Após uma avalanche de polêmicas, "BBB 23" chega ao fim marcado pelo fracasso A vigésima terceira edição do "Big Brother Brasil" chegou ao fim com uma audiência ainda menor que a exibida ano passado, que já tinha apresentado uma queda significativa em relação aos fenômenos "BBB 20 e 21". Claro que a temporada do ano passado teve como reflexo o início do fim da pandemia, o que implicou em mais gente na rua. Mas o "BBB 23" não melhorou os índices e a escolha do elenco, em sua grande maioria, se mostrou tão fraca quando a do ano passado. Para culminar, várias polêmicas cercaram a atração a ponto de cancelarem o "BBB 101", que marca o reencontro do elenco na casa, inaugurado no "BBB 21".
A primeira situação que provocou repercussão negativa no reality foi a relação abusiva entre Gabriel Fop e Bruna Griphao. A forma como o rapaz agia com a então ficante vinha despertando cada vez mais incômodo até colocar a mão fortemente no ombro dela e no mesmo dia dizer, durante uma discussão, que 'daria cotoveladas' na boca da atriz. O comentário provocou uma intervenção de Tadeu Schmidt, que o repreendeu ao vivo e diante dos demais concorrentes. Por mais absurdo que pareça, após a represália, Fop chegou a exigir que Bruna falasse para todos que ele não tinha feito nada demais. No entanto, a polêmica expôs que o público estava bastante tolerante na atual edição. Tanto que Gabriel foi eliminado com 53,3% em um paredão triplo, índice que nem configura rejeição. Ou seja, parte votante da audiência nem achou grave o que aconteceu. Mas ainda era só o começo, tanto no quesito acontecimentos pesados quanto na benevolência do público diante de tudo o que era mostrado.
Fred Nicácio sofreu intolerância religiosa de Gustavo, Key e Cristian. Ninguém na casa soube a respeito do acontecido porque, ao contrário do que fez com Fop, o apresentador foi mais sutil na represália: disse apenas para Fredão contar mais sobre a sua religião, o Culto de Ifá, e ressaltou a importância da diversidade religiosa. Os três responsáveis pelo preconceito perceberam na hora que era sobre eles, já os demais não. No entanto, somente Gustavo saiu com rejeição (71,7%), já Key (56,7%) e Cristian (48,3% ) não. Aliás, Cristian teve a menor porcentagem para sair da temporada.
E ninguém tinha ideia que ainda tinha muita água (poluída) para rolar no "BBB 23". Ninguém entendeu quando Boninho escolheu Key para participar do intercâmbio. Foi uma premiação mesmo depois de tudo o que fez no reality. A jogadora de vôlei foi para "La Casa de Los Famosos", reality do México, enquanto Dânia Mendez veio para o "BBB". Era o início de um pesadelo para a mexicana. A influenciadora teve sua mochila revirada por Marvvila e Fredinho assim que botou os pés na casa e durante a festa foi tocada por MC Guimê e importunada por Cara de Sapato. Os dois foram expulsos no dia seguinte com um anúncio ao vivo de Tadeu, o que chocou todos os participantes. Agora ambos são investigados pela Polícia Civil do Rio de Janeiro por assédio e importunação sexual, respectivamente. A atitude da produção foi correta, mas a covardia de colocar a dupla oficialmente como 'eliminada' (o que garante os prêmios faturados, assim como o contrato com a Globo) foi lamentável. Era para ter sido uma expulsão também no papel.
A saída de dois jogadores provocou uma estratégia desesperada de Boninho para garantir a duração do programa até o dia 25 de abril: uma repescagem. A decisão provocou uma avalanche de críticas, mas a volta de Fred Nicácio e Larissa movimentou o jogo. E foi bonita a constante exaltação de Fred a respeito da representatividade preta na temporada, o que resultou em uma das mais bonitas imagens da edição: uma foto com todos os pretos reunidos. Pena que nada disso teve qualquer efeito popular diante do favoritismo de Amanda, que virou a queridinha de parte do público por conta do casal inexistente formado com Cara de Sapato. Favoritismo que arrastou Larissa, Bruna e Aline junto com a médica. Aline porque sempre foi a melhor amiga da participante e as outras duas porque passaram a bajulá-la depois que Lari voltou falando da força da torcida que a médica tinha ao lado do lutador expulso.
O racismo estrutural foi mais uma polêmica da temporada. Era algo escancarado, apesar de aparentes 'sutilezas'. Bruna era uma pessoa agressiva e reativa que não sabia ouvir e nem ser contrariada. Não por acaso, brigou com vários participantes na casa. No entanto, Tina, que tinha um temperamento parecido, mas bem mais moderado, foi colocada como agressiva pelos demais e parte do público, tanto que não resistiu ao primeiro paredão e foi eliminada com mais porcentagem que Gabriel Fop, por exemplo. Ricardo Alface, Domitila Barros, Fred Nicácio, Cezar Black e Sarah Aline nunca podiam reagir aos ataques nos jogos da discórdia porque sempre eram classificados como agressivos, maldosos, e opressores.
No caso de Facinho, durante duas discussões sérias com Bruna, foi chamado de desequilibrado e 'pessoa ruim'. Já a situação protagonizada por Black foi a mais repugnante da temporada. O enfermeiro foi atacado por Bruna e Aline porque se indignaram quando ouviram atrás da porta o participante falando que Larissa voltou orientada por uma assessora. As duas o ofenderam de várias formas e ex-cantora do Rouge insinuou que havia o risco de uma agressão. Isso porque Black exigiu ser respeitado. Teve que ouvir "OU O QUE?" como se tivesse imposto uma condição, o que não ocorreu. Mas qual foi a resposta do público diante de todas as situações assistidas? Nenhuma. Black foi eliminado um dia após o momento em que foi humilhado e Sarah saiu pouco tempo depois, perdendo um duelo de votação contra Bruna.
O reality terminou de ser enterrado com a eliminação de Domitila Barros, a única que tinha favoritismo fora do grupo chamado 'desértico'. Foi eliminada pela torcida da Amanda, mesmo sem ter qualquer embate com a médica na casa. A torcida decidiu adotar Larissa, mesmo sabendo que a bajulação era falsa. A última 'vítima' foi Ricardo Alface, que fez jogo duplo e protagonizou vários momentos marcantes da temporada. Já a dona do quarto lugar foi Larissa, que morreu na praia mesmo depois de ter feito de tudo para grudar em Amanda e assim beliscar uma vaguinha na final. Já o último paredão expôs o fracasso do "BBB 23". Foram míseros 22 milhões de votos contra 236 milhões no "BBB 20", 514 milhões no "BBB 21" e 278 milhões no já fraco "BBB 22".
A final foi insossa, o que acabou representando bem a reta final decepcionante da edição. Com os eliminados e os cantores convidados para o show em um estúdio junto com o apresentador, as finalistas viram os VTs e o constrangimento acabou inevitável diante das piadas ferinas de Paulo Vieira e Dani Calabresa ridicularizando a temporada e as escolhas de parte do público. Já o anúncio da campeã teve um Tadeu exaltando o trio e premiando Amanda, que se consagrou vencedora com 68,9% dos votos, de um total de pouco mais de 76 milhões de votos, um fiasco histórico ----- citando apenas as duas últimas edições: 751 milhões de votos no "BBB 22", que premiou Arthur Aguiar, e 633 milhões de votos no "BBB 21", que consagrou Juliette.
O "BBB 23" chegou ao final com a marca do fracasso e não tem como afirmar que não foi merecido. Até a audiência foi a menor da história do reality ---- 20 pontos (em nível comparativo, a final do "BBB 22" teve 26 pontos e a do "BBB 21" marcou 34 pontos). Boninho e a produção do programa não têm culpa das decisões controversas do público, ou parte dele, mas houve cumplicidade em diversas situações. A forma como protegeram as atitudes de Bruna classificando como fruto de 'autenticidade', os péssimos discursos de Tadeu Schmidt ---- que só fez elogios genéricos a todos e escondeu qualquer crítica mais enfática ----, a repescagem de última hora e as expulsões classificadas como meras eliminações ajudaram a destruir o conjunto da temporada que já vai tarde.
História de Pat e Moa é um dos muitos fiascos de "Cara e Coragem"
A atual novela das sete, escrita por Claudia Souto e dirigida por Natália Grimberg, está em sua reta final. A poucas semanas do fim, "Cara e Coragem" vai saindo de cena fracassando na audiência e sem repercussão alguma. Foram muitos os erros da trama e todos serão citados na última crítica, mas um deles foi a história dos mocinhos, o que tem sido evidenciado nos capítulos recentes.
Pat (Paolla Oliveira) e Moa (Marcelo Serrado) nunca empolgaram o público. Os protagonistas não tiveram química e o fato de ambos serem dublês deixou o conjunto ainda mais desinteressante. Com todo respeito aos profissionais da área, não é nada atrativo acompanhar a rotina de quem fica atrás das câmeras se arriscando em cenas de ação. E em um folhetim tudo se tornou inútil porque os mocinhos só tinham alguma cena relevante quando paravam de pular e saltar. Na verdade, a profissão acabou servindo apenas para a produção da Globo trabalhar mais na estruturação das cenas. Porque em conteúdo não rendeu nada.
Mas voltando ao enredo dos mocinhos, o fato é que os dois sempre foram sonsos e cínicos. Pat
nunca amou o seu marido, Alfredo (Carmo Dalla Vechia),
e seu olhar de pena despertava ranço em quem assistia. Parecia que estava fazendo um favor em estar casada com um homem frágil de saúde. Já Moa vomitou virtudes ao longo da história, mas na reta final ficou claro que não passa de um
A trama do casal nunca foi bem construída até porque não há nada atrativo em acompanhar personagens que já se gostam desde o primeiro capítulo. A autora não aprendeu com o fracasso de Erick (Mateus Solano) e Luiza (Camila Queiroz) em "Pega Pega", novela de 2017, que marcou a estreia solo da escritora.
Pat traiu Alfredo em um dia que beijou Moa. Até porque a personagem fingia que nada tinha acontecido até pedir o divórcio e garantir que nunca tinha traído o marido. Mesmo quando confrontada, a mocinha dizia que era apenas um beijo como se não fosse nada. Mas Claudia Souto ainda guardava uma carta na manga para usar como 'plot twist' nas últimas semanas de história. E a grande surpresa consistia em uma vasectomia que Alfredo fez escondido da então esposa e de outra traição de Pat com Moa, só que desta vez em um período anterior ao início do folhetim. A transa resultou no nascimento de Sossô (Alice Camargo).
Será que a situação foi pensada como uma reviravolta genial? Que o telespectador ia adorar a novidade? Bem, a intenção da autora somente ela pode responder, mas sobre o resultado é possível afirmar que deixou tudo o que era muito ruim ainda pior.
por conta da traição de Rebeca (Mariana Santos) com Danilo (Ricardo Pereira), seu melhor amigo. Só que ele traiu Rebeca quando transou com Pat. E Alfredo sempre foi seu amigo.
E como Pat transou com outro sem proteção sem nunca cogitar que a filha era do "amigo" e não do marido? Ela é tão burra assim? E como Alfredo fez uma vasectomia sem a esposa perceber? Simplesmente falou que tinha operado a vesícula e tudo bem? Não teve período pós-operatório? Ela não estranhou nenhuma cicatriz aparente? Eles não transavam? Mas o mais estapafúrdio é o fato dos personagens culparem mais o Alfredo pela mentira sobre a operação do que os mocinhos pela dupla traição. Como pode? O próprio Alfredo se comporta como um culpado sem qualquer amor-próprio. Pat se indignar com o ex-marido sem ter um pingo de vergonha na cara pelo que fez é outra situação ridícula. O texto da personagem beira o constrangedor. "Foi só uma noite" é a frase mais repetida, como se amenizasse o que aconteceu.
Nada mais cansativo em um folhetim do que mocinhos que transbordam virtudes e não têm defeitos, mas o que foi feito em "Cara e Coragem" ultrapassou a linha tênue que divide o 'errar é humano' e o 'sou um cretino mas finjo bem'. Pat e Moa sempre foram protagonistas ruins tanto individualmente quanto como um casal. Nem foram os únicos porque os outros dois personagens centrais (Ítalo/Paulo Lessa e Clarice/Taís Araújo) também são muito mal desenvolvidos, mas vale deixar o tema para a crítica final. O fato é que tudo o que vem acontecendo com Patrícia e Moacyr só terminou de enterrar um romance que nunca agradou.
Mesmo com os furos, primeira parte de "Todas as Flores" se mostrou um novelão
A primeira parte da nova novela do streaming chegou ao fim na quarta-feira passada (14) com a disponibilização do último bloco de cinco capítulos. Escrita por João Emanuel Carneiro e dirigida por Carlos Araújo, "Todas as Flores" é uma novela que não se envergonha de ser novela. Nada de sequências que parecem série ou enredos mirabolantes, a trama é um folhetim que reúne todos os elementos que costumam fazer sucesso no gênero. A produção será dividida em duas partes por causa da estreia do "BBB 23" em janeiro. A primeira tem 45 capítulos, enquanto a segunda tem 40 e começa a ser disponibilizada em abril do ano que vem (o texto tem spoiler).
"Todas as Flores" é um conto de fadas moderno, um thriller contemporâneo regado por histórias de amor, vingança e redenção.
Maíra (Sophie Charlotte), uma jovem perfumista com deficiência visual, foi criada pelo pai em Pirenópolis, em Goiás, acreditando que a mãe tivesse morrido. Uma mentira que seu pai contou para proteger a filha do desprezo da mãe, que a rejeitou quando nasceu. Muitos anos depois, Maíra se depara com uma desconhecida a sua porta. É Zoé (Regina Casé), sua mãe. Sem revelar sua verdadeira intenção, Zoé reaparece pedindo perdão à filha por tê-la abandonado. Como em um sonho que se transforma em pesadelo, Maíra vivencia as mais fortes emoções de sua vida. No mesmo dia em que descobre que sua mãe está viva, seu pai morre, assassinado por Zoé. Sem desconfiar de nada, Maíra embarca para o Rio de Janeiro, onde será usada pela mãe para garantir a sobrevivência de sua irmã caçula, Vanessa (Letícia Colin). E o que seria um recomeço feliz ao lado da sua família se transforma em uma longa e perigosa jornada para Maíra.
A história foi muito corrida no primeiro capítulo. Houve um atropelo de acontecimentos desnecessário, até para uma novela mais curta. Tudo o que foi exibido poderia ser desmembrado em até três capítulos sem provocar um clima arrastado.
Mas, logo no segundo, João Emanuel voltou para um ritmo mais normal de um bom folhetim. Uma pena que a passagem de tempo no capítulo 28 tenha prejudicado a narrativa.
Os meses se passaram apenas para Vanessa, que teve seu filho. Maíra engravidou pouco tempo depois da irmã e a barriga nem cresceu. Jéssica (Duda Batsow) foi inseminada na fundação e também não teve avanço gestacional algum. Somente bem depois que Maíra teve seu filho. E o concurso de Garoto Rhodes não acabou mesmo diante do logo intervalo de temp
o. Uma confusão no desenvolvimento que poderia ter sido evitada. Ainda assim, a produção é repleta de qualidades.
A trama central é tudo o que um excelente dramalhão precisa: vilãs exageradas, mocinha inteligente, personagens bem construídos e ótima sintonia do elenco. Regina Casé e Letícia Colin estão formando uma dupla deliciosamente diabólica.
Vanessa é a típica vilã passional e que ofende várias minorias a cada frase, enquanto Zoé apresenta traços mais humanos, aparentando uma certa 'leveza' quando comparada com a filha. Maíra é uma mocinha que conquista com facilidade porque não é burra. No fundo sempre desconfiou de todo o 'afeto' que recebia da mãe e da irmã e muitas vezes entrava no jogo de falsidades.
Sophie Charlotte está impecável na pele de uma deficiente visual e a protagonista cativa. Também há química de sobra entre Sophie e Humberto Carrão, igualmente ótimo na pele do íntegro (e bastante idiota) Rafael. Aliás, vale ainda elogiar a parceria do ator com Ana Beatriz Nogueira, outro grande nome do elenco. A veterana ganhou um papel totalmente diferente do que estava acostumada a interpretar na ficção: uma mãe amorosa, compreensiva e honesta. Após tantas mães obsessivas, narcisistas e interesseiras, é uma grata surpresa vê-la na pele de Guiomar. Pena que sua participação se encerra no capítulo dez. A poderosa empresária é assassinada por Zoé depois que descobre as armações da vilã.
Mariana Nunes ganhou o destaque que merece como Judite, a madrinha de Maíra e rival de Zoé. Como é bom vê-la em cena. Fábio Assunção também vem brilhando como o covarde Humberto. E o que comentar sobre Nicolas Prattes? O ator está excepcional como Diego,
Diego poderia ser o mocinho de qualquer trama sem problemas. Daria para criar um folhetim tendo a sua família como elemento principal. Kelzy Ecard emocionou com sua sofrida Dequinha e Duda Batsow ganhou boas cenas na pele da inocente Jéssica, irmã de Diego, que acaba caindo em um esquema de trabalho escravo e tráfico de crianças.
Já os núcleos paralelos destoam. Vale observar que o autor raramente acerta em tramas secundárias. Seu forte sempre foi o enredo central de seus folhetins. A recente reprise de "A Favorita" (2008) é uma das maiores provas. Praticamente todos os enredos dos personagens coadjuvantes foram equivocados e mal construídos. A rara exceção em sua carreira foi o fenômeno "Avenida Brasil", de 2012, onde quase tudo funcionou. As situações protagonizadas por Oberdan (Douglas Silva) e Jussara (Mary Scheila) são repetitivas e a trama envolvendo Darci (Xande de Pilares), Chininha (Micheli Machado) e o malandro Joca (Mumuzinho) não despertam interesse. Aliás, os dois núcleos têm algo em comum: a fixação do autor em ciclos de traições com homens galinhas metidos a engraçados.
No entanto, há uma trama paralela que agrada: a protagonizada por Mauritânia (Thalita Carauta),
uma atriz pornô em decadência que herda a fortuna de Raulzito (Nilton Bicudo) e acaba amiga da ex de seu finado namorado, a interesseira Patsy (Suzy Rêgo). A entrada da personagem na Rhodes, como sócia, mexeu no enredo central e destacou Thalita, que está sensacional e muito à vontade em cena. A agora poderosa empresária da moda ainda tem um bom conflito envolvendo a rejeição que sofre da mãe, Darcy (Zezeh Barbosa), e da filha, a interesseira Brenda (Heloísa Honein). E com o envolvimento de Mauritânia e Javé (Jhona Burjack), seu quase sobrinho, a relação do trio terá ainda mais embates.
É preciso citar ainda outros atores que se destacam no elenco, como Bárbara Reis vivendo uma
vilã sensual e intimidadora. Débora é um perfil que desperta muita atenção. Naruna Costa está bem como Lila, assim como o pequeno Rodrigo Vidal na pele do chato do Biel. Ângelo Antônio também está ótimo como o violento Samsa, que aparentava ser inofensivo no início da trama. Bom ver o ator em um papel diferente dos inúmeros bonzinhos passivos que já interpretou. Jackson Antunes está brilhante como Galo e nem dá para lembrar que o vilão era de José Dumont, demitido da Globo depois que o ator foi preso por pedofilia. Adriana Seifertt é mais um bom nome e convence como a fria Garcia, capanga de Zoé.
E o núcleo composto por atores deficientes visuais também merece elogios. As situações em nada afetam a história, mas é ótimo vê-los em cena protagonizando conflitos comuns a todas as pessoas. Moira Braga diverte na pele da atirada Fafá e Camila Alves está muito bem como Gabriela, que se assume adepta do amor livre e troca o ex-quase namorado por uma mulher.
Já o último bloco de capítulos, disponibilizado semana passada, deixou uma avalanche de furos.
Como o filho de Jéssica ainda não nasceu? A personagem foi inseminada quase que ao mesmo tempo que Maíra descobriu a gravidez. Bandidos enviados por Zoé foram sequestrar o filho de Maíra na casa de Judite, mas fracassaram. O que aconteceu depois? Maíra, Pablo e sua madrinha seguiram morando no mesmo lugar como se nada tivesse acontecido. Inacreditável. No dia seguinte, os sequestradores, chefiados por Galo, conseguiram levar a criança. E o mais absurdo foi a forma como o plano foi elaborado. Colocaram fogo em um jornal dentro de uma lata de lixo, o que causou uma cortina de fumaça por toda a rua. Jamais um mísero jornal queimado faria aquilo. Pareceu fumaça de um incêndio que se alastrou por cinco prédios. E o que dizer sobre o plano de Luis Felipe para prender Débora? Os policiais deram uma mala para Diego e o rapaz conseguiu escapar. Detalhe: entrou em um VLT, o meio de transporte mais lerdo do Rio de Janeiro. Daria para alcançá-lo a pé. E como ninguém botou um rastreador na mala? E qual o motivo do promotor ter dado o flagrante antes mesmo da traficante de gente ter cometido o crime? Como não tinham provas para manter a bandida presa? As negociações para a compra do bebê não foram gravadas? Não fez qualquer sentido. Outra falha foi a continuidade em uma das cenas. Zoé aparece falando com Humberto que Maíra tinha mudado muito rapidamente e não sabia se acreditava na promessa dela de se aliar contra Vanessa. Só que esse diálogo de mãe e filha só foi ao ar depois. Ou seja, inverteram a ordem. Algo primário. Primária também foi a direção da sequência em que Vanessa leva uma surra de cinto de Zoé. A patricinha cai de quatro e fica imóvel esperando a mãe terminar de dar as cintadas. Quando que Vanessa se prestaria a algo assim? Um momento que tinha tudo para ser incrível, mas não foi por conta da direção. Já a última sequência despertou uma ansiedade para a continuação da história. Porém, também vale uma crítica: qual o sentido de Maíra nunca ter falado que sua deficiência visual era operável?
Apesar dos vários furos, "Todas as Flores" vem se mostrando um novelão dos bons e os ganchos que João Emanuel Carneiro colocou a primeira parte, principalmente no final de cada quinto capítulo semanal, provocou o telespectador para seguir acompanhando a história, algo muito importante em uma produção exclusiva do streaming. Um presente para o público noveleiro que anda carente de bons folhetins na grade atual da TV aberta. Agora resta torcer para que a segunda parte, com os 40 capítulos restantes, em 2023, seja tão boa quanto a primeira foi em 2022 e com menos furos.
Tatá Werneck segue fazendo do "Lady Night" o maior sucesso do Multishow!
O "Lady Night" é o maior sucesso do Multishow desde a sua estreia, em abril de 2017. Já são sete temporadas com ótimas entrevistas bem-humoradas conduzidas por uma genial Tatá Werneck. O talk show virou o trunfo da programação anual do canal a cabo. A primeira, a segunda, a terceira, a quarta, a quinta e a sexta temporadas tiveram 25, 20, 25, 13, 11 e 15 episódios, respectivamente. A atual, a sétima, também tem 15, repetindo o número de bate-papos da edição de 2021.
Como mencionado em textos anteriores, a apresentadora se adapta a qualquer entrevistado. Tatá consegue sentir até onde pode ir com cada pessoa. E sempre se prepara antes. É visível que as piadas e deboches são bem mais 'pesados' com entrevistados mais jovens ou quando já são seus amigos pessoais. Há um maior respeito e brincadeiras mais leves com figuras experientes, como Tony Ramos, o grande nome da atual temporada. Aliás, a presença do veterano apenas constata o quanto Tatá é respeitada e querida pela classe artística. O ator estava nervoso e inicialmente inseguro, mas foi se soltando até imitar um 'bonecão do posto' durante uma encenação com a humorista. Foi sensacional. E vale destacar também os momentos emocionantes da conversa. A elegância de Tony é admirável.
E a entrevista com Sabrina Sato foi a mais hilária. A apresentadora não conseguia acompanhar o raciocínio rápido de Tatá, o que rendeu uma avalanche de trapalhadas, onde nem a entrevistadora conseguia segurar o riso. Foi o bate-papo que mais divertiu Tatá e o público.
Outras ótimas conversas foram com Letícia Colin e Vitória Strada (participaram juntas), Tadeu Schmidt, Mateus Solano, Marcelo Adnet e Boninho.
Mais uma qualidade do programa é o inesperado. Isso porque não há quadros fixos com os convidados. A própria Tatá debocha da aleatoriedade com os nomes que dá aos quadros quase sempre de acordo com quem é o entrevistado. Se a pessoa é boa em improviso e mais extrovertida, há maior interação com a apresentadora em pé através de encenações ou jogos e, caso seja tímida, fica o tempo todo sentada fazendo brincadeiras mais simples.
Já o quadro "Entrevista com o Especialista" segue como um dos maiores acertos do formato. Médicos, sexólogos, psicólogos, paisagistas, entre tantos outros profissionais participam, mas falam pouco. A função deles é deixar Tatá se destacar com suas tiradas hilárias e muitas vezes trocadilhos infames. Embora leia um texto, a apresentadora consegue inserir vários improvisos dependendo da reação de cada "especialista". Alguns rendem bastante e outros (mais tímidos) nem tanto. Os melhores de 2022 foram um professor de Ioga, um leiloeiro, um professor de diplomacia e um jogador de polo aquático. Conversas impagáveis.
Escalada para a próxima novela das nove da Globo, "Terra Vermelha", escrita por Walcyr Carrasco e prevista para maio de 2023, Tatá Werneck vai precisar conciliar seu trabalho de atriz com o de apresentadora. Tomara que consiga porque o "Lady Night" não pode ficar um ano fora do ar.
