao presídio, enquanto o recém-nascido acabou salvo por Jesus Cristo (Jorge Florêncio). O bebê foi deixado por Jesus no lar dos freis e acabou acolhido. Os padres decidiram criá-lo e oito anos se passaram. Uma observação necessária: o presídio em que Marê ficou parecia um retiro espiritual. Todas as detentas eram felizes, eram bem tratadas, tinham paz e até dava para ter reflexões no banho durante uma ducha reconfortante.
Após oito anos no presídio, Marê recebeu a visita do amigo Júlio (Daniel Rangel), que sempre a amou platonicamente e ouviu que a partir daquele momento o rapaz seria seu advogado. Apesar de recém-formado, o jovem conseguiu inocentar a cliente em um dia. Rapidamente descobriu que Catarina (Cristiane Amorim) tinha um caso com o jardineiro que depôs contra a mocinha e que no dia do assassinato eles estavam juntos. Mesmo com medo, a camareira do hotel contou a verdade ao delegado, o que fez a protagonista sair da cadeia e voltar para sua mansão. No dia de sua liberdade, Marê recebeu um beijo de Julio, flagrado na hora por Orlando. Dias depois, o mocinho contou para sua amada que lutaria por ela e procuraria pelo filho que tiveram. Ah sim, o médico já sabe da existência do filho porque voltou para o Brasil enquanto Marê estava presa e a visitou. Um momento que tinha tudo para ser emocionante, mas não teve impacto porque nem deu tempo para o telespectador torcer pelo reencontro.
Como se não bastasse tanto atropelo de acontecimentos, uma das situações que mais despertam empolgação do público na teledramaturgia foi desperdiçada: o embate entre mocinha e vilã. Marê saiu da cadeia e apareceu triunfante durante uma festa de homenagem ao então prefeito Juscelino Kubitschek (Alexandre Borges). Era um momento que deveria ter sido trabalhado minuciosamente para a temperatura ideal de um clímax. Mas o efeito foi xoxo, capenga e fraco porque aconteceu na segunda semana de folhetim. Em qualquer novela normal, o retorno aconteceria perto da metade de história no ar. O irônico é que o mesmo erro ocorreu na trama anterior, "Mar do Sertão", com Zé Paulino (Sérgio Guizé) voltando para se vingar de Tertulinho (Renato Góes) logo no início do enredo, o que tirou por completo o impacto. O pior é que depois a produção ficou andando em círculos até o final, sem roteiro e conflitos atrativos. Será que tudo se repetirá na nova trama?
Mas lamentavelmente não parou por aí. Marê também conseguiu retomar o comando do Grande Hotel Budapeste, que era de seu falecido pai e estava sob domínio da vilã. A mocinha expulsou Gilda da empresa e da mansão. Outro momento que teve sua temperatura esfriada por conta da rapidez. Por sinal, a filha de Leonel já descobriu que a vilã era prostituta. E para culminar, a protagonista encontrou Marcelino durante a festa realizada em homenagem a Santo Antônio. Marê estava na 'barraca do beijo' e o menino ofereceu uma flor 'Amor Perfeito' no lugar de dinheiro. Emocionada, a ex-detenta beijou o rosto do filho, que não escondeu a alegria. Camila Queiroz e Levi Asaf brilharam, mas teriam se destacado muito mais se a cena fosse exibida daqui a pelo menos uns três meses. Até porque a personagem logo deduziu que Marcelino era seu filho quando os freis contaram que o menino era um recém-nascido deixado no lar há oito anos. A emoção acabou diluída quando contaram que não havia cordão algum no pescoço da criança, que é a referência que Marê tem. Por mais que tenham adiado a descoberta oficial, a personagem, de uma forma ou de outra, no fundo já sabe a verdade, o que prejudica outra catarse que tinha tudo para ser emblemática.
Não dá para compreender a razão dos autores de "Amor Perfeito". O trio tem uma boa história em mãos, mas a forma como vem sendo desenvolvida tem prejudicado a estruturação da novela. Até porque, enquanto a trama central corre, os personagens secundários estão jogados no enredo sem qualquer profundidade. Todos mal foram apresentados, de fato. Outro incômodo são os cortes de cena. Muitas sequências parecem interrompidas bruscamente em um claro problema de edição. As cenas são muito rápidas e parecem interrompidas no meio. E, somado ao atropelo de acontecimentos, ocasiona um resultado final ruim. Resta torcer para que o enredo não passe a andar em círculos depois de tanta pressa e que consigam corrigir, ou amenizar, os visíveis problemas do atual folhetim das 18h. Porque até o momento parece uma novela TikTok ---- plataforma destinada a vídeos curtos.
A TV do Brasil homenageia as mulheres com uma fantástica história de horror!
Estreia do projeto provoca o espectador a pensar sobre a realidade das mulheres negras no Brasil.
As celebrações do dia das mulheres costumam quase sempre vir embaladas de um tom doce e florido que, supostamente, prestariam uma homenagem a uma classe minoritária de poder. Por isso, é no mínimo corajoso que a Globo tenha estreado a minissérie Falas Femininas – Histórias Impossíveis nesta segunda-feira com um episódio de horror.
Com cinco capítulos, o projeto Falas Femininas é uma obra audiovisual de autoria de três mulheres negras: Grace Passô, Renata Martins e Jaqueline Souza. A estreia, com o episódio “Mancha”, abordou como tema de fundo o dia internacional da mulher, e os próximos tratarão de eventos específicos: Dia dos Povos Indígenas, Dia do Orgulho LGBTQIAPN+, Dia Nacional das Pessoas Idosas e Dia da Consciência Negra.
A chegada do novo projeto é muito bem-vinda e sinaliza uma intenção da Globo de retomar uma produção audiovisual inovadora para os parâmetros televisivos. A julgar pelo episódio de estreia, com direção de Everlane Moraes, a ideia é oferecer uma experiência que provoque o espectador a navegar por ambientes em que talvez não esteja acostumado.
“Mancha”
A primeira referência trazida pelo episódio “Mancha” é cinematográfica. Estamos no terreno do horror social, no qual o diretor Jordan Peele é o maior nome contemporâneo. Em vários momentos, as cenas – em especial, as que envolvem a atriz Luellem de Castro – fazem lembrar de Nós, sucesso de Peele.
A memória também se dá pelo enredo que fala de problemas sociais intrínsecos ao Brasil. Se, em Nós, Jordan Peele discute desigualdade racial e xenofobia no contexto americano, “Mancha” cria uma história que flerta com o horror e o fantástico para falar de uma falsa ideia de respeito entre mulheres – a patroa, branca, e a empregada, negra.
Na história, conhecemos Laura (interpretada de forma estupenda por Isabel Teixeira). Ela é uma mulher na casa dos quarenta anos que cria sua filha recém nascida – concebida “nos quarenta e cinco do segundo tempo”, conforme nos revela o roteiro. Sabemos também que ela está separada do marido (Ângelo Antônio), e mais adiante entendemos que ele abandonou a mulher e o bebê. Aparentemente, não nutre culpa, pois, segundo o personagem, foi ela quem quis a gravidez.
Laura tem uma empregada, Mayara (Luellem de Castro). Filha e neta de domésticas, ela cresceu na casa da patroa e, por isso, está envolta com o discurso sobre “ser da família”. Mas ocorre que Mayara acabou de passar no vestibular e irá começar a faculdade em turno integral. Por isso, irá parar de trabalhar.
A patroa/ amiga, claro, está feliz com a sua evolução. Ao menos no plano do consciente. Em alguns momentos, deixa escapar à empregada o seu desejo de que ela fique. Mayara, de modo profético, solta a frase: “eu vou ficar até o fim do expediente”.
Mas o inconsciente move o mundo de maneira que não pode ser controlada. E, nesta história de duas mulheres, ele se manifesta na imagem de uma mancha. Laura encasqueta com uma tal manchinha no vidro da sala, em uma grande janela de frente para a rua. Ela então força de todo jeito que Mayara – tal como tantas outras empregadas espalhadas pelo país, que trabalham diariamente sem segurança – se pendure na janela para alcançar a mancha. Até que o pior acontece.
Texto rico e simbólico
“Mancha” brilha em vários aspectos: tanto na qualidade da dramaturgia, que dialoga com outros clássicos do cinema (há intertextualidade com o suspense de Alfred Hitchcock), quanto no roteiro extremamente inteligente e provocador, repleto de símbolos (como o lustre que Laura mantém como seu objeto preferido da casa) e de frases marcantes.
O texto de Grace Passô, Renata Martins e Jaqueline Souza não menospreza o espectador. Na verdade, faz o contrário: provoca-o a completar aquilo que viu, sem que haja uma resposta definitiva. A pergunta sobre o que aconteceu com Mayara se tornou um termo de busca popular nas redes, mostrando que houve engajamento do público.
Do mesmo modo, a constituição da personagem protagonista, Laura, é tridimensional e vai além da redução da “mulher branca má”. Ela mesma é uma minoria que sofre – cria a filha sozinha, já que o pai lavou as mãos – e seu desespero tenso (em um show de interpretação de Isabel Teixeira) nos deixa claro que não temos aqui uma vilã.
Luellem de Castro, da mesma forma, atua lindamente como o contraponto dessa mulher. Sua performance traz a emoção necessária para carregar a mensagem dessa personagem, que representa tantas outras mulheres que, mesmo sob uma égide de valorização e pertencimento, têm suas vidas diariamente postas numa corda bamba, como se valessem menos que as outras. “Eu não sou uma mulher”?, pergunta Mayara, em cena muito sintomática do episódio.
Ao jogar uma história de horror na grade para celebrar o dia da mulher, Falas Femininas mostra a que veio. Que venham os próximos episódios.
"Falas Femininas - Histórias Impossíveis" impacta e gera necessário desconforto!
A trama narra a história da empregada doméstica Mayara (Luellem de Castro), que está em seu último dia de trabalho. Ela, que passou no vestibular e decidiu investir em seu estudo, acredita que Laura (Isabel Teixeira), mãe solo de uma bebê, é uma patroa 'diferente'. Até que Laura pede que ela desista dos seus estudos. Sem sucesso, pede um último favor: a limpeza de uma mancha na janela de vidro da sala, que muda o curso da história de ambas. O epísódio faz parte da antologia "História Impossíveis", apresentada nos especiais "Falas" deste ano, com enredos de suspense criados a partir de medos femininos. Impressiona a qualidade da produção. Não só do texto, como das interpretações viscerais das protagonistas e do jogo de câmeras que dão um clima de suspense ao longo da narrativa. Ainda há uma intencional mistura com um thriller psicológico.
A história inicia aparentemente melancólica e até poética, quando gradativamente vai mudando o tom através do desdobramento em cima da realidade da situação envolvendo patroa e empregada. Embora a clássica frase 'Ela é praticamente da família' nunca seja dita, está sempre presente diante da hipocrisia que envolve aquela relação, onde a patroa finge ser uma amiga compreensiva, mas faz questão de lembrar quem é que manda com rápidos cortes durante um bate-papo. A sutileza de várias situações que estão presentes na vida de inúmeras pessoas é uma constante. Laura mora em um apartamento de luxo na zona sul do Rio de Janeiro, onde a sua vista é linda, enquanto a janela do quarto da empregada (resquício da engenharia que domina quase todos os imóveis das cidades) fica de frente para as outras janelas dos demais quartos de empregada do condomínio. As trocas de olhares entre as personagens é outro ponto que merece menção porque vai mudando ao longo do episódio. Inicialmente, o olhar de Laura reflete um medo disfarçado de acolhimento, enquanto o de Mayara expõe um genuíno carinho que sente pela patroa. Mas a proximidade do fim do expediente, 18 horas, que marca a despedida da empregada, vai tirando a máscara daquele relacionamento. Laura vai ficando com um olhar ligeiramente raivoso e Mayara com uma mistura de ranço e decepção.
A queda de Mayara, após um natural desequilíbrio enquanto tenta limpar a janela pelo lado de fora, sem nenhum equipamento de proteção e tendo apenas o apoio de Laura segurando a escada, transforma a trama em um suspense de tirar o fôlego. Laura fica sem saber como agir, tenta limpar as provas da tragédia e até liga para a emergência, mas sem terminar a ligação porque sua maior preocupação é dizer que não teve culpa ao invés de falar o nome da vítima. O plot twist da volta de Mayara deixa a história para a imaginação do telespectador. O retorno tira a máscara de Laura, que finalmente se dá conta que não foi uma mulher diferente de sua mãe e avó, mas, em compensação, percebe que sua filha pode ser no futuro. Até porque a personagem não é uma vilã. É fruto da descendência de uma elite brasileira escravocrata. E a própria mulher tem suas questões, pois é mãe solteira com mais de 40 anos. É tudo muito bem estruturado do início ao fim. Aliás, o que realmente aconteceu? Mayara morreu de forma trágica como tantas mulheres negras morrem diariamente no Brasil? Ou conseguiu sobreviver por algum tipo de amortecimento da queda e realmente retornou para aterrorizar sua patroa? A dúvida é fundamental para a trama.
Isabel Teixeira, após o imenso sucesso como Maria Bruaca no remake de "Pantanal", está irretocável. Sua soberba atuação promove cenas de encher os olhos, onde muitas vezes o texto não é necessário. Laura é uma personagem que exige entrega. Já Luellem de Castro, que brilha no humor na série "Encantado`s", do streaming, emociona na pele de uma mulher que representa milhares de Mayaras.
Ao longo do ano, novos episódios vão ao ar em datas que celebram causas e lutas sociais: Dia dos Povos Indígenas ("Falas da Terra"), Dia do Orgulho LGBTQIAPN+ ("Falas de Orgulho"), Dia Nacional das Pessoas Idosas ("Falas da Vida") e Dia da Consciência Negra ("Falas Negras").
A antologia "História Impossíveis" foi criada e escrita por Renata Martins, Grace Passô e Jaqueline Souza, escrita por Thais Fujinaga, Hela Santana, Graciela Guarani e Renata Tupinambá, com direção artística de Luísa Lima, direção de Thereza Médicis, Everlane Moraes, Graciela Guarani e Fábio Rodrigo e produção de Leilanie Silva. Alinhado à jornada ESG* do Brasil, o projeto tem direção executiva de produção de Simone Lamosa, e direção de gênero, de José Luiz Villamarim.
Responsabilidade ambiental, social e de governança são temas que individualmente já eram discutidos antes da materialização dos princípios ESG. A sigla, no entanto, uniu os três conjuntos de práticas e se tornou um playbook para empresas que desejam continuar em um caminho de crescimento responsável.
Três décadas depois, ‘Tieta’ continua atual e impactante!!!
Disponível na plataforma de streaming do Brasil, novela 'Tieta', baseada na obra de Jorge Amado, abordou vários temas relevantes.
Uma das poucas alegrias dos brasileiros durante esta quarentena tem sido assistir à televisão. Não falo, claro, dos noticiários tensos com os escândalos políticos e com as atualizações aterradoras do número de mortos pela COVID-19. Impossibilitadas de gravar boa parte da sua grade, algumas emissoras têm resgatado arquivos antigos.
A plataforma brasileira, nos deu um bom motivo para ligar a TV ou os tablets: disponibilizou na íntegra algumas de suas telenovelas mais lembradas ao longo das décadas. Uma dela é Tieta, adaptação de Aguinaldo Silva para o romance de Jorge Amado, exibida na TV entre agosto de 1989 e março de 1990.
Minhas lembranças dela são contaminadas por uma memória afetiva que envolve a sensação de que todos em minha volta paravam para assisti-la e, no dia a dia, repetiam os bordões e as expressões faladas pelos personagens. Era uma época em que, certamente, a TV possuía mais centralidade na vida da população, talvez por haver menos opções culturais que hoje (um dado sintomático: o primeiro capítulo de Tieta registrou 70 pontos de IBOPE, conforme matéria da Folha de São Paulo, número hoje impensável).
Esta lembrança de infância marcada pela afetividade me fez querer rever a icônica novela no streaming, e enfrento atualmente o desafio de assistir aos 197 capítulos, um compromisso estranho em épocas de séries televisivas com temporadas bem mais curtas. Por isso, trago aqui uma leitura atualizada desta telenovela 31 anos depois de sua exibição – e o impacto que ela traz frente às mudanças que a TV sofreu nestes anos todos. No saldo, a impressão que Tieta traz é que era, de fato, uma novela magnânima – e que isso não é apenas um filtro da saudade de quem olha para o passado.
Ainda que Tieta tivesse uma premissa cômica, sua trama era densa: contava a história de uma cidade pequena, Santana do Agreste, no interior da Bahia, no qual o conservadorismo era a norma. Todos sabem da vida dos outros (as mulheres que cuidam dos Correios leem as cartas que chegam e espalham as fofocas) e as “carolas” da igreja se encarregam de espalhar um discurso de moralidade hipócrita.
É neste cenário que uma menina liberal, que ainda vai ao colégio e cuida de cabras (por isso é chamada de “cabrita” pelos conterrâneos, de forma abusiva), tem casos com vários homens da cidade. Ao ser descoberta pelo pai na cama de um forasteiro, Tieta é escorraçada de Santana de Agreste aos golpes de cajado, diante de todos os moradores, simbolicamente em frente à igreja. Sangrando, ela vai embora e promete um dia voltar para se vingar.
Este é o resumo apenas do impactante primeiro capítulo, que envolve assuntos que hoje talvez não entrassem em uma trama da novela das nove. Tieta é uma menor de idade, sedutora, que faz sexo com dois homens diferentes só no episódio de estreia e flerta com tantos outros.
Em um diálogo com um amigo de sua idade que tenta ficar com ela (ao qual ela responde que ele tem “cheiro de leite”), Tieta diz que vê que todos os homens da cidade a olham com desejo, inclusive o seu pai. Há algo de hipnótico nessa mulher, o discurso sugere, tal como se ela fosse uma encantadora de homens, algo bíblica (ideia já conjugada com a música-tema da novela, interpretada por Luiz Caldas: “Tieta não foi feita da costela de Adão, é mulher diabo, minha própria tentação. Tieta é serpente que encantava o paraíso, ela veio ao mundo pra virar nosso juízo”). O feminino, em Tieta, é visto de forma nociva? Esta é uma pergunta complexa.
Betty Faria e Joana Fomm protagonizaram 'Tieta'.
Expulsa de Santana de Agreste, Tieta se torna uma espécie de figura mítica: ela manda mensalmente uma quantia de dinheiro para sua família, justamente a que a escorraçou em nome da “moral e dos bons costumes”, mas que aceita sua doação de bom grado.
Foi para São Paulo, onde enriqueceu. Há vários subtextos na trama: não se diz, de forma clara, porque Tieta tem tanto dinheiro, mas subentende-se que seja
Mas a postura altiva de Tieta (interpretada por Claudia Ohana, linda, na primeira fase, e por Betty Faria como a Tieta que retorna ao Agreste) coloca-a enquanto mulher empoderada, dona de si e de sua sexualidade – em oposição à sua irmã Perpétua (em atuação magistral de Joana Fomm), uma viúva invejosa que só se veste de preto e se gaba de ter sido bem-amada (
, que sugere-se na trama ser o pênis do morto (isso também não é esclarecido).
Outro elemento importante é que havia uma apropriação subversiva do conservadorismo de Santana do Agreste, uma vez que a maior parte das mulheres (especialmente as mais “beatas”) claramente abafavam um furor sexual que escapava a todo instante. As duas comparsas de Perpétua ficaram na memória do povo: Cinira (Rosane Gofman) e Amorzinho (Lília Cabral) quase sempre falavam sobre os homens e viviam tendo “ataques” em que deixavam seus desejos virem à tona.
No entanto, apesar da postura empoderada das protagonistas, há um olhar de subjugação das mulheres em vários outros personagens de Tieta – personagens esses que soavam até simpáticos em 1989, mas hoje talvez fossem escandalosos. Por exemplo: Modesto Pires (vivido por Armando Bógus) era um homem casado que mantinha sua
. Já Zé Esteves (Sebastião Vasconcelos), o pai que humilhou Tieta com seu cajado, também é abusivo com sua mulher Tonha (Yoná Magalhães), que vive encolhida pelo medo.
Ainda assim, o personagem mais chocante certamente é o coronel Artur da Tapitanga (Ary Fontoura), que mantém em sua fazenda uma espécie de harém de
menores de idade. São meninas pobres a que chama de
“rolinhas”, e que foram compradas de seus pais. O coronel oferece a elas casa e alimentação e, em contrapartida, chama-as para “ensinar a tabuada” – o que, subentende-se na trama, é o momento em que
as molesta. A pedofilia aqui fica nas entrelinhas, mas é evidente – e sem dúvida um personagem desses
levantaria todos os tipos de protestos em uma novela atual.
Após 31 anos, fica a questão no ar: Tieta era uma novela vanguardista ou conservadora? Seria possível hoje, num país talvez mais moralista, uma novela baseada na Bahia das obras de Jorge Amado? As mulheres em Tieta eram exploradas ou empoderadas? Em relação às questões que aborda (além dos temas já citado, também tratou de homossexualidade, casamentos poliamorosos, incesto), Tieta era à frente do seu tempo, ou nós que retrocedemos?
São todas questões que não assumem qualquer resposta fácil. No entanto, uma coisa é certa: três décadas depois, Tieta continua tão deliciosa quanto foi na época em que foi ao ar pela primeira vez. Com parcas exceções (Amor de mãe é uma delas), talvez se possa dizer que não se fazem novelas como antigamente.
Após o retumbante fracasso e o show de horrores que foi "A Fazenda 14" é até difícil de acreditar que a Record manteve o reality para 2023. O bom senso pedia que a decisão fosse igual a tomada com o cancelamento do "Power Couple Brasil", que foi outro conjunto de cenas lamentáveis e um fiasco de audiência. Mas Adriane Galisteu anunciou no dia da final da décima quarta temporada, que consagrou Bárbara Borges como campeã, a continuação do reality na grade da emissora. A expectativa é nula.
"Minha Mãe Cozinha Melhor que a Sua!" combina com as tardes de domingo
A Televisão aberta estreou uma nova produção em sua grade vespertina. Com direção geral de Angélica Lopes, direção artística de LP Simonetti e gênero de Boninho, "Minha Mãe Cozinha Melhor que a Sua!" é baseado no formato original da emissora portuguesa, RTP1. A atração também já foi vista no SBT, em forma de quadro do programa da Eliana, e em um quadro do "É de Casa", comandado por Patrícia Poeta. Outro formato muito parecido foi o "Duelo de Mães", comandado por Ticiana Villas Boas na Band.