Fracassada e sem credibilidade, "A Fazenda 14" virou uma chacota nacional.
Pior do que está não fica. A frase conhecida por um humorista que se candidatou a deputado poderia ser aplicada em "A Fazenda 14". Mas o reality da Record consegue sempre surpreender negativamente, o que anula a expressão que virou uma espécie de meme nas redes sociais. No caso da décima quarta edição do formato dirigido por Rodrigo Carelli sempre dá para piorar. Se a temporada já estava com a mão no troféu da pior de todos os tempos, agora o título foi finalmente oficializado.
Como já mencionado em um texto anterior, até na primeira semana o reality demonstrou que não teria um bom caminho pela frente. Isso porque em uma dinâmica com jornalistas convidados foi exposto que quase todos os participantes já haviam se comunicado sobre a entrada no jogo e até combinaram estratégias. Como houve um vazamento antecipado dos nomes pela imprensa, vários já entraram em contato uns com os outros para planejar o que fariam.
É verdade que "A Fazenda" nunca primou pela ética e muito menos credibilidade. Várias situações deixam evidente a manipulação descarada da produção e um dos principais elementos que proporcionam a interferência é o chamado "Poder do Lampião", onde há sempre um poder secreto que é lido no dia da formação da roça.
O público nunca é informado do conteúdo justamente para a equipe mexer no jogo da forma como desejar, beneficiando um ou outro participante que rende mais barracos ou polêmicas. No entanto, na atual edição, Rodrigo Carelli foi vítima da própria soberba. Como vários participantes escalados eram surtados e rendiam discussões calorosas praticamente todos os dias houve um excesso de protecionismo que deixou qualquer pessoa minimamente sensata revoltada. O chamado Grupo A sempre foi beneficiado pela produção porque eram os responsáveis pelos ataques e barracos. Liderados por Deolane Bezerra, que ameaçava espancar rivais do lado de fora do programa alegando ter amigos "poderosos", os integrantes do grupo podiam fazer o que quisessem que nada acontecia. Várias agressões foram causadas no programa e as punições inexistiam. Tiago Ramos, que se mostrou um completo desequilibrado e que ficava ainda pior com bebida alcoólica, chegou a empurrar Bárbara Borges e Tati, mas ficou por isso mesmo. Vini empurrou Thomaz e também seguiu pleno no jogo. Somente quando a situação saiu totalmente de controle, durante outra briga repleta de surtos, que Tiago foi expulso juntamente com Shay, que ameaçou revidar a agressão sofrida. Vale lembrar também a normalização da produção com a ameaça de morte que Lucas fez a Shay, dando a entender que andava armado do lado de fora do reality.
Em meio a tanto protecionismo descarado, a produção ainda resolveu subitamente a eliminação de duas pessoas em uma roça. Isso depois que a roça já estava formada, claro. Nada ali é realizado com qualquer cuidado. E o objetivo era eliminar dois integrantes do chamado Grupo B, já que o Grupo A sempre foi o mais odiado do público e todos iam sendo eliminados em sequência quando dois deles enfrentavam algum do B. Mas tanta omissão e manipulação não teria como ficar impune. O irônico é que os responsáveis pelo 'castigo' da equipe de Rodrigo Carelli foram justamente os mais beneficiados por ele. Isso porque Deolane, Pétala, Moranguinho e Bia juravam que diante de tanto favorecimento estavam com o jogo na mão. Mas não sabiam que só eram favoritas mesmo da produção que trabalha com o método 'quanto mais barracos melhor'. Já sem saber o que fazer para melhorar os péssimos índices de audiência, Carelli inventou uma roça falsa na semana passada. E ele já imaginava que as grandes rivais da temporada estariam na disputa. Deolane e Bárbara Borges, juntamente com a Pétala, disputaram a preferência popular e Babi ganhou o direito de assistir a tudo no chamado 'rancho'. No sábado, a participante voltou e deixou Deolane, Moranguinho, Bia e Pétala em estado de choque. O quarteto viu que não era favorito e sim detestado. Foi o bastante para Deolane dizer que tinha combinado com sua família para tirarem ela de lá caso não fosse ganhar o programa. Dito e feito. As irmãs Bezerra fizeram um circo em frente ao local do reality na madrugada de sábado para domingo (04/12), juntamente com uns fãs da dita advogada que foram lá gritar "Liberem a Deolane". Até de cárcere privado acusaram a produção (?). Um show de vergonha alheia nunca visto na história dos realities nacionais. A desculpa era que elas tinham que avisar que a mãe estava hospitalizada e muito doente. Mas em meio ao tumulto, as irmãs riram, fizeram publicidade e tiraram fotos com os fãs. Obviamente era apenas um código muito do mal feito para tirá-la do reality já que ela perderia a final para Babi depois que viu a inimiga triunfar na roça falsa. Caso Deolane tivesse vencido a disputa, as irmãs teriam ido até a fazenda dar aquele show? A resposta é óbvia. Tanto que Adriane Galisteu foi desrespeitada por Morango, Pétala e Bia quando anunciou a 'desistência' de Deolane por conta da saúde da mãe. As três não acreditaram e Pétala até questionou dizendo que não teria lógica a mãe da advogada estar mal em um hospital e as filhas dela na porta da sede com carro de som e soltando fogos (assustando os animais da sede). Realmente, não faz sentido mesmo.
Aliás, nunca uma produção de reality foi tão desrespeitada. E tudo isso só aconteceu porque erraram a mão desde a primeira semana. Uma equipe jamais pode ser tão subserviente quanto a de Rodrigo Carelli foi ao longo dos meses. A própria Adriane, que teve uma apresentação tão boa na edição passada, errou a mão na atual temporada. Acabou vítima de seus próprios equívocos e também não consegue se impor mais depois de tanta passada de pano. Foram tolerantes a tudo o tempo todo. Quando a corda arrebentou não tiveram qualquer condição de segurá-la. As irmãs da Deolane ainda abriram um precedente patético porque agora qualquer familiar de participante poderá romper o contrato mesmo sem o conhecimento do contratado caso o filme dele esteja queimado com o público. Porque essa saída vergonhosa só aconteceu por um motivo: medo de perder a final para a maior inimiga, o que de fato ia acontecer. Deolane gritou tanto (literalmente) ao longo da temporada que era a gostosona do pedaço, não tinha medo de nada, que na hora do vamos ver fugiu da raia tendo as irmãs como cúmplices. O pior é que as asseclas da participante cogitaram desistir também depois que perderam a mulher que tanto bajularam ao longo dos meses. Pétala, Morango e Bia ficaram sem chão e exigiram sair. Afinal, como vão viver agora sem a mestra? Pena que tenham desistido de desistir, já que o piti do trio faz jus ao atual momento do país onde, assim como o presidente, ninguém sabe mais perder. (atualização: Pétala pediu para sair nesta segunda-feira, dia 5, e também desistiu do reality porque ficou sem a ídola para bajular na casa).
"A Fazenda 14" foi o reality das ameaças, da violência e das brigas repetitivas. O resultado foi um fracasso histórico: a média é de 7 pontos, a segunda pior da história do reality show da Record. Perde apenas para "A Fazenda de Verão", exibida em 2013 e apenas com anônimos, que marcou 6,7 pontos de média. Ou seja, apenas por três décimos que não empata com o maior fiasco do formato. Só a nível comparativo, a edição de 2020 (com Jojo Todynho campeã) marcou 13 pontos de média e foi um sucesso, enquanto a de 2021 (com Rico campeão) obteve 9,2 pontos e já apresentou uma queda significativa. Deolane diz que carregou a temporada nas costas. Sendo uma das edições mais fracassadas de todos os tempos, ela realmente pode ter razão.
Passagem de tempo prejudica narrativa de "Todas as Flores"
A novela exclusiva do streaming está no capítulo 30. "Todas as Flores" tem se mostrado um novelão e é muito melhor do que as três tramas inéditas da grade da TV. João Emanuel Carneiro está inspirado. No entanto, na última leva de capítulos (do 25 ao 30, disponibilizados semana passada) houve uma passagem de tempo que prejudicou a linha narrativa da história.
No capítulo 28 houve uma passagem de tempo de alguns meses.
Isso porque Maíra descobriu que estava grávida de Rafael algumas semanas depois que Vanessa (Letícia Colin) percebeu que estava grávida de Pablo e usou o fato para dar um golpe da barriga em Rafael. O intuito do avanço no tempo foi exibir o nascimento do filho de Vanessa e assim iniciar o conflito envolvendo a vilã e o mocinho, já que os dois passaram a morar juntos em uma cobertura no Leblon. Porém, a saída do autor deixou toda a linha narrativa sem rumo. A barriga de Maíra não cresceu com o passar dos meses. Nem a de Jéssica, que foi inseminada na fundação que trafica pessoas e virou colega de quarto da mocinha. Ou seja, a passagem de tempo só aconteceu para Vanessa. A impressão se concretiza quando as situações envolvendo os núcleos paralelos seguem exatamente iguais ao período antes do avanço dos meses.
O personagem ficou meses sem achar novamente o irmão caçula? Mesmo depois que descobriu o local onde Galo explora as crianças? Para culminar, Débora combinou com Samsa que arrumaria um advogado falso para despistar Diego. Só que a vilã só apresentou o cúmplice depois da passagem de tempo. Mais uma situação que teve uma falha no roteiro com o avanço na cronologia: como Zoé está falida? Uma criminosa envolvida com tráfico humano não tem dinheiro pra pagar a conta de luz? Difícil de engolir. E Judite? Ficou meses recebendo mensagem falsa da Maíra e não chamou a polícia?
Garcia só foi contar para Zoé que Maíra estava grávida meses depois. Aquilo não fez o menor sentido. A lógica era ter contado para sua chefe assim que os exames apontaram, dias depois, que a protagonista foi internada lá pela mãe. Mais uma situação que demonstrou o equívoco da passagem de tempo foi o núcleo de Oberdan. A trama do cantor que trai a esposa é o grande equívoco da novela até pela repetições que envolvem os personagens e não deu para engolir o pagodeiro ter ficado meses acampado na porta de casa, pedindo o perdão de Jussara, sem comer. E despertando ainda o interesse da imprensa, que ficou ali cobrindo o 'jejum' todo o tempo.
"Todas as Flores" segue repleta de qualidades, agora João Emanuel Carneiro não teve cuidado com a passagem de tempo. Mesmo sendo um folhetim curto, de 85 capítulos, não havia necessidade. E o problema seria de fácil solução com uma estruturação melhor de alguns capítulos.
Reprise de "A Favorita" reforçou a potência da trama central e os vários problemas dos núcleos secundários
A reprise de "A Favorita" no "Vale a Pena Ver de Novo" está em plena reta final. A decisão da TV de reprisá-la surpreendeu muita gente, afinal, a novela de João Emanuel Carneiro tem cenas fortes. Infelizmente, a suspeita do público foi confirmada. A reprise foi mutilada. Mas houve uma preocupação em cortar muito mais os núcleos paralelos do que o central. Até as cenas icônicas pesadas foram exibidas na íntegra, como o assassinato de Salvatore e de Gonçalo, mas várias cenas com frases irônicas da grande vilã foram eliminadas. Uma pena. E, apesar das edições grosseiras, a reexibição confirmou o que todos já sabiam: a potente trama central fez a história entrar para a galeria de grandes produções da teledramaturgia, enquanto quase todos os núcleos paralelos merecem o esquecimento.
A novela foi emblemática porque começou a ser exibida para o público sem as 'determinações' clássicas a respeito de quem era mocinha e quem era vilã. O telespectador não ficou na condição privilegiada de saber o contexto do enredo, muito pelo contrário, ele simplesmente passou a fazer parte daquela trama, podendo ser enganado ou não pelas duas principais personagens. Eram duas versões de uma mesma história e a pergunta exposta no teaser chamava atenção: "Quem está falando a verdade?". Um dos atrativos era justamente bancar o detetive, analisando o comportamento dos perfis.
O público se viu na mesma condição dos personagens, não podendo julgar quem acreditava ou não em quem. Afinal, o telespectador ficou tão em dúvida quanto várias figuras pertencentes ao enredo tão bem trabalhado pelo autor. Porém, João, muito inteligentemente, soube induzir com competência, abusando de estereótipos clássicos em folhetins.
Era normal achar que a loira, de olhos claros e cara de sofrida (que havia cumprido pena de 18 anos por ter assassinado um homem) era inocente e tentava se vingar de seus delatores, após ter ficado longe da filha (Lara - Mariana Ximenes) por tanto tempo. Flora (Patrícia Pillar) carregava todos os atributos de uma vítima injustiçada em busca de justiça.
Ao mesmo tempo, Donatela (Cláudia Raia), uma mulher rica, arrogante, elitista e perua tinha todas as características de uma vilã em potencial. Para culminar, era passional ao extremo. E a personagem sempre garantiu que Flora era uma demônia que havia assassinado seu marido, Marcelo (Flávio Tolezani), a sangue frio. A novela foi se desenvolvendo em torno da disputa de 'verdades', e, apesar das induções do autor, não dava para ter certeza a respeito de quem era culpada ou vítima da situação. Havia um clima de suspense constante que deixava a trama imperdível, onde as peças do quebra-cabeças eram encaixadas aos poucos, à medida que os capítulos se desenrolavam. Aliás, essa ousadia do escritor provocou um natural estranhamento do público, refletindo em uma audiência abaixo do esperado nas primeiras semanas. A rejeição implicou na antecipação da revelação da identidade da assassina. O autor queria esperar até o capítulo 100, mas veio bem antes (por volta do 60).
E a história caiu do gosto popular assim que a grande revelação foi feita em uma das melhores viradas da teledramaturgia. Após apontar uma arma para Flora, ameaçando matá-la, Donatela é desarmada pela rival, que tira sua máscara revelando seu instinto assassino, enfatizando que a perua nunca teria coragem de apertar o gatilho, ao contrário dela que era uma assassina. A partir de então, o enredo começou a seguir o seu caminho tendo a vilã e a mocinha claramente expostas. A reviravolta se deu antes da metade da trama e serviu para destacar ainda mais Patrícia Pillar e Cláudia Raia na história, que passaram a ser bem exigidas. Todas as sequências de flashback do assassinato de Marcelo foram impactantes e desnudaram a psicopatia de Flora. Mas nem foi o bastante. A primeira cena da vilã sem máscaras diante do público foi quando usou a arma que Donatela tinha apontado para ela anteriormente para matar Doutor Salvatore (saudoso Walmor Chagas). Tudo diante da própria Donatela. Foi uma cena chocante. Um plot twist de respeito.
Com a revelação, todo o passado das protagonistas foi ficando ainda mais em evidência. As duas cresceram como irmãs e eram unha e carne, pois Donatela perdeu os pais em um acidente e acabou adotada pela família de Flora. Ambas tinham vocação para o canto e acabaram formando uma dupla sertaneja (Faísca e Espoleta) de relativo sucesso ("Beijinho Doce" era a música que marcava a parceria), cujo 'empresário' era Silveirinha (Ary Fontoura), um caça-talentos ---- que depois virou mordomo de Donatela e ainda foi para o lado da Flora quando a então patroa se viu arruinada. A turnê da duas acabou interrompida quando Donatela conheceu Marcelo, provocando imenso ciúmes de Flora, que acabou se envolvendo com o malandro Dodi (Murilo Benício) ---- a vilã ainda mandou sequestrar o filho da 'amiga' (Halley - Cauã Reymond) e teve um caso com Marcelo, desestabilizando de vez o relacionamento com a 'quase irmã.' Para culminar, engravidou de Lara e fingiu que era filha de Marcelo, mas na verdade era fruto de seu caso com Dodi. E o presente acabou repetindo o passado porque as duas se envolveram amorosamente com o jornalista Zé Bob (Carmo Dalla Vecchia)
O enredo central era repleto de detalhes e foi desenvolvido com maestria por João Emanuel Carneiro, que soube rechear a trama com drama, suspense, viradas e thriller. Até porque uma das cenas mais impactantes da história da teledramaturgia foi protagonizada por Patrícia Pillar e Mauro Mendonça, intérprete do ricaço Gonçalo. Pouco depois de ter descoberto que Flora era uma psicopata assassina, o empresário caiu em uma emboscada armada pela vilã ---- que já havia substituído os remédios do avô de Lara por balinhas ---- e teve um infarto quando viu todos os cômodos de sua mansão ensanguentados, enquanto ouvia a víbora dizer que sua neta e esposa (Irene - Glória Menezes) tinham sido assassinadas por ela. Uma cena de terror psicológico extraordinária, onde Patrícia e Mauro deram um verdadeiro show de atuação.
Todavia, os núcleos paralelos eram muito ruins. Apenas uma trama secundária teve um bom desenvolvimento e despertou atenção do telespectador: o drama de Catarina (esplêndida Lília Cabral), que era constantemente agredida pelo marido (Leonardo - Jackson Antunes). No último capítulo, ficou até subentendido que o violento homem abusava da filha do casal, interpretada por Clarice Falcão. Os fortes conflitos resultavam em ótimas cenas e ainda marcou a estreia de Alexandre Nero nas novelas ---- o ator viveu o verdureiro Vanderlei, que era apaixonado por Catarina. Aliás, a personagem defendida com brilhantismo por Lilia se envolveu em um triângulo amoroso que despertou discussões na época. Além do romance velado com Vanderlei, Catarina teve uma relação com Stela (Paula Burlamaqui). Porém, João Emanuel Carneiro sempre prestou um desserviço em se tratando de homossexuais, vide Orlandinho (Irã Malfitano). O personagem era apaixonado por Halley, mas terminou feliz ao lado de Maria do Céu (Deborah Secco), ex-garota de programa com quem acabou criando amizade. Aliás, o núcleo da ex-prostituta era um dos muitos deslocados. Tanto que o grande Nelson Xavier acabou saindo logo da história (Edvaldo, pai de Maria, foi atropelado por um caminhão) e Roberta Gualda (Greice, irmã de Maria) praticamente sumiu da trama.
O romance de Copola (Tarcísio Meira) e Irene (Glória Menezes) proporcionou algumas boas cenas dos veteranos, mas o personagem de Tarcísio tinha muito menos destaque do que o papel de sua esposa na vida real. O ator foi um figurante de luxo. Já as situações vividas pela ex-manicure Cilene (Elizângela) e suas meninas que eram 'oferecidas'' como acompanhantes de homens ricos pela cafetina ----- Manu (Emanuelle Araújo), Sharon (Giovanna Ewbank) e Melissa (Raquel Galvão) eram até divertidas, mas acabavam andando em círculos. E o que dizer da trama protagonizada por Augusto Cézar (José Mayer)? O alienado dizia ver discos voadores e nunca teve relevância para o roteiro. Uma situação patética.
Outro núcleo paralelo que se mostrou um equívoco foi o triângulo protagonizado pelo prefeito Elias (Leonardo Medeiros), a esposa Dedina (Helena Ranaldi) e o amante Damião (Malvino Salvador). Até porque o desfecho da situação, onde a mulher acabou humilhada e agredida de todas as formas, enquanto o homem nem foi visto como grande culpado expôs um machismo absurdo. E vale lembrar que a novela foi em 2008. Imagine o conflito sendo visto em 2022. Mais uma situação decepcionante: o núcleo do político corrupto Romildo (Milton Gonçalves), que vivia em conflito com os filhos Alícia (Taís Araújo) e Didu (Fabrício Boliveira). Nas primeiras semanas, até parecia que aquele drama familiar seria atrativo. Mas os personagens foram perdendo cada vez mais destaque até praticamente desaparecerem no enredo. Taís Araújo tinha sido presenteada pelo autor com a mocinha Preta, em "Da Cor do Pecado" (2004) e com a interesseira Ellen, em "Cobras & Lagartos" (2007), mas ganhou uma péssima personagem na terceira parceria com João Emanuel. E outra intérprete que ganhou um papel ruim foi Juliana Paes. A jornalista Maíra teve poucas cenas, mas a sorte da atriz foi o convite de Glória Perez para protagonizar "Caminho das Índias", produção que substituiu "A Favorita". Acabou obrigada a deixar a história e a jornalista virou uma das vítimas de Flora.
Vale citar também a saga desinteressante do tímido Cassiano (Thiago Rodrigues). Seu sonho em ser cantor pouco acrescentou e era uma das partes mais chatas do folhetim. Outros perfis também ficaram deslocados, desvalorizando seus intérpretes, como Tereza (Rosi Campos), Lorena (Gisele Fróes), Átila (Chico Diaz), Dulce (Selma Egrei), Arlete (Ângela Vieira), Cida (Cláudia Ohana), Amelinha (Bel Kutner), Rita (Christine Fernandes), Diva (Giulia Gam), Iolanda (Suzana Faini), Arlete (Ângela Vieira), entre outros. Mas em meio a tanto desperdício de talento, é preciso ressaltar que todos os atores envolvidos na história central tiveram momentos grandiosos. Patrícia Pillar ganhou a melhor personagem de sua carreira e Flora está na lista de melhores vilãs da teledramaturgia. Cláudia Raia ganhou a personagem mais ousada de sua trajetória na televisão e honrou a carga dramática de Donatela, um perfil bem distante dos tipos mais exagerados que a acompanham nas novelas. Ary Fontoura fez um Silveirinha com ares macabros e sua interpretação impressionou. Genésio de Barros brilhou como Pedro, o sofrido pai de Flora, cuja palavra era sempre desacreditada por todos. Mariana Ximenes esteve ótima como Lara, mesmo diante de tanta chatice que envolvia a mimada garota. Murilo Benício imprimiu um deboche delicioso ao malandro Dodi. Mauro Mendonça fez de Gonçalo um dos mais queridos da novela, após um início onde o empresário aparentava ser um vilão. Já Glória Menezes mais uma vez mostrou a razão de ser considerada uma das melhores atrizes do país. Irene despertava a raiva do público diante de tanta ingenuidade diante das armações de Flora, mas como era bem interpretada. A cena em que Irene descobriu a verdadeira identidade da vilã foi a mais aguardada da novela.
"A Favorita", dirigida com competência por Ricardo Waddington, não foi uma novela impecável em virtude dos problemas em praticamente todos os núcleos paralelos, mas foi a trama mais ousada de João Emanuel Carneiro. Só em ter demonstrado coragem de enganar o telespectador, junto com os personagens, e não contar de cara quem era a mocinha e a vilã, em pleno horário nobre da TV, já merece todos os elogios possíveis. Entrou para a galeria de grandes folhetins da teledramaturgia com mérito. É preciso ainda mencionar a genialidade da abertura que contava toda a história e revelava o maior mistério do roteiro, mas que muita gente só reparou depois que tudo foi revelado. Um novelão que vale a pena ver de novo.
A novela das nove de Glória Perez está em plena reta final, após longos meses transbordando problemas, tanto de desenvolvimento quanto de conflitos. E "Travessia" segue com todos os defeitos apontados ao longo de sua exibição. Uma pena que a história não tenha apresentado qualquer virada atrativa. Felizmente, a autora acertou com a abordagem em cima da
O drama envolvendo Karina (Danielle Olímpia) foi inserido com mais da metade da novela no ar. A personagem nunca teve relevância e aparecia poucas vezes, sempre para ser uma espécie de 'orelha' para os desabafos de Brisa (Lucy Alves). Mas era um conflito que já estava planejado. A única mudança foi na duração do enredo. Seria bem breve, mas o impacto da imagem do pedófilo, vivido brilhantemente por Claudio Tovar, fez com que a participação do ator fosse ampliada e consequentemente a duração do conflito.
O maior destaque da perturbadora situação vivida por Karina foi benéfica para o folhetim.
A trama ganhou uma tensão que nunca teve nos demais núcleos, nem mesmo em cima da vilania de Ari (Chay Suede) e Moretti (Rodrigo Lombardi). Isso porque Glória foi muito hábil na construção do
A menina passou a conversar pela internet com uma influenciadora que sempre admirou, Bruna Schuller, vivida por Giullia Buscacio. E por causa da nova 'amizade' achou que seu sonho de ser uma modelo estava cada vez mais próximo de ser realizado.
A personagem só não tinha ideia que estava conversando com um holograma criado pelo criminoso. A sequência em que o pedófilo acabou revelado para o público foi a mais aterrorizante de "Travessia". A expressão de Claudio Tovar assustou, assim como todo o processo para a mudança de sua voz feita pelo computador.
Tudo muito bem explicado para o telespectador através de imagens.
Porém, Karina ainda seguia acreditando que falava com a influenciadora de sucesso.
A cena em que o pedófilo tirou a máscara para sua vítima foi exibida na semana retrasada e provocou todo o horror necessário para despertar o alerta em de uma situação que costuma ser comum entre crianças e adolescentes. Claro que na novela houve um certo exagero na criação do holograma que era a própria Giullia Buscacio que interpretava, mas é um tipo de licença poética válida. O choque de Karina ---- quando viu o monstruoso sujeito mostrando suas fotos nua e a ameaçando ---- foi exposto com total entrega de Danielle Olímpia, uma grata revelação da trama. É a estreia da atriz na Globo, após uma elogiada participação em "Sintonia", série da Netflix (2019/2023). O desespero da menina impressionou, assim como a expressão de satisfação do criminoso. Aliás, Claudio Tovar está irreconhecível na pele de um personagem que é tão assustador que nem nome tem.
A autora foi inteligente quando resolveu aproveitá-lo mais em sua história.
Vale destacar a continuação da cena, quando o pedófilo exigiu que Karina tirasse a roupa para não divulgar suas fotos. Logo depois, uma sequência em que Helô (Giovanna Antonelli) explicou sobre o significado de estupro virtual foi exibida.