A premissa é simples: utilizar a lembrança gostosa de cozinhar em família durante um almoço de domingo para competir. A maior novidade do formato é a estreia de Paola Carosella na Globo, após muitos anos de trabalho como jurada no "Masterchef BR" na Band. A chef de cozinha, por sinal, segue como integrante de júri, mas agora acompanhada de João Diamante. Leandro Hassum é o apresentador. O primeiro programa contou com as participações de Vitão, Mumuzinho, Mayana Neiva e suas respectivas mães.
A cada semana, três diferentes duplas de mães e filhos famosos vestem o avental e partem para a aventura na cozinha, competindo entre si em duas provas. Mas aqui, diferente dos almoços de domingo, quem coloca a mão na massa são os filhos.
As mães podem até ajudar, mas há consequências que podem custar caro. Ao longo da dinâmica, Hassum comanda a brincadeira, dá pitacos aos competidores e pergunta a opinião do júri. Ao final dos desafios, Paola e Diamante provam os pratos e definem os eliminados. A cada domingo, apenas uma dupla sai como grande campeã. Duplas no palco. No cenário, geladeiras já abastecidas e um kit básico na bancada. As mães encaram um mini-game que define um ingrediente extra para cada uma das duplas. Feito isso, é hora da primeira prova: “O que tem na geladeira”. Os competidores têm um minuto para planejar seus pratos e o relógio começa a correr. Dentro do tempo de prova, eles precisam apresentar um prato delicioso que agrade as exigências dos jurados. As mães podem orientar, mas se resolverem partir para a ação, o cronômetro do competidor duplica de velocidade, comprometendo o tempo final. Paola e Diamante fazem a degustação, escolhem os melhores e definem a primeira dupla eliminada.
A segunda prova é a “Memória Afetiva”. A equipe do programa foi até os lares de brasileiros em busca de receitas de família, aquelas que são passadas de geração em geração. Famílias anônimas contam suas histórias e revelam os segredos desses pratos – e as duas duplas que seguem na disputa precisam preparar o almoço. Dessa vez, o mercado está aberto, mas eles têm pouco tempo para buscar novos itens para a sua cozinha. E a qualquer momento pode acontecer o 'Fogo na Cozinha", uma “pequena” dificuldade a mais, como, por exemplo, pilotar o fogão usando apenas uma das mãos ou ter de cozinhar ninando um bebê chorando.
Ao fim, é eleita a família campeã! Mas, na divisão do prêmio final, as três duplas ganham uma quantia em dinheiro para doar a um dos projetos parceiros do “Para Quem Doar”, plataforma criada pela Globo em abril de 2020 para conectar pessoas com organizações de todas as regiões do país que trabalham para combater e amenizar diferentes impactos sociais na vida da população em situação de risco e vulnerabilidade.
O reality entretém. Paola está ótima como de costume e João também foi uma boa escolha. Já Hassum parece desconfortável por não saber muito bem o que fazer enquanto os participantes estão cozinhando. Sua única saída é tecer breves comentários fazendo piada com a falta de prática dos filhos na reprodução dos pratos. Mas isso nem é culpa do humorista. O formato transforma a figura do apresentador em algo desnecessário. E a duração foi outro incômodo: uma hora de vinte minutos. Acabou deixando a atração arrastada em alguns momentos. Uns quarenta minutos já eram suficientes.
"Minha Mãe Cozinha Melhor que a Sua!" terá dez episódios e o programa combina com as tardes de domingo. Não é uma produção incrível, mas não compromete e cumpre sua função. Não deixa de ser uma boa opção para o telespectador que costuma ter como opções na concorrência os desgastados "Domingo Legal", no SBT, e "Hora do Faro", na Record.
Todas As Flores e um mercado que precisa entender que fã de novela não é burro
Grande promessa do streaming para o futuro das telenovelas, a trama de João Emanuel Carneiro terminou em meio a absurdos inexplicáveis.
Vou começar fazendo uma pergunta honesta: o que dá ao público a ideia de que uma novela é “boa”? Poderíamos tentar responder isso construindo uma fórmula a partir dos maiores sucessos dos últimos 50 anos; e essa fórmula tem dois elementos uníssonos: vilãs fortes e uma história de vingança. Os nomes que mais aparecem nas discussões sobre o assunto na internet guardam essas semelhanças compartilhadas. A vingança de Raquel contra a filha (Vale Tudo); a vingança de Tieta contra Santana do Agreste; a vingança de Maria do Carmo contra Nazaré (Senhora do Destino); a vingança de Nina contra Carminha (Avenida Brasil)...
As novelas são construídas todas em torno da mesma base, com variações entre si. Às vezes não tem vingança, mas tem superação, paternidade perdida, troca de lugar entre gêmeos, triângulos amorosos e empresas alternando presidentes. O DNA do gênero exige a repetição, se pauta na confortabilidade, não quer reinventar a roda, mas precisa contar com o mínimo de frescor entre obras. Você pode até tentar mudar a estética, mas se quer escrever novela, vai abraçar recorrências. Novela é mimese, mas não é porque copia a si mesma que não tem responsabilidade estrutural.
Avaliando as obras das 21 horas desde que a produção de títulos recomeçou no Brasil pós-pandemia, não é difícil perceber o que eles têm em comum. Amor de Mãe começou desafiando a estética. Era uma novela escura, com filtros crus, que se passava em locações sem glamour e tinha cenas longas, preocupada com descrições emocionais mais exploradas. Quando retornou do hiato forçado, voltou com vários capítulos a menos do que estava planejado, picotou-se sem cautela e deformou-se. Ninguém conseguia acompanhar a forma como os personagens iam do 8 para o 80 no espaço entre duas cenas; e o texto – que poderia ser preservado – parecia uma cartilha de obviedades.
Em Um Lugar ao Sol o problema se agravou, uma vez que sua autora planejou tudo antes mesmo das gravações começarem. Uma história de gêmeos trocando de lugar que fez elipses em tudo que era importante: o jeito que um virou o outro e depois, como esse farsante foi descoberto. Além desse absurdo, uma trama sobre etarismo que confirmava problemas de etarismo e uma trama sobre gordofobia que era gordofóbica. O alívio só veio em Pantanal... Mas, Pantanal nem era original; era um eco do sucesso de outrora. Uma boa cópia-carbono.
Travessia veio para contar uma novela sobre fake news sem fake news; sobre deep fake news que não ficavam nem na superfície; sobre tecnologia do futuro, metaverso, inteligência artificial, robôs e realidade virtual... e terminou sendo uma novela sobre um exame de DNA explicado numa panela de brigadeiro. Era como se não houvesse nem mesmo a vontade de pesquisar para saber que o photoshop de uma foto pode ser desmascarado em 5 minutos. Parecia brincadeira.
Quando Todas as Flores exibiu seu primeiro trailer era como se a esperança estivesse de volta aos corações de todos. João Emanuel Carneiro escreveu Avenida Brasil e teve sucessos relativos em outras tramas; sabia falar sobre vingança e sabia escrever vilãs fortes. Não é à toa que Leticia Colin e Regina Casé foram os destaques em comum de praticamente qualquer análise sobre a novela. Era um ótimo sinal... A primeira novela do streaming (desconsiderando Verdades Secretas, que tinha linguagem de minissérie) poderia abrir as portas para abordagens que, ainda que honrassem o gênero, teriam abertura para ousar (ou mesmo simplesmente fazer o básico, bem feito). Contudo, o resultado foi um devaneio sem controle. A novela não tinha nenhuma preocupação com processos, só com resultados.
Jardim Secreto
Vou pedir licença para exemplificar a discrepância entre Todas as Flores e a simples noção de planejamento, usando Manoel Carlos como base. Mesmo que ele tenha escrito aberrações machistas e esteja sendo reprisado com Mulheres Apaixonadas (a novela mais cheia de fetiches masculinos da história); existe em sua obra um senso de controle narrativo que é colossal.
Em Por Amor, lá no meio dos anos 90, ele queria contar a história de uma mãe que trocava o bebê vivo que havia tido pelo morto que sua filha tivera. Assim, a moça criaria o irmão como filho e Helena – a protagonista – veria o filho crescer como neto. Para arranjar isso era preciso ser engenhoso ou o público não acreditaria na virada. Então, ali pelos primeiros 50 capítulos da novela, Maneco preparou o terreno. Fez Eduarda ser descrita como frágil, a fez ter um aborto espontâneo, preparou o espectador para que ele compreendesse a morte do recém-nascido no dia da troca. Sobretudo, deixou claro que a moça não sabia lidar com traumas e era muito insegura.
Grávidas juntas, mãe e filha precisariam parir no mesmo dia para que o enredo desse certo. Mas, como fazer a troca dentro de um hospital, com tantas testemunhas? Maneco criou o médico César, que tinha uma dívida de gratidão com Helena e era apaixonado por Eduarda. Ele se sentiria obrigado a executar o plano. Os partos aconteceram fora do dia planejado e uma chuva torrencial chegou ao Rio de Janeiro, impedindo um dos pais de pegar o voo de volta e obrigando todos os outros personagens a permanecerem em casa.
Diante desse cenário, quando Helena resolve fazer a troca, o espectador não é capaz de encontrar uma só ponta solta. E o melhor disso tudo? Era um bom planejamento, sem a falsa eloquência de explosões, tiros e organizações criminosas que disfarçassem o descuido com carpintaria textual básica.
Todas as Flores de um jardim nefasto
É bem verdade que ficamos tão empolgados com Todas as Flores que fechamos os olhos para problemas que estavam ali desde o começo. A gravidez de uma começava junto com a outra, mas os bebês nasciam em períodos estranhamente diferentes... Um negócio de milhões com a venda de um perfume era fechado num banco de praça, depois que uma estranha de peruca se aproximava. Isso sem falar no concurso de beleza que não terminava nunca, que era um verdadeiro estouro; e que não atrapalhava Diego, que fingia ter duas identidades sem risco nenhum de sair numa nota ou numa cobertura jornalística. Explicações? Nenhuma.
O projeto de Todas as Flores nasceu com mais de 150 capítulos, mas após a cúpula da emissora decidir passar Travessia na frente da fila, a novela de João Emanuel foi encurtada para 85 capítulos e foi toda gravada antes do lançamento no streaming da casa. Ele não teria como analisar as reações para tentar corrigir cursos... Contudo, parece cada vez mais que essa é uma desculpa ultrapassada. Considerando o descaso dos autores do horário nos últimos anos com questões de coerência básica, é provável que nada tivesse mudado.
É evidente que João Emanuel e sua equipe sabiam onde queriam chegar. Os planos para cada personagem central eram perceptíveis. O problema estava nos processos para chegar onde se queria; problema esse que estava também nos títulos que vieram da pandemia para cá (e que já foram citados nesse texto). Maíra (Sophie Charlotte) precisava ser descrita como uma mocinha forte, então o autor decidiu que ela não iria pedir ajuda ao amado.
Prometeu uma vingança que não veio, voltou a enxergar e ninguém percebeu, cometeu crime de tráfico humano e não perdeu a guarda da criança, fugiu da cadeia sem esforço e ficou em casa, recebendo visitas constantes, sem que a polícia jamais fosse procurá-la. Terminou emulando um perdão capenga diante de uma Zoé que mudava de opinião sobre a filha cinco vezes no mesmo capítulo.
Mauritânia (Thalita Carauta), que era uma mulher vivida e esperta, criada na malandragem, assinou papéis sem ler; Rafael (Humberto Carrão) promoveu resgates rocambolescos; tivemos uma incidência inacreditável de tiros no ombro e
João Emanuel entubou quase DEZ atores pretos em um núcleo popular sem nenhuma função, nenhum apuro, nenhuma importância. A busca pela diversidade nos papéis de destaque das nossas novelas está sendo reconhecida no mundo todo. Que tristeza ver a produção desprestigiar ótimos atores segregando-os a uma terceira categoria de personagens, que nem entreter poderiam, tamanha fragilidade do texto. Soou muito mais como uma obrigação, uma imposição burocrática; e isso é muito desrespeitoso.
No último capítulo o descaso com coerência e boa escrita chegou ao ápice. Não só os acontecimentos eram totalmente sem sentido
(aquele julgamento parecia um julgamento de festa junina)
como a escrita não se esforçava em nada para ter substância, para ter o mínimo de fé cênica. A superficialidade era tamanha, que atingia tudo em volta, inclusive os atores. Embora tenha sido celebrada, Regina Casé poucas vezes teve escopo para desenvolver Zoé (geralmente nas cenas de humor, quando
, mas foi apagada do último capítulo e reduzida ao pó do vilão que termina batendo carteira.
É inacreditável que o mercado criativo das telenovelas – e aqui me direciono à dominância da produção global – não tenha percebido de uma vez por todas que o espectador não é burro. As novelas são feitas pensando na massa distraída que deixa a TV ligada enquanto passa roupa. Mas, a novela do streaming será assistida por quem ama o gênero e por quem pauta o alcance que esses títulos terão nessa elusiva escala de grandes sucessos. A gente ama uma bagaceira teledramaturgia, mas a gente ama ainda mais quando ela é feita sem subestimar a nossa inteligência. Novela tem códigos populares, mas é uma história sendo contada, como qualquer outra. E mesmo o cidadão mais simples, diante de um causo sem raízes bem fincadas, desconfia da procedência dessa prosa.
Nós não somos burros... e nem – que ironia – cegos.
Está definido...
... que desse trabalho de João Emanuel ficou a lembrança de boas cenas de Letícia Colin e de um começo brilhante para Mauritânia. João sabe criar personagens cheios de apelo e isso ficou muito claro nos primeiros capítulos da novela.
Está a definir...
... o que podemos esperar de Os Outros, que se tornou agora – mais que nunca – a promessa de um sucesso ainda não visto nos últimos anos.
Os Outros (2023), série do mesmo criador de Sob Pressão, fala sobre a dificuldade contemporânea de passar por cima do diálogo e as consequências da intolerância.
A novela que marca a estreia de Gustavo Reiz no canal. O autor trabalhou a Record por muitos anos, onde escreveu o remake de "Dona Xepa", "Milagres de Jesus", "Escrava Mãe" e "Belaventura". A trama estrearia em 2022, mas a pandemia atrasou a grade. A história girará em torno de uma famosa loja no Centro do Rio de Janeiro, na região do comércio popular. A loja tem o nome de "Fuzuê" e é de propriedade de um ex-feirante, Nero Braga, que conseguiu crescer aos poucos e é muito querido por todos. Porém, um grupo de empresários descobre que no terreno da loja existe um grande tesouro e os ricaços farão de tudo para demolir o estabelecimento. Gloria Pires chegou a ser confirmada como a protagonista, mas sua ida para "Terra Vermelha" deixou tudo em dúvida sobre a substituta. Nicolas Prattes foi anunciado como o mocinho Miguel, rapaz que é reprimido pelo pai e complexado, mas é um advogado bem-sucedido.
"Vai na Fé" expõe pluralidade religiosa e honra seu título
A novela das sete de Rosane Svartman tem feito por merecer muitos elogios e nesta sexta-feira, dia 24/02/2023, exibiu um capítulo que vai ficar marcado na teledramaturgia. Após muitas cenas já exibidas da família de Sol (Sheron Menezzes) orando na igreja evangélica do bairro, outra religião serviu como pano de fundo para um momento emocionante vivido pelo mocinho Ben (Samuel de Assis). Pela primeira vez um terreiro de candomblé foi representado com profundo respeito e veracidade.
O protagonista se envolveu no mesmo engavetamento na estrada que vitimou Carlão (Che Moais), marido de Sol, e foi a único sobrevivente. A partir de então, já recuperado, resolveu ir atrás de todas as vítimas para ajudá-las com a indenização do seguro do caminhão dirigido pelo criminoso que provocou a tragédia. Ben acabou hospedando quatro pessoas de uma família em sua casa, para o desespero da esposa, Lumiar (Carolina Dieckmann), e seguiu atrás das demais pessoas. O mocinho foi de moto por uma estrada de terra até chegar em uma casa e tocou a campainha. Quem lhe atendeu foi uma doce senhora. "É a casa da Dona Ana?", perguntou. "Sou eu. Mãe Ana de Oyá. Essa que acabou de tee receber é a verdadeira dona da casa: Iansã. A gente nunca se atrasa pro que é nosso, não é verdade? Pode entrar!", respondeu.
Após a delicada e breve cena, o telespectador foi presenteado com uma sequência que retratou com seriedade a cerimônia do candomblé, sem qualquer deboche ou humor duvidoso, tendo a participação de Ben como convidado. Foi um momento emocionante e inédito na teledramaturgia. Benjamin não escondeu o quanto aquele momento tocou seu coração e a última cena do personagem com Mãe Ana primou pela sensibilidade do texto, que também serviu para explicar o significado de algumas entidades: "Sua primeira vez num barracão de candomblé, né? Esse amalá que a gente rodou hoje foi para trazer o fogo de Xangô de volta pro axé. Faz uma semana que a gente encerrou aqui os rituais de luto pelo meu filho. Mesmo com o coração pesado, a vida precisa seguir. Xangô é o fogo da vida e é dele que a gente busca a força para seguir nosso propósito aqui na terra. A nossa única obrigação é a felicidade. Lembra dos atabaques tocando enquanto Xangô dançava? Onde você ouvir seu coração tocar daquele jeito, você pode acreditar que ali é seu lugar!". Foi lindo. Samuel de Assis e Valdineia Soriano brilharam.
A cena foi escrita por Pedro Alvarenga, um dos colaboradores de Rosane Svartman, e dirigida por Juh Almeida, integrante da equipe de direção da novela. Um detalhe importante é que os dois são negros. A autora fez questão de elogiá-los no Twitter. O resultado ficou incrível e já entrou para a lista de grandes cenas da teledramaturgia. Vale destacar que no mesmo capítulo foi exibida outra linda cena em que Sol cantou no coral da igreja. A pluralidade, somada ao respeito por todas as religiões, está sendo abordada com maestria na novela das sete. "Vai na Fé" honra o seu título.
É a primeira novela que Rosanne Svartman escreve sozinha. Seus dois folhetins anteriores de imenso sucesso ("Totalmente Demais" e "Bom Sucesso") foram desenvolvidos em parceria com Paulo Halm. Agora a autora contará a história de Sol, interpretada por Sheron Menezzes, mulher batalhadora que já foi dançarina de funk e vende quentinhas para sobreviver. Ela acaba voltando para seu passado quando começa a trabalhar como dançarina do cantor decadente Lui Lorenzo (José Loreto). A trama terá muita música, além de um elenco repleto de atores negros, incluindo os protagonistas. As chamadas já despertam interesse e a estreia é dia 16 de janeiro. A faixa das sete da TV está precisando de um bom folhetim após a fraca "Cara e Coragem".
Após uma avalanche de polêmicas, "BBB 23" chega ao fim marcado pelo fracasso A vigésima terceira edição do "Big Brother Brasil" chegou ao fim com uma audiência ainda menor que a exibida ano passado, que já tinha apresentado uma queda significativa em relação aos fenômenos "BBB 20 e 21". Claro que a temporada do ano passado teve como reflexo o início do fim da pandemia, o que implicou em mais gente na rua. Mas o "BBB 23" não melhorou os índices e a escolha do elenco, em sua grande maioria, se mostrou tão fraca quando a do ano passado. Para culminar, várias polêmicas cercaram a atração a ponto de cancelarem o "BBB 101", que marca o reencontro do elenco na casa, inaugurado no "BBB 21".
A primeira situação que provocou repercussão negativa no reality foi a relação abusiva entre Gabriel Fop e Bruna Griphao. A forma como o rapaz agia com a então ficante vinha despertando cada vez mais incômodo até colocar a mão fortemente no ombro dela e no mesmo dia dizer, durante uma discussão, que 'daria cotoveladas' na boca da atriz. O comentário provocou uma intervenção de Tadeu Schmidt, que o repreendeu ao vivo e diante dos demais concorrentes. Por mais absurdo que pareça, após a represália, Fop chegou a exigir que Bruna falasse para todos que ele não tinha feito nada demais. No entanto, a polêmica expôs que o público estava bastante tolerante na atual edição. Tanto que Gabriel foi eliminado com 53,3% em um paredão triplo, índice que nem configura rejeição. Ou seja, parte votante da audiência nem achou grave o que aconteceu. Mas ainda era só o começo, tanto no quesito acontecimentos pesados quanto na benevolência do público diante de tudo o que era mostrado.
Fred Nicácio sofreu intolerância religiosa de Gustavo, Key e Cristian. Ninguém na casa soube a respeito do acontecido porque, ao contrário do que fez com Fop, o apresentador foi mais sutil na represália: disse apenas para Fredão contar mais sobre a sua religião, o Culto de Ifá, e ressaltou a importância da diversidade religiosa. Os três responsáveis pelo preconceito perceberam na hora que era sobre eles, já os demais não. No entanto, somente Gustavo saiu com rejeição (71,7%), já Key (56,7%) e Cristian (48,3% ) não. Aliás, Cristian teve a menor porcentagem para sair da temporada.
E ninguém tinha ideia que ainda tinha muita água (poluída) para rolar no "BBB 23". Ninguém entendeu quando Boninho escolheu Key para participar do intercâmbio. Foi uma premiação mesmo depois de tudo o que fez no reality. A jogadora de vôlei foi para "La Casa de Los Famosos", reality do México, enquanto Dânia Mendez veio para o "BBB". Era o início de um pesadelo para a mexicana. A influenciadora teve sua mochila revirada por Marvvila e Fredinho assim que botou os pés na casa e durante a festa foi tocada por MC Guimê e importunada por Cara de Sapato. Os dois foram expulsos no dia seguinte com um anúncio ao vivo de Tadeu, o que chocou todos os participantes. Agora ambos são investigados pela Polícia Civil do Rio de Janeiro por assédio e importunação sexual, respectivamente. A atitude da produção foi correta, mas a covardia de colocar a dupla oficialmente como 'eliminada' (o que garante os prêmios faturados, assim como o contrato com a Globo) foi lamentável. Era para ter sido uma expulsão também no papel.
A saída de dois jogadores provocou uma estratégia desesperada de Boninho para garantir a duração do programa até o dia 25 de abril: uma repescagem. A decisão provocou uma avalanche de críticas, mas a volta de Fred Nicácio e Larissa movimentou o jogo. E foi bonita a constante exaltação de Fred a respeito da representatividade preta na temporada, o que resultou em uma das mais bonitas imagens da edição: uma foto com todos os pretos reunidos. Pena que nada disso teve qualquer efeito popular diante do favoritismo de Amanda, que virou a queridinha de parte do público por conta do casal inexistente formado com Cara de Sapato. Favoritismo que arrastou Larissa, Bruna e Aline junto com a médica. Aline porque sempre foi a melhor amiga da participante e as outras duas porque passaram a bajulá-la depois que Lari voltou falando da força da torcida que a médica tinha ao lado do lutador expulso.
O racismo estrutural foi mais uma polêmica da temporada. Era algo escancarado, apesar de aparentes 'sutilezas'. Bruna era uma pessoa agressiva e reativa que não sabia ouvir e nem ser contrariada. Não por acaso, brigou com vários participantes na casa. No entanto, Tina, que tinha um temperamento parecido, mas bem mais moderado, foi colocada como agressiva pelos demais e parte do público, tanto que não resistiu ao primeiro paredão e foi eliminada com mais porcentagem que Gabriel Fop, por exemplo. Ricardo Alface, Domitila Barros, Fred Nicácio, Cezar Black e Sarah Aline nunca podiam reagir aos ataques nos jogos da discórdia porque sempre eram classificados como agressivos, maldosos, e opressores.
No caso de Facinho, durante duas discussões sérias com Bruna, foi chamado de desequilibrado e 'pessoa ruim'. Já a situação protagonizada por Black foi a mais repugnante da temporada. O enfermeiro foi atacado por Bruna e Aline porque se indignaram quando ouviram atrás da porta o participante falando que Larissa voltou orientada por uma assessora. As duas o ofenderam de várias formas e ex-cantora do Rouge insinuou que havia o risco de uma agressão. Isso porque Black exigiu ser respeitado. Teve que ouvir "OU O QUE?" como se tivesse imposto uma condição, o que não ocorreu. Mas qual foi a resposta do público diante de todas as situações assistidas? Nenhuma. Black foi eliminado um dia após o momento em que foi humilhado e Sarah saiu pouco tempo depois, perdendo um duelo de votação contra Bruna.
O reality terminou de ser enterrado com a eliminação de Domitila Barros, a única que tinha favoritismo fora do grupo chamado 'desértico'. Foi eliminada pela torcida da Amanda, mesmo sem ter qualquer embate com a médica na casa. A torcida decidiu adotar Larissa, mesmo sabendo que a bajulação era falsa. A última 'vítima' foi Ricardo Alface, que fez jogo duplo e protagonizou vários momentos marcantes da temporada. Já a dona do quarto lugar foi Larissa, que morreu na praia mesmo depois de ter feito de tudo para grudar em Amanda e assim beliscar uma vaguinha na final. Já o último paredão expôs o fracasso do "BBB 23". Foram míseros 22 milhões de votos contra 236 milhões no "BBB 20", 514 milhões no "BBB 21" e 278 milhões no já fraco "BBB 22".
A final foi insossa, o que acabou representando bem a reta final decepcionante da edição. Com os eliminados e os cantores convidados para o show em um estúdio junto com o apresentador, as finalistas viram os VTs e o constrangimento acabou inevitável diante das piadas ferinas de Paulo Vieira e Dani Calabresa ridicularizando a temporada e as escolhas de parte do público. Já o anúncio da campeã teve um Tadeu exaltando o trio e premiando Amanda, que se consagrou vencedora com 68,9% dos votos, de um total de pouco mais de 76 milhões de votos, um fiasco histórico ----- citando apenas as duas últimas edições: 751 milhões de votos no "BBB 22", que premiou Arthur Aguiar, e 633 milhões de votos no "BBB 21", que consagrou Juliette.
O "BBB 23" chegou ao final com a marca do fracasso e não tem como afirmar que não foi merecido. Até a audiência foi a menor da história do reality ---- 20 pontos (em nível comparativo, a final do "BBB 22" teve 26 pontos e a do "BBB 21" marcou 34 pontos). Boninho e a produção do programa não têm culpa das decisões controversas do público, ou parte dele, mas houve cumplicidade em diversas situações. A forma como protegeram as atitudes de Bruna classificando como fruto de 'autenticidade', os péssimos discursos de Tadeu Schmidt ---- que só fez elogios genéricos a todos e escondeu qualquer crítica mais enfática ----, a repescagem de última hora e as expulsões classificadas como meras eliminações ajudaram a destruir o conjunto da temporada que já vai tarde.
Grandes Livros: Autobiografia de Malcolm X
3.5 1A Metamorfose de Malcolm X: Uma Viagem Através dos Livros
Nascido Malcolm Little em 1925, em Omaha, Nebraska, a vida de Malcolm X foi um testemunho do poder da transformação através da auto educação. Seus primeiros anos foram marcados por dificuldades e delinquência, levando a uma sentença de prisão onde ele iria passar por uma profunda metamorfose. Foi dentro dos limites de uma cela de prisão que Malcolm X descobriu o poder transformador dos livros, uma descoberta que não só remodelaria a sua própria consciência, mas também deixaria uma marca indelével no mundo.
O despertar na prisão
O encarceramento de Malcolm X tornou-se o crucível improvável para o seu renascimento intelectual. Sentindo-se sem educação e incapaz de se expressar em letras, ele embarcou em um rigoroso programa autodidacta para dominar a palavra escrita . Ele começou por copiar todo o dicionário, uma tarefa meticulosa que expandiu seu vocabulário e melhorou suas habilidades de escrita. Esta disciplina lançou as bases para os seus vorazes hábitos de leitura.
No silêncio da sua cela, Malcolm X leu tudo o que podia colocar as mãos. Sua lista de leitura era extensa, variando da história à filosofia, abrangendo as lutas das comunidades africanas e o impacto do racismo. Juntou-se às aulas educacionais para promover os seus estudos e participou de debates na prisão, onde o seu conhecimento recém-descoberto lhe deu uma vantagem sobre os seus oponentes.
O poder da auto-educação
A jornada de auto educação de Malcolm X foi um farol de esperança para aqueles que se sentiram marginalizados e sem voz. Ele demonstrou que aprender e falar a mente eram ferramentas poderosas para a libertação pessoal. Sua experiência na prisão ensinou-lhe mais sobre o mundo, e especificamente sobre a história negra, do que ele acreditava que alguma vez teria aprendido num ambiente de educação formal.
Através de sua busca incansável pelo conhecimento, Malcolm X emergiu como um principal porta-voz do separatismo negro, defendendo que os americanos negros cortassem os laços com a comunidade branca. A sua visão radical dos direitos civis foi moldada pelos livros que leu, o que o ajudou a articular uma filosofia que combinava conhecimento político com uma profunda compreensão da discriminação racial.
A transformação e o legado
A transformação de Malcolm X de um bandido para um ministro muçulmano é vividamente narrada em sua autobiografia, co-autoria com Alex Haley . Sua conversão ao verdadeiro Islã durante uma peregrinação a Meca ajudou-o a confrontar sua raiva e a reconhecer a irmandade de toda a humanidade, levando-o a renunciar a muitas de suas crenças antigas. A autobiografia tem sido celebrada como um trabalho crucial para a compreensão da justiça social e da discriminação racial.
O legado de Malcolm X não está apenas nas suas ideias e discursos radicais, mas também na sua demonstração de como a mudança é possível a partir de dentro. A sua história de vida, contada através da sua autobiografia, continua a inspirar e desafiar os leitores, oferecendo uma visão radical para os direitos civis que permanece relevante hoje.
A história de Malcolm X é um lembrete poderoso de como os livros podem moldar o destino de uma pessoa. Sua transformação de Malcolm Little para Malcolm X foi alimentada pelas palavras e ideias que ele encontrou em suas leituras. Aprendeu a ler, escrever, falar e inspirar outros, tornando-se um símbolo do poder da auto-educação e da busca da verdade.
Terra e Paixão
2.9 17 Assista AgoraA novela também teve erros incontestáveis. A saga da Aline não empolgou e andou em círculos ao longo dos meses. A mocinha sempre era ameaçada por Antônio,
enfrentava o vilão, acabava sofrendo alguma consequência grave (prisão, incêndio da plantação e perda das terras)
depois de ter sequestrado Danielzinho, que beirou o absurdo já que a vilã estava desarmada diante de vários policiais. Vale destacar ainda o final de Irene, rica e plena ao lado de um milionário interpretado por Rodrigo Lombardi. E com um filho adotado. Mas a dúvida permaneceu: adotado mesmo ou roubado?
O ponto alto do último capítulo foi
o fim do mistério do assassinato de Agatha. A vilã teve um final apoteótico, digno de sua participação, e já tinha sido desvendado que Irene tinha dado os três tiros na rival, que agonizava na escada. Mas quem empurrou ainda era dúvida. Só que no final das contas, até o envenenamento provocado por Angelina foi criminoso. Ao contrário do que disse em seu depoimento, a governanta não trocou as xícaras. Ela botou veneno para Agatha tomar, mas a vilã logo sentiu o gosto e foi correndo pegar o antídoto. E na escada estava Gentil, que a empurrou. Um plot twist que não foi vazado pela imprensa, fazendo jus a vários finais do Walcyr que surpreendem o público, vide César (Antônio Fagundes) com Félix (Mateus Solano) em "Amor à Vida". A troca de risadas entre Angelina e Gentil encerrou o enigma com chave de ouro. Vale lembrar que os dois eram os únicos que sabiam que Agatha estava na prisão e não morta durante os anos que ficou sumida.
Infelizmente, os mocinhos perderam espaço. Aline sempre será lembrada como a protagonista do Walcyr que não teve uma baita guinada — e acho que se apagou mais que a Filó de “Êta Mundo Bom” —, mas a Bárbara Reis é competente e a gente ainda torcia por ela de alguma forma. Do Caio não dá para dizer o mesmo. O personagem era inverossímil nos primeiros capítulos,
além daquele amor louco pela Aline que chegava a forçar as coisas. Ela não tinha obrigação de gostar dele porque ele gostava dela, muito menos o Daniel merecia toda aquela humilhação da parte do irmão porque era com ele que a Aline queria ficar naquele momento. Para alguém que nasceu “jogado às traças”, eram lampejos de egoísmo insuportáveis. O Caio era boa pessoa, mas não dá pra dizer que ele cresceu com a trama. Deu pena que a mãe que ele amava era uma vaca? Deu.
Agora uma coisa que eu nunca vou esquecer dessa novela é: TODAS as crianças eram um amor! A Rosa foi a que menos apareceu, ainda assim era legal. O Christian era um doce e encarou coisas pesadas em casa e na escola, e o João era um querido também, minha criança favorita da novela (e a relação dele com o Caio era bonito de ver).
Falas Negras apresenta Histórias (Im)possíveis
3.8 8"Falas Negras - Histórias Impossíveis" fecha o ciclo com um episódio de impacto
No Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, foi ao ar o último episódio da série "Histórias Impossíveis". Após "Falas Femininas" (em homenagem ao Dia Internacional da Mulher), "Falas da Terra" (em homenagem ao Dia dos Povos Indígenas), "Falas de Orgulho" (em homenagem ao Dia do Orgulho LGBTQIAP+) e "Falas da Vida" (em homenagem ao Dia Internacional das Pessoas Idosas), a TV aberta exibiu "Falas Negras" nesta segunda, após o último capítulo de "Todas as Flores".
A trama propôs uma discussão sobre os estereótipos criados para personagens negros ao longo da história do audiovisual a partir de uma narrativa ficcional carregada de mistérios. No centro do enredo, Janaína (Grace Passô), uma roteirista negra, tem um encontro com a equipe de autores, todos brancos, de um novo projeto audiovisual, cuja imersão é realizada em uma fazendo do interior, herança da época colonial. Sua chegada gera desconforto tanto aos demais roteiristas ---- o que provoca conflitos na equipe ----, quanto aos funcionários da fazenda, como Benê (Neusa Borges), Justino (Leandro Firmino) e Dita (Dandara Abreu), que aos olhos de Janaína, apresentam comportamentos estranhos.
A história, com o título de "Levante", fala sobre a representação de personagens negros na TV ao longo de várias décadas. Até porque pouco se falava do fato dos pretos só aparecem em novelas como empregados, motoristas ou porteiros. A realidade só começou a mudar recentemente com a inserção de maior diversidade nos elencos, incluindo um importante protagonismo negro, e sem profissões estereotipadas. A série aborda a questão através de um amontoado de situações que instigam o telespectador, que não identifica muito bem no início se a produção é de suspense, terror ou um drama comum.
Depois de perceber que há algo incomum no lugar, Janaína passa a investigar e descobre coisas inimagináveis sobre o verdadeiro propósito da fazenda e dos planos de seus funcionários. Personagens imprescindíveis no desenrolar da história, Benê e Justino, guardam um segredo que mexe com a cabeça de Janaína e dos outros roteiristas que estão na casa. A trama é bem conduzida e consegue prender a atenção de quem está assistindo até o final. E um dos atrativos é ver Grace Passô, uma das roteiristas da série e responsável pelos outros episódios de "Histórias Impossíveis", atuando como protagonista e vivendo uma personagem que tem tudo a ver com ela.
Após muitas dúvidas ao longo da trama, perto do final o intuito do enredo é revelado e o plot provoca um impacto gigantesco em quem assiste. Vários personagens negros e indígenas estereotipados ganham vida e resolvem dar um basta diante de tantos anos protagonizando roteiros escritos por brancos que desrespeitam suas vivências e histórias. O diálogo da representação do traficante, da empregada doméstica, da sambista, do 'preto véio', da ama de leite, entre tantos outros tipos, provoca reflexão e indignação. Neusa Borges, Thalma de Freitas, Ju Colombo, MV Bill e Leandro Firmino são alguns dos que brilham. Já a cena final, da fazenda sendo incendiada pelos personagens com a ajuda de Janaína, arrepia, assim como o encerramento das gravações com a protagonista sendo aclamada por todos da produção. Tudo ao som de "Promessas do Sol", cantada por Milton Nascimento. Uma metalinguagem genial e também uma autocrítica pra Globo que por muitos anos reproduziu o que a série critica.
A antologia "Histórias Impossíveis", apresentadas nos especiais "Falas" deste ano, foi criada e escrita por Renata Martins, Grace Passô e Jaqueline Souza, escrita com Thais Fujinaga, Hela Santana, Graciela Guarani e Renata Tupinambá. A direção artística é de Luisa Lima e direção de Thereza Médicis, Everlane Moraes, Graciela Guarani e Fabio Rodrigo, com produção de Leilanie Silva. Alinhado à jornada ESG da Globo, o projeto tem direção executiva de produção de Simone Lamosa, e direção de gênero de José Luiz Villamarim. O melhor episódio foi o que justamente fechou o ciclo.
Gabriela
3.9 17Um beijo de Gabriela
Há uma frase de Dora, personagem de Fernanda Montenegro em Central do Brasil, de Walter Salles, que até hoje me emociona e perturba.
Sem se despedir do menino Josué, vivido por Vinicius de Oliveira, ela embarca, no desfecho do filme, em um ônibus caindo aos pedaços, de volta ao Rio de Janeiro, e lhe escreve uma carta de despedida. Nela, fala de sua já distante infância, e conta sobre quando o pai, maquinista ferroviário, a deixou, ainda pequena, fazer soar o apito do trem. Um momento perdido no tempo. Mas único, inesquecível para ela.
Dora pede ao garoto que, quando sentir falta dela, dê uma olhada no retratinho que tiraram juntos, e arremata a carta: “Eu digo isso porque tenho medo que um dia você também me esqueça. Tenho saudade do meu pai. Tenho saudade de tudo.”
Esse epílogo, embora triste, melancólico, embute uma ponta de esperança. Josué, órfão de mãe, encontra os irmãos mais velhos, e ganha a perspectiva de ter, enfim, uma família. E ela, antes uma mulher amarga, desesperançada e egoísta, parece reencontrar a sua humanidade.
Mas voltemos à frase de Dora, aquela em que a personagem diz ter medo do esquecimento e, ao mesmo tempo, sentir saudade de tudo. Quem já viveu um tanto, e tem, como eu, o hábito de olhar com frequência pelo retrovisor, de revisitar estradas percorridas, em busca de novos significados para antigas paisagens, sente, como a personagem de Fernanda Montenegro, o temor de que essa jornada seja, no fim das contas, uma longa estrada solitária. E, além da nostalgia, a tal “saudade de tudo” seja o único legado da existência quando finalmente chegarmos ao destino, seja ele qual for.
E, revi meio ao acaso, na televisão, trechos de Aquarius, longa-metragem do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho estrelado por Sonia Braga. A atriz paranaense, em estado de graça, é Clara, crítica de música aposentada que se recusa a deixar o apartamento onde viveu boa parte da vida, apesar de toda a pressão que sofre da construtora que pretende demolir o antigo edifício na orla de Recife para construir um grande empreendimento imobiliário. O filme fala de resistência e memória, tema que me é muito caro.
A Sonia chegou ao estrelato na televisão brasileira quando protagonizou, em 1975, a novela Gabriela - quando a histórica adaptação do romance de Jorge Amado estreou na TV aberta. O folhetim, escrito por Walter George Durst e dirigida por Walter Avancini, virou em pouco tempo um fenômeno cultural – e um acontecimento de grandes proporções na minha família. Só se falava das ousadas – e sensualíssimas, para os daquela, ou de qualquer época – cenas de amor entre a personagem-título, uma desinibida retirante do interior da Bahia, de pele morena e pés descalços, e o turco Nacib, que na verdade é sírio-libanês.
Gabriela e Nacib se deitavam e se amavam diante das câmeras – e do Brasil inteiro – ao som de temas de Dori Caymmi e de “Alegre Menina”, cujos belos versos eram cantados por um ainda quase desconhecido compositor alagoano chamado Djavan. E o país, em plena era da pornochanchada, se chocava e se deleitava, encantado em ver tudo aquilo no conforto do lar.
Talvez por causa desse alto teor erótico, considerado uma temeridade nos anos de chumbo de ditadura militar, eu era, digamos, “proibido” de ficar acordado até as 10 horas da noite para assistir ao folhetim. “Não é programa para criança”, cansei de ouvir. Mesmo assim, a maioria desafiava as regras domésticas e lembra de ter visto, escondido, muitos dos 130 e poucos capítulos de Gabriela.
Você se lembra disso: "Esperava minha mãe, que entrava no trabalho muito cedo, pegar no sono e, pé ante pé, saía do quarto sem fazer qualquer barulho. Sentava-me no tapete da sala de nosso apartamento em Copacabana, a dois, três palmos do primeiro aparelho de televisão em cores que tivemos, e mergulhava na Ilhéus dos anos 20. Inebriado."
E, logo em seguida, me levaram até ela: Sonia Braga, já com os cabelos alisados e bem mais curtos, à altura do ombro, se transmutando em Gabriela(1983) ou Dona Flor(1975) ou Solange(1978). Linda, de grandes olhos castanhos e muito simpática, Sônia Braga, Gabriela, Dona Flor e Solange tinham me beijado. E agora as quatro te afagavam os cabelos.
E que voltei dormindo, feliz da vida, no carro.
Vai na Fé
3.8 23Vai Na Fé: A “trilogia” de superação feminina de Rosane Svartman chega ao apogeu
Autora da novela das 19 reforça seu lugar em sua “mitologia suburbana”, que inclui talento, fama, adolescentes, revelações, música… e sempre um deslizezinho no final.
Quando Vai Na Fé foi anunciada pela TV ela quase sofreu do recorrente equívoco de marketing que o braço streaming da empresa vive cometendo: foi “vendida” do jeito errado, como uma “novela evangélica”, provavelmente para que essa informação atravessasse a mídia e fosse buscar alguns espectadores perdidos para as terras bíblicas da Record. Na ocasião, fiz um texto sobre o quanto essa era uma estratégia equivocada, uma vez que por uma questão de compromisso artístico, a Globo jamais faria uma novela seguindo os padrões conservadores de uma novela da Record e, evidentemente, jamais interessaria o público que está lá buscando produtos de natureza estritamente gospel.
A culpa não era de Rosane Svartman e sua equipe, é preciso dizer. Por tradição crítica, os evangélicos apresentados em novelas da casa eram sempre personagens sem likeability, extremistas, castradores. A partir do momento em que a protagonista seria uma mulher evangélica, era natural pensarmos até que ponto a questão religiosa apareceria com destaque na trama. Estaríamos diante de evangélicos “esterilizados” ou simplesmente de pessoas realistas, que podem seguir uma doutrina religiosa sem que isso signifique excluir ou julgar quem não faz parte dela?
A segunda opção se tornou uma evidência assim que a novela começou. A família de Sol (Sheron Menezes) era uma família suburbana, preta, pobre, evangélica; ou seja, muito próxima da realidade da maioria dos brasileiros desse país. Contudo, a maneira elegante, delicada e justa com a qual a religiosidade desses personagens foi retratada aproximava o núcleo daquele mundo “como deveria ser”, muito mais do que como ele realmente é (e como pessoa gay criada dentro do seio de uma família evangélica, atesto o que quero dizer). Rosane Svartman estava fazendo aqui na nossa teledramaturgia o que já vem sendo feito em algumas narrativas estrangeiras nos últimos anos: naturalizar questões sociais sem polemizar sobre elas.
Nunca vimos uma cena em que um dos membros da família de Sol repreendesse outros personagens por não serem evangélicos como eles. A melhor amiga e a afilhada não eram convertidas; o melhor amigo era gay; o amor de infância era de uma religião de matriz africana… E nunca houve a conversa sobre estar cada um numa ponta desse quadrado (forçado, essencialmente, pelo organismo religioso como um todo). Todo mundo convivia bem, tudo era natural; não havia necessidade de discutir as diferenças, porque elas não eram o centro da narrativa. E assim, a primeira família evangélica simpática – e empática – da TV foi guiada por Rosane e sua equipe com extrema competência.