Uma fórmula já usada várias vezes por Glória Perez em seus folhetins, vide o mechandising social com o alcoolismo de Escobar (Osmar Prado) e o vício em drogas de Mel (Débora Falabella), em "O Clone", a descoberta da transexualidade de Ivana/Ivan (Carol Duarte), em "A Força do Querer", enfim.
"Travessia" tem muitos defeitos e faz por merecer todas as críticas que recebe desde a estreia. Felizmente Glória Perez está de parabéns pelo desenvolvimento de uma situação tão importante envolvendo
‘Todas as Flores’ é novelão clássico, mas também subversivo
Nova telenovela de João Emanuel Carneiro, lançada pela streaming, 'Todas as Flores' tem elementos folhetinescos clássicos, porém o frescor de uma crônica social sobre o Brasil contemporâneo. Regina Casé e Letícia Colin vivem mãe e filha vilãs que prometem roubar a cena.
Sophie Charlotte, Mariana Nunes, Regina Casé e Letícia Colin: elenco feminino de primeira.
Maíra, a heroína da novela Todas as Flores, que acaba de ter seus primeiros capítulos lançados na plataforma de streaming nacional, não poderia ser mais folhetinesca. Vivida pela talentosa Sophie Charlotte, ela é uma jovem cega, criada pelo pai em Pirenópolis, cidade histórica do interior de Goiás, acreditando ser órfã de mãe. Não é.
Na melhor tradição do melodrama clássico, Maíra, que tem um olfato privilegiado e sonha em ser perfumista, é surpreendida pelo ressurgimento inesperado de Zoé (Regina Casé), que vai ao coração do Brasil em busca da filha perdida. Jura de pés juntos que a jovem foi sequestrada quando meninas pelo ex-marido (Chico Diaz), que morre, já no episódio inicial, em decorrência de um ataque cardíaco fulminante, precipitado pelo aparecimento inesperado da mãe de sua filha.
A missão de Zoé, no entanto, não é recuperar o tempo perdido com Maíra. Sua outra filha, Vanessa (Letícia Colin), está com leucemia e precisa da irmã como doadora compatível de medula óssea. Inocente útil, Maíra é, então, levada pela mãe ao Rio de Janeiro, onde irá se apaixonar por Rafael (Humberto Carrão), noivo da inescrupulosa Vanessa, que não o ama e só está interessada no dinheiro do rapaz, herdeiro da Rhodes, uma grande marca de roupa, acessórios e – olha, vejam só! – perfumes.
Escrita por João Emanuel Carneiro, autor de Avenida Brasil, a mais importante novela exibida neste século, Todas as Flores, aparentemente, não traz nada de muito novo em termos de teledramaturgia. Afinal, tem como protagonista uma mocinha cega.
Mas o folhetim, por mais que não fuja em sua essência da matriz melodramática mais tradicional, não se apropria dela sem, também, subvertê-la. Zoé, que inicialmente seria interpretada por Glória Pires, expert em vilãs, ganhou outras nuances na pele de Regina Casé.
Após viver icônicas personagens da classe trabalhadora, como as abnegadas e heroicas protagonistas do filme Que Horas Ela Volta? e da novela Amor de Mãe, Regina traz um frescor inesperado a Zoé, que de maternal não tem nada: alpinista social, a personagem ganha a vida traficando pessoas e, embora tenha ascendido socialmente, sua aparente sofisticação é só casca, camada fina de verniz. Saiu da Gamboa, região pobre do Centro do Rio, berço do samba, mas o bairro segue firme e forte dentro dela.
Essa dicotomia, quando defendida por uma atriz que vai do drama à comédia, e vice-versa, em um estalar de dedos, como Regina Casé, já faz de Zoé uma vilã atípica. Só para ser ter uma ideia, a personagem é amante do pai do noivo da filha, Humberto (Fábio Assunção), que conhece desde os tempo da Gamboa. Os dois fizeram uma parceria com o objetivo de se livrarem da pobreza, dando o golpe do baú em Guiomar (Ana Beatriz Nogueira), mãe de Rafael.
Regina traz uma bem-vinda “bagaceirice” à antagonista Zoé, que faz dobradinha espetacular com Letícia Collin, perfeita como a politicamente incorreta, preconceituosa e malvada até a medula (sem trocadilhos) Vanessa, espécie de reencarnação século XXI de Maria de Fátima, icônica vilã vivida por Glória Pires no clássico Vale Tudo (1988), de Gilberto Braga.
Aliás, se João Emmanuel Carneiro, um dos roteiristas do filme Central do Brasil, descende, artisticamente, de algum teledramaturgo brasileiro é, com certeza, de Braga, pelo viés da acidez com que constrói suas tramas na qualidade de crônicas folhetinescas da sociedade brasileira, retratando seus paradoxos e abismos.
Com uma narrativa ágil e diálogos inspirados, cortantes, Todas as Flores, que terá cinco novos capítulos lançados toda quarta-feira, promete vastas emoções em vários aspectos. Tanto que a Globo já parece ter se arrependido de ter colocado no ar, no horário das 21 horas, a muito inferior Travessia, novela de Glória Perez que parece anacrônica, ultrapassada, cafona mesmo, se comparada ao folhetim de João Emanuel Carneiro.
Em tempo: um dos maiores destaques de Todas as Flores é o grande numero de personagens negros importantes na trama, a começar por Judite, inimiga número um de Zoé e madrinha de Maíra, vivida pela excelente Mariana Nunes, que rouba a cena nos primeiros cinco episódios disponibilizados pelo streaming. O casal de pagodeiros Oberdan (Douglas Silva), obcecado por sexo, e Jussara (Mary Sheyla), sempre aos tapas e beijos, devem garantir boa parte do alívio cômico à trama. Agora, é esperar para ver.
Sem adaptações relevantes, sucesso do remake de "Pantanal" se deu pela força da história e dos personagens emblemáticos de Benedito Ruy Barbosa O remake de "Pantanal" teve um tratamento diferenciado da Globo. Houve um intenso trabalho de divulgação bem antes da produção estrear e enquanto estava no ar foi assunto de todos os programas de entretenimento da grade. Também investiu bastante na novela que teve um clima de superprodução. O esforço valeu a pena. A obra baseada fielmente na história escrita por Benedito Ruy Barbosa na Rede Manchete em 1990, que chegou ao fim nesta sexta-feira (07/10), teve uma boa repercussão e audiência satisfatória. Fez sucesso. Aumentou oito pontos a média geral da faixa em comparação com a antecessora, "Um Lugar ao Sol", que não recebeu o mesmo tratamento.
A fotografia e o elenco foram os grandes trunfos da trama adaptada por Bruno Luperi, neto do autor. A direção de Rogério Gomes impressionou na primeira fase, enquanto a de Gustavo Fernandez manteve a qualidade na segunda. As imagens --- com direção de fotografia de Walter Carvalho --- encheram os olhos e pareciam pinturas. A preocupação em gravar várias cenas sempre ao entardecer, aproveitando os breves minutos do pôr-do-sol diante do verde e das águas do Pantanal, teve um resultado deslumbrante e deve credenciar a obra para concorrer ao Emmy Internacional. A primeira fase foi impecável. Com poucos personagens e um bom ritmo, sem pecar pela lentidão ou uma correria desnecessária, a trama logo conquistou o telespectador através dos personagens emblemáticos criados por Benedito há 32 anos e pelos atores que aproveitaram a curta chance que tiveram.
Renato Góes esbanjou carisma como Zé Leôncio, Bruna Linzmeyer se destacou como Madeleine, Malu Rodrigues brilhou como Irma e Letícia Salles se mostrou uma grata revelação na pele da dedicada Filó. Irandhir Santos fez uma breve aparição nos primeiros capítulos como Joventino e sua atuação visceral fez diferença. Já Enrique Diaz e Juliana Paes foram os responsáveis pelas sequências mais dilacerantes da história. Gil e Maria Marruá eram um casal repleto de dores e perdas. Os intérpretes viraram os maiores destaques da produção, principalmente Juliana diante de tantas cenas difíceis e catárticas, como o momento em que sua personagem 'virou' onça.
A mudança de fase gerou um receio por conta da catástrofe ocorrida em "Velho Chico", escrita por Luperi e Edmara Barbosa em 2016, que apresentou uma primeira fase primorosa e decepcionou na segunda com parte de um elenco que não manteve as características dos personagens mais jovens. Todavia, desta vez tudo deu certo na passagem de bastão. Que escalação precisa. Os atores até se pareceram fisicamente, vide a incrível semelhança entre Letícia Salles e Dira Paes como Filó, Bruna Linzmeyer e Karine Teles como Madeleine e Malu Rodrigues e Camila Morgado como Irma. Houve um certo estranhamento inicial com o Leôncio de Marcos Palmeira porque o protagonista solar de Renato Góes deixou de existir e virou um sujeito amargo. Mas logo foi aceito diante do show do ator. Foi o melhor momento de Palmeira na televisão.
E a melhor escalação do remake foi Alanis Guillen. A Juma Marruá tinha que ser dela. A atriz foi uma grata revelação em "Malhação - Toda Forma de Amar", de 2019, e conseguiu compor uma personagem totalmente diferente da colega Cristiana Oliveira, a Juma de 1990, ao mesmo tempo que manteve uma leve essência da mulher-onça de 32 anos atrás. A sua linguagem corporal, as expressões faciais, enfim, muitas vezes a intérprete parecia um felino, ora assustado ora com 'reiva'. Alanis foi tão boa que divertia em determinados momentos diante de tanta ingenuidade ou falta de modos da filha de Maria Marruá. Aliás, sua química com Jesuíta Barbosa foi incontestável. O casal funcionou e a música tema ("Amor de Índio", cantada por Almir Sater) encantou. O ator também merece ser elogiado. Seu Jove foi bem diferente do interpretado por Marcus Winter em 90, que era machista, cômico e às vezes agressivo. Uma das raríssimas mudanças do remake. E Jesuíta convenceu na pele de um mocinho sensível, introspectivo e progressista. O ator ainda tinha cenas de grande delicadeza com Osmar Prado.
Aliás, Velho do Rio está na lista de perfis memoráveis da trama. O 'veio' que se transformava em sucuri e provocava curiosidade em todos os personagens não poderia ter sido interpretado por ator melhor. Inicialmente, Antônio Fagundes foi escalado para o papel, mas recusou por questões salariais após o término de seu contrato com a Globo. Com todo respeito ao veterano, que com certeza brilharia em cena, a entidade tinha que ser de Osmar, que dominou a novela desde sua primeira aparição. Foram inúmeras sequências emocionantes protagonizadas pelo ator e várias até cômicas por conta do deboche sobre quem não conseguia vê-lo. Alanis e Jesuíta foram os parceiros mais constantes de Osmar e o trio funcionou junto. Vale destacar ainda um dos momentos mais sensíveis do remake: a montagem feita com uma cena antiga do saudoso Cláudio Marzo, que viveu o Velho em 1990, com uma saudação emocionada de Osmar, como se um tivesse passado o bastão para o outro. A imprensa não tinha vazado a cena e foi uma surpresa quando apareceu na tela.
Já o grande destaque da novela foi Maria Bruaca. Isabel Teixeira tinha feito uma participação na controversa "Amor de Mãe", em 2019, mas foi com o papel da esposa que era maltratada pelo marido que a atriz viveu seu auge. Com longa carreira no teatro, Isabel se mostrou uma grata surpresa para muita gente que não conhecia seu trabalho. A personagem tem um arco que raramente falha na teledramaturgia: a da mulher humilhada que sofre violência doméstica e dá a volta por cima. Um assunto ainda muito atual, infelizmente. A intérprete copiou vários trejeitos de Angela Leal, sua colega que viveu a Bruaca em 1990, e conseguiu emocionar e divertir o público. Foram várias cenas maravilhosas e sua parceria com Julia Dalavia (Guta), Murilo Benício (Tenório) e Paula Barbosa (Zefa) foram muito acertadas, assim como sua química com Juliano Cazarré (Alcides). A sua atuação a consagrou como melhor atriz coadjuvante do ano. Até virou meme por conta da cena em que Maria disse para Alcides: "Ocê tá armado? Fivela de respeito".
Murilo Benício foi mais um nome que brilhou. Seu Tenório teve uma composição totalmente distinta do colega Antônio Petrin. O veterano se destacou na trama de 1990 e construiu um vilão assustador e repugnante. Dava medo. Já Benício imprimiu uma dose de cinismo no grileiro. E um tom mais suave. O primeiro Tenório era um lobo que aterrorizava, já o segundo era o lobo em pele de cordeiro. Murilo mais uma vez provou que se destaca em qualquer papel e foi possível constatar sua versatilidade porque coincidentemente esteve no ar com dois outros personagens de sucesso em sua carreira: o 171 Dodi, na reprise de "A Favorita" no "Vale a Pena Ver de Novo", e o mocinho Danilo, na recém-iniciada reexibição de "Chocolate com Pimenta". Vale destacar ainda como grandes acertos Bella Campos e Guito, duas gratas revelações do remake, além das talentosas Selma Egrei (como Mariana) e Aline Borges (como Zuleica).
E é impossível não citar Trindade na lista dos trunfos do remake. O violeiro, que tinha pacto com o cramulhão, foi vivido por Almir Sater em 1990 ---- que agora interpretou o chalaneiro Eugênio ---- e em 2022 acabou brilhantemente interpretado por seu filho, Almir Sater. O personagem caiu nas graças do público e as cenas em que o peão incorporava o diabo eram sensacionais. Aquele realismo fantástico que dava um charme para a história. Sua sintonia com Camila Morgado transformou o casal 'Trirma' em um sucesso, mesmo com poucas cenas de romance. Mas foi justamente o Trindade que expôs o maior equívoco do remake: a fidelidade tacanha de Luperi ao enredo original. O neto se recusou a mexer mais de duas vírgulas no texto do avô e sua covardia implicou na saída do violeiro da história. Isso porque Almir precisou sair da obra de 1990 para protagonizar "Ana Raio & Zé Trovão", na mesma Manchete. Só que Gabriel deu várias entrevistas dizendo que queria ficar até o final e assim ter um desfecho diferente. Não foi ouvido. Nem ele e nem o público. O autor alegou que não mudou porque a novela era uma obra fechada, mas não era verdade. Várias cenas de "Pantanal" eram gravadas enquanto a produção ainda estava no ar. Por sinal, o encerramento dos trabalhos só aconteceu na penúltima semana de folhetim. Bruno apenas teve medo de assumir que não quis mesmo mexer em nada.
É a partir do medo de Luperi que todos os problemas do remake se mostraram. O neto de Benedito Ruy Barbosa já tinha provocado um incômodo quando manteve a morte trágica de Madeleine sem uma justificativa plausível. Em 1990, Ítala Nandi deixou a produção para a realização de um filme e Benedito não a perdoou até hoje, segundo a atriz. O plano do veterano era causar um acidente, mas a mãe de Jove seria salva pelo Velho do Rio. Por qual motivo, então, o neto não realizou o desejo do avô na época? Karine Teles estava excelente com um primeiro papel de destaque em uma novela. A personagem era controversa e movimentava a história. Bruno fez questão de dizer em várias entrevistas que teve total liberdade para a condução da obra. Se teve mesmo, não há como negar: foi covarde. Mas muitos chegaram a mencionar que seria uma alteração muito brusca no roteiro. Não seria se a irmã de Irma ficasse desaparecida e voltasse na reta final. Só que a fidelização limitada ainda estava apenas no começo. Muitos outros erros estavam por vir.
Uma das marcas da versão original foi a barriga (período de enrolação onde nada de relevante acontece na história). A produção teve 216 capítulos e muitos deles tinham cenas repetitivas, situações que andavam em círculos e várias imagens de paisagens lindas e voos de tuiuiús para preencher o tempo. Embora sempre muito elogiada, o maior defeito da trama nunca caiu no esquecimento. O remake durou bem menos tempo: teve 167 capítulos. Ou seja, 43 capítulos a menos. Pela lógica, a narrativa arrastada seria amenizada. Mas não foi. Isso porque Luperi não criou um único conflito novo na história. Ele manteve absolutamente tudo igual. Então, obviamente não adiantou ter menos dias no ar porque a obra original teve muito mais que 43 capítulos de enrolação. O neto manteve até as idas e vindas insuportáveis de Juma e Jove por conta da tapera da onça. Também persistiu no erro do arco dramático de Zé Lucas de Nada (Irandhir Santos), que nunca teve uma função clara na história porque foi criado em 1990 por causa da exigência do público pela permanência de Paulo Gorgulho, intérprete do Leôncio na primeira fase, na produção. Custava ter criado um drama interessante para o papel tão bem defendido por Irandhir? A mísera alteração feita foi em torno da gravidez de Érica (Marcela Fetter). Há 32 anos, a patricinha inventava a gravidez para dar um golpe do baú. Agora engravidou e sofreu um aborto. Só que a alteração deixou o contexto pior porque Zé a abandonou no altar pela 'mentira', sendo que, dias antes, garantiu apoiá-la em todos os instantes. Algo que nada acrescentou ao roteiro.
A preguiça do autor foi tão grande na adaptação que muito telespectador desavisado achou que a história se passava em 1990. Na obra original, Jove leva a televisão para a fazenda. Para manter tudo idêntico, o filho de Leôncio fez a mesma coisa no remake, só que levou internet junto. Depois de meses. Como pode um sujeito milionário não ter qualquer modernidade em sua fazenda por mais antiquado que seja? Virou piada nas redes sociais Filó e Muda não terem uma máquina de lavar e precisarem fazer tudo em um tanque debaixo de um sol escaldante. Parece bobagem, mas foram erros primários. E o texto original era seguido tão à risca que várias conversas e situações ficaram anacrônicas. Como levar a sério o drama de Juma e Jove? Qual o problema da menina querer morar na tapera e não na fazenda do sogro? Bastava fazer uma reforma no lugar e pronto. O diálogo sobre prevenir uma gravidez que Juma teve com Filó, onde a camisinha sequer foi citada, beirou o ridículo. O único método que a companheira de Leôncio insinuou foi o chamado 'coito interrompido'. E Zefa com medo de engravidar de Tadeu durante a transa e ele dizendo que não tinha problema porque seria mais um peãozinho vindo? Ainda é preciso mencionar a representação de todas as figuras femininas no enredo: todas donas de casa sem qualquer profissão e que passam o dia inteiro esperando os homens chegarem do trabalho. Ok, é uma realidade em muitos lugares do país. Mas a trama não teve uma exceção sequer? Realmente parecia novela de época.
A total recusa em modificar o roteiro de Benedito Ruy Barbosa era tão evidente que até a inserção de um tema atual foi realizada de forma superficial e desconexa por Bruno Luperi. As queimadas vêm devastando o Pantanal e virou um dos maiores problemas do Brasil atual. Imagens chocantes de animais mortos e da vegetação destruída, captadas de reportagens reais de 2020, foram exibidas juntamente com a cena em que o Velho do Rio se desespera diante do fogo, sem ter como impedir. Seria um excelente novo drama para a novela. Mas só durou aquele instante. Os demais personagens fizeram breves comentários sobre as queimadas e pouco se importaram. Não modificou a rotina de ninguém ---- afinal, para modificar seria necessário criar novas cenas que não existiam na obra original. E da forma como tudo foi abordado, causou a impressão de que o fogo se deu de forma expontânea e não por algum garimpeiro ou empresário do agronegócio interessado na invasão de terras. Um tema tão importante abordado da pior maneira possível.
Outro problema na narrativa que se manteve intacto foi a ausência de conflitos depois que Levi (Leandro Lima) foi devorado pelas piranhas. A novela tinha um ótimo ritmo até a morte do vilão. Depois mergulhou em um marasmo e nunca mais saiu. Não por acaso, a repercussão nas redes sociais sofreu uma diminuição significativa desde então. E o drama usado para movimentar o roteiro era a paixão sem qualquer nexo que Zé Lucas passou a nutrir por Juma, o que deixou o conjunto maçante. Para piorar, foram longos meses de especulações sobre a morte de Tenório. Alcides e Muda elaboraram mil planos que não chegavam a lugar algum. Por sinal, Muda era uma das melhores personagens, mas perdeu a relevância depois que se casou com Tibério. E até mesmo Juma e Jove sumiram do enredo depois que se casaram. Os mocinhos ficaram avulsos até a última semana de folhetim. Um erro crasso da obra original que precisava ser alterado.
Mais um problema que não passou batido foi o desenvolvimento de Zaquieu (Silvero Pereira). Luperi fez pequenas mudanças no texto em cima da homofobia sofrida pelo personagem. Em 1990, Leôncio debochava dele junto com os peões e em 2022 o fazendeiro os repreendeu. Mas ficou nisso. Porque na narrativa não houve alteração, o que ocasionou uma péssima impressão. Afinal, o ex-mordomo de Mariana deixou de ser afeminado para conseguir ser aceito naquele lugar. Ainda se apaixonou por Alcides e a situação não rendeu nada na história, apenas reforçou o estereótipo do gay que não consegue ser amigo de hetero sem se interessar. Também assumiu a autoria do assassinato de Tenório para provar que era 'peão macho'. Situações dignas de anos 90 e não de dias atuais. Ficou perceptível que o autor não conseguia mexer em quase nada da obra original e quando conseguia ignorava o andamento da mudança. Ou seja, mudava uma situação e não criava novas cenas necessárias para a conclusão da 'novidade'. O maior exemplo foi a mudança da morte de Roberto (Cauê Campos). Na trama de 32 anos atrás, o filho mais novo de Tenório foi devorado por uma sucuri. Agora foi assassinado pelo assassino contratado pelo pai para matar a família de Leôncio. Ok, uma novidade válida e que funcionaria como um duplo castigo para o vilão. Isso se ele soubesse o que aconteceu. Morreu sem saber porque o neto de Benedito se recusou a escrever novas cenas envolvendo o choque do grileiro. Nem ele e nem a família descobriram o que aconteceu, de fato, com o garoto. Para piorar, a resolução de todo o enredo envolvendo o passado trágico dos pais de Juma, Muda e Alcides foi ignorado. Zuleica, Renato (Gabriel Santana), Guta e Marcelo (Lucas Leto) nunca souberam o que o poderoso homem fez. E o CPF de Zuleica que Tenório usava indevidamente e estava confiscado pela Polícia Federal? Ela também nunca soube.
A última semana foi marcada pelo marasmo. A única sequência relevante foi a morte de Tenório, assassinado por Alcides com uma zagaia e levado pelo Veio do Rio em forma de sucuri para as águas. Cena incrível. O penúltimo capítulo nem parecia de reta final. Praticamente nada aconteceu. Já o último foi marcado pela emoção. Belíssima a sequência em que Tadeu descobriu que não era filho biológico de Leôncio, fugiu e acabou encontrando o Velho do Rio. José Loreto e Osmar Prado totalmente entregues, assim como Dira Paes e Marcos Palmeira quando os três se reconciliaram. O momento do casamento também foi bonito, mas os atores da primeira versão que participaram não tiveram nem um texto sequer. Um desperdício Cristiana Oliveira não ter contracenado com Alanis Guillen. Seria o encontro das Jumas. Aliás, Juma mal apareceu, assim como Jove. Nem pareciam protagonistas. Mas as cenas finais entraram para a história da teledramaturgia, assim como aconteceu há 32 anos. Que lindo e delicado o momento em que Zé Leôncio finalmente viu a foto de seu pai, tirada por Jove, e faleceu. O encontro de pai e filho protagonizado por Marcos Palmeira e Osmar Prado foi avassalador. E nada mais justo do que Leôncio virar o novo Veio do Rio para Joventino finalmente descansar. O breve instante do velório, entoado por berrantes de todos os filhos de Zé (uma adaptação sugerida por Irandhir Santos), foi emocionante, assim como a passagem de tempo de sete anos. E a última cena, com Filó querendo ver o Veio e seus netos, conversando com o espírito do avô, coroou a história de forma arrebatadora.
Literalmente: 'os filhos dos filhos dos nossos filhos verão'. Já a mensagem final de Benedito Ruy Barbosa teve o impacto necessário, ainda mais pelo atual momento que o país passa.
"Pantanal" foi um novelão que marcou a história da teledramaturgia. Mas teve seus erros, como qualquer folhetim. O remake era a oportunidade para consertar os problemas e deixar o resultado impecável ou pelo menos quase perfeito. Uma pena que Bruno Luperi tenha jogado a chance que caiu em suas mãos no lixo. Preferiu o comodismo do 'copia e cola'. Ainda assim, entretanto, a produção mereceu o sucesso e foram vários os acertos da história criada por Benedito Ruy Barbosa. Fez a alegria dos nostálgicos, apresentou a obra a um novo público e marcou a carreira de vários atores que brilharam na pele de personagens que nunca cairão no esquecimento. O saldo é, sem dúvida, para lá de positivo. Deixará saudades, apesar dos pesares.
PS: É inegável o sucesso da versão que a Globo produziu do clássico de 1990 da Rede Manchete, e muito dele se dá pelas belíssimas imagens do Pantanal e pelo elenco e trilha sonora criteriosamente selecionados, além da impecável direção de Rogério Gomes e Gustavo Fernandez, mas não custava nada Bruno Luperi ter seguido o exemplo de Angela Chaves em "Éramos Seis" (2019) e feito adaptações significativas na história para que esta não fosse uma cópia fiel, pois um investimento massivo foi realizado na concretização desse projeto para que nele fossem mantidas várias coisas já problemáticas há 32 anos e a divulgação de "Um Lugar Ao Sol" (2021) ocorresse de forma tacanha.