Svartmanverso
A autora, aliás, parece ter encontrado em Vai Na Fé o resultado quase completo de uma progressão ideológica que já aparecia discretamente em Totalmente Demais, sua primeira novela. Seu texto esperto e inteligente já estava lá, mas ainda era preciso que a mocinha pobre tivesse o rosto europeu de Marina Ruy Barbosa e o galã seguisse esses passos, estampado na beleza de Fábio Assunção. Mas, quando Bom Sucesso chegou, um tempo depois, apesar da protagonista ainda precisar dos olhos azuis de uma Grazi Massafera, ela já tinha uma família inter-racial. Houve uma tentativa um pouco fracassada de dar a David Júnior o destaque de um verdadeiro protagonista; mas o curso foi corrigido com o Ben de Samuel de Assis. Passo a passo, as transformações foram sendo feitas.
Contudo, assim como qualquer autor, Rosane tem suas recorrências. As protagonistas perdidas à margem e que sempre tem algum talento e uma pretensão artística; a mulher executiva complexa, que faz coisas ruins por bons motivos (Juliana Paes, Fabíola Nascimento, Carolina Dieckman); o vilão de terno que tem senso de humor (Armando Babbaioff, Emílio Dantas) e por aí vai… Apesar de amarmos Bruna (Carla Cristina Cardoso), foi até um pouco de exagero coloca-la para fazer uma personagem quase igual a que fez em Bom Sucesso.
Em Vai Na Fé esse mundo próprio do estilo de Rosane parece ter encontrado uma sintonia especial. Se em Totalmente Demais ela – por estar chegando – não podia ousar demais; em Bom Sucesso já começou a incutir elementos lúdicos particulares, ligados sempre a questões artísticas e clássicas. Na novela de Paloma foram os livros; com cenas e cenas inspiradas em grandes títulos da literatura e citações elegantes de autores de todas as nacionalidades. Em Vai Na Fé a estrela foi a música. Canções originais ganharam o país através de Sol e Lui (José Loreto); mas numa virada interessante (e um pouquinho mal dosada) personagens começaram a cantar clássicos, em sequências musicais que costuravam a história.
E tivemos espaço para a celebração da teledramaturgia também. Embora infelizmente a autora tenha escolhido o cinema para colocar a inesquecível Vilma (Renata Sorrah) em ação; a personagem passou a novela citando personagens da nossa história teledramatúrgica e fazendo com que o coração dos noveleiros batesse com um carinho especial por esse projeto. Não só Rosane e seu fantástico time estavam escrevendo uma novela divertida, esperta e coerente, como também estavam aproveitando para festejar esse gênero (que com o crescimento do streaming passou a ser desprezado, precisando cada vez mais de honrarias).
A Fé Não Costuma Falhar
Outro aspecto recorrente da obra de Rosane é a perda de fôlego na reta final, que atingiu toda sua trilogia e que acaba atrapalhando um pouco a experiência. Assim como em Totalmente Demais e Bom Sucesso, a protagonista estava em busca da realização de um sonho artístico. No caso de Sol é possível que no intuito de manter a situação sob controle, o sucesso da personagem tenha demorado demais para acontecer; questão essa que atribuo justamente a esse descarrilho nos 40 capítulos finais.
A progressão da carreira de Sol foi bloqueada pelo longo e penoso enredo envolvendo o julgamento de Téo; uma trama que durou muitos capítulos, trouxe discussões importantes, mas que foi encerrado sem o mesmo apuro comum ao texto da novela. Téo vencer o processo é totalmente coerente com a realidade, mas a falta de uma amarração narrativa para que ele pagasse por isso em seguida não é coerente com a ficção. A questão dos abusos foi esquecida na reta final, ele não passou por novo processo, não houve um encerramento digno para essa questão; e o que causou sua “falsa morte” e sua prisão foram as arestas do contrabando. Sempre tive a sensação de que Érika (Letícia Salles) se aproximaria dele, defendendo-o, para ser uma outra vítima; e que isso a acordaria (já que ela tinha um ótimo enredo como contraponto para as questões etaristas levantadas por Vilma). Mas, essa foi uma oportunidade perdida.
Mel Maia foi outra que sofreu com um planejamento difícil. A patricinha influencer tinha um grande potencial, já que estudava em meio a uma porção de bolsistas e tinha zero referência familiar. Os embates com Jennifer (Bella Campos) eram ótimos, a aproximação com a maravilhosa Dora (Claudia Ohana) também foi um acerto… Mas, no meio da novela Guiga foi desviada para um enredo estapafúrdio que foi parar no fim do fofíssimo casal gay formado por Guthierry Sotero e Jean Paulo Campos. Uma mancada quase imperdoável, que encerrou uma bem-vinda trama LGBTQ guiada por atores pretos e terminou por destruir a relevância dos que sobreviveram aos escombros.
É claro que estamos falando de uma novela, uma obra aberta, passível de interferências e pormenores que desconhecemos. Mas, ficamos nos perguntando por que a trama de adoção para o personagem de Marcos Veras não veio antes? Por que não exploraram a relação de Bruna com o filho da fofoqueira? Por que Vitinho (Luis Lobianco) nunca teve uma vida própria…? Talvez jamais saibamos quais as engrenagens que levaram a essas decisões. Elas estão aí e cada um decide qual vai ser o tamanho do pano que passará.
O meu “pano” eu precisei torcer bem para que ele desse conta do absurdo que foi o enredo do sequestro falso armado por Kate (Clara Moneke) e da maluquice que foi ver Jennifer e Rafael (Caio Manhente) achando que enganariam Téo. A maluquice dos irmãos atrapalhados ainda resultou nas acusações de contrabando, mas o falso sequestro não teve absolutamente NENHUM desdobramento coerente. Foi uma decisão narrativa tão ruim, mas tão ruim, que passou um bom tempo circulando pela internet como razão para o descrédito na novela. Rosane ainda tentou defender a ideia usando o passado de Kate para justificar sua irresponsabilidade; traindo a evolução da própria personagem.
E Kate foi o fenômeno que todos nós estávamos precisando. O trabalho de Clara foi comovente de tão especial. Kate era divertida, debochada, mas eram lindas a sensibilidade e a afetuosidade vislumbradas de um simples olhar, vazando de seus escudos de petulância. Se não fosse pelo famigerado sequestro falso, ela teria passado pela novela sem um arranhão sequer; já que, até mesmo na reta final, sua persona empresária foi simplesmente deliciosa de assistir. O trabalho de Clara e o de Carolina Dieckman (como Lumiar), fulguram entre os traços mais inesquecíveis de Vai Na Fé; uma pela expansão, outra pela introversão; mas ambas imperfeitas, humanas, adoráveis.
Apesar dos tropeços (que incluem um último capítulo abaixo da média), está consagrado que quando Rosane Svartman aparece no horário das sete, seremos presenteados com uma novela bem escrita, cuidadosa, com cara de Brasil, com o doce da mentira e a força que supera as realidades. A linda canção de abertura (talvez uma das melhores da história da teledramaturgia), diz perfeitamente que queremos ver nossa família bem, nossos amigos bem, todo mundo bem… E Vai Na Fé passou por nós como uma oração delicada, só fazendo bem, cheia daquele otimismo que acessamos na dúvida, porque o que nos move é o bom e velho “graças a Deus que eu não choro mais”.
No Limite (7ª Temporada)
3.7 8Tudo sobre "No Limite - Amazônia" com o apresentador Fernando Fernandes, os diretores Rodrigo Giannetto e Gabriel Jacome, e o vice-presidente de criação da Endemol Allan Lico.
Fernando Fernandes falou do novo ambiente do reality: "Tudo é muito difícil, mas muito lindo. A Amazônia encanta e amedronta. É o 'No Limite' mesmo. Isso que é bonito daqui. A gente vem preparado achando que conhece alguma coisa da floresta, mas quando cai dentro dela... É uma mistura de amor com beleza e medo. Os desafios são interessantes e vários serão dados aos participantes para eles se resolverem na convivência, no acampamento, enfim. O que eles vão fazer com cada conquista e cada derrota. Como farão as estratégias para isso. Vamos dar ênfase a essas estratégias. Minha vida é me adaptar o tempo inteiro e podem ter certeza que essa temporada está diferente e radicalmente nova e intensa.", se empolgou o apresentador.
O diretor Gabriel Jacome soltou alguns spoilers: "Um dos grandes diferenciais da Globo é escutar seu público. A gente tá sempre observando os comentários, faz muita pesquisa e tá sempre buscando incorporar. O entretenimento está sempre em transformação e vou aproveitar para dar um spoiler. A final sempre foi algo polemizado porque são várias finais no mundo no 'Survivor' e uma das coisas que escutávamos muito era sobre a votação ao vivo com participação do público e que isso tirava a justiça em torno da trajetória do participante.
A gente optou nessa temporada em não ter a participação do público. A final agora será definida por uma prova e são as habilidades que farão o vencedor do 'No Limite - Amazônia'. Escutamos o público. Vamos nos aproximar mais do formato original do 'Survivor'. Vai ter Ídolo de Imunidade escondido!", adiantou.
O vice-presidente de criação da Endemol, Allan Lico, complementou: "Estamos trabalhando essa edição há aproximadamente um ano. Também escutamos o público sobre a convivência dos participantes. Muitos reclamavam que não tinha muito esse foco e agora vamos ter. Vamos ter muitas referências ao 'Survivor'. Vai ter gente identificando 'ah, mas isso é referência da temporada tal', enfim. Estamos muito feliz em trazer de volta a origem, ao 'No Limite' raiz. Quem é fã do formato vai reconhecer muitos momentos do clássico. A gente tá trazendo esse ano muito forte a questão da convivência.", ressaltou.
O diretor geral da Endemol, Rodrigo Giannetto, também fez questão de acrescentar: "É importante mesmo que os participantes terminem a trajetória deles de uma forma mais justa. E uma grande novidade é como inserimos o telespectador na experiência agora. O público não tem a força mais da decisão do voto, mas ele segue se sentindo dentro do programa e terá uma nova experiência assistindo ao 'No Limite'. Vão se sentir andando com o Fernando, uma experiência mais imersiva nas provas, enfim, uma inovação trazer essa sensação para o público. A escolha da Amazônia é porque é um dos maiores centros do mundo e temos todo o respeito que esse espaço merece ter. A gente escolheu uma região de um dos maiores fenômenos naturais que é a inundação da floresta. Um dos ambientes mais desafiadores do mundo. Nos adaptamos e também na cultura das provas. Um trabalho feito em conjunto. As provas serão desafios amazônicos. Estamos emocionados com o que está acontecendo no programa. É a produção mais desafiadora das nossas vidas. Só tenho a agradecer todo mundo que topou, desde os profissionais até os participantes. É algo realmente novo. Todos nós só temos a ganhar, inclusive o público.", finalizou.
O "No Limite - Amazônia" estreia no dia 18 de julho de 2023, nesta terça. E pela primeira vez sem a direção de Boninho.
Força de um Desejo
3.6 38 Assista Agora"Força de um Desejo": um novelão injustiçado
Exibida originalmente de 10 de maio de 1999 a 28 de janeiro de 2000, com 226 capítulos, "Força de um Desejo" foi uma novela das seis marcada pelo capricho e grande elenco. No entanto, não é um folhetim muito lembrado pelo grande público e nunca tem seus personagens citados em homenagens televisivas sobre a história da teledramaturgia. A reprise de 2005, no "Vale a Pena Ver de Novo" já tinha provado que o 'esquecimento' é injusto e a reexibição no Canal Viva, iniciada em outubro de 2022 e encerrada nesta quinta-feira (13/07/2023), comprovou o fato.
Escrita por Gilberto Braga, Alcides Nogueira e Sérgio Marques (dirigida por Marcos Paulo e Mauro Mendonça Filho), a novela foi a terceira mais longa da Globo nos anos 90 ----- ficou atrás de "Barriga de Aluguel" (243) e "Quatro por Quatro" (233). Planejada para 179 capítulos, a história acabou esticada a pedido da emissora, o que resultou em reclamações de Gilberto e sua equipe na época. Porém, o esticamento não se deu em virtude do sucesso e, sim, por conta de planejamentos na grade do canal. A produção teve 26 pontos de média geral, índice considerado baixo na época. É até compreensível o certo afastamento do público porque a história tem uma energia pesada e algumas vezes parece as extintas minisséries que eram exibidas após as 23h. Não é um enredo leve e tem pouco humor.
Todavia, o conjunto da obra transborda qualidades. Os autores conseguiram criar personagens densos e um enredo que não caía no marasmo, mesmo em uma época onde a agilidade dos folhetins praticamente inexistia. Era comum toda novela ter longos meses de ritmo arrastado.
Além dos conflitos atrativos, a história tinha os maiores acertos de um bom roteiro: vilões bem construídos e um casal de mocinhos com química. Aliás, a junção de Gilberto com Alcides e Sergio teve grande importância neste quesito. Gilberto sempre foi expert na criação de personagens desprezíveis, mas falhava constantemente na parte dos protagonistas. Com a ajuda de Alcides e Sergio conseguiu construir seu melhor par de mocinhos na carreira: Ester Delamare (Malu Mader) e Inácio Sobral (Fábio Assunção).
Aliás, o enredo é um dos clichês mais conhecidos: pai e filho se envolvendo com a mesma mulher, ainda que na teledramaturgia o mais comum seja mãe e filha se apaixonando pelo mesmo homem. Ambientada no século XIX, Vale da Paraíba, Rio de Janeiro, a novela conta a história do amor vivido por Inácio e Ester. O rapaz é o filho predileto de um dos maiores fazendeiros da região e conhece a mulher de sua vida quando a encontra no salão mais famoso da Corte. A elegante proprietária do local é uma cortesã que provoca a admiração de todos os homens do lugar. Os dois se apaixonam perdidamente a ponto da personagem aceitar largar aquela vida para ser a esposa de Inácio.
Porém, os planos são arruinados quando o estudante recebe a notícia da morte de sua mãe, a baronesa Helena (Sônia Braga em uma breve participação), e volta para a fazenda para ajudar o pai nos negócios da produção de café. Ele acaba contando que está apaixonado, mas a conversa é ouvida pela sua avó, a perversa Idalina (Nathalia Timberg), que forja uma carta e envia para a tal pretendente mesmo sem saber a sua identidade. Afinal, o objetivo da vilã é casar o neto com a fútil Alice (Lavínia Vlasak), filha de Higino Ventura (Paulo Betti), rival e grande inimigo do Barão Henrique Sobral (Reginaldo Faria), o genro que sempre detestou. Vale ressaltar também todos os meandros que envolvem a patricinha, que engravida de Aberlado porque sempre soube que não eram irmãos e usa a criança para prender Inácio.
Os mocinhos acabam se separando e passam a se odiar a ponto de Ester iniciar uma procura para se vingar do rapaz, já que pensa que foi abandonada.
Enquanto planeja a vingança, acaba conhecendo Henrique, que se encontra de luto pela perda da esposa, a quem nunca perdoou pela única traição que originou Abelardo (Selton Mello), filho da falecida baronesa com Higino. Um se torna o apoio emocional do outro até que o barão se apaixona por Ester, que se casa com o poderoso fazendeiro, ainda que mais por admiração e amizade do que por amor. Obviamente, quando vai morar com o novo marido se depara com Inácio e tudo vem à tona, incluindo a armação que vitimou o amor de ambos. Os dois passam a ter que lidar com a dolorosa convivência diária e Ester precisando engolir a arrogância e o deboche de Idalina, que nem imagina que era a pessoa que afastou de seu neto.
Há ainda uma ótima trama protagonizada por Cláudia Abreu, que vive Olívia
, uma golpista que surge na cidade e depois todos descobrem que se trata de uma escrava branca fugida. O enredo é claramente inspirado no clássico "Escrava Isaura", novela de 1976, baseada no livro "A Escrava Isaura" e adaptada pelo mesmo Gilberto Braga em 1976.
O elenco ainda tem vários outros nomes que se destacam, como Júlia Feldens (Juliana), José de Abreu (em uma breve participação na pele do português Pereira), José Lewgoy (Felício), Cláudio Correa e Castro (Leopoldo), Nelson Dantas (Dr. Xavier), Antônio Grassi (Vitório), André Barros (Trajano), Dira Paes (Palmira), Luiz Magnelli (o barbeiro Gaspar), Rosita Tomaz Lopes (Fabíola), Alexandre Moreno (Cristóvão), Carlos Eduardo Dolabella (Comendador Queiroz), Nill Marcondes (Zelito), Otávio Augusto (Dr. Eurico), Yaçanã Martins (Socorro), Mário Lago (em uma luxuosa participação como Dr. Teodoro), Helena Fernandes (Clara), Delma Silva (Diva), Clemente Viscaíno (Inspetor Bustamante), entre outros. Vale uma menção especial ao talento de Denise Del Vecchio, que brilha na pele da desbocada Bárbara, esposa de Higino, que transborda burrice e falta de educação. A personagem ainda é a responsável pelo maior 'plot' do enredo porque é vista ao longo de toda história
como uma completa idiota e no final é revelado que foi a assassina de Henrique Sobral e responsável por todas as mortes suspeitas que ocorreram ao longo do folhetim ----- a produção tem um 'quem matou?'
"Força de um Desejo" é uma novela que esbanja capricho e merecia ser mais lembrada pelos telespectadores. Embora transborde qualidades, está na lista de produções injustiçadas, tanto na audiência quanto na memória do grande público. A reprise no Viva foi um presente para quem assistiu e esqueceu de muitos detalhes e para quem ainda não tinha prestigiado uma obra tão bem escrita, atuada e desenvolvida.
Todas as Flores
3.4 99 Assista AgoraSegunda parte de ‘Todas as Flores’ opta pelo excesso e pelo pastiche
'Todas as Flores', novela de João Emanuel Carneiro, embora muito interessante, perdeu parte do brilho em seu trecho final, ao mergulhar de cabeça no melodrama e abrir mão de seu contexto político e sociocultural.
O autor João Emanuel Carneiro radicalizou na reta final de Todas as Flores, telenovela de 85 capítulos que o roteirista e teledramaturgia carioca escreveu para a plataforma de streaming do Brasil. Se na primeira parte, que foi ao ar no ano passado, o autor parecia disposto a subverter o formato melodramático, se utilizando de suas convenções para nelas injetar doses de realismo e de comentário social, na segunda leva de episódios ele resolveu ir em outra direção e optar pelo excesso, pelo pastiche.
A saga de Maíra (Sophie Charlotte), jovem cega, criada pelo pai, Rivaldo (Chico Diaz) no coração do país, não fugia a convenções do folhetim tradicional em sua temporada inicial. Depois de precipitar a morte do ex-marido, a mãe da garota, Zoé (Regina Casé), a convence a retornar ao Rio com um propósito escuso: salvar a vida da irmã, a inescrupulosa Vanessa (Letícia Colin), que está com leucemia, doando-lhe a medula óssea.
Em um capricho de destino, Maíra se apaixona por Rafael (Humberto Carrão), noivo milionário da irmã, que não o ama e só está interessada no dinheiro do rapaz, herdeiro da Rhodes, grande loja e marca de roupa, acessórios e perfumes. Detalhe: a garota cega tem um olfato privilegiado e sonha tornar-se perfumista.
O que Maíra também não sabe é que Zoé, desde a juventude miserável, é amante de Humberto (Fábio Assunção), pai de Rafael, e faz parte de uma organização criminosa, que tráfico humano e mantém no interior de Minas Gerais uma fazenda, onde jovens trabalham em regime análogo à escravidão, além de gerarem bebês, vendidos a peso de ouro a famílias estrangeiras.
João Emanuel Carneiro, autor de Avenida Brasil, a mais importante novela exibida neste século, e um dos roteiristas do premiado filme Central do Brasil, conseguiu fazer de Todas as Flores no ano passado um grande sucesso de audiência e fenômeno nas redes sociais. Tanto por conta da trama central, muito bem amarrada, mas também por seus enredos subjacentes
Encantou o público, por exemplo, a deliciosa Mauritânia (Thalita Carauta), ex-atriz pornô decadente que, ao se casar com o tio de Rafael e ficar viúva, torna-se herdeira da Rhodes e traz à trama da novela picardia e alívio cômico, contrapontos importantes para o teor melodramático da trama principal, focada no intenso jogo de trapaças orquestrado por Zoé e Vanessa, amante de Pablo (Caio Castro), ambicioso funcionário da Rodes, filho da costureira Judite (Mariana Nunes), por quem Humberto é apaixonado desde sempre.
Todas as Flores, por mais que não fugisse em sua essência da matriz melodramática mais tradicional, não se apropriava dela, em sua primeira parte, sem, também, subvertê-la. Na pele de Regina Casé, atriz que como poucas consegue transitar entre o cômico e o dramático, Zoé é uma mãe sem qualquer instinto maternal: alpinista social, por baixo de sua fina casca de sofisticação, é vulgar até a medula. Saiu da Gamboa, bairro pobre do Centro do Rio, de onde também são Humberto, Judite e Mauritânia, mas nega suas origens.
Mas se, em sua primeira temporada, Carneiro parecia estar costurando uma inventiva crônica folhetinesca sobre a sociedade brasileira, retratando seus paradoxos e abismos, o autor tomou outra direção na leva final de episódios. Seria injusto dizer que se perdeu. Ele parece, sim, ter feito outra opção, bastante consciente: a de abrir mão do contexto socioeconômico e cultural da trama, para mergulhar de cabeça no melodrama, deixando pelo caminho, por exemplo, toda a potência de Mauritânia e sua subtrama, muito enfraquecida.
A narrativa ágil e diálogos inspirados, cortantes, continuaram de certa forma em Todas as Flores, mas a novela esqueceu do Brasil, do cenário político, de seus personagens mais populares, para focar, com lente de aumento, no estapafúrdio jogo de gatos e ratos de Maíra, Zoé, Vanessa, Humberto e Pablo.
Eles vivem até o último capítulo as situações mais absurdas, inverossímeis, com direito e tiros, torturas, chantagens e correrias, por vezes eletrizantes e/ou hilariantes. Todas as Flores, no entanto, enfraqueceu, perdeu muito de seu brilho, mas continuou uma das novelas mais interessantes dos últimos tempos, muito por conta da pena afiada de João Emanuel Carneiro.