Casal formado por Irma e Zé Lucas é o maior equívoco de "Pantanal"
Impossível não cair na repetição em torno da fidelidade tacanha de Bruno Luperi ao roteiro de Benedito Ruy Barbosa. O neto se recusou a mudar qualquer mínimo conflito que seja no remake de "Pantanal". Tirando pequenas alterações que em nada afetam o roteiro, a trama é praticamente idêntica ao conjunto que foi exibido em 1990 na Rede Manchete. É como se a Globo estivesse reprisando a obra da concorrente, mas com a sua tecnologia e o seu elenco. E isso não é o significado de remake, embora alguns achem.
A maior falha da atitude de Luperi está na persistência dos erros da versão original. O autor tinha a chance de consertar todas as falhas que a produção teve há 32 anos e transformá-la em um produto perto da perfeição. Mas a sua justificativa é que a trama foi gravada com muita antecedência por conta das cheias do Pantanal e pela pandemia. Só que a desculpa usada recentemente em uma breve entrevista no "Encontro" não se sustenta. "Um Lugar ao Sol", "Nos Tempos do Imperador" e "Quanto Mais Vida, Melhor!" foram novelas prejudicadas pela pandemia. Foram obras fechadas que não puderam ser modificadas de acordo com a resposta do público. Só que "Pantanal" não se enquadra nesse time.
O remake foi tratado com todos os privilégios possíveis pela Globo, incluindo o intenso trabalho de divulgação. E várias cenas da novela foram gravadas com a produção já no ar. Aliás, até hoje tem ator gravando cena. Incluindo sequências da reta final e de publicidade inseridas na história. Então como Luperi pode usar a desculpa de uma frente grande de capítulos?
Se o remake tivesse sido um fracasso de audiência, não daria para modificar nada? Há controvérsias. E todo o longo preâmbulo deste texto tem como objetivo chegar ao casal Zé Lucas (Irandhir Santos) e Irma (Camila Morgado). Sem dúvida, o maior tiro no pé do escritor em sua 'adaptação'.
Novamente é preciso lembrar: Zé Lucas foi um perfil criado de última hora por Benedito em 1990. Tudo porque o público não se conformou com a saída de Paulo Gorgulho da novela depois da mudança de fase. O ator vivia o Zé Leôncio, papel que foi para Cláudio Marzo com a passagem de tempo. Para resolver o problema, o autor criou mais um filho para o protagonista. Mas como foi uma espécie de improviso, o personagem não tinha um planejamento ou um arco dramático estruturado. Lucas acabou jogado de um núcleo para o outro e muitas vezes não tinha função, era mais um estorvo de cena. Afinal, em um momento estava em busca de um rumo na vida quando encontrou o pai por acaso. Depois virou rival dos irmãos para a conquista da tal sela de prata e posteriormente teve uma paixão súbita por Juma (Cristiana Oliveira), que resultou em um quase estupro. Ainda se apaixonou pela jornalista Érica (Gisela Reimann) e a largou no altar quando descobriu a farsa da gravidez. Só terminou ao lado de Irma (Elaine Cristina) porque Benedito precisou retirar Almir Sater (intérprete do Trindade) da história para o ator protagonizar "Ana Raio de Zé Trovão". Ou seja, foram situações que prejudicaram a narrativa do folhetim na época.
Tudo poderia ter sido melhorado no remake. Até mesmo para uma valorização de Zé Lucas. Afinal, o papel ficou com o brilhante Irandhir Santos. Era a oportunidade de criar um novo arco para o primogênito de Leôncio (Marcos Palmeira). Ia alterar muito a história? Não muito. E ainda que alterasse, qual o problema? Tramas paralelas equivocadas é algo corriqueiro em folhetins e com "Pantanal" não foi diferente. Tanto que, quando o grande público lembra da obra de 1990, um dos perfis que ninguém ligava ou recordava com carinho era justamente o Zé Lucas. Juma, Velho do Rio, Maria Marruá, Leôncio, Tenório, Maria Bruaca, enfim, nunca faltou nome para o telespectador guardar na memória. Só que Lucas nunca esteve na lista. E não esteve porque era uma das falhas do enredo.
Com a saída de Trindade (Gabriel Sater), seguindo à risca o roteiro original, o remake perdeu muito. Até porque está em uma longa fase de barriga onde nada de relevante acontece. A história também se arrastava há 32 anos, mas tinha mais de 200 capítulos. Agora a produção terá 173 capítulos. Houve uma redução significativa, mas nem assim Luperi evitou a criticada fase de marasmo muito lembrada em 1990. Isso porque não criou nenhum conflito novo, então não adiantou reduzir o número de dias de folhetim no ar. E toda a construção do envolvimento entre Zé Lucas e Irma soa forçado. A personagem se conformou muito rapidamente com o abandono do homem que dizia amar. Se sofreu por três dias, foi muito. Na época, era compreensível a superficialidade da aproximação porque o autor teve que se virar com o que tinha diante da eliminação de um personagem tão emblemático. Mas Luperi não precisou lidar com imprevistos. Ele apenas copiou e colou tudo o que o avô fez, ainda que tenha soado equivocado. Ou seja, quis repetir os erros e não consertá-los.
A rejeição do público nas redes sociais é imensa e as várias críticas merecidas. Importante ressaltar que nenhum autor tem a obrigação de ceder a pressão popular ou a palpites sobre suas histórias. Afinal, são ficções onde eles são os criadores. Mas no caso de Bruno Luperi é tudo diferente. A trama não é dele e Benedito não teria criado o romance entre Irma e Zé Lucas se Almir Sater não tivesse sido escalado para uma outra produção. E o próprio neto faz questão de repetir em entrevistas que o avô lhe deu total liberdade na adaptação. Se é verdade ou não só os familiares e a Globo sabem, mas a afirmação apenas reforça a sua covardia em mexer no roteiro. O casal formado por Camila Morgado e Irandhir Santos se mostra o maior equívoco da reta final do remake.
Bruno Luperi joga no lixo a oportunidade de consertar os equívocos de "Pantanal"
É raro existir uma novela perfeita. Até os maiores sucessos de todos os tempos tiveram suas falhas. É algo normal na teledramaturgia e em qualquer produção de teatro ou audiovisual. Dá para contar nos dedos os roteiros impecáveis. "Pantanal" foi um fenômeno da Rede Manchete e entrou para a história por conta dos personagens marcantes, cenas de nudez e ter ameaçado a liderança da Globo em 1990. Porém, o folhetim de Benedito Ruy Barbosa teve seus equívocos e muitos nunca foram esquecidos. A realização de um remake era a chance para aperfeiçoar um produto tão querido pelos telespectadores.
Mas Bruno Luperi, neto do autor e responsável pela adaptação, jogou no lixo a oportunidade de ouro que teve. Ou foi obrigado pelo avô a jogar no lixo, é importante levantar a dúvida. Isso porque o remake vem se mantendo praticamente idêntico ao produto original, exibido há 32 anos. Foram pouquíssimas mudanças até o momento.
Uma das raras foi a alteração na personalidade de Jove. O mocinho de Marcos Winter era sarcástico, de pavio curto e sexista. O atual é militante, introspectivo e 'zen'. Já algumas falas hoje vistas como homofóbicas, sobre Zaquieu (Silvero Pereira), também foram minimamente reformuladas.
A outra pequena mudança foi a segunda família de Tenório.
Em 1990, era formada por atores brancos e agora foram escalados intérpretes negros para uma representatividade, já que na história original só tinha um negro no elenco.
Todavia, na prática, a mexida não provocou nada de diferente no roteiro. Tudo segue exatamente igual ao texto de 32 anos atrás.
Renato e Marcelo disseram umas quatro vezes que o pai não os levava para o Pantanal porque eram negros.
Só que não houve qualquer cena que mostrasse o vilão sendo racista. Pelo contrário, sempre ficou evidente que o sujeito tinha uma clara preferência pelos três filhos homens do que pela única filha mulher. E qual a razão de não ter sido gravada alguma cena de Tenório sendo
? Porque alteraria, ainda que infimamente, a obra original. Então, para não desagradar Benedito, é mais fácil jogar uma frase solta no texto ao invés de provocar uma mudança maior. O resultado é um tema sério abordado de forma superficial e irrelevante ----- até porque o assunto nunca mais entrou em vigor. E voltando aos erros de "Pantanal" original, alguns deles ocorreram por conta dos imprevistos e não por culpa de Benedito. Ítala Nandi resolveu abandonar a novela porque tinha um filme para realizar e o autor não a perdoou até hoje, segundo a própria em entrevistas. O plano era a mãe de Jove sofrer um grave acidente de avião, mas sobreviver e ser cuidada pelo Velho do Rio (Claudio Marzo), o que implicaria em uma nova visão de mundo da personagem que só pensava em si mesma. Mas a decisão da intérprete transformou a cena do acidente em algo fatal. E sem despedidas emocionantes. Ela simplesmente desapareceu. Os personagens sofreram por dois capítulos, no máximo, e logo depois já esqueceram dela. O remake era a chance de Luperi realizar o que o avô não conseguiu. Até porque Karine Teles estava fazendo um baita sucesso na pele de Madeleine e o retorno da perua renderia uma excelente virada na trama. Mas tudo foi mantido fielmente igual ao original.
E o que comentar a respeito do conflito insuportável entre Juma e José Lucas?
O personagem foi criado na época porque os telespectadores se indignaram com a saída de Paulo Gorgulho, que vivia Leôncio na primeira fase. Então o autor criou um novo filho do protagonista para o ator voltar. Por isso os personagens falavam tanto da semelhança entre os dois. Luperi se negou a mudar até o texto, o que deixou a situação sem sentido. Irandhir não lembra em nada o Marcos Palmeira. E muito menos o Osmar Prado. Em 1990, Lucas "lembrava" porque foi o Gorgulho que viveu o Leôncio na primeira fase. E em que o amor de Lucas por Juma movimentou o roteiro?
Em nada. Ainda deixou a novela maçante por semanas
, incluindo o pós-casamento dos mocinhos porque a onça brigou com Jove e foi morar na tapera com Lucas
. Arcos equivocados que poderiam ter sido alterados sem maiores problemas.
O autor prefere mexer em situações sem qualquer importância para o roteiro, como a relação entre Zé Lucas e Érica (Marcela Fetter). Ainda assim de forma quase imperceptível.
Em 1990, a jornalista inventou uma gravidez para dar o golpe do baú em Lucas com a ajuda do pai. E não existia a figura da mãe.
No remake, a mãe foi inserida para homenagear Gisela Reimann, atriz que interpretou Érica em 1990. Uma homenagem válida. A outra mudança foi o fato da moça
ter engravidado de verdade e sofrido um aborto espontâneo
. Já que houve uma novidade no roteiro, mesmo que pequena, qual era a lógica? Que os rumos ao menos fossem um pouco diferentes. Afinal, o caráter da jornalista foi modificado. Mas o neto de Benedito manteve o 'copia e cola'. Só que conseguiu deixar o contexto pior. Isso porque Zé teve motivos
para largar a noiva no altar há 32 anos. Era uma golpista. Mas abandoná-la agora apenas porque a mulher contou primeiro para o pai que tinha sofrido um aborto e não para ele? Depois de ter dito que a então noiva não ficaria sozinha em sua dor? O escritor acabou colocando Lucas como um canalha. Se queria tanto manter o abandono, por qual razão não fez o personagem descobrir sobre a corrupção do sogro
? Seria uma razão bem mais plausível.
É necessário mencionar mais um grave problema da versão original que não foi consertada no remake: a perda de relevância de Juma. A personagem é a mocinha da novela e tem uma potência enorme nos primeiros meses. Mas ao longo da história a mulher-onça vai perdendo o destaque até virar uma coadjuvante qualquer e sem conflitos. Por que não houve uma preocupação de mudar um problema tão visível na versão de 1990 no remake? Até porque Alanis foi um dos maiores acertos da escalação. A Juma Marruá ganhou uma intérprete perfeita. Ela merecia um desenvolvimento melhor que o de 32 anos atrás. Será que Benedito e seu neto realmente não enxergam defeito algum na obra?
Agora, a comprovação final a respeito da conduta omissa de Bruno Luperi
da novela. Em 1990, Almir Sater foi chamado para protagonizar "Ana Raio e Zé Trovão", na mesma Manchete, e, como era um protagonista, não tinha como recusar.
Saiu de um perfil terciário para ser mocinho. A saída de Benedito foi inventar uma crise de última hora entre o violeiro e o cramulhão, que passou a atormentar Irma (Elaine Cristina) e dizer para o peão que aquele filho que ela estava esperando era dele.
O personagem no remake ficou nas mãos de Gabriel Sater, filho de Almir, e o ator deu um show na trama. Virou um dos maiores destaques da história, algo que não aconteceu na versão de 32 anos atrás. E sua química com Camila Morgado surpreendeu. O casal 'Trirma' logo caiu nas graças do público. Suas cenas cantando também eram de uma sensibilidade ímpar. Vale destacar a mudança na feição de Gabriel quando o cramulhão entrava em seu corpo. O amigo de Tibério (Guito) sempre rendeu bons momentos em cena.
no remake? Gabriel não vai protagonizar novela alguma. E o ator pediu várias vezes para ter seu destino mudado porque não queria sair da novela. Claro que a decisão do escritor é soberana e resta ao intérprete aceitá-la, mas neste caso era uma situação que não aconteceria na obra original.
Benedito só tirou o personagem porque foi obrigado. Mais uma vez era a oportunidade do neto dar continuidade a algo que o avô acabou impedido de realizar na época. E o pior é o que vem depois do adeus do violeiro. Há o início de um desenvolvimento forçado entre Irma e Zé Lucas de Nada. A jornalista Patrícia Kogut divulgou semana passada que até a cena do casamento deles já foi gravada para o último capítulo. Detalhe: os personagens ficaram juntos no fim em 1990, mas sem cerimônia.
Ou seja, Luperi resolveu mudar uma pequena situação, mas novamente para pior. É inacreditável, e ao mesmo tempo decepcionante, constatar que todas as chances de melhorar um conjunto tão bem lembrado pelo grande público foram desperdiçadas por puro ego, independente da decisão ter partido de Benedito ou do próprio Bruno.
"Pantanal" foi um novelão e segue sendo. O remake tem ótima audiência , além de boa repercussão. E justamente por ser uma produção de tanta qualidade que reclamações e críticas sobre uma fidelidade tacanha se tornam tão necessárias. Luperi tem se mostrado um revisor de texto e não um autor.
"Mar do Sertão": o que esperar da nova novela das seis?
Após muitos anos na equipe de colaboradores de várias novelas, Mário Teixeira estreou como autor solo em "Liberdade, Liberdade", folhetim das 23h, exibido em 2016. Na verdade foi uma estreia turbulenta porque foi chamado às pressas para assumir e modificar a sinopse de Márcia Prates, desligada do projeto. Dois anos depois, em 2018, foi para a faixa das sete e escreveu "O Tempo Não Para", uma deliciosa trama que teve um ótimo início, mas se perdeu totalmente ao longo dos meses. Em 2021, o escritor escreveu a primorosa minissérie "Passaporte Para Liberdade". Agora inicia um novo desafio em um novo horário: "Mar do Sertão", a nova novela das seis, que estreou nesta segunda-feira (22/08).
Em um Brasil onde o sol nasce com toda sua intensidade a cada dia está a pequena Canta Pedra, cidade fictícia da história. Um lugar que, segundo contam, já foi mar e virou sertão. É nesse ambiente que a fábula contemporânea se passa, em um pedaço que é físico, mas que também é parte essencial da personalidade de cada uma das figuras que compõem o enredo. Na obra criada e escrita por Mario Teixeira, com direção artística de Allan Fiterman, ocorre o desenrolar do triângulo amoroso vivido por Candoca (Isadora Cruz), seu grande amor Zé Paulino (Sérgio Guizé) e Tertulinho (Renato Góes). Também estará em foco o poder dos coronéis da região, principalmente, se nas mãos deles estiver o bem mais precioso da região: a água. Outros personagens têm importância na trama, como o padre que promove a bondade e a fé na pacata Canta Pedra, além do prefeito e do delegado que pouco ligam para o povo da cidade. A história tem como pano de fundo um sertão colorido e solar ---- sem esquecer de suas mazelas, mostradas na incansável luta da sua protagonista por justiça e igualdade ----, que leva ao encontro da beleza exuberante do nordeste brasileiro.
O autor tem a intenção de mostrar o sertão que existe, mas utiliza a liberdade poética para apreseentá-lo de forma metafórica. As chamadas já deixavam claro o objetivo do escritor e muitos telespectadores compararam nas redes sociais a novela com o sucesso "Cordel Encantado", exibido em 2011. No início da trama, Candoca e Zé Paulino estão noivos. E o público noveleiro já está acostumado com o clichê: mocinhos que começam já com uma boa relação encaram alguma desgraça logo no início do enredo. A ansiedade do casal é grande, já que em breve, vão, finalmente, realizar o sonho de casar. O problema é que coronel Tertúlio (José de Abreu) ---- dono da Fazenda Palmeiral ---- dá ordem para que Zé Paulino leve um cavalo até uma outra cidade justamente na data em que a cerimônia está marcada. Enquanto isso, Tertulinho retorna a Canta Pedra depois de uma longa temporada na capital. Ao reencontrar Candoca, o encantamento dele é imediato. É aí que o destino vai agir. O coronel Tertúlio avisa que o filho deve acompanhar Zé Paulino, mas uma forte chuva durante a viagem provoca um acidente: Tertulinho consegue se salvar, enquanto Zé Paulino é dado como morto. Quando dez anos se passam e Zé Paulino retorna mais vivo do que nunca a Canta Pedra, a vida de todos os moradores da pacata cidade será afetada, principalmente a de Candoca. Os dois ficarão entre o dilema de viver o que sentem ou deixar que a mágoa fale mais alto. Zé Paulino ainda está tomado pela vontade de fazer justiça e mudar a configuração de poder da região.
Quem também terá o destino transformado pela volta de Zé Paulino é Timbó (Enrique Diaz). Sobrevivente da seca e da vida agreste que o povo da região está condenado há gerações, ele enfrenta todas as dificuldades levando a vida com bom humor, criatividade e um pouco de malandragem. Até que o retorno do amigo que ele acreditava estar morto ---- e uma dose de sorte ---- muda esse cenário. A história ainda tem uma grande vilã vivida pela grande Debora Bloch. Deodora é uma fazendeira ambiciosa e cúmplice do filho, Tertulinho. Está sempre disposta em agir pelos seus interesses, sem se preocupar com terceiros. É uma figura que tem tudo para tomar conta da trama.
As gravações de várias cenas foram feitas no interior do nordeste. Entre o final de maio e início de junho, durante duas semanas, um grupo de aproximadamente 60 profissionais esteve em Pernambuco e Alagoas para cumprir um plano de filmagens, lideradas pelo diretor artístico Alla Fiterman e pelo diretor geral Pedro Brenelli. Cenas com parte do elenco foram gravadas ali. A jornada teve início pelo Vale do Catimbau, em Pernambuco. Localizado entre o Agreste e o Sertão pernambucano, é o segundo parque arqueológico do Brasil. Os trabalhos seguiram em Piranhas, Alagoas, onde foram gravadas cenas que mostram o Rio São Francisco. Ainda foram realizadas muitas imagens de paisagens para serem usadas ao longo da novela em passagens de cena.
A estreia teve um capítulo repleto de lindas imagens, um clima lúdico e uma mocinha ativa. Candoca está nas mãos de uma atriz ainda iniciante, mas segura.. Renato Góes já se destacou com seu carisma e na pele de um cafajeste adorável. Welder Rodrigues foi outro bom nome na pele do prefeito caricato e corrupto. E Débora Bloch tem tudo para roubar a cena como a vilã Deodora. Foi umm começo despretensioso e agradável. Vale destacar ainda a criatividade no anúncio das cenas do próximo capítulo dada por dois repentistas. Citar as sequências em versos de cordel deu um clima especial para a produção.
"Mar do Sertão", escrita e criada por Mario Teixeira e dirigida por Allan Fiterman, também é escrita com Marcos Lazarini, Claudia Gomes e Dino Cantelli, e com colaboração de Carol Santos. A direção geral é de Pedro Brenelli com Bernardo Sá, Natália Warth e Rogério Sagui. A produção é de Silvana Feu e a direção de gênero de José Luiz Villamarim.
Jô Soares: a crônica de uma morte anunciada na televisão
Em entrevista a Jô Soares, Faustão parece esforçar-se em demarcar a importância de ambos na história da televisão. Foto: Divulgação.
A última temporada no Programa do Jô na Rede Globo tem trazido uma oportunidade única aos espectadores de televisão: o de acompanhar o processo de encerramento de uma atração histórica. Não é algo costumeiro na mídia brasileira, diferente do que ocorre em outras praças (por exemplo: o fim do Late Show, de David Letterman, após 33 anos no ar, foi celebradíssimo e acompanhado de perto pelos norte-americanos). Aqui, talvez pela primeira vez, temos a oportunidade de acompanhar de perto uma espécie de “crônica da morte anunciada” de um programa que, gostando ou não, é de suma importância na trajetória da TV brasileira.
No ar na Globo desde 2000, Programa do Jô marcou a volta de Jô Soares à emissora – foi lá que consolidou sua carreira enquanto humorista, em programas como Faça humor, não faça guerra e Viva o Gordo, no qual emplacou definitivamente seu talento para o texto e a interpretação da comédia. Como entrevistador, Jô é sempre lembrado por sua erudição e o domínio do formato talk show, mas também por uma espécie de egocentrismo em sua tendência a monopolizar suas entrevistas. Esta marca já foi inclusive satirizada por outros humoristas, como a trupe do Porta dos Fundos.
Como Jô Soares costuma lembrar nestas últimas edições do Programa do Jô, pode não ser exatamente o encerramento dele enquanto um personagem central da televisão, mas sim uma despedida da maior emissora de todas. Esta, inclusive, já é a segunda casa do talk show, que esteve hospedado no SBT – e intitulado Jô Soares Onze e Meia – entre os anos de 1988 e 1999.
E aí surge a parte interessante do atual episódio, o fato de estarmos assistindo, in loco, à despedida de Jô da grande vênus platinada – o que, certamente, inspira muita curiosidade e a abertura a certas teorias da conspiração (que se provarão verdadeiras ou não). Em entrevista com o economista Eduardo Gianetti, uma nova pista: Jô afirmou que não está deixando a televisão, mas a televisão que está o deixando.
Ora, qualquer migalha de pista que surge já é uma razão certeira para que nós, como detetives, comecemos novas discussões acerca do funcionamento da televisão. Estaria Jô Soares sendo vitimado por algum tipo de censura sobre seu posicionamento político? Ou então sucumbe à morte midiática prevista à máquina televisiva, vinculada a uma possível queda de níveis de audiência de seu programa, depois de tantos anos no ar? Estaria ele condenado à aposentadoria frente a outros humoristas, mais conectados à juventude, promovidos a entrevistadores, como Fábio Porchat, Marcelo Adnet e Danilo Gentili?
A última temporada tem rendido ótimos episódios para esta reflexão. Chama-me a atenção o quanto as últimas entrevistas batem na tecla da memória ou, mais precisamente, na falta dela. Em uma rara – e muito interessante – entrevista com Faustão, o famoso apresentador fez questão de reforçar, a todo instante, estar diante de um dos três maiores humoristas da televisão brasileira. Havia, de certa maneira, um esforço constante em assentar às novas gerações (que não o assistiram em Viva o Gordo) a importância de Jô para além daquilo que hoje ele é conhecido.
Consequentemente, Faustão parece reivindicar importância e permanência a si mesmo, enquanto alguém que – embora esteja sempre associado à má qualidade televisiva, ou seja, a uma peça que garante o bom funcionamento da “máquina” – já esteve à frente daquilo que era mais inovador na televisão. Jô Soares, em contrapartida, destacava na entrevista a centralidade do Perdidos da Noite enquanto programa associado a um discurso de vanguarda, algo subversivo, de uma “televisão anti-televisiva” – algo, de certa forma, já quase esquecido na trajetória de Fausto Silva.
De toda forma, os últimos “capítulos” da estrada percorrida por Jô Soares na Globo certamente deverão trazer mais elementos sobre como encaramos a televisão no Brasil – e o quanto ela reproduz, como um perfeito elemento do mundo social, características da nossa vida “real”, como a desconfiança aos meios de comunicação (se estivesse sendo “demitido” de emissoras menores, haveria a mesma curiosidade?) e a completa desconexão que temos com a nossa própria história.
"Páginas da Vida" marcou o início do declínio de Manoel Carlos
A reprise de "Página da Vida" foi um sucesso, o que reforçou a potência das histórias de Manoel Carlos. Na época, entre 2006 e 2007, a trama também teve um ótimo retorno da audiência, após um início conturbado. No entanto, a história marcou o início do declínio do autor, que já não estava mais tão inspirado quanto antes.
Maneco vinha de três trabalhos que foram, em sequência, um fenômeno de audiência no horário nobre da TV: "Por Amor", em 1997, "Laços de Família", em 2000, e "Mulheres Apaixonadas", em 2003. A trinca de ouro foi sucesso de público e crítica. Mas "Páginas da Vida" acabou marcada por vários problemas observados pela crítica especializada e uma rejeição inicial do público, o que obrigou o autor a mexer na trama. As alterações surtiram o efeito na audiência. Alguns conflitos receberam mais destaque em detrimento de outros.
A maior qualidade da novela foi seu núcleo central. A potência do drama protagonizado por Helena, Marta, Alex e Nanda (Fernanda Vasconcellos) arrebatou o público com um clichê irresistível e bem explorado: a gravidez na adolescência que resultou em uma rejeição antológica e um processo de adoção que esbanjou delicadeza. Nanda engravidou fora do país e sua volta ocasionou um embate com sua mãe que nunca foi esquecido pelos telespectadores.
Tudo ficou ainda mais catastrófico quando a personagem foi atropelada por um carro desgovernado em um ponto de ônibus, no Leblon, e acabou falecendo na hora do parto forçado. A tragédia causou um infarto em Alex e expôs uma frieza assustadora de Marta, que aceitou ficar apenas com Francisco e renegou a neta, Clara, porque o bebê tinha Síndrome de Down. "Eu passo" foi a frase mais chocante dita pela avó. A médica, Helena, então decidiu adotar a menina.
É um mote central que não tinha como não funcionar. E todas as cenas envolvendo os conflitos rendiam grandes atuações. Lilia Cabral viveu seu melhor momento na carreira na pele de Marta, uma personagem complexa, que esbanjava crueldade, mas não podia ser classificada apenas como uma 'vilã'. Não por acaso, a atriz foi indicada ao Emmy Internacional por conta de seu irretocável desempenho. Marcos Caruso foi outro gigante. A sensibilidade de Alex foi defendida com maestria pelo ator que era um parceiro perfeito de Lilia.
O casal se comportava como inimigos mortais e as brigas eram fortes a ponto de Lilia ter sofrido um grave acidente durante uma delas, quando Marta foi empurrada por Alex e bateu com a boca na quina da mesa. Precisou até de cirurgia. A atriz ainda fazia boas cenas com a também talentosa Silvia Salgado, intérprete de Verônica, irmã rica de Marta.
Regina Duarte brilhou como Helena e suas cenas com a pequena Joana Mocarzel eram lindas. A veterana viveu sua terceira Helena do Maneco e conseguiu diferenciá-la das demais. Fernanda Vasconcellos fez uma breve participação, mas o sucesso foi tanto que a morte de Nanda foi adiada e depois a personagem foi mantida como espírito.
Já os núcleos paralelos foram os responsáveis pelos problemas da trama. Era tanto núcleo e tanto ator que vários nomes de peso foram figurantes de luxo. Mal tinham cenas. Houve um grave excesso no processo de escalação. Tinha mais ator do que história.
Antônio Calloni chegou a pedir para sair da trama diante do descontentamento com seu personagem, que mal aparecia. Sônia Braga, figura raríssima em novelas e até em produções nacionais, estava totalmente deslocada em um núcleo que não tinha qualquer conexão com os outros. Renata Sorrah tinha poucas sequências na pele da juíza Tereza e só teve um breve momento de destaque quando o filho da personagem, Luciano, foi sequestrado pelo próprio pai, Nestor, que acabou morto na hora do resgate. O núcleo protagonizado por Leo, e depois Olívia (Ana Paula Arósio), tinha a grande Nathalia Timberg como Hortência, a avó do rapaz, que era mera 'orelha' para os desabafos do neto. Regiane Alves ganhou uma personagem que lembrava Clara e Dóris, personagens vividas por ela em "Laços de Família" e "Mulheres Apaixonadas". Alice parecia um clone delas. Edson Celulari foi perdendo a função ao longo dos meses até Silvio praticamente desaparecer da narrativa. Marcos Paulo (o médico Diogo) foi outro grande ator que não teve seu talento valorizado, assim como Christine Fernandes, Leandra Leal, Ângela Leal, Fernando Eiras, Buza Ferraz, Xuxa Lopes, Lígia Cortez, Umberto Magnani, Walderez de Barros, Louise Cardoso (a trama de Diana, professora que tinha tesão por um aluno mais jovem, era cansativa ao extremo), Tato Gabus Mendes, Helena Ranaldi, entre tantos mais. Até o grande Tarcísio Meira acabou desperdiçado. Tide, o patriarca da família, perdeu a função logo no início da história, quando sua esposa, Lalinha, faleceu.
Vivianne Pasmanter e Caco Ciocler tiveram química de sobra e o casal Isabel e Renato funcionava, mas a trama andava em círculos e se esgotou com o tempo. Eram tantas idas e vindas que tiravam a paciência do telespectador.
O conflito envolvendo a bulimia de Gisele gerou uma boa repercussão e destacou o talento de Deborah Evelyn, que brilhou na pele da mãe que sufocava a filha e era obcecada pela magreza. Mas também se arrastou ao longo da trama e não teve fôlego. Já Jorge era um personagem que não tinha rumo. Ficava claro que o autor não sabia muito bem o que fazer com ele, até que decidiu colocá-lo apaixonado por Thelminha (Grazi Massafera em sua primeira novela). Ali o galã começou a ter um norte, só que ainda assim protagonizando situações que não saíam do lugar. O noivado de Thelma com Dorival (André Frateschi) parecia oriundo de algum folhetim de época.
E Maneco tentou repetir a questão da virgindade ---- vista com Edwiges (Carolina Dieckmann) em "Mulheres Apaixonadas" ---- com a menina interiorana, mas o drama ficou anacrônico e sexista.
Por falar em sexíssimo, o autor sempre demonstrou essa característica em suas obras, até as mais elogiadas. Não foi diferente em "Páginas da Vida". Tudo o que envolvia Greg (José Mayer, como sempre) era problemático.
O sujeito desviava dinheiro da empresa do sogro, colecionava amantes e era tratado como galã. Aliás, o tapa que ele dá em Márcia na última semana da novela, 'devolvendo' a agressão sofrida anteriormente em uma discussão, como se tivesse empatado a briga, foi absurdo. E o personagem ---- que se comportava como príncipe com Helena ---- protagonizava sequências repetitivas envolvendo seu caso com Sandra (Danielle Winits), que só foi descoberto por Carmem na última semana. Outro drama que se arrastou na história foi o 'amor' de Lavínia (Letícia Sabatella mal aproveitada), uma freira do hospital, e seu paciente que era portador do vírus HIV. Além da temática ter sido pessimamente abordada, Gabriel ficou a novela toda deitado em uma cama.
Ao menos o núcleo do hospital teve algumas boas sequências por conta da vilania da Irmã Maria, chamada de Irmã Má. Bete Mendes (Irmã Natércia), Inez Vianna (Irmã Fátima) e Selma Reis (Irmã Zenaide) ainda formavam um trio de madres divertido.
No entanto, dois núcleos secundários renderam boas situações. O drama do
de Bira, que vivia sendo cuidado por sua filha, Marina, proporcionou momentos brilhantemente interpretados por Eduardo Lago e Marjorie Estiano. Eram cenas emocionantes e fortes. Outro conflito que despertou interesse foi o
com a mãe, Angélica. Eram sequências perturbadoras, mas que tinham um impacto necessário. Destaque ainda para Paulo César Grande e Elisa Lucinda como Lucas e Selma,
A disputa pela guarda de Francisco é decidida com momentos emocionantes, enquanto o flagra de Carmem em Greg e Sandra rende uma catarse aguardada com direito a muitos tiros. Alex também só descobre que sua neta, Clara, está viva nos instantes decisivos. A sequência em que Nanda impede Marta de cometer suicídio é outra marcante.
Já a última cena é quase uma cópia do memorável desfecho de "Por Amor",
quando Helena e Alex observam Clara e Francisco brincando com o espírito de Nanda enquanto passeiam pelo Jardim Botânico, mesmo cenário onde Helena (Regina Duarte), Atílio (Antônio Fagundes), Eduarda (Gabriela Duarte) e Marcelo (Fábio Assunção) fecham
o ciclo no sucesso de 1997.
"Páginas da Vida" é uma novela marcante de Manoel Carlos, mas com muitos altos e baixos. Ficou visível que o veterano enfrentava uma maior dificuldade no desenvolvimento de uma boa história. Já era um indício do que estaria por vir na problemática "Viver a Vida", de 2009, e no imenso fracasso "Em Família", de 2014. Porém, a reprise do Canal Viva foi muito acertada justamente para rever o que deu certo e observar melhor todas as suas falhas.
Fracasso de audiência e repercussão, "Cara e Coragem" já foi tarde
A novela das sete escrita por Claudia Souto e dirigida por Natalia Grimberg chegou ao fim nesta sexta-feira (13/01/2023), após desgastantes 197 capítulos. A Globo tem feito folhetins com cerca de 170 capítulos, mas não esticou "Cara e Coragem" por conta de sucesso. A decisão da emissora foi tomada antes mesmo da estreia e com o objetivo de beneficiar "Vai na Fé", trama substituta que estreia na próxima segunda, evitando que a história de Rosane Svartman enfrentasse os ingratos meses de novembro e dezembro, período onde a audiência costuma diminuir e com direito a eleições e Copa do Mundo em 2022. Mas a decisão fez com que todos os defeitos da produção ficassem ainda mais evidentes.
A autora estreou sua primeira novela solo em 2017 e teve um ótimo retorno da audiência. No entanto, "Pega Pega" tinha vários defeitos e todos eles foram repetidos em "Cara e Coragem": falta de carisma dos personagens, história que anda em círculos, cenas burocráticas e conflitos desinteressantes. O enredo anterior, no entanto, teve o fator surpresa: o êxito do par formado por Maria Pia (Mariana Santos) e Malagueta (Marcelo Serrado). E ficou claro na época que não era algo planejado. O acaso beneficiou a escritora, que passou a investir no romance dos vilões. Já todo o restante do roteiro, incluindo a exaustiva abordagem do roubo realizado no Carioca Palace, era maçante. E a repercussão nas redes sociais era quase nenhuma. Somente o casal 'Malapia' rendia comentários. Não por acaso, os elevados números no Ibope até hoje são difíceis de serem analisados.
Já em "'Cara e Coragem" há uma congruência de resultados: o folhetim foi um fracasso de repercussão e audiência. Os motivos são até simples de serem explicados. Desde o primeiro capítulo a novela não conseguiu despertar atenção. A vida dos dublês ser um dos motes centrais do roteiro já foi um grande equívoco. Embora tenha sido uma ideia diferente, não funcionou como dramaturgia. Com todo respeito aos profissionais da área, não é nada atrativo acompanhar a rotina de trabalho deles. E as situações em nada beneficiaram a narrativa.
Porque as cenas gravadas por Pat (Paolla Oliveira) e Moa (Marcelo Serrado) só serviram para preencher o tempo dos capítulos e exigir um trabalho extra da equipe de direção, já que as partes úteis eram quando os mocinhos paravam para dialogar sobre os mistérios em torno da 'morte' de Clarice (Taís Araújo).
Aliás, concentrar uma novela inteira, por quase 200 capítulos, em cima de enigmas óbvios foi outro erro crasso.
Nas primeiras semanas até foi convidativo o conflito em torno do assassinato da poderosa empresária e o surgimento quase imediato de uma sósia chamada Anita (Taís Araújo). A dúvida em torno da identidade daquela mulher era interessante. Porém, cada vez que ficava mais claro que a personagem era apenas uma sósia usada pela ricaça, menos a história prendia. E quando foi revelado que Clarice não tinha morrido e estava em coma, o pouco roteiro que o folhetim tinha acabou. Tanto que a sua volta não modificou a narrativa em nada. Isso porque sempre foi óbvio que os responsáveis pelo crime contra a milionária eram os três vilões: Regina (Mel Lisboa), Danilo (Ricardo Pereira) e Leo (Ícaro Silva). Para piorar, Clarice pouco fez em seu retorno. Apenas se juntou aos mocinhos e a Ítalo (Paulo Lessa) nas investigações intermináveis sobre quem queria a tal fórmula secreta que, ao invés de usada para salvar vidas, foi modificada para dizimar cidades.
A inverossimilhança do roteiro poderia ter sido relevada caso a história tivesse um desenvolvimento atrativo ----
como uma arma tão poderosa que dizima cidades inteiras estava sendo investigada por uma delegada insignificante e um detetive incompetente (Marcela/Julia Lund e Paulo/Fernando Caruso) ao invés de autoridades mundiais ou até a ONU (Organização das Nações Unidas)?
Até porque a novela foi vendida como um produto de muita ação e reviravoltas. Não teve ação, reviravolta e muito menos emoção ou comédia. Aliás, o que "Cara e Coragem" apresentou ao público? É difícil analisar o conteúdo da obra. Como descrevê-la? Foi uma trama leve? Pesada? Dramática demais? Cômica? O que ficou claro foi a ausência de consistência em todo o conjunto. Nada empolgou ou despertou algum interesse. Não por acaso, a reta final teve uma repercussão nula. Ninguém comentou nas redes sociais e os sites de imprensa mal noticiaram o conteúdo da produção. Nem a maioria dos atores comentava sobre seus personagens em entrevistas ou em suas próprias redes.
A novela foi recheada de cenas burocráticas. Ou seja, sequências que não despertaram emoção, raiva, riso, enfim. Porque as situações não provocaram nada no telespectador. Era impossível se sentir envolvido pela história que estava sendo contada. Não deu para ter carinho ou empatia por qualquer personagem. E muito menos ódio pelos vilões. Porque não acontecia nada. A impressão é que o elenco apresentava uma interpretação automática, sem maiores esforços. Afinal, as cenas não exigiam um grande desempenho. A produção seria ótima para atores medíocres porque não teriam momentos de difícil execução cênica. Mas não era o caso de "Cara e Coragem". Quase todos os profissionais escalados tinham talento. Mas até nomes de peso não conseguiram se destacar.
E todos os casais foram ruins. Não houve química entre Paolla Oliveira e Marcelo Serrado. O intérpretes se esforçaram, mas Pat e Moa eram mocinhos insossos. Até o enredo deles era cansativo.
Moa ainda perdeu a memória na metade da novela. Um recurso insuportável que já deveria ter sido abolido da teledramaturgia. Para culminar, a autora reservou um plot que terminou de enterrar o romance: a vasectomia que Alfredo (Carmo Dalla Vechia) fez escondido da então esposa, Pat. O ato do personagem se tornou muito mais grave do que a traição de Pat e Moa, que resultou em Sossô (Alice Camargo). Ou seja, Alfredo ter criado a filha do amante momentâneo da esposa como sendo dele não valeu de nada. A indignação dos mocinhos fez com que o ranço pelo casal aumentasse. Tudo o que envolveu essa grotesca situação beirou o absurdo. Até mesmo a pressão que Olívia (Paula Braun) fez para que o namorado contasse a verdade. Ainda houve outro conflito que deixou o conjunto pior ainda: a inserção de Rafael Cardoso na pele de Rômulo. O intuito era criar um breve triângulo amoroso e logo depois revelá-lo como um vilão psicopata. E Pat teve que fingir estar apaixonada para investigá-lo, mas sem contar do plano a Moa.
Uma enrolação para preencher tempo dos capítulos.
Também não deu para entender o objetivo de ter colocado Anita se envolvendo
amorosamente com os dois ex de Clarice: Jonathan (Guilherme Weber) e Italo (Paulo Lessa). Os dois pares não funcionaram e ainda causou a impressão de que a personagem era uma obcecada que queria viver a vida de sua 'cópia', quando a intenção da autora não era essa. Por sinal, Anita foi descartada por Ítalo assim que Clarice voltou. O casal dividiu o protagonismo com Pat e Moa e se mostrou tão cretino quanto os mocinhos. A empresária nunca se preocupou com os sentimentos de sua 'sósia' e a manipulou até servir a seus objetivos. O mesmo fez Ítalo. E ficou por isso mesmo porque os dois tiveram um lindo final feliz. E qual foi o sentido de Anita no roteiro? Nenhum. Sua inexistência em nada mudaria a história
. Só serviu para suprir a ausência de Clarice nos primeiros meses.
O único romance que apresentou uma certa densidade era o formado por Regina (Mel Lisboa) e Leo (Ícaro Silva), duas pessoas desequilibradas emocionalmente. Mas até essa relação a escritora estragou quando resolveu santificar Leo e jogar toda a culpa de suas perversidades em cima de Regina.
Foi Leo quem deu a ordem para eliminarem Clarice, sua própria irmã. Foi Leo quem ajudou a então esposa a contratar um golpista para iludir sua mãe, Martha (Claudia Di Moura), para facilitar seu desvio de dinheiro na empresa da família. Leo participou de todos os planos de Regina e Danilo. Mas depois que Clarice voltou do coma houve um processo de humanização do vilão, onde a superficialidade se fez presente o tempo todo. A empresária e sua mãe perdoaram rapidamente todas as atrocidades cometidas pelo rapaz e utilizaram o fato de Leo sempre ter sido instável emocionalmente para absolvê-lo de tudo, jogando toda a culpa na manipulação da perversa Regina. O pior: foi inocentado pela delegada de ter sido o mandante da tentativa de assassinato da irmã. Não ficou nem um dia preso. A delegada agiu como juíza, advogada e promotora em um combo.
Inacreditável.
Os núcleos secundários não contribuíram em nada para uma possível salvação do folhetim ou ao menos uma amenização das críticas.
O conflito envolvendo o faxineiro Duarte (Kiko Mascarenhas), que fingia ser o milionário Bob Wright para curtir momentos de mordomia,, até teve um bom começo e a dupla formada com Jéssica (Jeniffer Nascimento) funcionou. Porém, aos poucos os dois foram perdendo a função e ficaram jogados na trama. Somente na reta final que o 171 voltou aos holofotes quanto teve sua falsa identidade desmascarada. A saga da deslumbrada atriz Andrea Prattini também se mostrou uma decepção e Maria Eduarda de Carvalho não teve chance de brilho, assim como a repetitiva trama envolvendo o trígamo Armandinho (Rodrigo Fagundes) ---- o objetivo cômico nunca foi atingido. Já a relação abusiva de Lou (Vitória Bohn, uma boa revelação) e Renan (Bruno Fagundes) teve uma importante mensagem, mas cansou com o passar dos meses até porque o namoro da personagem com Rico (André Luiz Frambach) era uma chatice ---- aquele sequestro constrangedor no dia do casamento dispensa comentários. Ainda é preciso mencionar o desperdício de Mariana Santos na pele de Rebeca, um perfil que parecia importante mas acabou sem função por muito tempo. A solução da autora foi a invenção de uma mãe desaparecida, que na verdade era Dagmar (Guida Vianna), mãe de Regina. Outros atores acabaram desvalorizados, como Ivone Hoffmann (Adélia) ---- figura rara na televisão ----, Guilherme Weber e Leopoldo Pacheco (Joca).
O único ponto positivo em meio a tantos erros foi a entrada da Pablo Sanábio interpretando Enzo, um homem que enfrentou o preconceito do próprio namorado para assumir o relacionamento.
Os últimos capítulos ainda sublinharam a falta de criatividade da autora para a movimentação de seu roteiro:
Sossô foi sequestrada por Danilo. O crime veio logo depois que Jonathan foi libertado também de um sequestro que sofreu. E as 'viradas' da trama se resumiram a raptos. Foram inúmeros. Duarte foi sequestrado, Lou foi sequestrada, Clarice foi sequestrada, Jéssica foi sequestrada, Chiquinho (Guilherme Tavares) foi sequestrado, Rebeca foi sequestrada e no final foi a vez da filha de Pat e Moa. Já o processo de santificação de Leo se deu com o clichê que ficou óbvio no penúltimo capítulo: Regina atirou em Clarice e o ex-vilão se jogou na frente, salvando a vida da irmã que tinha mandado matar e morrendo em seu lugar como mártir. A fuga de Danilo, sendo perseguido por Pat e Moa, beirou o ridículo e a adrenalina pretendida na cena ficou só no desejo mesmo. Regina e Danilo acabaram condenados, enquanto Ítalo e Clarice se casaram depois que descartaram Anita, que por sua vez ficou com Jonathan, sujeito que nunca a amou. Pat e Moa também se casaram e acabou a história.
Sem emoção alguma.
"Cara e Coragem" entrou para a lista das piores novelas das sete já produzidas. E uma das médias mais baixas da história da faixa. Terminou com 21 pontos, o mesmo que a deliciosa e bem produzida "Quanto Mais Vida, Melhor!" ---- que foi ao ar toda gravada e prejudicada por conta da pandemia, mas ainda assim teve uma ótima repercussão nas redes sociais. O mais irônico é que foi o primeiro folhetim que ganhou uma faixa de reprises nas madrugadas da Globo (ou seja, o insosso final reprisado quatro vezes). Não mereceu. Claudia Souto precisa rever seu método de contar uma história. Talvez valha a pena experimentar o formato de séries, que são bem mais curtas, e focando no tema que ama tanto: desvendar rastros de crimes. Mas com personagens carismáticos e um enredo que prenda o telespectador, algo que não conseguiu com sua novela que chegou ao fim com clima de 'já foi tarde'.
Bruno Luperi erra feio ao manter a morte de Madeleine no remake de "Pantanal"
O remake de "Pantanal" vem sendo muito bem adaptado por Bruno Luperi. O autor vem honrando a obra de sucesso de Benedito Ruy Barbosa, seu avô, exibida em 1990 na Rede Manchete. As alterações na história são sutis, o que até facilita as comparações com a versão original através de vídeos na internet. Justamente por não ter optado em maiores mudanças que o escritor manteve a morte de Madeleine no enredo 32 anos depois. E foi aí que errou feio.
Em 1990, foi exatamente a tragédia que encerrou o ciclo da ricaça. Porém, não era o plano de Benedito Ruy Barbosa. O autor queria que Madeleine sobrevivesse ao acidente graças ao Velho do Rio (vivido por Cláudio Marzo na época e por Osmar Prado atualmente). E seria uma virada incrível para a personagem que sempre teve uma vida de futilidades. O objetivo era expor o descobrimento de uma nova vida, assim como ocorreu com Joventino no Pantanal.
Após ter protagonizado discussões com Irma (Camila Morgado) e Mariana (Selma Egrei) no Rio de Janeiro, a mãe de Jove (Jesuíta Barbosa) morreu em um trágico acidente. A personagem entrou em um avião de pequeno porte e foi atrás de José Leôncio (Marcos Palmeira). Arrependida de ter largado aquela vida há 20 anos, Madeleine tentou fazer as pazes com o filho e ainda se reconciliar com o ex. Mas o tempo ruim provocou a queda do avião, que não deixou sobreviventes. A cena foi muito bem realizada e Karine deu um banho de emoção com a personagem fazendo um breve retrospecto sobre sua vida.
Com um outro olhar. Mas Ítala Nandi, intérprete de Madeleine, pediu para sair da novela porque já tinha acertado sua participação em um filme. A atriz recentemente em uma entrevista ao Jornal Extra, do RJ, chegou a dizer que até hoje o autor guarda mágoa dela. Ao manter o trágico desfecho, Bruno Luperi perde a chance de inserir um diferencial em seu remake e finalmente concluir o que seu avô tinha planejado há 32 anos. No remake de "Éramos Seis", em 2019, por exemplo, Ângela Chaves manteve toda a estrutura da trama de Silvio de Abreu e Rubens Edwald Filho, mas o final de Dona Lola (Glória Pires) não foi sozinha, abandonada pelos filhos. Foi ao lado de seu grande amor, Seu Afonso (Cássio Gabus Mendes), e em um novo arranjo familiar. Uma mudança que jamais será esquecida. Assim como aconteceu no folhetim das seis, o público poderia ter algo para lembrar da adaptação de "Pantanal": a versão que Madeleine não morre e tem um final feliz. Até porque a filha de Mariana (Selma Egrei) nunca foi uma vilã que merecesse 'punição'. Aliás, o autor foi feliz na adaptação que fez na vida da personagem. Em 1990, era uma perua que não fazia nada da vida. Em 2022, virou uma influencer, o que fez todo sentido com a época atual. Mas a mãe de Jove fingia uma felicidade que nunca teve. Egoísta e mimada, a ex de Leôncio só se importava com ela mesma, mas nem assim tinha prazer. Sua vida era vazia. E não deixa de ser algo bastante real na vida de muitos dos 'influencers' que vendem uma vida perfeita nas redes. A trajetória de Madeleine seria muito mais impactante se tivesse sido salva pelo Velho do Rio e encarasse uma nova realidade por conta da experiência traumática de uma quase morte.
A saída de Karine Teles é outra infeliz questão oriunda da decisão do autor. A atriz lembrava Bruna Linzmeyer em várias cenas e a semelhança das duas impressionava. Foi o perfil que representou a passagem de tempo de 20 anos da forma mais crível na trama. E como a personagem só tinha amadurecido por fora e não por dentro, os trejeitos vistos na primeira fase com Bruna ficavam ainda mais explícitos com Karine. Premiada no cinema (sua atuação em "Que Horas Ela Volta?" e "Benzinho" é irretocável) e no teatro, a intérprete vivia seu melhor momento na televisão, após pequenas participações em novelas e séries. Suas sequências com Selma Egrei, Camila Morgado e Jesuíta Barbosa eram ótimas e a parceria com Silvero Pereira, embora breve, funcionou.
A morte de Madeleine é o primeiro grande equívoco do remake de "Pantanal". Bruno Luperi deixou escapar a oportunidade de imprimir algo marcante e diferenciado na obra, sem prejudicar o conjunto tão bem elaborado por seu avô. Ainda perdeu Karine Teles, que abrilhantava o elenco. Pena.