Vai na Fé
3.8 23Com "Vai na Fé", Rosane Svartman trouxe de volta a essência de um bom folhetim
A atual novela das sete da TV não para de receber elogios desde que estreou, em janeiro. Já são cinco meses no ar e não há qualquer sinal de esgotamento do enredo. Pelo contrário, não falta conflito. Todos os capítulos são dinâmicos e com acontecimentos que mexem na narrativa. "Vai na Fé", dirigida por Paulo Silvestrini, reúne todas as qualidades de uma boa história e uma das principais é a essência do folhetim. Rosane Svartman trouxe de volta características que andaram (e andam) em falta na teledramaturgia da TV
As quatro novelas da TV Globo ("Cara e Coragem", "Mar do Sertão", "Amor Perfeito" e "Travessia) fracassaram no desenvolvimento e na estruturação do roteiro. E, ironicamente, as quatro apresentaram problemas semelhantes: história que não tem fôlego para ficar no ar por seis meses e um início corrido para causar uma falsa impressão de agilidade. "Cara e Coragem", de Cláudia Souto, teve quase 200 capítulos com um enredo que não duraria nem cinco semanas.
Para culminar, a autora 'matou' Clarice (Taís Araújo) no terceiro capítulo da novela, o que impediu que o público criasse qualquer vínculo com ela. Ainda foi um equívoco a obra ter ficado voltada apenas para a resolução de um crime que ninguém se importava porque mal conhecia a vítima. E a pressa nem se justificou porque foi uma falsa morte e a história ficou andando em círculos o tempo todo. Os três vilões ainda se mostraram desinteressantes e até inofensivos.
"Travessia" apresentou um conjunto de erros praticamente igua
l. Débora (Grazi Massafera) vivia uma relação infeliz com Guerra (Humberto Martins), engravidou do amante, foi descoberta pelo marido, meses se passaram, sofreu um acidente de carro e morreu. Isso tudo na estreia da novela de Glória Perez.
Mas o resultado foi apenas um atropelo de acontecimentos que destruiu um dos motes centrais. Para culminar, o enredo em torno da rivalidade das irmãs, Guida (Alessandra Negrini) e Leonor (Vanessa Giácomo), também teve a pressa como característica.
Uma irmã casou com o ex da outra no terceiro capítulo, o que provocou um ataque de fúria com direito a vestido de noiva incendiado. E novamente não deu para sentir identificação com nenhuma das duas porque não foi possível entender o motivo do relacionamento conturbado entre elas. A cena do embate era par ter acontecido lá pela metade da trama, após meses desenvolvendo a temperatura necessária para um ebulição futura. E os conflitos da mocinha Brisa (Lucy Alves) foram outro problema grave, pois a questão das fake news sumiu. A vilania de Moretti (Rodrigo Lombardi) e Ari (Chay Suede) também deixou muito a desejar.
Já "Mar do Sertão" se diferenciava das outras duas por conta dos personagens carismáticos. O público foi conquistado pelos deliciosos perfis secundários que divertiram o tempo todo. Tanto que a produção de Mário Teixeira se sustentava por esquetes que costumavam durar uma semana. Porque o enredo central nunca saiu do lugar. E novamente por culpa da necessidade de causar a falsa impressão de dinamismo. A rivalidade de Zé Paulino (Sérgio Guizé) e Tertulinho (Renato Góes) mal foi trabalhada, assim como o amor do mocinho por Candoca (Isadora Cruz).
Em menos de duas semanas, o protagonista foi dado como morto, quase acabou assassinado pelo vilão e o público não acompanhou nenhum personagem recebendo a notícia da falsa morte do rapaz. Nem teve luto e houve uma passagem de tempo de dez anos. Zé voltou para se vingar, ninguém soube como ficou rico e depois a produção nunca mais teve uma história para contar. Não houve vingança alguma. A vilã Deodora (Debora Bloch) foi outra decepção.
E "Amor Perfeito"? A novela é escrita por três autores titulares: Duca Rachid, Júlio Fisher e Elisio Lopes Jr. Mesmo assim, apresentou problemas primários de desenvolvimento de roteiro. A história, baseada no livro "Marcelino Pão e Vinho", foi praticamente desenvolvida e finalizada em duas semanas
. Marê (Camila Queiroz) se apaixonou pelo mocinho subitamente e engravidou no primeiro capítulo. Foi acusada por um crime que não cometeu e no segundo capítulo já foi presa, enquanto que no terceiro acabou condenada injustamente, depois fugiu da cadeia, pariu em tempo recorde, perdeu o filho, voltou para a prisão, ficou oito anos presa, foi libertada, se vingou da vilã Gilda (Mariana Ximenes), recuperou seus bens, virou presidente do hotel do falecido pai e conheceu o filho, embora ainda não saiba que se trata da criança que tanto procura.
O que Rosane Svartman vem fazendo em "Vai na Fé"? Absolutamente tudo o que as produções citadas não apresentaram: personagens bem construídos, um desenvolvimento que foge do marasmo, ao mesmo tempo que não atropela acontecimentos relevantes, e uma história que está sendo, de fato, contada. A morte de Carlão (Che Moais), por exemplo, perderia todo o impacto se tivesse acontecido na primeira semana, de forma corrida. Houve uma preocupação em mostrar o cotidiano do personagem com Sol (Sheron Menezzes) e sua família, provocando uma avalanche de sentimentos no público. E até a sequência do acidente foi bem preparada para resultar em uma catarse. O telespectador viu o motorista do caminhão com pressa na estrada, Ben (Samuel de Assis) preocupado, Carlão distraído e emocionado com a mensagem da filha. Não improvisaram uma batida de cinco segundos com efeitos de computação rasos. Houve uma preocupação em cada detalhe. Aliás, outro êxito: mostrou a reação de todos os personagens com a notícia da tragédia e sem correria ou passagem de tempo já cortando para o velório. O fã de novela quer ver como cada personagem reage, é um recurso dramatúrgico que jamais pode ser desperdiçado.
E os mocinhos da novela das sete? Até agora não deram um beijo sequer. Enrolação? Não, apenas uma construção bem aprimorada para resultar no clímax tão esperado. Isso porque a demora vem aumentando cada vez mais a expectativa do público, ao mesmo tempo que não provoca lentidão no roteiro porque há sempre uma leva de acontecimentos em cima de todos os núcleos em um ótimo esquema de rodízio.
A separação de Ben e Lumiar (Carolina Dieckmann) se deu por uma conjunção de fatores que foram sendo desmembrados ao longo dos meses, enquanto o envolvimento da advogada com Theo (Emílio Dantas) ocorreu em virtude de sua grave dependência emocional. E o rompimento da amizade de infância entre mocinho e vilão aconteceu quando Bruna (Carla Cristina Cardoso) contou sobre o abuso sofrido por Sol, que resultou em uma das catarses mais aguardadas com direito a socos na cara do empresário. Já recentemente ocorreu outro momento de grande intensidade: o exame de DNA comprovou que Theo é o pai biológico de Jenifer (Bella Campos) e Sol descobriu através de Benjamin que foi estuprada pelo vilão no passado. O abusador ainda sofreu um atentado, o que resultou na descoberta de Jenifer sobre o abuso sofrido por sua mãe.
"Vai na Fé" está a cada dia mais envolvente. Os elogios nunca cessam e a audiência só aumenta. Rosane Svartman trouxe de volta aquela novela que tem orgulho em ser novela. .
Todas as Flores
3.4 99 Assista AgoraDecepcionante, segunda parte de "Todas as Flores" foi repleta de absurdos!
A segunda parte de "Todas as Flores" estreou no início de abril e teve como maior missão manter o interesse do público pela história, que fez um grande sucesso ano passado. Novela exclusiva do Globoplay, a trama de João Emanuel Carneiro teve sua exibição interrompida para não concorrer com o "BBB 23". E o autor se saiu bem diante do hiato. Afinal, a continuação manteve a história em primeiro lugar de produtos mais consumidos do streaming da Globo. Todo mundo queria saber o que aconteceria com os personagens principais. Porém, os 40 capítulos restantes, de um total de 85, ficaram muito aquém dos 45 anteriores.
É preciso ressaltar que o enredo já tinha sido prejudicado com a passagem de tempo na reta final da primeira parte.
O avanço dos meses destruiu a lógica da narrativa, principalmente em torno da gravidez de Maíra (Sophie Charlotte) e Jéssica (Duda Batsow). As duas engravidaram praticamente no mesmo momento, mas a protagonista pariu assim que o tempo passou, enquanto a irmã de Diego (Nicolas Prattes) só teve seu filho na parte de 2023. E o concurso do Garoto Rhodes ficou ainda mais interminável do que já era diante da cronologia apresentada. A própria fuga de Diego, que quase foi preso por Luis Felipe (Cássio Gabus Mendes), se mostrou ridícula porque o rapaz entrou em um VLT (Veículo Leve sob Trilhos), que não passa dos vinte quilômetros por hora, no Centro do Rio de Janeiro.
O problema é que os defeitos foram agravados na segunda parte. Os maiores equívocos, que se resumiam a núcleos secundários repetitivos e sem a menor graça (o ponto fraco do autor em toda novela sua), tomaram conta da trama central.
Maíra estava entrando na lista de melhores mocinhas de João Emanuel Carneiro, o que era algo difícil diante de tantas protagonistas fracas criadas pelo escritor, com exceção de Preta (Taís Araújo), de "Da Cor do Pecado", e Nina (Débora Falabella), de "Avenida Brasil". A deficiência visual nunca foi o mote dos dramas da personagem. Era apenas uma condição. E não a atrapalhava em nada, tanto que conseguiu descobrir os podres das vilãs sozinha e ainda se mostrou desconfiada em diversas situações. Porém, parece que a cirurgia para
voltar a enxergar transformou Maíra em uma imbecil.
Primeiramente, é preciso ressaltar que a ideia de uma operação milagrosa no último capítulo da primeira parte foi um dos muitos furos do roteiro. Por que a mocinha nunca contou para Judite (Mariana Nunes) ou Rafael (Humberto Carrão) que tinha a possibilidade de voltar a enxergar com uma cirurgia? Ficou claro que o autor inventou aquela carta na manga para criar um gancho potente para a segunda parte. Porque na prática não houve alteração alguma na narrativa. Tudo o que a protagonista fez com baixa visão, faria cega. Foi um plot desnecessário e até um desserviço diante da causa tão importante que a história levantou sobre os deficientes visuais. Mas voltando ao assunto da burrice da mocinha, foi constrangedora a vingança que João criou para a perfumista. O grande plano para dar o troco na mãe e recuperar o seu bebê, sequestrado pela avó, foi virar uma traficante de crianças e criar uma aliança com Galo (Jackson Antunes) para o vilão entregar os podres de Zoé (Regina Casé). Não seria mais fácil ter contado a verdade para Rafael, que é o pai do bebê e rico? O pior foi Maíra ter levado uma das crianças compradas para morar com ela. E ainda ter confirmado para a polícia que pagou, sim, pela menina, mas com o intuito de salvá-la. Aliás, qual o nexo da polícia ter ido atrás da mocinha assim que Zoé a denunciou? Nem houve investigação antes. Tudo beirou o ridículo. E mais absurdo ainda foi Maíra ter fugido da cadeia posteriormente. Como uma pessoa com baixa visão conseguiu fugir tão facilmente com um plano tão besta (derrubando comida no chão e saindo enquanto a carcereira limpava)?
Aliás, todo o conjunto em torno da protagonista se mostrou um show de estupidez.
Maíra fugiu alegando que não aguentava mais ficar na cela. E fugiu sem qualquer objetivo. Foi para casa de Judite e depois passou a morar com Rafael. Vivendo uma vida normal de dona de casa, sem qualquer importunação. Como a polícia não foi atrás dela em locais tão óbvios? E os policiais só foram até a casa de Judite depois que Vanessa denunciou a irmã. Mas ainda não acabou. A mocinha desenvolveu uma nova fragrância de perfume para ajudar Rafael a reerguer a Rhodes e a sequência serviu para uma ação do patrocinador. Como a empresa aceitou ser associada a uma fugitiva, ainda que na ficção? E Maíra no antepenúltimo capítulo foi atrás de Zoé para provar sua inocência. Mas provar como se realmente comprou crianças? Por incrível que pareça, a personagem foi para a cadeia por um crime que, de fato, cometeu e a sua mãe não teve nada a ver com aquilo.
Outra saga que naufragou foi a envolvendo Diego, que também acabou prejudicada pelo conjunto de situações estapafúrdias
. A morte de Samsa (Ângelo Antônio), assassinado por Débora (Barbara Reis), foi uma das melhores cenas da segunda parte. A catarse surpreendeu e tirou o fôlego do telespectador. Mas tudo o que aconteceu depois decepcionou. Não fez sentido algum Luis Felipe ter caído na chantagem da vilã. Que promotor de justiça iria para a cadeia por ter assassinado o líder de uma quadrilha procurada há anos pela Polícia Federal? Até porque quem matou foi Débora, mas, ainda que tivesse sido ele, seria em legítima defesa. Algo facilmente provado pela circunstância do crime. Não deu para engolir. E Diego que tentou fugir da fundação apontando uma arma para Débora e depois virando as costas, sendo desarmado? Sem comentários. Aliás, a fuga do rapaz também foi outro furo complicado de aceitar. Diego e Luis Felipe foram parar em uma ala que deixava os prisioneiros em surto por conta de um forte medicamento. Os dois não tomaram os remédios e conseguiram armar uma fuga.
O desfecho da trama da fazenda foi mais um erro grave de João Emanuel Carneiro. O autor é um expert em sequências de suspense e tinha tudo para fechar o arco de forma apoteótica. Afinal, era o que o público esperava porque se tratava do enredo central da novela.
Tudo estava voltado para a poderosa organização que traficava crianças, órgãos e praticava trabalho escravo. Mas a mãe de Samsa, vivida pela talentosa Denise Weimberg, se revelou uma vilã decepcionante e tudo foi resolvido por Rafael e seu segurança particular, além de Diego. Três pessoas desmontaram a estrutura de uma quadrilha gigantesca que estava por toda parte da fazenda. A polícia, para variar, não fez diferença e só chegou no final. A morte da insuportável Ciça (Samantha Jones) não teve impacto algum e Jéssica nem apareceu sendo resgatada, após tanto sofrimento. A irmã de Diego apenas surgiu com os figurantes depois que tudo estava resolvido. E o filho que pariu? Ela nem se lembrou depois de ter falado por mais de 40 capítulos que não deixaria que levassem seu bebê. O telespectador ainda ficou sabendo que Biel (Rodrigo Vidal) estava em um ala infantil na fazenda depois que desapareceu do enredo após a morte da algoz de seu irmão.
Aliás,
o assassinato de Débora foi outro ponto controverso. Embora a sequência tenha surpreendido com a ótima virada provocada por Zoé, o espirro do sangue teve um delay que prejudicou
mas a ex-atriz pornô perdeu todo o destaque que tinha quando se envolveu com Javé (Jhona Burjack). Para culminar, foi ridículo uma mulher tão vivida quanto aquela ter caído no golpe do Humberto (Fábio Assunção) e perdido suas ações na Rhodes.
E voltando ao enredo de Humberto, o personagem tinha uma complexidade muito atrativa. Era um canalha, mas apresentava momentos de fragilidade e seu amor por Judite era sua fraqueza. Mas o seu desfecho foi uma decepção.
O pai de Pablo (Caio Castro) descobriu o endereço de Zoé ligando para várias imobiliárias. Fácil assim. E depois que chegou ao casarão houve um breve enfrentamento com a sua ex-aliada, onde acabou assassinando Galo a sangue frio. Antes de prosseguir, um adendo: qual o nexo de um sujeito tão asqueroso que manipulava crianças ter virado uma pessoa com problemas mentais graves? Jackson Antunes brilhou em cena, mas o papel se perdeu desde que resolveu se aliar a Maíra. Toda a inteligência virou burrice misturada a uma instabilidade emocional que nunca tinha sido apresentada antes. Por isso sua morte não teve densidade. Levou um tiro de Humberto durante um surto sem qualquer cabimento. E Humberto foi morto por Zoé enquanto tentava resgatar a sua fortuna enterrada. Mas foi morto por uma vilã deitada de bruçus e com as duas pernas quebradas. A uma distância imensa. Ainda assim, Zoé acertou direitinho o coração de seu 'amor' e foi se arrastando até ele para uma despedida. Depois se arrastou de volta até o casarão e comeu uns biscoitos. Depois se arrastou novamente até uma estrada, onde acabou encontrada por Vanessa (Letícia Colin) e Pablo. Incrível a força da matriarca.
Já os embates entre Vanessa e Zoé na mansão, que acabou virando um cativeiro, foram geniais graças ao talento de Regina Casé e Letícia Colin. O grande trunfo da novela foi a dupla de vilãs e as duas acabaram carregando a segunda parte nas costas. Apenas elas renderam cenas deliciosas que mesclaram humor e perversidade. Até porque a prometida vingança de Maíra virou piada. E o Globoplay reservou os capítulos 84 e 85 para esta semana. O penúltimo exibido na terça-feira, dia 30, em uma live, e o último no dia 1º de junho, também no mesmo esquema. O objetivo foi aumentar a audiência no streaming, e consequentemente o engajamento em tempo real, porque o autor declarou que reservou os dois capítulos finais exclusivamente para o acerto de contas de Maíra, Vanessa e Zoé. Mas não foi bem verdade.
O escritor arrumou tempo para inserir uma cena sem qualquer importância do casamento de Brenda (Heloísa Honein) e Celinho (Leonardo Lima Carvalho). Aliás, o penúltimo capítulo apresentou mais uma leva de situações sem qualquer lógica. Como Maíra e Pablo conseguiram tirar Zoé do porão? A vilã estava com as duas pernas quebradas e a escada era feita de cordas. Só que o pior ainda estava por vir: Pablo traiu Vanessa e ajudou Maíra e colocá-la no porão no lugar de Zoé. No entanto, na hora que foi dar uma maçã para Vanessa, o filho de Judite desceu a escada ao invés de simplesmente jogar o alimento de cima. A atitude, claro, resultou no contra-ataque de Vanessa, que o golpeou por trás. O último gancho do enredo foi a filha tentando enforcar a própria mãe.
O último capítulo era a chance do autor amenizar os vários equívocos da segunda parte com um desfecho digno para sua história. Mas, infelizmente, apenas fez jus ao vários problemas da narrativa. Não houve nenhuma cena emocionante ou catártica. Nada. V
anessa não enforcou a mãe e tentou atirar em Maíra, que tomou a arma da irmã e a feriu no ombro. As três ficaram sentadas esperando a polícia. Maíra desistiu da vingança que nunca chegou a realizar. E por mais absurdo que pareça, a protagonista seguiu burra até no final. Assim que o delegado chegou, Vanessa incriminou a irmã e teve a cumplicidade de Zoé. Maíra foi presa e durante o julgamento dependeu da súbita confissão de Zoé, que admitiu todos os crimes que cometeu para inocentar a filha. A mocinha terminou de forma passiva e sem qualquer vitória. Só escapou porque a vilã resolveu ser mãe pela primeira vez na vida. Diego ficou ao lado de Joy (Yara Charry) e o personagem foi outro que não fez vingança alguma. Tudo ficou na promessa. Já a gravidez de Jéssica foi algo sem qualquer necessidade, ainda mais depois do trauma de ter seu bebê traficado. A comemoração da menina ao lado de Rominho (Luiz Fortes) soou ridícula. Dois jovens de 18 anos que nem concluíram os estudos felizes porque terão um filho. Por sinal, que fim levou a Organização? Tinham sede até na Croácia e ninguém descobriu.
Brenda (Heloísa Honein) no "Big Brother" da Estônia, Darcy (Xande de Pilares) namorando Darci (Zezeh Barbosa) e Chininha (Micheli Machado) fracassando mais uma vez na carreira de atriz. E o que dizer sobre o desfecho de Pablo? O interesseiro fugiu com os milhões desviados da Rhodes e guardou tudo em um armário de hotel? A ponto de ser roubado por duas prostitutas?
O único final aceitável, embora bastante questionável, foi o da dupla que carregou a novela nas costas:
Zoé e Vanessa terminaram como batedoras de carteira. Regina Casé e Letícia Colin brilharam do início ao fim. Mas o autor prometeu um final nunca visto antes em novelas e não cumpriu nada, nem mesmo com a dupla de vilãs. O que mais tem na ficção é vilão que termina pobre e dando golpes. E Zoé ter seguido sem escrúpulos enfraqueceu sua motivação para a confissão de seus crimes. E Vanessa se contentaria em uma vida de ladra de rua? Safa do jeito que era? Há controvérsias. A última cena foi de Maíra e Rafael com seus filhos na praia, incluindo Aninha, a menina que tinha sido comprada pela mocinha.
O saldo geral de "Todas as Flores" não é ruim, ainda mais comparado aos dois últimos trabalhos do autor ----- as problemáticas e desinteressantes "A Regra do Jogo" e "Segundo Sol". João Emanuel Carneiro comprovou que segue hábil na construção de vilãs e fez da dupla Zoé e Vanessa um sucesso. Mas também deixou claro que não sabe construir bons mocinhos, vide a controversa saga de Rafael e Maíra, onde o mocinho transbordou burrice na primeira parte e transferiu sua estupidez para a mocinha na segunda. Ainda ficou evidente que os núcleos secundários sempre serão o ponto fraco das suas histórias. Já o enredo central apresentou atrativos e tensos conflitos, mas que se perderam diante da quantidade de absurdos que tomou conta da narrativa. Os 40 capítulos de 2023 não fizeram jus aos 45 exibidos ano passado. A decepção do público e da crítica foi inevitável. Pena.
Todas as Flores
3.4 99 Assista AgoraDupla formada por Vanessa e Zoé é o maior trunfo de "Todas as Flores"
A segunda parte de "Todas as Flores" estreou no dia 5 de abril, exclusivamente no streaming, no mesmo esquema da primeira parte, exibida ano passado: cinco capítulos por semana, todos disponibilizados na quarta-feira. A novela de João Emanuel Carneiro foi um sucesso no segundo semestre de 2022 e repete o êxito agora. Um dos acertos é justamente o que o escritor tem de melhor: a habilidade de boas vilãs. Vanessa e Zoé são perfis muito bem desenvolvidos e interpretados.
Letícia Colin e Regina Casé iniciaram a trama fazendo uma dupla perfeita. A 'vilã filha' complementava a 'vilã mãe' e vice-versa. A primeira cena de Zoé é digna de uma malvada clássica:
assassinando uma pessoa. No caso, o ex-marido, interpretado por Chico Diaz.
Como o pai da mocinha tentou impedir, acabou sufocado pela ex com um travesseiro enquanto tinha uma crise.
Logo depois, o telespectador conheceu Vanessa e ficou claro de imediato que a filha era muito pior que a mãe. A frieza, o deboche, a arrogância foram expostos sem qualquer pudor, ainda mais por conta da irmã ter deficiência visual.
E nada mudou nem depois que Vanessa foi curada graças ao transplante.
Pelo contrário, o ódio por Maíra foi aumentando cada vez mais porque Zoé, por conta de uma ironia do destino, acabou se afeiçoando pela herdeira que tinha renegado no passado. E a fúria da personagem explodiu de vez quando descobriu que a irmã, que tanto desprezava, estava envolvida com Rafael (Humberto Carrão), seu então noivo e alvo para um golpe do baú clássico.
Maíra expôs, ainda que involuntariamente, o lado humano de Zoé. O afeto genuíno da filha, que na época não suspeitava da perversidade da mãe, fez a vilã se desarmar e até repensar em tudo o que fez ao longo da vida. E o 'tudo' reflete muitos crimes, incluindo o maior de todos: ser integrante de uma quadrilha que trafica bebês e exerce trabalho escravo. Por um breve momento, a personagem chegou a cogitar desistir de tudo e ficar com o único homem que amou: Humberto (Fábio Assunção). Porém, enquanto a parte mais sensível da mãe era aflorada pela mocinha, a crueldade da irmã era cada vez mais desnudada. Vanessa chantageou Zoé para internar Maíra na fundação que recebe todos os adolescentes traficados e ainda sumir com a criança que a protagonista esperava de Rafael.
A parceria de Regina Casé e Letícia Colin é genial. As atrizes tiveram uma sintonia imediata em cena que só evoluiu ao longo da trama. As cenas foram ficando cada vez melhores e mais inspiradas. Isso porque João Emanuel Carneiro dedica o seu melhor texto a elas. Há uma avalanche de perversidade, mas também muito humor e elevadas doses de sarcasmo. As duas estão o tempo todo se ofendendo e proferindo absurdos, o que deixa os momentos com uma comicidade deliciosa. Humor que inexiste nos núcleos secundários dedicados a ele, vale ressaltar. A clássica expressão 'É cobra comendo cobra' representa a essência da relação de mãe e filha. Até porque Zoé é bem mais pragmática, enquanto Vanessa transborda passionalidade ---- e na reta final
vem se descontrolando emocionalmente em virtude de seu amor por Pablo (Caio Castro)
"Todas as Flores" tem um enredo central bastante atrativo, ainda que os absurdos tenham tomado conta da narrativa na segunda parte. E o maior trunfo da atual história de João Emanuel Carneiro é a dupla formada por Vanessa e Zoé. Enquanto as bem construídas vilãs brigam, Letícia Colin e Regina Casé brilham.
Todas as Flores
3.4 99 Assista AgoraLetícia Colin deu um show como Vanessa em "Todas as Flores"
A segunda parte de "Todas as Flores" estreou em abril exclusivamente no streaming e faltam poucos capítulos para o seu desfecho. A trama de João Emanuel Carneiro, dirigida por Carlos Araújo, sempre teve como maior atrativo seu enredo central, repleto de personagens controversos e muita vilania, pontos onde o autor costuma se destacar. E um dos êxitos do escritor foi a criação de Vanessa, vivida brilhantemente por Letícia Colin.
A vilã é digna de uma novela mexicana. Caricata, maniqueísta e com vários tons acima, a patricinha esnobe é aquele tipo que cai facilmente nas graças do público por conta da liberdade de dizer atrocidades em forma de deboche. A personagem é tão perversa que acaba deixando a mãe, Zoé (Regina Casé), a outra grande vilã da novela, mais 'leve'. Não por acaso, a interesseira está sempre humilhando a mãe e vomitando superioridade justamente por se gabar de ser mais fria. É uma dupla ótima e um dos maiores trunfos do enredo.
Embora seja uma vilã exagerada, a atriz consegue utilizar o excesso a seu favor, sem parecer artificial. Até porque um tipo caricato costuma ser tão desafiador para um intérprete quanto um complexo ou com mais camadas. Ao contrário do que muitos pensam, a caricatura está longe de ser algo ridículo. O desafio é justamente escapar da armadilha e Letícia consegue sem esforço. Aliás, foi perfeita a escolha da direção da novela em trocar os papéis.
Vale lembrar que Sophie Charlotte seria Vanessa e Colin a Maíra. Ainda bem que a equipe percebeu que estava na hora de Letícia viver uma malvada, após uma longa sequência de mulheres íntegras ou mergulhadas em dramas profundos. Até porque Sophie também está impecável na pele da mocinha, apesar dos absurdos que tomaram conta do enredo.
Letícia Colin viveu seu melhor momento na televisão em "Novo Mundo", de 2017, onde roubou a cena como Leopoldina. Ganhou uma grande personagem e soube aproveitar a maior oportunidade que teve na TV até agora. Revelada na série "Sandy e Júnior", em 2001, a atriz se destacou em "Malhação", na pele da atrapalhada Kailane, em 2002, e chegou a ser apresentadora do infantil "TV Globinho" (2003). Foi para a Band em 2005, onde participou de "Floribella", novela infantil de sucesso da emissora. Em 2007, se transferiu para a Record, integrando o elenco de três novelas e uma minissérie: "Luz do Sol", "Chamas da Vida" (onde brilhou como Vivi, menina que sofria constantes abusos), "A História de Ester" e "Vidas em Jogo". Já em 2013 voltou para o canal que a lançou, participando da fracassada "Além do Horizonte", onde está até hoje.
Além dos bons trabalhos já mencionados, esteve ótima como Elisa, em "Sete Vidas", e roubou a cena com a prostituta Rosa, na problemática "Segundo Sol". Um dos poucos êxitos da trama de João Emanuel Carneiro era justamente a personagem tão bem defendida por Letícia e sua química com Chay Suede era arrebatadora. Recentemente, a atriz foi vista na pesada série "Onde Está Meu Coração", exibida pelo streaming em 2021 e que fez parte da grade da TV entre janeiro e abril, toda terça, após o "BBB 23". Seu desempenho na pele da médica Amanda, viciada em crack, impressionou. Foram muitas cenas difíceis e angustiantes. Vê-la em um tipo tão diferente em "Todas as Flores", após um papel tão dramático, apenas comprovou o que todos já sabiam sobre sua versatilidade.
Letícia Colin é uma das profissionais mais talentosas de sua geração e Vanessa entrou para a galeria de grandes trabalhos de sua carreira. Uma pena que a vilã tenha perdido a relevância na reta final de "Todas as Flores". Mas, ainda assim, a atriz sobressai sempre que surge em cena e tem aproveitado com habilidade a veia cômica da personagem cada vez mais utilizada pelo autor.
Falas da Terra apresenta Histórias (Im)possíveis
4.0 3"Falas da Terra - Histórias Impossíveis" aborda temas importantes e lança três talentos
O projeto da TV chamado "Falas Femininas - Histórias Impossíveis" foi lançado no dia 6 de março em homenagem ao Dia Internacional da Mulher e a história com o título de "Mancha" foi protagonizada por Luellen de Castro e Isabel Teixeira. A produção impactou e repercutiu nas redes sociais. Agora, dia 17 de março, mais de um mês depois e na semana do Dia dos Povos Indígenas, foi exibido mais um episódio, intitulado "Pintadas", logo após o "BBB 23".
Preservação do meio ambiente, violência contra a mulher e ancestralidade são algumas das temáticas presentes na narrativa de 'Falas da Terra’, sendo protagonizada por três jovens indígenas. Luara (Ellie Makuxi), Josy (Dandara Queiroz) e Michele (Isabela Santana) se encontram no Mato Grosso do Sul para gravação de um videoclipe de rap na floresta e, quando se veem diante de uma natureza destruída, são impactadas por uma série de acontecimentos fantásticos que as levarão a um mergulho na ancestralidade de seus povos.
De origens distintas e com visões de mundo diferentes, Luara está de volta à sua terra com a melhor amiga da faculdade, Michele, depois de passar anos fora, estudando. O retorno visa apoiar a parente rapper, Josy, com seu trabalho na música. Mas, ao chegar ao local da gravação, que remete à memória afetiva de Josy e Luara, as jovens se deparam com a degradação da natureza. Frente a um cenário destruído, elas precisam encontrar uma nova solução para a filmagem, mas, no caminho, acabam por enfrentar desafios que as levam a encontros e desencontros com seus próprios medos, identidades e histórias.
O elenco é um diferencial do episódio: estreantes, as jovens atrizes indígenas têm raízes nos povos originários Makuxi, em Roraima (Ellie), Mato Grosso do Sul (Dandara) e Pataxó do Sul da Bahia (Isabela). As três passaram por um processo de seleção e preparação, conectando suas emoções às das personagens. O trabalho surtiu efeito. O trio está incrível em cena. A história tem um início aparentemente leve e ao longo do tempo um clima de tensão vai dominando a narrativa e prendendo a atenção do telespectador, até que o trio encontra uma onça debilitada dentro de uma tapera, o que provoca uma lembrança imediata da novela "Pantanal". Enquanto cuidam do animal, há uma sensível conversa que mescla temas importantes: preservação do meio ambiente, violência contra mulher e ancestralidade.
Composta por tramas ficcionais de suspense criadas a partir de medos femininos, a antologia ‘Histórias Impossíveis’ é apresentada no projeto ‘Falas’, marcando as efemérides do ano na TV Globo. Criada e escrita por Renata Martins, Grace Passô e Jaqueline Souza, com direção artística de Luisa Lima, a obra se destaca pela diversidade tanto na frente das câmeras quanto nos bastidores. Em ‘Pintadas’, as autoras e Luísa convidaram roteiristas, consultoras e sensíveis aos temas tratados nos episódios. Juntam-se ao olhar cuidadoso de Luísa as diretoras Thereza de Medicis e Graciela Guarani, que estreiam assinando a direção de um projeto na TV. Já na sala de roteiro, somam-se às autoras as roteiristas Thais Fujinaga, Hela Santana e Renata Tupinambá, além de Graciela Guarani, para que os elementos e linguagem da cultura indígena (em especial a do povo Guarani-Kaiowá, que dá base para a história), estivessem devidamente representados.
O projeto convida o público ao diálogo sobre tópicos atuais e importantes para a sociedade através da linguagem do mistério e da fantasia, com enredos que possibilitam múltiplas interpretações e provocam a reflexão. Em ‘Pintadas’, ao longo do episódio, memórias ligadas à violência no passado das protagonistas trazem essa questão à tona.
A antologia ‘Histórias Impossíveis’, apresentada nos especiais ‘Falas’ deste ano, foi criada e escrita por Renata Martins, Grace Passô e Jaqueline Souza, escrita com Thais Fujinaga, Hela Santana, Graciela Guarani e Renata Tupinambá. A direção artística é de Luísa Lima e direção de Thereza Médicis, Everlane Moraes, Graciela Guarani e Fábio Rodrigo e produção de Leilanie Silva. Alinhado à jornada ESG da Globo, o projeto tem direção executiva de produção de Simone Lamosa, e a direção de gênero, de José Luiz Villamarim.
Vai na Fé
3.8 23"Vai na Fé": uma novela abençoada
A atual novela das sete da TV está a cada dia melhor. Rosane Svartman e sua equipe de roteiristas estão conseguindo contar uma história sem correria, ao mesmo tempo que nada arrastada. "Vai na Fé" vem angariando elogios desde a estreia e virou rotina enaltecer a trama dirigida por Paulo Silvestrini. Porém, há um outro fator que tem deixado o conjunto ainda melhor: situações na ficção iguais a acontecimentos que vêm sendo notícia na vida real.
Claro que toda obra aberta é desenvolvida de acordo com a resposta do público e não por acaso todos os folhetins que foram ao ar inteiramente gravados, na época da pandemia, enfrentaram dificuldades. Mas em "Vai na Fé" não tem sido necessário mexer no desenvolvimento do enredo por conta de possíveis rejeições do telespectador. Tudo vem sendo bem aceito e os personagens caíram na boca do povo. E por isso mesmo o excesso de 'coincidências' entre ficção e realidade tem despertado atenção.
Por ironia do destino, a história exibiu uma de suas sequências mais emocionantes na mesma semana em que houve um caso escandaloso de intolerância religiosa no "BBB 23". Cristian, Key e Gustavo transbordaram preconceito e ignorância por conta da fé de Fred Nicácio.
O ocorrido provocou até uma interferência do apresentador Tadeu Schmidt falando da importância da pluralidade de religiões. E qual foi a cena mostrada na trama das sete? Ben (Samuel de Assis) conhecendo um terreiro de umbanda e participando da cerimônia, se emocionando diante de Mãe Ana (Valdineia Soriano). Obviamente, não foi algo proposital. Tudo já estava planejado. Mas a 'coincidência' impressionou.
E a história segue apresentando situações parecidas com outras que viraram destaque nas redes sociais. Na mesma semana em que um sujeito machista foi exposto por conta da denúncia da atriz Lívia La Gatto, que mostrou a ameaça de morte feita pelo coach Thiago Schutz contra ela ----- depois que viu um vídeo em que a intérprete debochava de suas declarações repletas de sexismo -----, a novela de Rosane Svartman passou a exibir um conflito pontual protagonizado por Lui Lorenzo (José Loreto), que resolveu entrar em uma espécie de 'escola de machos' para inflar sua masculinidade tóxica. Julião (Kiko Pissolato) era a representação perfeita de tudo o que estava sendo discutido no momento. O desfecho, com Vitinho (Luis Lobianco) expondo a babaquice daquele grupo, foi ótimo e até bem-humorado. Se tivesse sido algo combinado, não daria tão certo. Outro caso que chamou atenção pela coincidência: na mesma semana em que a influenciadora Virgínia estava enfrentando uma onda de ataques por conta da má qualidade de sua maquiagem, Guiga (Mel Maia) se esforçava para reverter o seu cancelamento se aproveitando de pautas feministas.
Na semana passada, mais um conflito que teve relação direta a um acontecimento que viralizou nas redes sociais e nos telejornais foi ao ar. Após ter recebido um telegrama amoroso de Lui, Sol (Sheron Menezzes) virou chacota na igreja e passou a ser ainda mais massacrada pelas vizinhas, que já estavam comentando sobre a dúvida de Jenifer (Bella Campos) a respeito da identidade de seu pai biológico. Duda (Manu Estêvão), filha mais nova da mocinha, acabou sofrendo bullying de Meire (Nathalia Costa) na escola em um claro efeito 'manada'. Porém, depois que foi criticada pelos amigos por conta da fala sobre o pai falecido de Duda, Carlão (Che Moais), Meire se arrependeu e protagonizou um lindo momento ao lado da agora ex-inimiga. A cena foi ao ar um dia depois que um vídeo de uma menina autista sendo humilhada pelas colegas, na cidade de Natividade (RJ), se espalhou na internet e parou até nos jornais, o que provocou comoção e indignação.
"Vai na Fé", além de todas as qualidades mencionadas em outras postagens, vem acertando até na representação precisa de problemas recorrentes na sociedade. Rosane Svartman sempre foi uma autora que se preocupa em se manter atualizada e bem informada. Mas, no caso de sua atual deliciosa história, o universo parece conspirar a seu favor. A novela aparenta ser aquele fenômeno raro, onde tudo funciona. O folhetim certo para o momento certo. Levando em conta seu título, parece até abençoada.
Amor Perfeito
3.3 7"Amor Perfeito" parece uma novela 'TikTok'
A atual novela das seis está em sua quinta semana de exibição. Praticamente um mês no ar. Mas não parece. "Amor Perfeito" aparenta estar em plena reta final a ponto do telespectador pensar qual será a produção substituta da TV na faixa das 18h. Exagero? Infelizmente, não é o caso. A história, dirigida por André Câmara, teve um primeiro capítulo atropelado de acontecimentos e o equívoco da correria se mantém até hoje inexplicavelmente.
É incompreensível o método que Duca Rachid, Júlio Fisher e Elisio Lopes Jr. têm utilizado para contar uma história que desperta a atenção por ser baseada em um livro tão querido e conhecido ---- "Marcelino Pão e Vinho", escrito pelo espanhol José María Sanchez Silva, publicado em 1950 e que foi transformado em filme em 1955. O livro em si não daria uma novela, então, claro que novos núcleos e personagens foram criados, incluindo o enredo dos mocinhos, já que na história original Marê (Camila Queiroz) está morta.
Os autores têm corrido tanto com a narrativa que todas as catarses que provocariam viradas de impacto foram destruídas em três semanas. É vital para qualquer folhetim que os personagens cativem o público para, assim, despertarem empatia, torcida e envolvimento. E isso só ocorre com uma boa construção, o que não está acontecendo na atual produção. Como já mencionado na crítica anterior, a estreia apresentou uma quantidade de acontecimentos que preencheriam uns 20 capítulos com certa tranquilidade e com um bom dinamismo, sem implicar em um ritmo arrastado.
Os mocinhos se conheceram, se apaixonaram, transaram, a mocinha rompeu o noivado com o vilão e enfrentou o pai, enquanto o mocinho perdeu seu pai, que antes de falecer o alertou que sofreu um golpe do pai de Marê. Orlando mandou uma mensagem para sua amada comunicando o falecimento do pai, mas Leonel (Paulo Gorgulho) interceptou a carta. Orlando achou que Marê era mesmo uma golpista, Orlando viajou para o Canadá, Marê foi atrás do mocinho, Gilda (Mariana Ximenes) teve seu caso com Gaspar (Thiago Lacerda) descoberto por Leonel, Gilda matou Leonel e armou para Marê ser acusada.
Já nos capítulos seguintes, em um julgamento recorde, Marê foi presa pelo assassinato do pai, mesmo com todas as provas transbordando fragilidade. Logo depois, descobriu a gravidez na prisão e meses se passaram. A mocinha fugiu da cadeia com a ajuda de duas colegas de cela, entrou em trabalho de parto e Marcelino nasceu rapidamente. Um dos nascimentos mais rápidos da teledramaturgia. Os policiais recapturam uma presa, mataram a que levava o bebê e flagraram a mocinha desmaiada. A protagonista foi levada de volta ao presídio, enquanto o recém-nascido acabou salvo por Jesus Cristo (Jorge Florêncio). O bebê foi deixado por Jesus no lar dos freis e acabou acolhido. Os padres decidiram criá-lo e oito anos se passaram. Uma observação necessária: o presídio em que Marê ficou parecia um retiro espiritual. Todas as detentas eram felizes, eram bem tratadas, tinham paz e até dava para ter reflexões no banho durante uma ducha reconfortante.
Após oito anos no presídio, Marê recebeu a visita do amigo Júlio (Daniel Rangel), que sempre a amou platonicamente e ouviu que a partir daquele momento o rapaz seria seu advogado. Apesar de recém-formado, o jovem conseguiu inocentar a cliente em um dia. Rapidamente descobriu que Catarina (Cristiane Amorim) tinha um caso com o jardineiro que depôs contra a mocinha e que no dia do assassinato eles estavam juntos. Mesmo com medo, a camareira do hotel contou a verdade ao delegado, o que fez a protagonista sair da cadeia e voltar para sua mansão. No dia de sua liberdade, Marê recebeu um beijo de Julio, flagrado na hora por Orlando. Dias depois, o mocinho contou para sua amada que lutaria por ela e procuraria pelo filho que tiveram. Ah sim, o médico já sabe da existência do filho porque voltou para o Brasil enquanto Marê estava presa e a visitou. Um momento que tinha tudo para ser emocionante, mas não teve impacto porque nem deu tempo para o telespectador torcer pelo reencontro.
Como se não bastasse tanto atropelo de acontecimentos, uma das situações que mais despertam empolgação do público na teledramaturgia foi desperdiçada: o embate entre mocinha e vilã. Marê saiu da cadeia e apareceu triunfante durante uma festa de homenagem ao então prefeito Juscelino Kubitschek (Alexandre Borges). Era um momento que deveria ter sido trabalhado minuciosamente para a temperatura ideal de um clímax. Mas o efeito foi xoxo, capenga e fraco porque aconteceu na segunda semana de folhetim. Em qualquer novela normal, o retorno aconteceria perto da metade de história no ar. O irônico é que o mesmo erro ocorreu na trama anterior, "Mar do Sertão", com Zé Paulino (Sérgio Guizé) voltando para se vingar de Tertulinho (Renato Góes) logo no início do enredo, o que tirou por completo o impacto. O pior é que depois a produção ficou andando em círculos até o final, sem roteiro e conflitos atrativos. Será que tudo se repetirá na nova trama?
Mas lamentavelmente não parou por aí. Marê também conseguiu retomar o comando do Grande Hotel Budapeste, que era de seu falecido pai e estava sob domínio da vilã. A mocinha expulsou Gilda da empresa e da mansão. Outro momento que teve sua temperatura esfriada por conta da rapidez. Por sinal, a filha de Leonel já descobriu que a vilã era prostituta. E para culminar, a protagonista encontrou Marcelino durante a festa realizada em homenagem a Santo Antônio. Marê estava na 'barraca do beijo' e o menino ofereceu uma flor 'Amor Perfeito' no lugar de dinheiro. Emocionada, a ex-detenta beijou o rosto do filho, que não escondeu a alegria. Camila Queiroz e Levi Asaf brilharam, mas teriam se destacado muito mais se a cena fosse exibida daqui a pelo menos uns três meses. Até porque a personagem logo deduziu que Marcelino era seu filho quando os freis contaram que o menino era um recém-nascido deixado no lar há oito anos. A emoção acabou diluída quando contaram que não havia cordão algum no pescoço da criança, que é a referência que Marê tem. Por mais que tenham adiado a descoberta oficial, a personagem, de uma forma ou de outra, no fundo já sabe a verdade, o que prejudica outra catarse que tinha tudo para ser emblemática.