Entre 1º de outubro de 2001 e 14 de junho de 2002, a TV aberta exibiu "O Clone", um de seus maiores sucessos. Ainda conseguiu emplacá-lo em vários países, consolidando seu êxito. A novela de Glória Perez foi um de seus melhores trabalhos da carreira e a autora foi muito feliz na construção desta história tão rica e repleta de personagens atraentes. A produção foi reprisada no "Vale a Pena Ver de Novo" pela primeira vez entre 10 de janeiro e 9 de setembro de 2011, repetindo a boa aceitação que teve na época. Não foi diferente com a reexibição no Canal Viva em 2020. E a segunda reprise na faixa vespertina da TV aberta, que chega ao fim na sexta-feira, dia 13, novamente foi bem-sucedida.
Protagonizada por Giovanna Antonelli e Murilo Benício, o folhetim estreou pouco depois do atentado às Torres Gêmeas, tragédia que abalou os Estados Unidos e chocou o mundo. Houve até um certo desconforto inicial, uma vez que parte da trama era ambientada em Marrocos, na cidade de Fez, onde viviam vários muçulmanos. Mas a polêmica não durou muito tempo e os costumes daquele povo caíram no gosto popular, comprovando que o núcleo foi um dos muitos acertos da produção.
A novela abordou vários temas polêmicos e soube explorá-los com competência. Dividida em duas fases, a história começa em 1983, apresentando a vida de Leônidas (Reginaldo Faria), rico empresário, pai de gêmeos idênticos (Lucas e Diogo, vividos por Murilo), que não tem muito tempo para os filhos. Jade (Vivida por Giovanna) é uma muçulmana que mora no Rio de Janeiro, mas acaba voltando para Fez, após a morte de sua mãe (Walderez de Barros). Os filhos de Leônidas vão passar férias em Marrocos com o padrinho de Diogo (o geneticista Albieri - Juca de Oliveira) e a partir de então o destino de Jade e Lucas se cruza.
O romance do casal protagonista, impedido pelos rígidos costumes da família da mocinha, arrebatou o telespectador e a química do par era evidente. Já o acidente de helicóptero que mata Diogo resulta na trama envolvendo a clonagem humana, uma vez que Albieri guarda as células de Lucas depois que o rapaz vai em seu laboratório extrair uma pinta. Tudo para 'reviver' Diogo. A situação rendeu ótimos desdobramentos e ainda fez Murilo Benício se destacar, pois o ator acabou interpretando três personagens distintos, mas iguais: os gêmeos e o clone.
A primeira fase é bastante arrastada e sem grandes desdobramentos. É um dos raros casos onde a barriga (período de enrolação onde quase nada acontece) ocorre justamente na introdução do roteiro. Mas a segunda fase, iniciada em 2001, provoca uma boa virada no enredo, prosseguindo com todos os dramas apresentados na primeira e ainda acrescentando novos núcleos que deixaram a novela mais interessante. O mais dramático foi o protagonizado por Débora Falabella, que impressionou com sua atuação na pele da rebelde Mel, uma viciada em drogas, filha de Lucas com Maysa (Daniela Escobar). As cenas mais fortes da novela foram vividas por ela e algumas entraram para a história da teledramaturgia pela entrega da atriz. O alerta sobre o consumo de substâncias ilícitas mesclou entretenimento e utilidade pública. Uma das ótimas sacadas da direção de Jayme Monjardim era intercalar sequências em que Mel afunda no vício com depoimentos de Lobato (Osmar Prado) com o terapeuta a respeito de seu alcoolismo. Uma situação complementava a outra. Um doente em recuperação e uma doente que não se enxergava assim.
Já a parte cômica da história ficou por conta de duas personagens, cujos bordões sempre são lembrados pelo telespectador: Dona Jura (ótima Solange Couto) e Odete (Mara Manzan). Jura tinha um bar e vendia pastéis que faziam um baita sucesso. O bordão "Né brinquedo, não" virou febre, assim como o "Cada mergulho é um flash", proferido por Odete, personagem hilária interpretada pela saudosa Mara, que amava frequentar o Piscinão de Ramos e incentivava sua filha Karla (Juliana Paes) a dar o golpe da barriga em Tavinho (Victor Fasano) --- essa trama hoje em dia seria bem criticada até pelas resoluções absurdas da autora. Aliás, outra situação que seria mal vista hoje em dia é o interesse sexual que Amim (Thiago Oliveira), uma criança, tinha por Karla.
O núcleo de Marrocos também obteve êxito e as danças dos personagens faziam sucesso, assim como as expressões ditas por eles, como o inesquecível "Ishalá", falado constantemente por Khadija (Carla Dias). A solteirona Nazira (hilária na pele de Eliane Giardini) também foi outro destaque desta trama, assim como Zoraide (Jandira Martini), cúmplice e confidente de Jade. E impossível não lembrar do rabugento Tio Abdul (saudoso Sebastião Vasconcellos), defensor da moral e dos bons costumes, que vivia mandando as pecadoras "Arder no mármore do inferno" e discutia frequentemente com Tio Ali (Stênio Garcia), um sujeito menos reacionário.
Outro acerto da novela foi a já citada questão do alcoolismo, abordada com competência através de Lobato, vivido magistralmente por Osmar Prado. Nesse mesmo núcleo havia uma vilã que não media esforços para atingir seus objetivos, a Alicinha, muito bem interpretada por Cristiana Oliveira. Vale destacar também as brilhantes atuações de Cissa Guimarães (Clarisse) e Thiago Fragoso (Nando), que emocionaram várias vezes nas cenas onde a mãe se desesperava com o vício de drogas do filho, que era amigo das também viciadas Mel e Regininha (Viviane Victorette).
Além dos ótimos profissionais já citados, a novela também contou com outros excelentes atores, como Nivea Maria, Vera Fisher, Ruth de Souza, Elizângela, Beth Goulart, Antônio Calloni, Letícia Sabatella, Françoise Fourton, Perry Salles, Totia Meirelles, Guilherme Karan, Léa Garcia, Stênio Garcia e Marcello Novaes, que emocionou na pele do íntegro Xande. A trama ainda foi a última da carreira do mestre Mário Lago, que veio a falecer meses depois. Mas vale uma menção especial a duas atrizes que viveram seus melhores momentos na televisão: Adriana Lessa e Daniela Escobar. Adriana deu um show do início ao fim na pele da dançarina Deusa, uma mãe que não media esforços pelo filho e acabou traumatizada com a revelação de que Leo era um clone. Já Daniela se entregou na pele de Maísa, uma mulher arrogante e elitista que amargava um casamento sem amor e depois acabou mergulhada em um inferno por conta do vício em drogas da filha. Seu processo de amadurecimento através da dor foi muito bem explorado pela autora. A atriz protagonizou cenas pesadas demais ao lado de Débora Falabella e Neusa Borges (Dalva).
Porém, a reprise sempre serve para observar melhor algumas falhas que não são muito faladas pelos saudosistas. O núcleo de Dona Jura é bem deslocado dos demais enredos e tem como única função preencher o tempo dos capítulos com convidados especiais que visitavam o bar da popular personagem. Era o elemento utilizado pela autora para enrolar o telespectador. Há uma barriga bem clara na história, algo bem comum na época, importante ressaltar. A primeira fase, principalmente, cansa pelo ritmo arrastado e os conflitos também se desgastam perto do meio da produção. Até as idas e vindas de Jade e Lucas se esgotam. A burrice dos protagonistas é outro problema evidente. A sorte foi mesmo a química dos intérpretes. Mas os meses finais reaquecem os dramas e a novela volta a prender. Uma pena que a reexibição tenha sido tão cortada pela emissora. Cenas fortes e marcantes foram picotadas e até totalmente censuradas, como a briga de tapas entre pai e filho, protagonizada por Escobar (Marcos Frota) e Nando, que sequer foi exibida.
"O Clone" foi um marcante folhetim e Glória Perez viveu um grande momento. Foi sua segunda melhor novela na carreira, perdendo apenas para "A Força do Querer". Com 221 capítulos, a produção está na lista dos mais elogiadas e lembradas novelas da Globo e fez por merecer a boa aceitação da segunda reprise no "Vale a Pena Ver de Novo".
"Paraíso Tropical" foi a melhor novela da dupla Gilberto Braga e Ricardo Linhares
A novela foi exibida em 2007 e sofreu um forte rejeição inicial. Isso porque o casal de mocinhos não emplacou e o enredo não prendeu o telespectador. No entanto, ao longo dos meses, os autores conseguiram reverter a dificuldade e emplacaram a história, que chegou ao fim como um grande sucesso.
A verdade é que a novela nunca foi ruim, nem mesmo no período que sofreu rejeição da audiência. O conjunto se mostrou muito bem estruturado desde o começo e impressiona como todos os núcleos têm atrativos e se complementam. Há uma gama de personagens construídos com densidade e vários enfrentam conflitos convidativos, principalmente os vilões. Aliás, há vários no enredo e todos responsáveis por boas movimentações nos núcleos.
A produção marcou o início da parceria de Gilberto Braga e Ricardo Linhares. Ricardo já tinha colaborado com o veterano no sucesso "Celebridade", de 2003, mas "Paraíso Tropical" foi sua estreia como autor titular ao lado de Braga. Embora a dupla tenha penado com a audiência nos meses iniciais, o resultado foi positivo. Escreveram um novelão.
No entanto, foi a primeira e única vez que a dupla funcionou e apresentou um grande folhetim para o público. Os dois trabalhos posteriores foram decepcionantes: a problemática "Insensato Coração" (2011) e a fracassada "Babilônia" (2015).
Vale lembrar que "Paraíso Tropical" enfrentou um problema pouco antes de ter o título efetivado. Isso porque se chamaria "Copacabana". Mas como o nome já estava registrado, a Globo precisou mudar. E assistindo ao enredo fica claro como o título original cabia melhor. A todo momento os personagens falam sobre o tradicional bairro 'nobre' do Rio de Janeiro e quase toda a ação é passada lá. Os perfis que mais representam o lugar são Belisário e Virgínia, interpretados pelos saudosos Hugo Carvana e Yoná Magalhães. O sujeito é o típico bon vivant e sua esposa uma carismática ex-vedete. Os dois brilham sempre que aparecem e foi ótimo ver Hugo vivendo um tipo tão diferente do poderoso Lineu, seu trabalho anterior, em "Celebridade".
Aliás, Belisário é pai do milionário e bem-sucedido Antenor Cavalcante (Tony Ramos), um personagem que aparenta ser vilão, mas se mostra um perfil ambíguo muito interessante e brilhantemente vivido pelo ator. É até complicado contar sobre o enredo da novela porque os autores foram inteligentes na narrativa. Há vários conflitos que muitas vezes começam e são encerrados a cada duas semanas, no máximo. O folhetim vai se renovando a cada período, o que provocou estranhamento na época. A única trama que tem um arco constante (e por isso até cansativo) é a procura de Daniel (Fábio Assunção) por Paula (Alessandra Negrini). Os inúmeros desencontros dos protagonistas nos primeiros meses abusam da inteligência do telespectador. Ainda assim, não prejudicam a novela. A verdade é que Gilberto Braga sempre foi péssimo na construção de mocinhos. Nunca emplacou nenhum. Já com os vilões o sucesso é quase garantido. E o equívoco dos 'herois' de "Paraíso Tropical" foi visto logo no primeiro capítulo. Dificilmente o telespectador é conquistado por mocinhos que se apaixonam subitamente na estreia e em menos de uma semana já tem o pedido de casamento. Foi o que aconteceu com Paula e Daniel.
Vale ressaltar que o problema dos protagonistas nada teve a ver com os atores. Fábio Assunção defendeu seu Daniel com talento, assim como Alessandra. No caso, a atriz ainda mostrou seu talento na pele da vilã Taís, a gêmea má de Paula. É importante a ressalva porque Gilberto Braga foi grosseiro com Alessandra algumas vezes. Em mais de uma entrevista, o autor declarou que não gostou da atuação da atriz e que queria Cláudia Abreu interpretando as gêmeas.
Mas a verdade é que mesmo a Cláudia não faria milagre na pele da insuportável Paula. Uma mocinha insossa, burra, apática e sem carisma. Tanto que a personagem fica bem deslocada da história e ninguém sente falta. Já a picareta Taís está sempre em foco e movimentando seu núcleo, ao mesmo tempo que mexe no enredo central quando deixa Daniel desnorteado com a descoberta de que seu amor tem uma irmã idêntica.
A trama tem sua primeira grande virada quando Paula finalmente encontra Taís e grita pela irmã, que se choca ao ver uma mulher que parece seu espelho e acaba atropelada. Ao mesmo tempo, o enredo desperta a atenção do público em torno da trama de Ana Luíza (Renée de Vielmond) e Lucas (Rodrigo Veronese). A esposa de Antenor sempre foi traída pelo empresário e acabou virando a verdadeira mocinha da novela. Principalmente quando encontrou seu príncipe encantado, um homem bem mais jovem.
O melhor é que os ótimos personagens foram muito bem interpretados por atores não tão conhecidos do público. Após alguns trabalhos na Record e no SBT, era a estreia de Rodrigo na Globo. Já Renée estava afastada da televisão desde 1998 ---- e depois novamente voltou a sumir da telinha.
O casal fez sucesso e os dois brilharam. Infelizmente, o enredo da dupla fazia parte dos arcos que se fechavam bem antes do final. A milionária perde seu conflito quando descobre a traição do marido e fica com Lucas. Os dois acabam deixando a novela bem antes da metade. O êxito faz com que voltem e adotem uma criança, mas apenas nos meses finais.
Já outro casal que fez sucesso e roubou a cena foi Olavo (Wagner Moura) e Bebel (Camila Pitanga). Aliás, os vilões viraram a referência do folhetim. Até hoje lembram mais deles do que do título "Paraíso Tropical". Virou a 'novela de Olavo e Bebel'. E basta assistir para entender a razão. O vilão invejoso vivido pelo sempre talentoso Wagner só cresceu no enredo quando se juntou com a prostituta interpretada com total entrega por Camila em seu melhor momento na tevê. Viraram uma dupla perfeita. Isso porque a ambiciosa garota de programa despertava um lado bom até então desconhecido do vilão, que sempre tratou todos com profundo desprezo e muita arrogância. O amor que Olavo passou a nutrir por Bebel o humanizou, o que deixou o empresário canalha ainda mais interessante. Já Bebel sempre funcionou como um elemento cômico delicioso graças ao talento da atriz, que adotou uma interpretação caricata que vestiu muito bem no papel. O bordão "Eu tenho 'catiguria'" fez sucesso, assim como a expressão 'elegante' em uma festa executiva: "Que boa ideia este casamento primaveril em pleno outono".
A novela também teve outros personagens bem construídos e interpretados, vide
a íntegra Lúcia, que formou um ótimo par com Antenor, repetindo a bem-sucedida parceria de Gloria Pires e Tony Ramos (vista na novela "Belíssima" e nos filmes "Se Eu Fosse Você" 1 e 2). Aliás, o filho dela, Mateus (Gustavo Leão em sua estreia), também teve uma boa trama em torno da aproximação com o pai biológico que não queria vínculos afetivos, Cássio (Marcello Antony), e sua sintonia com Patricia Werneck (Camila) era visível. Vale destacar também a interesseira Marion (grande Vera Holtz) e sua parceria com Cláudio (Jonathan Haagensen), assim como seu filho, o 171 Ivan (Bruno Gagliasso). Aliás, a cena final de Ivan e Olavo, em um duelo de irmãos, foi um desfecho surpreendente e marcante.
Chico Diaz convenceu na pele do cafetão Jáder; a ótima Daisy Lúcidi voltou às novelas na pele da síndica fofoqueira Iracema; Flávio Bauraqui brilhou como Evaldo, joalheiro que enfrentava o alcoolismo; e Beth Goulart merece só elogios como a ambiciosa Neli, seu melhor papel na televisão. Lidi Lisboa(Tatiana), Isabela Garcia (Dinorá), Marco Ricca (Gustavo), Yaçanã Martins (Otília); Débora Duarte (Hermínia), Reginaldo Faria (Clemente), Othon Bastos (Isidoro), Nildo Parente (Pacífico), Roberta Rodrigues (Eloísa) e José Augusto Branco (Nereu) são outros nomes que merecem menção.
"Paraíso Tropical", dirigida por Dennis Carvalho, foi um novelão e estava na hora de se reprisado.
A reta final, toda voltada para o assassinato de Taís, não deixa a temperatura do enredo diminuir.
. O Viva resolveu reprisar "Paraíso Tropical", após o sucesso da segunda reexibição de "A Viagem". São folhetins totalmente distintos, mas a reprise, em plena reta final, provou que foi uma boa escolha.
‘Lady Night’ alterna emoção e riso na sexta temporada
Sexta temporada de 'Lady Night', do Multishow, comprova o talento de Tatá Werneck de renovar o formato do programa de humor.
Nas últimas semanas, um vídeo viralizou nas redes sociais com um trecho do programa Lady Night, do Multishow. É um momento da entrevista de Tatá Werneck com Marcos Mion, contratado pela TV em 2021. Ela pergunta: “para você assumir o lugar de Luciano Huck no Caldeirão, você tem que estar preparado para fazer algumas coisas. Você está preparado para criar obstáculos que custam mais caro que o próprio prêmio? Você está pronto para transformar o quarto de um menino num campo de futebol onde não há mais cama para esse menino dormir? Será que você está preparado para dizer para uma criança que ela perdeu um milhão de reais por causa de uma cedilha? E será que você está preparado para dizer que vai ser presidente, e depois dizer que não, e depois dizer que sim, e depois dizer que não?”
Neste momento, a cara de incredulidade de Mion é a mesma do espectador, e representa bem o que significa Tatá Werneck hoje na TV: uma mulher que ultrapassou vários limites. Ela é capaz de fazer um tipo de humor esculachado que, até pouco tempo, era malvisto às mulheres. Mas, mais do que isso, ela conquistou “autorização” para zoar a emissora global em um tipo de crítica ácida que poucos têm possibilidade de fazer.
Lady Night é um dos programas da TV brasileira mais difíceis de categorizar. Definido como talk show, a atração vai muito além de um programa de entrevistas. Tem algo de teatro, algo de show de improviso, mas uma coisa é indiscutível: a dona do palco é, definitivamente, Tatá Werneck. Ela é a hostess que convida alguns sujeitos para entrar nesse universo bastante particular do seu estilo de humor.
Atualmente na sexta temporada, Lady Night parece ter o desafio de se reinventar a cada ano. Digo isto pela razão de programa ter um caráter essencialmente “orgânico”: ele não se reduz a fórmulas, pois os episódios dependem do estabelecimento de uma química entre Tatá e o seu convidado. É, portanto, um programa vivo, no qual não temos certeza do que irá acontecer. Essa é, justamente, a sua grande riqueza.
Diria que, de alguma forma, o programa também atravessa a própria jornada pessoal de Tatá. Nas primeiras temporadas, ela, em alguma medida, ainda precisava mostrar que o seu humor (que tem algo de subversivo, como já comentei aqui, uma vez que sua postura escrachada nunca foi muito “autorizada” às mulheres) era viável em uma grande emissora, para além do nicho da MTV. Na quarta temporada, Tatá estava grávida, e havia um novo impasse: conseguiria ela manter o (auto) deboche mesmo com sua filha no ventre, o que a colocava num papel meio imaculado?
Agora, na sexta temporada, há outros desafios. Embora não apareça diretamente nos episódios, acredito que há um assunto permanente nas entrelinhas: a perda do humorista Paulo Gustavo, um dos melhores amigos de Tatá Werneck, e um dos maiores humoristas do Brasil, vitimado pela COVID. Há então um certo tom emotivo na temporada – o que, diferente do que pode se imaginar, é muito típico da comédia. Humor e tragédia talvez estejam mais próximos do que pode parecer.
O resultado é mais uma temporada memorável, em que cada encontro com convidado é único. E talvez essa seja a grande sacada do formato de Lady Night: não se trata de uma fórmula exata. Cada episódio é como se fosse uma dança em que Tatá abraça um novo participante, mas o resultado dessa dança é sempre incerto, e não depende apenas dos movimentos dela.
E essa é a graça: o ritmo pelo qual esta dança irá acontecer é sempre inesperado. Se o humor de Tatá é autodepreciativo, há, em alguma medida, a expectativa de que o convidado consiga entrar nesse jogo, o que nem sempre acontece. O convidado precisa conseguir responder à mesma altura (e rapidez) do raciocínio ágil dessa humorista, já consolidada como o grande nome feminino da comédia no Brasil.
Alguns convidados mais “elegantes”, como Paola Carrosella, parecem ter mais dificuldade de jogar esse jogo. E há os que não conseguem relaxar e ri de si mesmos, como Fiuk, em um dos episódios mais criticados da temporada – basicamente, a entrevista durou apenas 15 minutos, e houve muitos comentários de que a edição teve que picotar o encontro para conseguir tirar alguma coisa.
Mas os constrangimentos são exceções. A temporada já trouxe muitos momentos ricos e que conseguiram, inclusive, “desmontar”, no bom sentido, a persona cômica de Tatá. Destaco, especialmente, a emoção durante a entrevista com Lilia Cabral, no momento em que ela conta das dificuldades enfrentadas na família para seguir a carreira de atriz. E o grande episódio, para mim, foi toda a entrevista com Leandro Hassum – talvez o único de toda a história de Lady Night em que Tatá riu mais que o entrevistado.
Seis temporadas depois, Lady Night segue surpreendendo e encontrando novos caminhos na comédia e na TV, comprovando que o talento de Tatá Werneck consegue o impossível: se renovar a cada ano.
O episódio de 'Lady Night' com Fiuk mostra o quanto a escolha do convidado é importante para o programa.
"Zig Zag Arena" mostra que nem toda boa ideia funciona na prática.
Ao invés de substituir o "The Voice Kids" na grade vespertina com mais filmes, a Globo resolveu dar um novo programa para Fernanda Gentil aos domingos. Com isso, acabou subitamente com o "Se Joga" aos sábados, que já tinha retornado em 2021 de uma forma bem pouco planejada, após uma avalanche de críticas ao fracassado formato diário da atração (em 2019/início de 2020), que logo acabou com a chegada da pandemia do novo coronavírus. O novo desafio da apresentadora tem o estranho nome de "Zig Zag Arena".
O programa é quase uma espécie de "Olimpíadas do Faustão" (quadro de sucesso e até hoje lembrado do "Domingão" na década de 90) modernizado através de muitas luzes e tecnologia. O palco de 1500 m², inspirado em um gigantesco e multicolorido tabuleiro de pinball ---- há o objetivo de relembrar várias brincadeiras da infância ----, conta com um campo de camas elásticas, além de escorregas e muitos obstáculos. É um cenário luxuoso e que custou um bom investimento da Globo, deixando claro que a intenção da emissora é emplacar mesmo o formato.
As partidas acontecem em três fases: "Pique-Pega", "Megaball" e "Tudo ou Nada". Assim como no mundo dos esportes, todas as etapas são narradas por um profissional. Everaldo Marques, conhecido no canal pago SporTV e que caiu nas graças do grande público com suas recentes narrações das Olimpíadas de Tokyo, é o escalado para observar cada lance e transmitir toda a energia para o telespectador.
Ao lado dele, a jogadora Hortência e o humorista Marco Luque comentam os melhores momentos. A competição é realmente levada a sério, embora o objetivo seja a diversão de quem assiste.
Famosos e anônimos ----- em grupos formados por atores, humoristas, cantores, apresentadores e ex-participantes de reality ---- competem entre si. Além deles, também participarão profissionais de diversas áreas de atuação, como médicos, garis, enfermeiros, advogados, enfim. Os anônimos da atração de estreia, neste domingo (03/10), foram os profissionais da saúde. Dois times, com seis participantes em cada lado ---- três homens e três mulheres ----, se enfrentam nas três fases já mencionadas. E todos precisam traçar estratégias para uma boa organização. A equipe vencedora leva R$ 30 mil.
A premissa é bem interessante. Reunir um amontoado de brincadeira infantis clássicas valendo um prêmio em dinheiro e com regras que deixam a disputa "séria" ---- lembra até um pouco a sinopse de "Round 6", nova série de sucesso da Netflix. Todavia, na prática não funcionou. Muita informação visual. É um exagero. Fica difícil prestar atenção em alguma coisa. As regras são confusas e soou ridículo ouvir Everaldo Marques dizer que não vale nada a equipe criar vantagem na primeira e segunda etapas porque o que decide o jogo é a fase final. Então qual a razão para o esforço dos grupos nas duas primeiras? Não faz o menor sentido. Para culminar, os comentaristas falam um em cima do outro e não havia a menor necessidade de tê-los ali. Isso ainda diminui a relevância de Fernanda Gentil. Aliás, coitada da apresentadora. Não vem tendo sorte na área de entretenimento da Globo. Até hoje só ganhou programa ruim. Claro que foi apenas a estreia do novo formato, mas causou a pior das impressões.
O "Zig Zag Arena" é um formato inédito, criado pelo gênero de reality show dos Estúdios Globo, com direção artística de Raoni Carneiro e direção de gênero de Boninho. Embora seja chamado de 'novidade', o programa em si não tem nada de realmente novo. Nada mais é do que uma simples disputa entre equipes em um cenário de encher os olhos. Funcionaria como um bom passatempo, mas a premissa se mostrou equivocada na prática. Talvez seja bem divertido para quem participe. Só que a experiência não é compartilhada com quem assiste. Não deve durar na grade da Globo.
25 anos de ‘Xica da Silva’, uma novela inacreditável.