Não dá para compreender a razão dos autores de "Amor Perfeito". O trio tem uma boa história em mãos, mas a forma como vem sendo desenvolvida tem prejudicado a estruturação da novela. Até porque, enquanto a trama central corre, os personagens secundários estão jogados no enredo sem qualquer profundidade. Todos mal foram apresentados, de fato. Outro incômodo são os cortes de cena. Muitas sequências parecem interrompidas bruscamente em um claro problema de edição. As cenas são muito rápidas e parecem interrompidas no meio. E, somado ao atropelo de acontecimentos, ocasiona um resultado final ruim. Resta torcer para que o enredo não passe a andar em círculos depois de tanta pressa e que consigam corrigir, ou amenizar, os visíveis problemas do atual folhetim das 18h. Porque até o momento parece uma novela TikTok ---- plataforma destinada a vídeos curtos.
Falas Femininas
4.5 7A TV do Brasil homenageia as mulheres com uma fantástica história de horror!
Estreia do projeto provoca o espectador a pensar sobre a realidade das mulheres negras no Brasil.
As celebrações do dia das mulheres costumam quase sempre vir embaladas de um tom doce e florido que, supostamente, prestariam uma homenagem a uma classe minoritária de poder. Por isso, é no mínimo corajoso que a Globo tenha estreado a minissérie Falas Femininas – Histórias Impossíveis nesta segunda-feira com um episódio de horror.
Com cinco capítulos, o projeto Falas Femininas é uma obra audiovisual de autoria de três mulheres negras: Grace Passô, Renata Martins e Jaqueline Souza. A estreia, com o episódio “Mancha”, abordou como tema de fundo o dia internacional da mulher, e os próximos tratarão de eventos específicos: Dia dos Povos Indígenas, Dia do Orgulho LGBTQIAPN+, Dia Nacional das Pessoas Idosas e Dia da Consciência Negra.
A chegada do novo projeto é muito bem-vinda e sinaliza uma intenção da Globo de retomar uma produção audiovisual inovadora para os parâmetros televisivos. A julgar pelo episódio de estreia, com direção de Everlane Moraes, a ideia é oferecer uma experiência que provoque o espectador a navegar por ambientes em que talvez não esteja acostumado.
“Mancha”
A primeira referência trazida pelo episódio “Mancha” é cinematográfica. Estamos no terreno do horror social, no qual o diretor Jordan Peele é o maior nome contemporâneo. Em vários momentos, as cenas – em especial, as que envolvem a atriz Luellem de Castro – fazem lembrar de Nós, sucesso de Peele.
A memória também se dá pelo enredo que fala de problemas sociais intrínsecos ao Brasil. Se, em Nós, Jordan Peele discute desigualdade racial e xenofobia no contexto americano, “Mancha” cria uma história que flerta com o horror e o fantástico para falar de uma falsa ideia de respeito entre mulheres – a patroa, branca, e a empregada, negra.
Na história, conhecemos Laura (interpretada de forma estupenda por Isabel Teixeira). Ela é uma mulher na casa dos quarenta anos que cria sua filha recém nascida – concebida “nos quarenta e cinco do segundo tempo”, conforme nos revela o roteiro. Sabemos também que ela está separada do marido (Ângelo Antônio), e mais adiante entendemos que ele abandonou a mulher e o bebê. Aparentemente, não nutre culpa, pois, segundo o personagem, foi ela quem quis a gravidez.
Laura tem uma empregada, Mayara (Luellem de Castro). Filha e neta de domésticas, ela cresceu na casa da patroa e, por isso, está envolta com o discurso sobre “ser da família”. Mas ocorre que Mayara acabou de passar no vestibular e irá começar a faculdade em turno integral. Por isso, irá parar de trabalhar.
A patroa/ amiga, claro, está feliz com a sua evolução. Ao menos no plano do consciente. Em alguns momentos, deixa escapar à empregada o seu desejo de que ela fique. Mayara, de modo profético, solta a frase: “eu vou ficar até o fim do expediente”.
Mas o inconsciente move o mundo de maneira que não pode ser controlada. E, nesta história de duas mulheres, ele se manifesta na imagem de uma mancha. Laura encasqueta com uma tal manchinha no vidro da sala, em uma grande janela de frente para a rua. Ela então força de todo jeito que Mayara – tal como tantas outras empregadas espalhadas pelo país, que trabalham diariamente sem segurança – se pendure na janela para alcançar a mancha. Até que o pior acontece.
Texto rico e simbólico
“Mancha” brilha em vários aspectos: tanto na qualidade da dramaturgia, que dialoga com outros clássicos do cinema (há intertextualidade com o suspense de Alfred Hitchcock), quanto no roteiro extremamente inteligente e provocador, repleto de símbolos (como o lustre que Laura mantém como seu objeto preferido da casa) e de frases marcantes.
O texto de Grace Passô, Renata Martins e Jaqueline Souza não menospreza o espectador. Na verdade, faz o contrário: provoca-o a completar aquilo que viu, sem que haja uma resposta definitiva. A pergunta sobre o que aconteceu com Mayara se tornou um termo de busca popular nas redes, mostrando que houve engajamento do público.
Do mesmo modo, a constituição da personagem protagonista, Laura, é tridimensional e vai além da redução da “mulher branca má”. Ela mesma é uma minoria que sofre – cria a filha sozinha, já que o pai lavou as mãos – e seu desespero tenso (em um show de interpretação de Isabel Teixeira) nos deixa claro que não temos aqui uma vilã.
Luellem de Castro, da mesma forma, atua lindamente como o contraponto dessa mulher. Sua performance traz a emoção necessária para carregar a mensagem dessa personagem, que representa tantas outras mulheres que, mesmo sob uma égide de valorização e pertencimento, têm suas vidas diariamente postas numa corda bamba, como se valessem menos que as outras. “Eu não sou uma mulher”?, pergunta Mayara, em cena muito sintomática do episódio.
Ao jogar uma história de horror na grade para celebrar o dia da mulher, Falas Femininas mostra a que veio. Que venham os próximos episódios.
Falas Femininas
4.5 7"Falas Femininas - Histórias Impossíveis" impacta e gera necessário desconforto!
A trama narra a história da empregada doméstica Mayara (Luellem de Castro), que está em seu último dia de trabalho. Ela, que passou no vestibular e decidiu investir em seu estudo, acredita que Laura (Isabel Teixeira), mãe solo de uma bebê, é uma patroa 'diferente'. Até que Laura pede que ela desista dos seus estudos. Sem sucesso, pede um último favor: a limpeza de uma mancha na janela de vidro da sala, que muda o curso da história de ambas. O epísódio faz parte da antologia "História Impossíveis", apresentada nos especiais "Falas" deste ano, com enredos de suspense criados a partir de medos femininos.
Impressiona a qualidade da produção. Não só do texto, como das interpretações viscerais das protagonistas e do jogo de câmeras que dão um clima de suspense ao longo da narrativa. Ainda há uma intencional mistura com um thriller psicológico.
A história inicia aparentemente melancólica e até poética, quando gradativamente vai mudando o tom através do desdobramento em cima da realidade da situação envolvendo patroa e empregada. Embora a clássica frase 'Ela é praticamente da família' nunca seja dita, está sempre presente diante da hipocrisia que envolve aquela relação, onde a patroa finge ser uma amiga compreensiva, mas faz questão de lembrar quem é que manda com rápidos cortes durante um bate-papo.
A sutileza de várias situações que estão presentes na vida de inúmeras pessoas é uma constante. Laura mora em um apartamento de luxo na zona sul do Rio de Janeiro, onde a sua vista é linda, enquanto a janela do quarto da empregada (resquício da engenharia que domina quase todos os imóveis das cidades) fica de frente para as outras janelas dos demais quartos de empregada do condomínio. As trocas de olhares entre as personagens é outro ponto que merece menção porque vai mudando ao longo do episódio. Inicialmente, o olhar de Laura reflete um medo disfarçado de acolhimento, enquanto o de Mayara expõe um genuíno carinho que sente pela patroa. Mas a proximidade do fim do expediente, 18 horas, que marca a despedida da empregada, vai tirando a máscara daquele relacionamento. Laura vai ficando com um olhar ligeiramente raivoso e Mayara com uma mistura de ranço e decepção.
A queda de Mayara, após um natural desequilíbrio enquanto tenta limpar a janela pelo lado de fora, sem nenhum equipamento de proteção e tendo apenas o apoio de Laura segurando a escada, transforma a trama em um suspense de tirar o fôlego. Laura fica sem saber como agir, tenta limpar as provas da tragédia e até liga para a emergência, mas sem terminar a ligação porque sua maior preocupação é dizer que não teve culpa ao invés de falar o nome da vítima. O plot twist da volta de Mayara deixa a história para a imaginação do telespectador. O retorno tira a máscara de Laura, que finalmente se dá conta que não foi uma mulher diferente de sua mãe e avó, mas, em compensação, percebe que sua filha pode ser no futuro. Até porque a personagem não é uma vilã. É fruto da descendência de uma elite brasileira escravocrata. E a própria mulher tem suas questões, pois é mãe solteira com mais de 40 anos. É tudo muito bem estruturado do início ao fim. Aliás, o que realmente aconteceu? Mayara morreu de forma trágica como tantas mulheres negras morrem diariamente no Brasil? Ou conseguiu sobreviver por algum tipo de amortecimento da queda e realmente retornou para aterrorizar sua patroa? A dúvida é fundamental para a trama.
Isabel Teixeira, após o imenso sucesso como Maria Bruaca no remake de "Pantanal", está irretocável. Sua soberba atuação promove cenas de encher os olhos, onde muitas vezes o texto não é necessário. Laura é uma personagem que exige entrega. Já Luellem de Castro, que brilha no humor na série "Encantado`s", do streaming, emociona na pele de uma mulher que representa milhares de Mayaras.
Ao longo do ano, novos episódios vão ao ar em datas que celebram causas e lutas sociais: Dia dos Povos Indígenas ("Falas da Terra"), Dia do Orgulho LGBTQIAPN+ ("Falas de Orgulho"), Dia Nacional das Pessoas Idosas ("Falas da Vida") e Dia da Consciência Negra ("Falas Negras").
A antologia "História Impossíveis" foi criada e escrita por Renata Martins, Grace Passô e Jaqueline Souza, escrita por Thais Fujinaga, Hela Santana, Graciela Guarani e Renata Tupinambá, com direção artística de Luísa Lima, direção de Thereza Médicis, Everlane Moraes, Graciela Guarani e Fábio Rodrigo e produção de Leilanie Silva. Alinhado à jornada ESG* do Brasil, o projeto tem direção executiva de produção de Simone Lamosa, e direção de gênero, de José Luiz Villamarim.
Responsabilidade ambiental, social e de governança são temas que individualmente já eram discutidos antes da materialização dos princípios ESG. A sigla, no entanto, uniu os três conjuntos de práticas e se tornou um playbook para empresas que desejam continuar em um caminho de crescimento responsável.
Tieta
4.2 74 Assista AgoraTrês décadas depois, ‘Tieta’ continua atual e impactante!!!
Disponível na plataforma de streaming do Brasil, novela 'Tieta', baseada na obra de Jorge Amado, abordou vários temas relevantes.
Uma das poucas alegrias dos brasileiros durante esta quarentena tem sido assistir à televisão. Não falo, claro, dos noticiários tensos com os escândalos políticos e com as atualizações aterradoras do número de mortos pela COVID-19. Impossibilitadas de gravar boa parte da sua grade, algumas emissoras têm resgatado arquivos antigos.
A plataforma brasileira, nos deu um bom motivo para ligar a TV ou os tablets: disponibilizou na íntegra algumas de suas telenovelas mais lembradas ao longo das décadas. Uma dela é Tieta, adaptação de Aguinaldo Silva para o romance de Jorge Amado, exibida na TV entre agosto de 1989 e março de 1990.
Minhas lembranças dela são contaminadas por uma memória afetiva que envolve a sensação de que todos em minha volta paravam para assisti-la e, no dia a dia, repetiam os bordões e as expressões faladas pelos personagens. Era uma época em que, certamente, a TV possuía mais centralidade na vida da população, talvez por haver menos opções culturais que hoje (um dado sintomático: o primeiro capítulo de Tieta registrou 70 pontos de IBOPE, conforme matéria da Folha de São Paulo, número hoje impensável).
Esta lembrança de infância marcada pela afetividade me fez querer rever a icônica novela no streaming, e enfrento atualmente o desafio de assistir aos 197 capítulos, um compromisso estranho em épocas de séries televisivas com temporadas bem mais curtas. Por isso, trago aqui uma leitura atualizada desta telenovela 31 anos depois de sua exibição – e o impacto que ela traz frente às mudanças que a TV sofreu nestes anos todos. No saldo, a impressão que Tieta traz é que era, de fato, uma novela magnânima – e que isso não é apenas um filtro da saudade de quem olha para o passado.
Ainda que Tieta tivesse uma premissa cômica, sua trama era densa: contava a história de uma cidade pequena, Santana do Agreste, no interior da Bahia, no qual o conservadorismo era a norma. Todos sabem da vida dos outros (as mulheres que cuidam dos Correios leem as cartas que chegam e espalham as fofocas) e as “carolas” da igreja se encarregam de espalhar um discurso de moralidade hipócrita.
É neste cenário que uma menina liberal, que ainda vai ao colégio e cuida de cabras (por isso é chamada de “cabrita” pelos conterrâneos, de forma abusiva), tem casos com vários homens da cidade. Ao ser descoberta pelo pai na cama de um forasteiro, Tieta é escorraçada de Santana de Agreste aos golpes de cajado, diante de todos os moradores, simbolicamente em frente à igreja. Sangrando, ela vai embora e promete um dia voltar para se vingar.
Este é o resumo apenas do impactante primeiro capítulo, que envolve assuntos que hoje talvez não entrassem em uma trama da novela das nove. Tieta é uma menor de idade, sedutora, que faz sexo com dois homens diferentes só no episódio de estreia e flerta com tantos outros.
Em um diálogo com um amigo de sua idade que tenta ficar com ela (ao qual ela responde que ele tem “cheiro de leite”), Tieta diz que vê que todos os homens da cidade a olham com desejo, inclusive o seu pai. Há algo de hipnótico nessa mulher, o discurso sugere, tal como se ela fosse uma encantadora de homens, algo bíblica (ideia já conjugada com a música-tema da novela, interpretada por Luiz Caldas: “Tieta não foi feita da costela de Adão, é mulher diabo, minha própria tentação. Tieta é serpente que encantava o paraíso, ela veio ao mundo pra virar nosso juízo”). O feminino, em Tieta, é visto de forma nociva? Esta é uma pergunta complexa.
Betty Faria e Joana Fomm protagonizaram 'Tieta'.
Expulsa de Santana de Agreste, Tieta se torna uma espécie de figura mítica: ela manda mensalmente uma quantia de dinheiro para sua família, justamente a que a escorraçou em nome da “moral e dos bons costumes”, mas que aceita sua doação de bom grado.
Foi para São Paulo, onde enriqueceu. Há vários subtextos na trama: não se diz, de forma clara, porque Tieta tem tanto dinheiro, mas subentende-se que seja
uma prostituta ou uma cafetina.
Mas a postura altiva de Tieta (interpretada por Claudia Ohana, linda, na primeira fase, e por Betty Faria como a Tieta que retorna ao Agreste) coloca-a enquanto mulher empoderada, dona de si e de sua sexualidade – em oposição à sua irmã Perpétua (em atuação magistral de Joana Fomm), uma viúva invejosa que só se veste de preto e se gaba de ter sido bem-amada (
sexualmente
, que sugere-se na trama ser o pênis do morto (isso também não é esclarecido).
Outro elemento importante é que havia uma apropriação subversiva do conservadorismo de Santana do Agreste, uma vez que a maior parte das mulheres (especialmente as mais “beatas”) claramente abafavam um furor sexual que escapava a todo instante. As duas comparsas de Perpétua ficaram na memória do povo: Cinira (Rosane Gofman) e Amorzinho (Lília Cabral) quase sempre falavam sobre os homens e viviam tendo “ataques” em que deixavam seus desejos virem à tona.
No entanto, apesar da postura empoderada das protagonistas, há um olhar de subjugação das mulheres em vários outros personagens de Tieta – personagens esses que soavam até simpáticos em 1989, mas hoje talvez fossem escandalosos. Por exemplo: Modesto Pires (vivido por Armando Bógus) era um homem casado que mantinha sua
amante – chamada na novela de
cárcere privado
Ainda assim, o personagem mais chocante certamente é o coronel Artur da Tapitanga (Ary Fontoura), que mantém em sua fazenda uma espécie de harém de
menores de idade. São meninas pobres a que chama de
as molesta. A pedofilia aqui fica nas entrelinhas, mas é evidente – e sem dúvida um personagem desses
Após 31 anos, fica a questão no ar: Tieta era uma novela vanguardista ou conservadora? Seria possível hoje, num país talvez mais moralista, uma novela baseada na Bahia das obras de Jorge Amado? As mulheres em Tieta eram exploradas ou empoderadas? Em relação às questões que aborda (além dos temas já citado, também tratou de homossexualidade, casamentos poliamorosos, incesto), Tieta era à frente do seu tempo, ou nós que retrocedemos?
São todas questões que não assumem qualquer resposta fácil. No entanto, uma coisa é certa: três décadas depois, Tieta continua tão deliciosa quanto foi na época em que foi ao ar pela primeira vez. Com parcas exceções (Amor de mãe é uma delas), talvez se possa dizer que não se fazem novelas como antigamente.
A Fazenda 15
3.7 9Após o retumbante fracasso e o show de horrores que foi "A Fazenda 14" é até difícil de acreditar que a Record manteve o reality para 2023. O bom senso pedia que a decisão fosse igual a tomada com o cancelamento do "Power Couple Brasil", que foi outro conjunto de cenas lamentáveis e um fiasco de audiência. Mas Adriane Galisteu anunciou no dia da final da décima quarta temporada, que consagrou Bárbara Borges como campeã, a continuação do reality na grade da emissora. A expectativa é nula.
Minha Mãe Cozinha Melhor Que a Sua
3.2 3"Minha Mãe Cozinha Melhor que a Sua!" combina com as tardes de domingo
A Televisão aberta estreou uma nova produção em sua grade vespertina. Com direção geral de Angélica Lopes, direção artística de LP Simonetti e gênero de Boninho, "Minha Mãe Cozinha Melhor que a Sua!" é baseado no formato original da emissora portuguesa, RTP1. A atração também já foi vista no SBT, em forma de quadro do programa da Eliana, e em um quadro do "É de Casa", comandado por Patrícia Poeta. Outro formato muito parecido foi o "Duelo de Mães", comandado por Ticiana Villas Boas na Band.
A premissa é simples: utilizar a lembrança gostosa de cozinhar em família durante um almoço de domingo para competir. A maior novidade do formato é a estreia de Paola Carosella na Globo, após muitos anos de trabalho como jurada no "Masterchef BR" na Band. A chef de cozinha, por sinal, segue como integrante de júri, mas agora acompanhada de João Diamante. Leandro Hassum é o apresentador. O primeiro programa contou com as participações de Vitão, Mumuzinho, Mayana Neiva e suas respectivas mães.
A cada semana, três diferentes duplas de mães e filhos famosos vestem o avental e partem para a aventura na cozinha, competindo entre si em duas provas. Mas aqui, diferente dos almoços de domingo, quem coloca a mão na massa são os filhos.
As mães podem até ajudar, mas há consequências que podem custar caro. Ao longo da dinâmica, Hassum comanda a brincadeira, dá pitacos aos competidores e pergunta a opinião do júri. Ao final dos desafios, Paola e Diamante provam os pratos e definem os eliminados. A cada domingo, apenas uma dupla sai como grande campeã.
Duplas no palco. No cenário, geladeiras já abastecidas e um kit básico na bancada. As mães encaram um mini-game que define um ingrediente extra para cada uma das duplas. Feito isso, é hora da primeira prova: “O que tem na geladeira”. Os competidores têm um minuto para planejar seus pratos e o relógio começa a correr. Dentro do tempo de prova, eles precisam apresentar um prato delicioso que agrade as exigências dos jurados. As mães podem orientar, mas se resolverem partir para a ação, o cronômetro do competidor duplica de velocidade, comprometendo o tempo final. Paola e Diamante fazem a degustação, escolhem os melhores e definem a primeira dupla eliminada.
A segunda prova é a “Memória Afetiva”. A equipe do programa foi até os lares de brasileiros em busca de receitas de família, aquelas que são passadas de geração em geração. Famílias anônimas contam suas histórias e revelam os segredos desses pratos – e as duas duplas que seguem na disputa precisam preparar o almoço. Dessa vez, o mercado está aberto, mas eles têm pouco tempo para buscar novos itens para a sua cozinha. E a qualquer momento pode acontecer o 'Fogo na Cozinha", uma “pequena” dificuldade a mais, como, por exemplo, pilotar o fogão usando apenas uma das mãos ou ter de cozinhar ninando um bebê chorando.
Ao fim, é eleita a família campeã! Mas, na divisão do prêmio final, as três duplas ganham uma quantia em dinheiro para doar a um dos projetos parceiros do “Para Quem Doar”, plataforma criada pela Globo em abril de 2020 para conectar pessoas com organizações de todas as regiões do país que trabalham para combater e amenizar diferentes impactos sociais na vida da população em situação de risco e vulnerabilidade.
O reality entretém. Paola está ótima como de costume e João também foi uma boa escolha. Já Hassum parece desconfortável por não saber muito bem o que fazer enquanto os participantes estão cozinhando. Sua única saída é tecer breves comentários fazendo piada com a falta de prática dos filhos na reprodução dos pratos. Mas isso nem é culpa do humorista. O formato transforma a figura do apresentador em algo desnecessário. E a duração foi outro incômodo: uma hora de vinte minutos. Acabou deixando a atração arrastada em alguns momentos. Uns quarenta minutos já eram suficientes.
"Minha Mãe Cozinha Melhor que a Sua!" terá dez episódios e o programa combina com as tardes de domingo. Não é uma produção incrível, mas não compromete e cumpre sua função. Não deixa de ser uma boa opção para o telespectador que costuma ter como opções na concorrência os desgastados "Domingo Legal", no SBT, e "Hora do Faro", na Record.
Todas as Flores
3.4 99 Assista AgoraTodas As Flores e um mercado que precisa entender que fã de novela não é burro
Grande promessa do streaming para o futuro das telenovelas, a trama de João Emanuel Carneiro terminou em meio a absurdos inexplicáveis.