O Brasil precisa falar sobre o legado da novela 'Xica da Silva', da Rede Manchete, que foi ao ar pela primeira vez em 1996.
m 1983, surgia uma emissora de TV aberta diferente das outras. Fundada pelo empresário ucraniano Adolpho Bloch, a Rede Manchete se destacou, nos curtos dezesseis anos em que existiu, pela programação arrojada e vanguardista. Sua marca se deu na cobertura jornalística, nos programas de entretenimento e nas novelas ousadas, que geravam muita polêmica e que, eventualmente, conseguiam o que parecia impossível: vencer em audiência a Globo.
Uma dessas novelas estreava há 25 anos, em 17 de setembro de 1996 – e, olhando em retrospecto, até hoje é difícil acreditar que ela tenha existido e sido veiculada na TV aberta. Falo de Xica da Silva, o polêmico folhetim estrelado pela iniciante atriz Taís Araújo, então com 17 anos. Xica da Silva era, na verdade, inspirada em um episódio real da história do Brasil: ela conta a vida de uma mulher negra escravizada que foi liberta e se casou com um homem branco, o comerciante de diamantes João Fernandes de Oliveira, na cidade de Diamantina, em Minas Gerais. Xica, dessa forma, tornou-se uma mulher poderosa, sendo ela mesma dona de escravos.
Claramente, trata-se de uma história fascinante, cercada de mitos – e que a novela da Manchete ajudou a consolidar e propagar. Xica da Silva foi escrita por Walcyr Carrasco (que assinou o roteiro sob um pseudônimo, Adamo Angel) e dirigida por Walter Avancini, cujo trabalho, até hoje, é cercado de controvérsias, especialmente no que diz respeito às escolhas da trama e aos métodos que usava com os atores. Apenas para se ter uma ideia, uma das cenas mais fortes da novela envolve o estupro da personagem de Adriane Galisteu, experiência que a então atriz descreveu como traumática. A própria Xica da Silva teve uma cena de estupro na novela.
A verdade é que Xica da Silva, observada sob o ponto de vista atual, é uma novela capaz de gerar muita reflexão. Para começar, por sua estética “suja”, bastante típica das novelas da Manchete, e que parece hoje inimaginável na TV. A ambientação parecia comprometida em reproduzir o que seria a vida no Brasil no século XVIII, sem saneamento algum ou qualquer preocupação moderna com higiene.
Além disso, em nome deste realismo a toda prova, Xica da Silva investia pesado em cenas de violência e de erotismo. Pouca coisa ficava no plano da metáfora. O sofrimento dos negros escravizados precisava vir à tona pelo corpo, em cenas com muita tortura, sangue e sofrimento. O primeiro episódio, com participação especial dos atores Marcos Breda e Silvia Buarque, já dá a tônica do que se veria nos mais de duzentos capítulos. Já há uma tentativa de violência sexual contra Xica, que aparece, pela primeira vez, banhando-se sensualmente num rio, e que engana os estupradores. Além disso, já nesta abertura da novela, há uma fortíssima cena de tortura contra o pai de Xica.
Contagem regressiva da nudez
Outra questão até hoje discutida foi a aposta feita na iniciante Taís Araújo, hoje uma estrela da TV brasileira. À época, Taís tinha 17 anos – completaria 18 em 25 de novembro, ou seja, dois meses após a estreia da novela. Este fato gerou uma espécie de comoção nacional em torno do seu aniversário. Com a maioridade, Taís poderia aparecer nua na trama, o que de fato aconteceu, em um banho de cachoeira. Inacreditavelmente (ao menos pelos padrões atuais), a Manchete levou ao ar propagandas que faziam uma contagem regressiva para o aniversário da Taís, de forma a gerar em expectativa em torno da cena de nudez. O esforço acabou gerando bons índices de audiência para o episódio em questão.
Uma das qualidades de Xica da Silva, no entanto, reside no fato de que a sua trama não se centra apenas na força da personagem principal. Na verdade, o elenco foi formado por estrelas que encarnavam personagens fortes. Muitos destes atores estavam ainda em início de carreira, e seriam consagrados nos anos seguintes. Há muitos que podem ser destacados aqui, como a atormentada e diabólica Violante, interpretada por Drica Moraes, que venceu o prêmio APCA de Melhor Atriz pelo papel; a mãe de Xica, vivida por Zezé Motta, que interpretou a própria Xica no filme homônimo, de 1976; e uma dupla que teve forte participação na história, Elvira, prostituta vivida por Giovanna Antonelli, e seu amigo gay Zé Mulher, papel de Guilherme Piva. Também não é possível esquecer dos atores veteranos presentes na trama, como Miriam Pires, Sérgio Britto, Mauricio Gonçalves, Jayme Periard, Lecy Brandão, Paulo César Grande e até o cantor Eduardo Dusek.
O fetiche da violência
O mais interessante em Xica da Silva, penso, é notar que parece inimaginável visualizá-la na TV aberta hoje, mesmo no horário em que foi veiculada na Manchete, na faixa das 22 horas. O que nos leva a refletir: será que “encaretamos”, desde 1996? Creio que a questão é mais complexa. A evolução da discussão em torno da dramaturgia faz questionar certas escolhas feitas em Xica, especialmente no que diz respeito a uma certa fetichização da violência. Em outras palavras, há hoje uma maior ponderação em torno dos efeitos da imagem da violência, fazendo-nos pensar se, realmente, a única forma de entender o sofrimento da escravidão é por meio da visualização explícita das torturas aos corpos negros. É uma discussão semelhante à ocorrida, por exemplo, em torno de 12 anos de escravidão (2014), filme de Steve McQueen, ou mesmo sobre o sofrimento de Jesus em A Paixão de Cristo (2004), de Mel Gibson.
Coisa semelhante pode ser dita em torno da sexualidade de Xica e de outros personagens da trama. Mesmo Taís Araújo – embora explicite sua gratidão pelo trabalho, que ajudou a impulsionar sua carreira – já se manifestou acerca das escolhas feitas pelo diretor e roteirista em torno da nudez e da sensualidade de Xica, que ajudam a fortalecer a ideia de que a ex-escrava tinha como única força o seu corpo, além de reforçar o estereótipo nocivo às mulheres negras.
Creio que todas as essas discussões são importantes e precisam hoje serem vistas como oportunidade de debate sobre estes temas. Não obstante, recomenda-se jamais esquecer: a novela Xica da Silva é um marco da dramaturgia brasileira e precisa ser celebrada como tal.
A nova novela de Alessandro Marson e Thereza Falcão, dirigida por Vinícius Coimbra, "Nos Tempos do Imperador" tem início luxuoso e promissor.
Especificamente no caso dos autores da nova produção das seis, os riscos de uma possível rejeição do telespectador é baixa. Afinal, o grande público está ávido por uma história inédita após tantas reprises e o enredo é conhecido de muita gente, ainda que de forma superficial: a saga de Dom Pedro II (Selton Mello), iniciada no folhetim em 1856.
E é a primeira novela da Globo que se apresenta como a continuação de outra, no caso "Novo Mundo" (2017) ---- reprisada ano passado já com o intuito de preparar a audiência ----, dos mesmos escritores. Cerca de 35 anos se passaram entre o final de "Novo Mundo" e o início de "Nos Tempos do Imperador". O primeiro capítulo esbanjou capricho e imagens cinematográficas. A primeira imagem do folhetim foi de Pedro II envelhecido e exilado em Paris, lamentando o seu triste destino. Provavelmente será a última cena da história. Depois houve uma volta no tempo, para aí sim iniciar a obra. As primeiras cenas da trama foram gravadas antes da pandemia, o que fica perceptível por conta das aglomerações observadas durante a fuga dos escravos, liderada pelo mocinho Jorge (Michel Gomes), o encontro nada amistoso entre Dom Pedro II (Selton Mello) e o coronel Francisco Solano Lopéz (Roberto Birindelli) ---- herdeiro da presidência do Paraguai ----, e pelo velório do pai da Condessa de Barral (Mariana Ximenes). Aliás, toda a sequência de ação impressionou. A imagem dos escravos incendiando a plantação e lutando contra os capatazes encheu os olhos. Vale destacar também o cuidado em colocar vários deles falando em árabe, com direito a legendas.
Outra cena que primou pela beleza foi a da Chapada Diamantina (BA), onde Dom Pedro II e sua esposa, a imperatriz Tereza Cristina (Letícia Sabatella), estavam de visita. Inicialmente, o casal nem parece ser protagonista. Mas ocorreu o mesmo em "Novo Mundo": Dom Pedro I (Caio Castro) e Leopoldina (Letícia Colin) não apareciam tanto nas primeiras semanas de novela. Os mocinhos Anna (Isabelle Drummond) e Joaquim (Chay Suede) eram os responsáveis pela movimentação do enredo. O que também se repete na nova trama. Pilar (Gabriela Medvedovski), a mocinha, já fugiu do casamento arranjado por seu pai, Eudoro (José Dumont), no primeiro capítulo e encontrou Jorge, o mocinho, ferido. A estudante de medicina conseguiu socorrê-lo e os dois se encantaram um pelo outro, situação também semelhante ao roteiro anterior. Já o grande vilão Tonico Bastos (Alexandre Nero) exerce a função que era de Thomaz (Gabriela Braga Nunes: tem uma obsessão por Pilar, ao mesmo tempo que interfere e faz tudo para atrapalhar a administração de Pedro II.
Mas a questão das similaridades não é um demérito. Tanto que foi um acerto a cena do nascimento de Pedro II, gravada por Caio Castro e Letícia Colin em 2017, que não foi exibida na época. Expõe um competente planejamento da continuação do enredo. Estava tudo bem pensado. E vale elogiar a boa ideia de manter alguns personagens da obra passada, como os impagáveis Germana (Vivianne Pasmanter) e Licurgo (Guilherme Piva), agora envelhecidos e muito mais horríveis. Os atores prometem roubar a cena mais uma vez. Além deles, outros perfis continuam, mas com outros atores. Lurdes, a fiel escudeira de Leopoldina, agora é interpretada pela grande Lu Grimaldi. Vitória, a filha de Anna e Joaquim, é vivida por Maria Clara Gueiros, enquanto Quinzinho ganhou a atuação de Augusto Madeira. E, ao que tudo indica, haverá uma surpresa ao longo da trama ----- provavelmente a volta de Elvira Matamouros (Ingrid Guimarães).
A abertura, ao som de Cais, cantada por Milton Nascimento, e com a utilização de várias pinturas a óleo de tela ----- há imagens de figuras emblemáticas, como Machado de Assis ---- é um primor, o que combina com o capricho da produção. A qualidade também está na trilha sonora com Ney Matogrosso, Clementina de Jesus, Clara Nunes e Elis Regina. Já o elenco promete ser um show à parte. É um prazer ver Selton Mello de volta às novelas, após 21 anos (a última que contou com sua presença foi "Força de um Desejo", em 2000). Mariana Ximenes tem tudo para se destacar cada vez mais na pele de uma condessa idealista e justa. Letícia Sabatella promete cair nas graças do público com sua determinada Tereza Cristina. Alexandre Nero e José Dumont são outros nomes de peso e com vilões odiáveis.
"Nos Tempos do Imperador", dirigida por Vinícius Coimbra, apresenta um luxuoso começo e tem chance de repetir o sucesso de "Novo Mundo". Alessandro Marson e Thereza Falcão já mostraram que são bons em fisgar o público com o tradicional folhetim mesclado a momentos históricos do Brasil.
Embate entre Ana e Manu resultou na cena mais memorável de "A Vida da Gente"
A cena mais aguardada de "A Vida da Gente", exibida originalmente no dia 12 de fevereiro de 2012, também uma terça: a briga entre Ana (Fernanda Vasconcellos) e Manu (Marjorie Estiano). Ao saber através de Júlia (Jesuela Móro) que sua irmã não iria em seu casamento com Lúcio (Thiago Lacerda), Ana resolve ir ao encontro de Manu para entregar o convite pessoalmente e, quem sabe, fazer as pazes. Mas acontece justamente o contrário: uma explosão de mágoas e feridas expostas, que resultaram em uma das melhores cenas da história da teledramaturgia.
A sequência tem oito minutos de duração. Uma eternidade já na época em que a novela foi exibida, em virtude da mudança da linguagem dos folhetins, que precisaram de um maior dinamismo para não afugentar a atenção do público. Mas, ainda assim, Lícia Manzo é uma autora que costuma desafiar essa 'regra' em suas obras, sempre valorizando os diálogos. A sua primeira novela já tinha deixado bem explícita a sua forma de trabalhar. E a cena se tornou a maior lembrança que o telespectador tem da saga sobre o amor de duas irmãs. De fato, entrou para a história.
Assim que Ana chega, Manu a recebe com frieza, como tem sido desde que flagrou a irmã beijando Rodrigo (Rafael Cardoso), seu então marido e ex-namorado de Ana. Poucos segundos depois os ânimos já se exaltaram e o embate começou. A autora foi perspicaz e colocou na boca de cada personagem os argumentos que os respectivos fãs de Ana e Manu sempre escreviam em blogs, Twitter e afins em uma época em que ainda não era tão normal comentar folhetins em redes sociais; muitas vezes provocando acaloradas discussões entre os torcedores mais fanáticos --- o que ocorre também com a reprise, vale ressaltar.
O teor das discussões nas redes sempre se dá através dos defeitos que cada uma tem, onde um tenta provar que a outra errou mais e é, portando, a 'cretina' da história. Porém, nunca houve vilão em "A Vida da Gente", mesmo com parte do público classificando Eva (Ana Beatriz Nogueira) e Vitória (Gisele Fróes) como vilãs. . Ana e Manu erraram ao longo da vida e não há uma grande culpada na história toda. A trama opta pelo realismo e consegue atingir o objetivo com êxito, uma vez que os telespectadores acabam se identificando e se envolvendo com todos os núcleos apresentados. É justamente através do embate entre Ana e Manu que os erros das duas são expostos em palavras que machucam muito mais que qualquer tapa.
O resultado da sequência é o melhor possível. Um texto de imensa qualidade sendo interpretado brilhantemente por duas atrizes que honraram o posto de protagonistas em todos os momentos. Marjorie Estiano e Fernanda Vasconcellos foram exemplares e mostraram com segurança e competência toda a gama de sentimentos que estavam guardados há tanto tempo por Manu e Ana. Quando quem assiste a uma cena esquece que aqueles personagens estão sendo interpretados, e não são pessoas reais, é porque os intérpretes atingiram o objetivo. E foi o que as duas fizeram. Se entregaram de uma forma visceral e aquele momento marcou a carreira de cada uma.
O mais interessante da sequência é a forma como Lícia explora as fragilidades de cada irmã. No início da discussão, é Manuela quem está por cima e deixa Ana destruída com cada verdade que joga na cara da irmã, que tenta fugir da conversa. Logo depois, quando escuta de Manu que só sabe fugir mesmo, é Ana quem cresce e vira o jogo atacando Manuela com palavras duras, muitas delas já ditas por Eva. E é quando Manu tenta acabar com a discussão. Já a finalização do embate se dá quando Ana entrega, sem querer, que ainda tem sentimentos pelo Rodrigo, mesmo após ter ido até a casa de Manuela para entregar o convite de seu casamento com Lúcio (Thiago Lacerda). E Manu acaba dando o xeque-mate.
Valeu muito a pena rever a melhor cena de "A Vida da Gente", que até hoje é uma das mais exibidas nas redes sociais quando alguém elogia a novela primorosa de Lícia Manzo. É aquele momento em que a arte chega no ápice.
Big Brother Brasil (23ª Temporada)
2.1 21O que esperar dessa edição?
Após uma avalanche de polêmicas, "BBB 23" chega ao fim marcado pelo fracasso
A vigésima terceira edição do "Big Brother Brasil" chegou ao fim com uma audiência ainda menor que a exibida ano passado, que já tinha apresentado uma queda significativa em relação aos fenômenos "BBB 20 e 21". Claro que a temporada do ano passado teve como reflexo o início do fim da pandemia, o que implicou em mais gente na rua. Mas o "BBB 23" não melhorou os índices e a escolha do elenco, em sua grande maioria, se mostrou tão fraca quando a do ano passado. Para culminar, várias polêmicas cercaram a atração a ponto de cancelarem o "BBB 101", que marca o reencontro do elenco na casa, inaugurado no "BBB 21".
A primeira situação que provocou repercussão negativa no reality foi a relação abusiva entre Gabriel Fop e Bruna Griphao. A forma como o rapaz agia com a então ficante vinha despertando cada vez mais incômodo até colocar a mão fortemente no ombro dela e no mesmo dia dizer, durante uma discussão, que 'daria cotoveladas' na boca da atriz. O comentário provocou uma intervenção de Tadeu Schmidt, que o repreendeu ao vivo e diante dos demais concorrentes. Por mais absurdo que pareça, após a represália, Fop chegou a exigir que Bruna falasse para todos que ele não tinha feito nada demais.
No entanto, a polêmica expôs que o público estava bastante tolerante na atual edição. Tanto que Gabriel foi eliminado com 53,3% em um paredão triplo, índice que nem configura rejeição. Ou seja, parte votante da audiência nem achou grave o que aconteceu. Mas ainda era só o começo, tanto no quesito acontecimentos pesados quanto na benevolência do público diante de tudo o que era mostrado.
Fred Nicácio sofreu intolerância religiosa de Gustavo, Key e Cristian. Ninguém na casa soube a respeito do acontecido porque, ao contrário do que fez com Fop, o apresentador foi mais sutil na represália: disse apenas para Fredão contar mais sobre a sua religião, o Culto de Ifá, e ressaltou a importância da diversidade religiosa. Os três responsáveis pelo preconceito perceberam na hora que era sobre eles, já os demais não. No entanto, somente Gustavo saiu com rejeição (71,7%), já Key (56,7%) e Cristian (48,3% ) não. Aliás, Cristian teve a menor porcentagem para sair da temporada.
E ninguém tinha ideia que ainda tinha muita água (poluída) para rolar no "BBB 23". Ninguém entendeu quando Boninho escolheu Key para participar do intercâmbio. Foi uma premiação mesmo depois de tudo o que fez no reality. A jogadora de vôlei foi para "La Casa de Los Famosos", reality do México, enquanto Dânia Mendez veio para o "BBB". Era o início de um pesadelo para a mexicana. A influenciadora teve sua mochila revirada por Marvvila e Fredinho assim que botou os pés na casa e durante a festa foi tocada por MC Guimê e importunada por Cara de Sapato. Os dois foram expulsos no dia seguinte com um anúncio ao vivo de Tadeu, o que chocou todos os participantes. Agora ambos são investigados pela Polícia Civil do Rio de Janeiro por assédio e importunação sexual, respectivamente. A atitude da produção foi correta, mas a covardia de colocar a dupla oficialmente como 'eliminada' (o que garante os prêmios faturados, assim como o contrato com a Globo) foi lamentável. Era para ter sido uma expulsão também no papel.
A saída de dois jogadores provocou uma estratégia desesperada de Boninho para garantir a duração do programa até o dia 25 de abril: uma repescagem. A decisão provocou uma avalanche de críticas, mas a volta de Fred Nicácio e Larissa movimentou o jogo. E foi bonita a constante exaltação de Fred a respeito da representatividade preta na temporada, o que resultou em uma das mais bonitas imagens da edição: uma foto com todos os pretos reunidos. Pena que nada disso teve qualquer efeito popular diante do favoritismo de Amanda, que virou a queridinha de parte do público por conta do casal inexistente formado com Cara de Sapato. Favoritismo que arrastou Larissa, Bruna e Aline junto com a médica. Aline porque sempre foi a melhor amiga da participante e as outras duas porque passaram a bajulá-la depois que Lari voltou falando da força da torcida que a médica tinha ao lado do lutador expulso.
O racismo estrutural foi mais uma polêmica da temporada. Era algo escancarado, apesar de aparentes 'sutilezas'. Bruna era uma pessoa agressiva e reativa que não sabia ouvir e nem ser contrariada. Não por acaso, brigou com vários participantes na casa. No entanto, Tina, que tinha um temperamento parecido, mas bem mais moderado, foi colocada como agressiva pelos demais e parte do público, tanto que não resistiu ao primeiro paredão e foi eliminada com mais porcentagem que Gabriel Fop, por exemplo. Ricardo Alface, Domitila Barros, Fred Nicácio, Cezar Black e Sarah Aline nunca podiam reagir aos ataques nos jogos da discórdia porque sempre eram classificados como agressivos, maldosos, e opressores.
No caso de Facinho, durante duas discussões sérias com Bruna, foi chamado de desequilibrado e 'pessoa ruim'. Já a situação protagonizada por Black foi a mais repugnante da temporada. O enfermeiro foi atacado por Bruna e Aline porque se indignaram quando ouviram atrás da porta o participante falando que Larissa voltou orientada por uma assessora. As duas o ofenderam de várias formas e ex-cantora do Rouge insinuou que havia o risco de uma agressão. Isso porque Black exigiu ser respeitado. Teve que ouvir "OU O QUE?" como se tivesse imposto uma condição, o que não ocorreu. Mas qual foi a resposta do público diante de todas as situações assistidas? Nenhuma. Black foi eliminado um dia após o momento em que foi humilhado e Sarah saiu pouco tempo depois, perdendo um duelo de votação contra Bruna.
O reality terminou de ser enterrado com a eliminação de Domitila Barros, a única que tinha favoritismo fora do grupo chamado 'desértico'. Foi eliminada pela torcida da Amanda, mesmo sem ter qualquer embate com a médica na casa. A torcida decidiu adotar Larissa, mesmo sabendo que a bajulação era falsa. A última 'vítima' foi Ricardo Alface, que fez jogo duplo e protagonizou vários momentos marcantes da temporada. Já a dona do quarto lugar foi Larissa, que morreu na praia mesmo depois de ter feito de tudo para grudar em Amanda e assim beliscar uma vaguinha na final. Já o último paredão expôs o fracasso do "BBB 23". Foram míseros 22 milhões de votos contra 236 milhões no "BBB 20", 514 milhões no "BBB 21" e 278 milhões no já fraco "BBB 22".
A final foi insossa, o que acabou representando bem a reta final decepcionante da edição. Com os eliminados e os cantores convidados para o show em um estúdio junto com o apresentador, as finalistas viram os VTs e o constrangimento acabou inevitável diante das piadas ferinas de Paulo Vieira e Dani Calabresa ridicularizando a temporada e as escolhas de parte do público. Já o anúncio da campeã teve um Tadeu exaltando o trio e premiando Amanda, que se consagrou vencedora com 68,9% dos votos, de um total de pouco mais de 76 milhões de votos, um fiasco histórico ----- citando apenas as duas últimas edições: 751 milhões de votos no "BBB 22", que premiou Arthur Aguiar, e 633 milhões de votos no "BBB 21", que consagrou Juliette.
O "BBB 23" chegou ao final com a marca do fracasso e não tem como afirmar que não foi merecido. Até a audiência foi a menor da história do reality ---- 20 pontos (em nível comparativo, a final do "BBB 22" teve 26 pontos e a do "BBB 21" marcou 34 pontos). Boninho e a produção do programa não têm culpa das decisões controversas do público, ou parte dele, mas houve cumplicidade em diversas situações. A forma como protegeram as atitudes de Bruna classificando como fruto de 'autenticidade', os péssimos discursos de Tadeu Schmidt ---- que só fez elogios genéricos a todos e escondeu qualquer crítica mais enfática ----, a repescagem de última hora e as expulsões classificadas como meras eliminações ajudaram a destruir o conjunto da temporada que já vai tarde.
Cara e Coragem
2.5 6História de Pat e Moa é um dos muitos fiascos de "Cara e Coragem"
A atual novela das sete, escrita por Claudia Souto e dirigida por Natália Grimberg, está em sua reta final. A poucas semanas do fim, "Cara e Coragem" vai saindo de cena fracassando na audiência e sem repercussão alguma. Foram muitos os erros da trama e todos serão citados na última crítica, mas um deles foi a história dos mocinhos, o que tem sido evidenciado nos capítulos recentes.
Pat (Paolla Oliveira) e Moa (Marcelo Serrado) nunca empolgaram o público. Os protagonistas não tiveram química e o fato de ambos serem dublês deixou o conjunto ainda mais desinteressante. Com todo respeito aos profissionais da área, não é nada atrativo acompanhar a rotina de quem fica atrás das câmeras se arriscando em cenas de ação. E em um folhetim tudo se tornou inútil porque os mocinhos só tinham alguma cena relevante quando paravam de pular e saltar. Na verdade, a profissão acabou servindo apenas para a produção da Globo trabalhar mais na estruturação das cenas. Porque em conteúdo não rendeu nada.
Mas voltando ao enredo dos mocinhos, o fato é que os dois sempre foram sonsos e cínicos. Pat
nunca amou o seu marido, Alfredo (Carmo Dalla Vechia),
hipócrita
A trama do casal nunca foi bem construída até porque não há nada atrativo em acompanhar personagens que já se gostam desde o primeiro capítulo. A autora não aprendeu com o fracasso de Erick (Mateus Solano) e Luiza (Camila Queiroz) em "Pega Pega", novela de 2017, que marcou a estreia solo da escritora.
O contexto ficou pior quando
Pat traiu Alfredo em um dia que beijou Moa. Até porque a personagem fingia que nada tinha acontecido até pedir o divórcio e garantir que nunca tinha traído o marido. Mesmo quando confrontada, a mocinha dizia que era apenas um beijo como se não fosse nada. Mas Claudia Souto ainda guardava uma carta na manga para usar como 'plot twist' nas últimas semanas de história. E a grande surpresa consistia em uma vasectomia que Alfredo fez escondido da então esposa e de outra traição de Pat com Moa, só que desta vez em um período anterior ao início do folhetim. A transa resultou no nascimento de Sossô (Alice Camargo).