Vou começar fazendo uma pergunta honesta: o que dá ao público a ideia de que uma novela é “boa”? Poderíamos tentar responder isso construindo uma fórmula a partir dos maiores sucessos dos últimos 50 anos; e essa fórmula tem dois elementos uníssonos: vilãs fortes e uma história de vingança. Os nomes que mais aparecem nas discussões sobre o assunto na internet guardam essas semelhanças compartilhadas. A vingança de Raquel contra a filha (Vale Tudo); a vingança de Tieta contra Santana do Agreste; a vingança de Maria do Carmo contra Nazaré (Senhora do Destino); a vingança de Nina contra Carminha (Avenida Brasil)...
As novelas são construídas todas em torno da mesma base, com variações entre si. Às vezes não tem vingança, mas tem superação, paternidade perdida, troca de lugar entre gêmeos, triângulos amorosos e empresas alternando presidentes. O DNA do gênero exige a repetição, se pauta na confortabilidade, não quer reinventar a roda, mas precisa contar com o mínimo de frescor entre obras. Você pode até tentar mudar a estética, mas se quer escrever novela, vai abraçar recorrências. Novela é mimese, mas não é porque copia a si mesma que não tem responsabilidade estrutural.
Avaliando as obras das 21 horas desde que a produção de títulos recomeçou no Brasil pós-pandemia, não é difícil perceber o que eles têm em comum. Amor de Mãe começou desafiando a estética. Era uma novela escura, com filtros crus, que se passava em locações sem glamour e tinha cenas longas, preocupada com descrições emocionais mais exploradas. Quando retornou do hiato forçado, voltou com vários capítulos a menos do que estava planejado, picotou-se sem cautela e deformou-se. Ninguém conseguia acompanhar a forma como os personagens iam do 8 para o 80 no espaço entre duas cenas; e o texto – que poderia ser preservado – parecia uma cartilha de obviedades.
Em Um Lugar ao Sol o problema se agravou, uma vez que sua autora planejou tudo antes mesmo das gravações começarem. Uma história de gêmeos trocando de lugar que fez elipses em tudo que era importante: o jeito que um virou o outro e depois, como esse farsante foi descoberto. Além desse absurdo, uma trama sobre etarismo que confirmava problemas de etarismo e uma trama sobre gordofobia que era gordofóbica. O alívio só veio em Pantanal... Mas, Pantanal nem era original; era um eco do sucesso de outrora. Uma boa cópia-carbono.
Travessia veio para contar uma novela sobre fake news sem fake news; sobre deep fake news que não ficavam nem na superfície; sobre tecnologia do futuro, metaverso, inteligência artificial, robôs e realidade virtual... e terminou sendo uma novela sobre um exame de DNA explicado numa panela de brigadeiro. Era como se não houvesse nem mesmo a vontade de pesquisar para saber que o photoshop de uma foto pode ser desmascarado em 5 minutos. Parecia brincadeira.
Quando Todas as Flores exibiu seu primeiro trailer era como se a esperança estivesse de volta aos corações de todos. João Emanuel Carneiro escreveu Avenida Brasil e teve sucessos relativos em outras tramas; sabia falar sobre vingança e sabia escrever vilãs fortes. Não é à toa que Leticia Colin e Regina Casé foram os destaques em comum de praticamente qualquer análise sobre a novela. Era um ótimo sinal... A primeira novela do streaming (desconsiderando Verdades Secretas, que tinha linguagem de minissérie) poderia abrir as portas para abordagens que, ainda que honrassem o gênero, teriam abertura para ousar (ou mesmo simplesmente fazer o básico, bem feito). Contudo, o resultado foi um devaneio sem controle. A novela não tinha nenhuma preocupação com processos, só com resultados.
Jardim Secreto
Vou pedir licença para exemplificar a discrepância entre Todas as Flores e a simples noção de planejamento, usando Manoel Carlos como base. Mesmo que ele tenha escrito aberrações machistas e esteja sendo reprisado com Mulheres Apaixonadas (a novela mais cheia de fetiches masculinos da história); existe em sua obra um senso de controle narrativo que é colossal.
Em Por Amor, lá no meio dos anos 90, ele queria contar a história de uma mãe que trocava o bebê vivo que havia tido pelo morto que sua filha tivera. Assim, a moça criaria o irmão como filho e Helena – a protagonista – veria o filho crescer como neto. Para arranjar isso era preciso ser engenhoso ou o público não acreditaria na virada. Então, ali pelos primeiros 50 capítulos da novela, Maneco preparou o terreno. Fez Eduarda ser descrita como frágil, a fez ter um aborto espontâneo, preparou o espectador para que ele compreendesse a morte do recém-nascido no dia da troca. Sobretudo, deixou claro que a moça não sabia lidar com traumas e era muito insegura.
Grávidas juntas, mãe e filha precisariam parir no mesmo dia para que o enredo desse certo. Mas, como fazer a troca dentro de um hospital, com tantas testemunhas? Maneco criou o médico César, que tinha uma dívida de gratidão com Helena e era apaixonado por Eduarda. Ele se sentiria obrigado a executar o plano. Os partos aconteceram fora do dia planejado e uma chuva torrencial chegou ao Rio de Janeiro, impedindo um dos pais de pegar o voo de volta e obrigando todos os outros personagens a permanecerem em casa.
Diante desse cenário, quando Helena resolve fazer a troca, o espectador não é capaz de encontrar uma só ponta solta. E o melhor disso tudo? Era um bom planejamento, sem a falsa eloquência de explosões, tiros e organizações criminosas que disfarçassem o descuido com carpintaria textual básica.
Todas as Flores de um jardim nefasto
É bem verdade que ficamos tão empolgados com Todas as Flores que fechamos os olhos para problemas que estavam ali desde o começo. A gravidez de uma começava junto com a outra, mas os bebês nasciam em períodos estranhamente diferentes... Um negócio de milhões com a venda de um perfume era fechado num banco de praça, depois que uma estranha de peruca se aproximava. Isso sem falar no concurso de beleza que não terminava nunca, que era um verdadeiro estouro; e que não atrapalhava Diego, que fingia ter duas identidades sem risco nenhum de sair numa nota ou numa cobertura jornalística. Explicações? Nenhuma.
O projeto de Todas as Flores nasceu com mais de 150 capítulos, mas após a cúpula da emissora decidir passar Travessia na frente da fila, a novela de João Emanuel foi encurtada para 85 capítulos e foi toda gravada antes do lançamento no streaming da casa. Ele não teria como analisar as reações para tentar corrigir cursos... Contudo, parece cada vez mais que essa é uma desculpa ultrapassada. Considerando o descaso dos autores do horário nos últimos anos com questões de coerência básica, é provável que nada tivesse mudado.
É evidente que João Emanuel e sua equipe sabiam onde queriam chegar. Os planos para cada personagem central eram perceptíveis. O problema estava nos processos para chegar onde se queria; problema esse que estava também nos títulos que vieram da pandemia para cá (e que já foram citados nesse texto). Maíra (Sophie Charlotte) precisava ser descrita como uma mocinha forte, então o autor decidiu que ela não iria pedir ajuda ao amado.
Só que o filho dela estava sequestrado, o amado era rico, tinha recursos e conhecia os envolvidos.
Maíra, aliás, foi o centro da hecatombe narrativa.
Prometeu uma vingança que não veio, voltou a enxergar e ninguém percebeu, cometeu crime de tráfico humano e não perdeu a guarda da criança, fugiu da cadeia sem esforço e ficou em casa, recebendo visitas constantes, sem que a polícia jamais fosse procurá-la. Terminou emulando um perdão capenga diante de uma Zoé que mudava de opinião sobre a filha cinco vezes no mesmo capítulo.
E as loucuras continuavam...
Mauritânia (Thalita Carauta), que era uma mulher vivida e esperta, criada na malandragem, assinou papéis sem ler; Rafael (Humberto Carrão) promoveu resgates rocambolescos; tivemos uma incidência inacreditável de tiros no ombro e
No último capítulo o descaso com coerência e boa escrita chegou ao ápice. Não só os acontecimentos eram totalmente sem sentido
(aquele julgamento parecia um julgamento de festa junina)
ela odiava Maíra
, mas foi apagada do último capítulo e reduzida ao pó do vilão que termina batendo carteira.
É inacreditável que o mercado criativo das telenovelas – e aqui me direciono à dominância da produção global – não tenha percebido de uma vez por todas que o espectador não é burro. As novelas são feitas pensando na massa distraída que deixa a TV ligada enquanto passa roupa. Mas, a novela do streaming será assistida por quem ama o gênero e por quem pauta o alcance que esses títulos terão nessa elusiva escala de grandes sucessos. A gente ama uma bagaceira teledramaturgia, mas a gente ama ainda mais quando ela é feita sem subestimar a nossa inteligência. Novela tem códigos populares, mas é uma história sendo contada, como qualquer outra. E mesmo o cidadão mais simples, diante de um causo sem raízes bem fincadas, desconfia da procedência dessa prosa.
Nós não somos burros... e nem – que ironia – cegos.
Está definido...
... que desse trabalho de João Emanuel ficou a lembrança de boas cenas de Letícia Colin e de um começo brilhante para Mauritânia. João sabe criar personagens cheios de apelo e isso ficou muito claro nos primeiros capítulos da novela.
Está a definir...
... o que podemos esperar de Os Outros, que se tornou agora – mais que nunca – a promessa de um sucesso ainda não visto nos últimos anos.
Os Outros (2023), série do mesmo criador de Sob Pressão, fala sobre a dificuldade contemporânea de passar por cima do diálogo e as consequências da intolerância.
Fuzuê
2.6 6A novela que marca a estreia de Gustavo Reiz no canal. O autor trabalhou a Record por muitos anos, onde escreveu o remake de "Dona Xepa", "Milagres de Jesus", "Escrava Mãe" e "Belaventura". A trama estrearia em 2022, mas a pandemia atrasou a grade. A história girará em torno de uma famosa loja no Centro do Rio de Janeiro, na região do comércio popular. A loja tem o nome de "Fuzuê" e é de propriedade de um ex-feirante, Nero Braga, que conseguiu crescer aos poucos e é muito querido por todos. Porém, um grupo de empresários descobre que no terreno da loja existe um grande tesouro e os ricaços farão de tudo para demolir o estabelecimento. Gloria Pires chegou a ser confirmada como a protagonista, mas sua ida para "Terra Vermelha" deixou tudo em dúvida sobre a substituta. Nicolas Prattes foi anunciado como o mocinho Miguel, rapaz que é reprimido pelo pai e complexado, mas é um advogado bem-sucedido.
Vai na Fé
3.8 23"Vai na Fé" expõe pluralidade religiosa e honra seu título
A novela das sete de Rosane Svartman tem feito por merecer muitos elogios e nesta sexta-feira, dia 24/02/2023, exibiu um capítulo que vai ficar marcado na teledramaturgia. Após muitas cenas já exibidas da família de Sol (Sheron Menezzes) orando na igreja evangélica do bairro, outra religião serviu como pano de fundo para um momento emocionante vivido pelo mocinho Ben (Samuel de Assis). Pela primeira vez um terreiro de candomblé foi representado com profundo respeito e veracidade.
O protagonista se envolveu no mesmo engavetamento na estrada que vitimou Carlão (Che Moais), marido de Sol, e foi a único sobrevivente. A partir de então, já recuperado, resolveu ir atrás de todas as vítimas para ajudá-las com a indenização do seguro do caminhão dirigido pelo criminoso que provocou a tragédia. Ben acabou hospedando quatro pessoas de uma família em sua casa, para o desespero da esposa, Lumiar (Carolina Dieckmann), e seguiu atrás das demais pessoas.
O mocinho foi de moto por uma estrada de terra até chegar em uma casa e tocou a campainha. Quem lhe atendeu foi uma doce senhora. "É a casa da Dona Ana?", perguntou. "Sou eu. Mãe Ana de Oyá. Essa que acabou de tee receber é a verdadeira dona da casa: Iansã. A gente nunca se atrasa pro que é nosso, não é verdade? Pode entrar!", respondeu.
Após a delicada e breve cena, o telespectador foi presenteado com uma sequência que retratou com seriedade a cerimônia do candomblé, sem qualquer deboche ou humor duvidoso, tendo a participação de Ben como convidado. Foi um momento emocionante e inédito na teledramaturgia.
Benjamin não escondeu o quanto aquele momento tocou seu coração e a última cena do personagem com Mãe Ana primou pela sensibilidade do texto, que também serviu para explicar o significado de algumas entidades: "Sua primeira vez num barracão de candomblé, né? Esse amalá que a gente rodou hoje foi para trazer o fogo de Xangô de volta pro axé. Faz uma semana que a gente encerrou aqui os rituais de luto pelo meu filho. Mesmo com o coração pesado, a vida precisa seguir. Xangô é o fogo da vida e é dele que a gente busca a força para seguir nosso propósito aqui na terra. A nossa única obrigação é a felicidade. Lembra dos atabaques tocando enquanto Xangô dançava? Onde você ouvir seu coração tocar daquele jeito, você pode acreditar que ali é seu lugar!". Foi lindo. Samuel de Assis e Valdineia Soriano brilharam.
A cena foi escrita por Pedro Alvarenga, um dos colaboradores de Rosane Svartman, e dirigida por Juh Almeida, integrante da equipe de direção da novela. Um detalhe importante é que os dois são negros. A autora fez questão de elogiá-los no Twitter. O resultado ficou incrível e já entrou para a lista de grandes cenas da teledramaturgia. Vale destacar que no mesmo capítulo foi exibida outra linda cena em que Sol cantou no coral da igreja. A pluralidade, somada ao respeito por todas as religiões, está sendo abordada com maestria na novela das sete. "Vai na Fé" honra o seu título.
É a primeira novela que Rosanne Svartman escreve sozinha. Seus dois folhetins anteriores de imenso sucesso ("Totalmente Demais" e "Bom Sucesso") foram desenvolvidos em parceria com Paulo Halm. Agora a autora contará a história de Sol, interpretada por Sheron Menezzes, mulher batalhadora que já foi dançarina de funk e vende quentinhas para sobreviver. Ela acaba voltando para seu passado quando começa a trabalhar como dançarina do cantor decadente Lui Lorenzo (José Loreto). A trama terá muita música, além de um elenco repleto de atores negros, incluindo os protagonistas. As chamadas já despertam interesse e a estreia é dia 16 de janeiro. A faixa das sete da TV está precisando de um bom folhetim após a fraca "Cara e Coragem".
Big Brother Brasil (23ª Temporada)
2.1 21O que esperar dessa edição?
Após uma avalanche de polêmicas, "BBB 23" chega ao fim marcado pelo fracasso
A vigésima terceira edição do "Big Brother Brasil" chegou ao fim com uma audiência ainda menor que a exibida ano passado, que já tinha apresentado uma queda significativa em relação aos fenômenos "BBB 20 e 21". Claro que a temporada do ano passado teve como reflexo o início do fim da pandemia, o que implicou em mais gente na rua. Mas o "BBB 23" não melhorou os índices e a escolha do elenco, em sua grande maioria, se mostrou tão fraca quando a do ano passado. Para culminar, várias polêmicas cercaram a atração a ponto de cancelarem o "BBB 101", que marca o reencontro do elenco na casa, inaugurado no "BBB 21".
A primeira situação que provocou repercussão negativa no reality foi a relação abusiva entre Gabriel Fop e Bruna Griphao. A forma como o rapaz agia com a então ficante vinha despertando cada vez mais incômodo até colocar a mão fortemente no ombro dela e no mesmo dia dizer, durante uma discussão, que 'daria cotoveladas' na boca da atriz. O comentário provocou uma intervenção de Tadeu Schmidt, que o repreendeu ao vivo e diante dos demais concorrentes. Por mais absurdo que pareça, após a represália, Fop chegou a exigir que Bruna falasse para todos que ele não tinha feito nada demais.
No entanto, a polêmica expôs que o público estava bastante tolerante na atual edição. Tanto que Gabriel foi eliminado com 53,3% em um paredão triplo, índice que nem configura rejeição. Ou seja, parte votante da audiência nem achou grave o que aconteceu. Mas ainda era só o começo, tanto no quesito acontecimentos pesados quanto na benevolência do público diante de tudo o que era mostrado.
Fred Nicácio sofreu intolerância religiosa de Gustavo, Key e Cristian. Ninguém na casa soube a respeito do acontecido porque, ao contrário do que fez com Fop, o apresentador foi mais sutil na represália: disse apenas para Fredão contar mais sobre a sua religião, o Culto de Ifá, e ressaltou a importância da diversidade religiosa. Os três responsáveis pelo preconceito perceberam na hora que era sobre eles, já os demais não. No entanto, somente Gustavo saiu com rejeição (71,7%), já Key (56,7%) e Cristian (48,3% ) não. Aliás, Cristian teve a menor porcentagem para sair da temporada.
E ninguém tinha ideia que ainda tinha muita água (poluída) para rolar no "BBB 23". Ninguém entendeu quando Boninho escolheu Key para participar do intercâmbio. Foi uma premiação mesmo depois de tudo o que fez no reality. A jogadora de vôlei foi para "La Casa de Los Famosos", reality do México, enquanto Dânia Mendez veio para o "BBB". Era o início de um pesadelo para a mexicana. A influenciadora teve sua mochila revirada por Marvvila e Fredinho assim que botou os pés na casa e durante a festa foi tocada por MC Guimê e importunada por Cara de Sapato. Os dois foram expulsos no dia seguinte com um anúncio ao vivo de Tadeu, o que chocou todos os participantes. Agora ambos são investigados pela Polícia Civil do Rio de Janeiro por assédio e importunação sexual, respectivamente. A atitude da produção foi correta, mas a covardia de colocar a dupla oficialmente como 'eliminada' (o que garante os prêmios faturados, assim como o contrato com a Globo) foi lamentável. Era para ter sido uma expulsão também no papel.
A saída de dois jogadores provocou uma estratégia desesperada de Boninho para garantir a duração do programa até o dia 25 de abril: uma repescagem. A decisão provocou uma avalanche de críticas, mas a volta de Fred Nicácio e Larissa movimentou o jogo. E foi bonita a constante exaltação de Fred a respeito da representatividade preta na temporada, o que resultou em uma das mais bonitas imagens da edição: uma foto com todos os pretos reunidos. Pena que nada disso teve qualquer efeito popular diante do favoritismo de Amanda, que virou a queridinha de parte do público por conta do casal inexistente formado com Cara de Sapato. Favoritismo que arrastou Larissa, Bruna e Aline junto com a médica. Aline porque sempre foi a melhor amiga da participante e as outras duas porque passaram a bajulá-la depois que Lari voltou falando da força da torcida que a médica tinha ao lado do lutador expulso.
O racismo estrutural foi mais uma polêmica da temporada. Era algo escancarado, apesar de aparentes 'sutilezas'. Bruna era uma pessoa agressiva e reativa que não sabia ouvir e nem ser contrariada. Não por acaso, brigou com vários participantes na casa. No entanto, Tina, que tinha um temperamento parecido, mas bem mais moderado, foi colocada como agressiva pelos demais e parte do público, tanto que não resistiu ao primeiro paredão e foi eliminada com mais porcentagem que Gabriel Fop, por exemplo. Ricardo Alface, Domitila Barros, Fred Nicácio, Cezar Black e Sarah Aline nunca podiam reagir aos ataques nos jogos da discórdia porque sempre eram classificados como agressivos, maldosos, e opressores.
No caso de Facinho, durante duas discussões sérias com Bruna, foi chamado de desequilibrado e 'pessoa ruim'. Já a situação protagonizada por Black foi a mais repugnante da temporada. O enfermeiro foi atacado por Bruna e Aline porque se indignaram quando ouviram atrás da porta o participante falando que Larissa voltou orientada por uma assessora. As duas o ofenderam de várias formas e ex-cantora do Rouge insinuou que havia o risco de uma agressão. Isso porque Black exigiu ser respeitado. Teve que ouvir "OU O QUE?" como se tivesse imposto uma condição, o que não ocorreu. Mas qual foi a resposta do público diante de todas as situações assistidas? Nenhuma. Black foi eliminado um dia após o momento em que foi humilhado e Sarah saiu pouco tempo depois, perdendo um duelo de votação contra Bruna.
O reality terminou de ser enterrado com a eliminação de Domitila Barros, a única que tinha favoritismo fora do grupo chamado 'desértico'. Foi eliminada pela torcida da Amanda, mesmo sem ter qualquer embate com a médica na casa. A torcida decidiu adotar Larissa, mesmo sabendo que a bajulação era falsa. A última 'vítima' foi Ricardo Alface, que fez jogo duplo e protagonizou vários momentos marcantes da temporada. Já a dona do quarto lugar foi Larissa, que morreu na praia mesmo depois de ter feito de tudo para grudar em Amanda e assim beliscar uma vaguinha na final. Já o último paredão expôs o fracasso do "BBB 23". Foram míseros 22 milhões de votos contra 236 milhões no "BBB 20", 514 milhões no "BBB 21" e 278 milhões no já fraco "BBB 22".
A final foi insossa, o que acabou representando bem a reta final decepcionante da edição. Com os eliminados e os cantores convidados para o show em um estúdio junto com o apresentador, as finalistas viram os VTs e o constrangimento acabou inevitável diante das piadas ferinas de Paulo Vieira e Dani Calabresa ridicularizando a temporada e as escolhas de parte do público. Já o anúncio da campeã teve um Tadeu exaltando o trio e premiando Amanda, que se consagrou vencedora com 68,9% dos votos, de um total de pouco mais de 76 milhões de votos, um fiasco histórico ----- citando apenas as duas últimas edições: 751 milhões de votos no "BBB 22", que premiou Arthur Aguiar, e 633 milhões de votos no "BBB 21", que consagrou Juliette.
O "BBB 23" chegou ao final com a marca do fracasso e não tem como afirmar que não foi merecido. Até a audiência foi a menor da história do reality ---- 20 pontos (em nível comparativo, a final do "BBB 22" teve 26 pontos e a do "BBB 21" marcou 34 pontos). Boninho e a produção do programa não têm culpa das decisões controversas do público, ou parte dele, mas houve cumplicidade em diversas situações. A forma como protegeram as atitudes de Bruna classificando como fruto de 'autenticidade', os péssimos discursos de Tadeu Schmidt ---- que só fez elogios genéricos a todos e escondeu qualquer crítica mais enfática ----, a repescagem de última hora e as expulsões classificadas como meras eliminações ajudaram a destruir o conjunto da temporada que já vai tarde.