Quando Pat e Moa se beijaram agiram como se aquele impulso tivesse sido o primeiro deslize.
por conta da traição de Rebeca (Mariana Santos) com Danilo (Ricardo Pereira), seu melhor amigo. Só que ele traiu Rebeca quando transou com Pat. E Alfredo sempre foi seu amigo.
E como Pat transou com outro sem proteção sem nunca cogitar que a filha era do "amigo" e não do marido? Ela é tão burra assim? E como Alfredo fez uma vasectomia sem a esposa perceber? Simplesmente falou que tinha operado a vesícula e tudo bem? Não teve período pós-operatório? Ela não estranhou nenhuma cicatriz aparente? Eles não transavam? Mas o mais estapafúrdio é o fato dos personagens culparem mais o Alfredo pela mentira sobre a operação do que os mocinhos pela dupla traição. Como pode? O próprio Alfredo se comporta como um culpado sem qualquer amor-próprio. Pat se indignar com o ex-marido sem ter um pingo de vergonha na cara pelo que fez é outra situação ridícula. O texto da personagem beira o constrangedor. "Foi só uma noite" é a frase mais repetida, como se amenizasse o que aconteceu.
Nada mais cansativo em um folhetim do que mocinhos que transbordam virtudes e não têm defeitos, mas o que foi feito em "Cara e Coragem" ultrapassou a linha tênue que divide o 'errar é humano' e o 'sou um cretino mas finjo bem'. Pat e Moa sempre foram protagonistas ruins tanto individualmente quanto como um casal. Nem foram os únicos porque os outros dois personagens centrais (Ítalo/Paulo Lessa e Clarice/Taís Araújo) também são muito mal desenvolvidos, mas vale deixar o tema para a crítica final. O fato é que tudo o que vem acontecendo com Patrícia e Moacyr só terminou de enterrar um romance que nunca agradou.
Todas as Flores
3.4 99 Assista AgoraMesmo com os furos, primeira parte de "Todas as Flores" se mostrou um novelão
A primeira parte da nova novela do streaming chegou ao fim na quarta-feira passada (14) com a disponibilização do último bloco de cinco capítulos. Escrita por João Emanuel Carneiro e dirigida por Carlos Araújo, "Todas as Flores" é uma novela que não se envergonha de ser novela. Nada de sequências que parecem série ou enredos mirabolantes, a trama é um folhetim que reúne todos os elementos que costumam fazer sucesso no gênero. A produção será dividida em duas partes por causa da estreia do "BBB 23" em janeiro. A primeira tem 45 capítulos, enquanto a segunda tem 40 e começa a ser disponibilizada em abril do ano que vem (o texto tem spoiler).
"Todas as Flores" é um conto de fadas moderno, um thriller contemporâneo regado por histórias de amor, vingança e redenção.
Maíra (Sophie Charlotte), uma jovem perfumista com deficiência visual, foi criada pelo pai em Pirenópolis, em Goiás, acreditando que a mãe tivesse morrido. Uma mentira que seu pai contou para proteger a filha do desprezo da mãe, que a rejeitou quando nasceu. Muitos anos depois, Maíra se depara com uma desconhecida a sua porta. É Zoé (Regina Casé), sua mãe. Sem revelar sua verdadeira intenção, Zoé reaparece pedindo perdão à filha por tê-la abandonado. Como em um sonho que se transforma em pesadelo, Maíra vivencia as mais fortes emoções de sua vida. No mesmo dia em que descobre que sua mãe está viva, seu pai morre, assassinado por Zoé. Sem desconfiar de nada, Maíra embarca para o Rio de Janeiro, onde será usada pela mãe para garantir a sobrevivência de sua irmã caçula, Vanessa (Letícia Colin). E o que seria um recomeço feliz ao lado da sua família se transforma em uma longa e perigosa jornada para Maíra.
A história foi muito corrida no primeiro capítulo. Houve um atropelo de acontecimentos desnecessário, até para uma novela mais curta. Tudo o que foi exibido poderia ser desmembrado em até três capítulos sem provocar um clima arrastado.
Mas, logo no segundo, João Emanuel voltou para um ritmo mais normal de um bom folhetim. Uma pena que a passagem de tempo no capítulo 28 tenha prejudicado a narrativa.
Os meses se passaram apenas para Vanessa, que teve seu filho. Maíra engravidou pouco tempo depois da irmã e a barriga nem cresceu. Jéssica (Duda Batsow) foi inseminada na fundação e também não teve avanço gestacional algum. Somente bem depois que Maíra teve seu filho. E o concurso de Garoto Rhodes não acabou mesmo diante do logo intervalo de temp
A trama central é tudo o que um excelente dramalhão precisa: vilãs exageradas, mocinha inteligente, personagens bem construídos e ótima sintonia do elenco. Regina Casé e Letícia Colin estão formando uma dupla deliciosamente diabólica.
Vanessa é a típica vilã passional e que ofende várias minorias a cada frase, enquanto Zoé apresenta traços mais humanos, aparentando uma certa 'leveza' quando comparada com a filha. Maíra é uma mocinha que conquista com facilidade porque não é burra. No fundo sempre desconfiou de todo o 'afeto' que recebia da mãe e da irmã e muitas vezes entrava no jogo de falsidades.
Mariana Nunes ganhou o destaque que merece como Judite, a madrinha de Maíra e rival de Zoé. Como é bom vê-la em cena. Fábio Assunção também vem brilhando como o covarde Humberto. E o que comentar sobre Nicolas Prattes? O ator está excepcional como Diego,
rapaz que acaba na cadeia por ter assumido um crime que não cometeu e tem que lidar com uma sucessão de desgraças em sua família.
bastaria o personagem ter mudado o seu depoimento assim que a promessa feita por Luís Felipe (Cássio Gabus Mendes) não foi cumprida
Diego poderia ser o mocinho de qualquer trama sem problemas. Daria para criar um folhetim tendo a sua família como elemento principal. Kelzy Ecard emocionou com sua sofrida Dequinha e Duda Batsow ganhou boas cenas na pele da inocente Jéssica, irmã de Diego, que acaba caindo em um esquema de trabalho escravo e tráfico de crianças.
Já os núcleos paralelos destoam. Vale observar que o autor raramente acerta em tramas secundárias. Seu forte sempre foi o enredo central de seus folhetins. A recente reprise de "A Favorita" (2008) é uma das maiores provas. Praticamente todos os enredos dos personagens coadjuvantes foram equivocados e mal construídos. A rara exceção em sua carreira foi o fenômeno "Avenida Brasil", de 2012, onde quase tudo funcionou. As situações protagonizadas por Oberdan (Douglas Silva) e Jussara (Mary Scheila) são repetitivas e a trama envolvendo Darci (Xande de Pilares), Chininha (Micheli Machado) e o malandro Joca (Mumuzinho) não despertam interesse. Aliás, os dois núcleos têm algo em comum: a fixação do autor em ciclos de traições com homens galinhas metidos a engraçados.
No entanto, há uma trama paralela que agrada: a protagonizada por Mauritânia (Thalita Carauta),
uma atriz pornô em decadência que herda a fortuna de Raulzito (Nilton Bicudo) e acaba amiga da ex de seu finado namorado, a interesseira Patsy (Suzy Rêgo). A entrada da personagem na Rhodes, como sócia, mexeu no enredo central e destacou Thalita, que está sensacional e muito à vontade em cena. A agora poderosa empresária da moda ainda tem um bom conflito envolvendo a rejeição que sofre da mãe, Darcy (Zezeh Barbosa), e da filha, a interesseira Brenda (Heloísa Honein). E com o envolvimento de Mauritânia e Javé (Jhona Burjack), seu quase sobrinho, a relação do trio terá ainda mais embates.
É preciso citar ainda outros atores que se destacam no elenco, como Bárbara Reis vivendo uma
vilã sensual e intimidadora. Débora é um perfil que desperta muita atenção. Naruna Costa está bem como Lila, assim como o pequeno Rodrigo Vidal na pele do chato do Biel. Ângelo Antônio também está ótimo como o violento Samsa, que aparentava ser inofensivo no início da trama. Bom ver o ator em um papel diferente dos inúmeros bonzinhos passivos que já interpretou. Jackson Antunes está brilhante como Galo e nem dá para lembrar que o vilão era de José Dumont, demitido da Globo depois que o ator foi preso por pedofilia. Adriana Seifertt é mais um bom nome e convence como a fria Garcia, capanga de Zoé.
Já o último bloco de capítulos, disponibilizado semana passada, deixou uma avalanche de furos.
Como o filho de Jéssica ainda não nasceu? A personagem foi inseminada quase que ao mesmo tempo que Maíra descobriu a gravidez. Bandidos enviados por Zoé foram sequestrar o filho de Maíra na casa de Judite, mas fracassaram. O que aconteceu depois? Maíra, Pablo e sua madrinha seguiram morando no mesmo lugar como se nada tivesse acontecido. Inacreditável. No dia seguinte, os sequestradores, chefiados por Galo, conseguiram levar a criança. E o mais absurdo foi a forma como o plano foi elaborado. Colocaram fogo em um jornal dentro de uma lata de lixo, o que causou uma cortina de fumaça por toda a rua. Jamais um mísero jornal queimado faria aquilo. Pareceu fumaça de um incêndio que se alastrou por cinco prédios. E o que dizer sobre o plano de Luis Felipe para prender Débora? Os policiais deram uma mala para Diego e o rapaz conseguiu escapar. Detalhe: entrou em um VLT, o meio de transporte mais lerdo do Rio de Janeiro. Daria para alcançá-lo a pé. E como ninguém botou um rastreador na mala? E qual o motivo do promotor ter dado o flagrante antes mesmo da traficante de gente ter cometido o crime? Como não tinham provas para manter a bandida presa? As negociações para a compra do bebê não foram gravadas? Não fez qualquer sentido. Outra falha foi a continuidade em uma das cenas. Zoé aparece falando com Humberto que Maíra tinha mudado muito rapidamente e não sabia se acreditava na promessa dela de se aliar contra Vanessa. Só que esse diálogo de mãe e filha só foi ao ar depois. Ou seja, inverteram a ordem. Algo primário. Primária também foi a direção da sequência em que Vanessa leva uma surra de cinto de Zoé. A patricinha cai de quatro e fica imóvel esperando a mãe terminar de dar as cintadas. Quando que Vanessa se prestaria a algo assim? Um momento que tinha tudo para ser incrível, mas não foi por conta da direção. Já a última sequência despertou uma ansiedade para a continuação da história. Porém, também vale uma crítica: qual o sentido de Maíra nunca ter falado que sua deficiência visual era operável?
Apesar dos vários furos, "Todas as Flores" vem se mostrando um novelão dos bons e os ganchos que João Emanuel Carneiro colocou a primeira parte, principalmente no final de cada quinto capítulo semanal, provocou o telespectador para seguir acompanhando a história, algo muito importante em uma produção exclusiva do streaming. Um presente para o público noveleiro que anda carente de bons folhetins na grade atual da TV aberta. Agora resta torcer para que a segunda parte, com os 40 capítulos restantes, em 2023, seja tão boa quanto a primeira foi em 2022 e com menos furos.
Lady Night (7ª Temporada)
3.9 3 Assista AgoraTatá Werneck segue fazendo do "Lady Night" o maior sucesso do Multishow!
O "Lady Night" é o maior sucesso do Multishow desde a sua estreia, em abril de 2017. Já são sete temporadas com ótimas entrevistas bem-humoradas conduzidas por uma genial Tatá Werneck. O talk show virou o trunfo da programação anual do canal a cabo. A primeira, a segunda, a terceira, a quarta, a quinta e a sexta temporadas tiveram 25, 20, 25, 13, 11 e 15 episódios, respectivamente. A atual, a sétima, também tem 15, repetindo o número de bate-papos da edição de 2021.
Como mencionado em textos anteriores, a apresentadora se adapta a qualquer entrevistado. Tatá consegue sentir até onde pode ir com cada pessoa. E sempre se prepara antes. É visível que as piadas e deboches são bem mais 'pesados' com entrevistados mais jovens ou quando já são seus amigos pessoais. Há um maior respeito e brincadeiras mais leves com figuras experientes, como Tony Ramos, o grande nome da atual temporada. Aliás, a presença do veterano apenas constata o quanto Tatá é respeitada e querida pela classe artística. O ator estava nervoso e inicialmente inseguro, mas foi se soltando até imitar um 'bonecão do posto' durante uma encenação com a humorista. Foi sensacional. E vale destacar também os momentos emocionantes da conversa. A elegância de Tony é admirável.
E a entrevista com Sabrina Sato foi a mais hilária. A apresentadora não conseguia acompanhar o raciocínio rápido de Tatá, o que rendeu uma avalanche de trapalhadas, onde nem a entrevistadora conseguia segurar o riso. Foi o bate-papo que mais divertiu Tatá e o público.
Outras ótimas conversas foram com Letícia Colin e Vitória Strada (participaram juntas), Tadeu Schmidt, Mateus Solano, Marcelo Adnet e Boninho.
Mais uma qualidade do programa é o inesperado. Isso porque não há quadros fixos com os convidados. A própria Tatá debocha da aleatoriedade com os nomes que dá aos quadros quase sempre de acordo com quem é o entrevistado. Se a pessoa é boa em improviso e mais extrovertida, há maior interação com a apresentadora em pé através de encenações ou jogos e, caso seja tímida, fica o tempo todo sentada fazendo brincadeiras mais simples.
Já o quadro "Entrevista com o Especialista" segue como um dos maiores acertos do formato. Médicos, sexólogos, psicólogos, paisagistas, entre tantos outros profissionais participam, mas falam pouco. A função deles é deixar Tatá se destacar com suas tiradas hilárias e muitas vezes trocadilhos infames. Embora leia um texto, a apresentadora consegue inserir vários improvisos dependendo da reação de cada "especialista". Alguns rendem bastante e outros (mais tímidos) nem tanto. Os melhores de 2022 foram um professor de Ioga, um leiloeiro, um professor de diplomacia e um jogador de polo aquático. Conversas impagáveis.
Escalada para a próxima novela das nove da Globo, "Terra Vermelha", escrita por Walcyr Carrasco e prevista para maio de 2023, Tatá Werneck vai precisar conciliar seu trabalho de atriz com o de apresentadora. Tomara que consiga porque o "Lady Night" não pode ficar um ano fora do ar.
A Fazenda 14
2.7 7Fracassada e sem credibilidade, "A Fazenda 14" virou uma chacota nacional.
Pior do que está não fica. A frase conhecida por um humorista que se candidatou a deputado poderia ser aplicada em "A Fazenda 14". Mas o reality da Record consegue sempre surpreender negativamente, o que anula a expressão que virou uma espécie de meme nas redes sociais. No caso da décima quarta edição do formato dirigido por Rodrigo Carelli sempre dá para piorar. Se a temporada já estava com a mão no troféu da pior de todos os tempos, agora o título foi finalmente oficializado.
Como já mencionado em um texto anterior, até na primeira semana o reality demonstrou que não teria um bom caminho pela frente. Isso porque em uma dinâmica com jornalistas convidados foi exposto que quase todos os participantes já haviam se comunicado sobre a entrada no jogo e até combinaram estratégias. Como houve um vazamento antecipado dos nomes pela imprensa, vários já entraram em contato uns com os outros para planejar o que fariam.
É verdade que "A Fazenda" nunca primou pela ética e muito menos credibilidade. Várias situações deixam evidente a manipulação descarada da produção e um dos principais elementos que proporcionam a interferência é o chamado "Poder do Lampião", onde há sempre um poder secreto que é lido no dia da formação da roça.
O público nunca é informado do conteúdo justamente para a equipe mexer no jogo da forma como desejar, beneficiando um ou outro participante que rende mais barracos ou polêmicas.
No entanto, na atual edição, Rodrigo Carelli foi vítima da própria soberba. Como vários participantes escalados eram surtados e rendiam discussões calorosas praticamente todos os dias houve um excesso de protecionismo que deixou qualquer pessoa minimamente sensata revoltada. O chamado Grupo A sempre foi beneficiado pela produção porque eram os responsáveis pelos ataques e barracos. Liderados por Deolane Bezerra, que ameaçava espancar rivais do lado de fora do programa alegando ter amigos "poderosos", os integrantes do grupo podiam fazer o que quisessem que nada acontecia. Várias agressões foram causadas no programa e as punições inexistiam. Tiago Ramos, que se mostrou um completo desequilibrado e que ficava ainda pior com bebida alcoólica, chegou a empurrar Bárbara Borges e Tati, mas ficou por isso mesmo. Vini empurrou Thomaz e também seguiu pleno no jogo. Somente quando a situação saiu totalmente de controle, durante outra briga repleta de surtos, que Tiago foi expulso juntamente com Shay, que ameaçou revidar a agressão sofrida. Vale lembrar também a normalização da produção com a ameaça de morte que Lucas fez a Shay, dando a entender que andava armado do lado de fora do reality.
Em meio a tanto protecionismo descarado, a produção ainda resolveu subitamente a eliminação de duas pessoas em uma roça. Isso depois que a roça já estava formada, claro. Nada ali é realizado com qualquer cuidado. E o objetivo era eliminar dois integrantes do chamado Grupo B, já que o Grupo A sempre foi o mais odiado do público e todos iam sendo eliminados em sequência quando dois deles enfrentavam algum do B. Mas tanta omissão e manipulação não teria como ficar impune. O irônico é que os responsáveis pelo 'castigo' da equipe de Rodrigo Carelli foram justamente os mais beneficiados por ele. Isso porque Deolane, Pétala, Moranguinho e Bia juravam que diante de tanto favorecimento estavam com o jogo na mão. Mas não sabiam que só eram favoritas mesmo da produção que trabalha com o método 'quanto mais barracos melhor'. Já sem saber o que fazer para melhorar os péssimos índices de audiência, Carelli inventou uma roça falsa na semana passada. E ele já imaginava que as grandes rivais da temporada estariam na disputa. Deolane e Bárbara Borges, juntamente com a Pétala, disputaram a preferência popular e Babi ganhou o direito de assistir a tudo no chamado 'rancho'. No sábado, a participante voltou e deixou Deolane, Moranguinho, Bia e Pétala em estado de choque. O quarteto viu que não era favorito e sim detestado. Foi o bastante para Deolane dizer que tinha combinado com sua família para tirarem ela de lá caso não fosse ganhar o programa. Dito e feito. As irmãs Bezerra fizeram um circo em frente ao local do reality na madrugada de sábado para domingo (04/12), juntamente com uns fãs da dita advogada que foram lá gritar "Liberem a Deolane". Até de cárcere privado acusaram a produção (?). Um show de vergonha alheia nunca visto na história dos realities nacionais. A desculpa era que elas tinham que avisar que a mãe estava hospitalizada e muito doente. Mas em meio ao tumulto, as irmãs riram, fizeram publicidade e tiraram fotos com os fãs. Obviamente era apenas um código muito do mal feito para tirá-la do reality já que ela perderia a final para Babi depois que viu a inimiga triunfar na roça falsa. Caso Deolane tivesse vencido a disputa, as irmãs teriam ido até a fazenda dar aquele show? A resposta é óbvia. Tanto que Adriane Galisteu foi desrespeitada por Morango, Pétala e Bia quando anunciou a 'desistência' de Deolane por conta da saúde da mãe. As três não acreditaram e Pétala até questionou dizendo que não teria lógica a mãe da advogada estar mal em um hospital e as filhas dela na porta da sede com carro de som e soltando fogos (assustando os animais da sede). Realmente, não faz sentido mesmo.
Aliás, nunca uma produção de reality foi tão desrespeitada. E tudo isso só aconteceu porque erraram a mão desde a primeira semana. Uma equipe jamais pode ser tão subserviente quanto a de Rodrigo Carelli foi ao longo dos meses. A própria Adriane, que teve uma apresentação tão boa na edição passada, errou a mão na atual temporada. Acabou vítima de seus próprios equívocos e também não consegue se impor mais depois de tanta passada de pano. Foram tolerantes a tudo o tempo todo. Quando a corda arrebentou não tiveram qualquer condição de segurá-la. As irmãs da Deolane ainda abriram um precedente patético porque agora qualquer familiar de participante poderá romper o contrato mesmo sem o conhecimento do contratado caso o filme dele esteja queimado com o público. Porque essa saída vergonhosa só aconteceu por um motivo: medo de perder a final para a maior inimiga, o que de fato ia acontecer. Deolane gritou tanto (literalmente) ao longo da temporada que era a gostosona do pedaço, não tinha medo de nada, que na hora do vamos ver fugiu da raia tendo as irmãs como cúmplices. O pior é que as asseclas da participante cogitaram desistir também depois que perderam a mulher que tanto bajularam ao longo dos meses. Pétala, Morango e Bia ficaram sem chão e exigiram sair. Afinal, como vão viver agora sem a mestra? Pena que tenham desistido de desistir, já que o piti do trio faz jus ao atual momento do país onde, assim como o presidente, ninguém sabe mais perder. (atualização: Pétala pediu para sair nesta segunda-feira, dia 5, e também desistiu do reality porque ficou sem a ídola para bajular na casa).
"A Fazenda 14" foi o reality das ameaças, da violência e das brigas repetitivas. O resultado foi um fracasso histórico: a média é de 7 pontos, a segunda pior da história do reality show da Record. Perde apenas para "A Fazenda de Verão", exibida em 2013 e apenas com anônimos, que marcou 6,7 pontos de média. Ou seja, apenas por três décimos que não empata com o maior fiasco do formato. Só a nível comparativo, a edição de 2020 (com Jojo Todynho campeã) marcou 13 pontos de média e foi um sucesso, enquanto a de 2021 (com Rico campeão) obteve 9,2 pontos e já apresentou uma queda significativa. Deolane diz que carregou a temporada nas costas. Sendo uma das edições mais fracassadas de todos os tempos, ela realmente pode ter razão.
Todas as Flores
3.4 99 Assista AgoraPassagem de tempo prejudica narrativa de "Todas as Flores"
A novela exclusiva do streaming está no capítulo 30. "Todas as Flores" tem se mostrado um novelão e é muito melhor do que as três tramas inéditas da grade da TV. João Emanuel Carneiro está inspirado. No entanto, na última leva de capítulos (do 25 ao 30, disponibilizados semana passada) houve uma passagem de tempo que prejudicou a linha narrativa da história.
No capítulo 28 houve uma passagem de tempo de alguns meses.
Isso porque Maíra descobriu que estava grávida de Rafael algumas semanas depois que Vanessa (Letícia Colin) percebeu que estava grávida de Pablo e usou o fato para dar um golpe da barriga em Rafael. O intuito do avanço no tempo foi exibir o nascimento do filho de Vanessa e assim iniciar o conflito envolvendo a vilã e o mocinho, já que os dois passaram a morar juntos em uma cobertura no Leblon.
Porém, a saída do autor deixou toda a linha narrativa sem rumo. A barriga de Maíra não cresceu com o passar dos meses. Nem a de Jéssica, que foi inseminada na fundação que trafica pessoas e virou colega de quarto da mocinha. Ou seja, a passagem de tempo só aconteceu para Vanessa. A impressão se concretiza quando as situações envolvendo os núcleos paralelos seguem exatamente iguais ao período antes do avanço dos meses.
O caso de Diego foi o mais visível.
O personagem ficou meses sem achar novamente o irmão caçula? Mesmo depois que descobriu o local onde Galo explora as crianças? Para culminar, Débora combinou com Samsa que arrumaria um advogado falso para despistar Diego. Só que a vilã só apresentou o cúmplice depois da passagem de tempo. Mais uma situação que teve uma falha no roteiro com o avanço na cronologia: como Zoé está falida? Uma criminosa envolvida com tráfico humano não tem dinheiro pra pagar a conta de luz? Difícil de engolir. E Judite? Ficou meses recebendo mensagem falsa da Maíra e não chamou a polícia?
Outro ponto que despertou incômodo:
Garcia só foi contar para Zoé que Maíra estava grávida meses depois. Aquilo não fez o menor sentido. A lógica era ter contado para sua chefe assim que os exames apontaram, dias depois, que a protagonista foi internada lá pela mãe. Mais uma situação que demonstrou o equívoco da passagem de tempo foi o núcleo de Oberdan. A trama do cantor que trai a esposa é o grande equívoco da novela até pela repetições que envolvem os personagens e não deu para engolir o pagodeiro ter ficado meses acampado na porta de casa, pedindo o perdão de Jussara, sem comer. E despertando ainda o interesse da imprensa, que ficou ali cobrindo o 'jejum' todo o tempo.
"Todas as Flores" segue repleta de qualidades, agora João Emanuel Carneiro não teve cuidado com a passagem de tempo. Mesmo sendo um folhetim curto, de 85 capítulos, não havia necessidade. E o problema seria de fácil solução com uma estruturação melhor de alguns capítulos.
A Favorita
3.9 348 Assista AgoraReprise de "A Favorita" reforçou a potência da trama central e os vários problemas dos núcleos secundários
A reprise de "A Favorita" no "Vale a Pena Ver de Novo" está em plena reta final. A decisão da TV de reprisá-la surpreendeu muita gente, afinal, a novela de João Emanuel Carneiro tem cenas fortes. Infelizmente, a suspeita do público foi confirmada. A reprise foi mutilada. Mas houve uma preocupação em cortar muito mais os núcleos paralelos do que o central. Até as cenas icônicas pesadas foram exibidas na íntegra, como o assassinato de Salvatore e de Gonçalo, mas várias cenas com frases irônicas da grande vilã foram eliminadas. Uma pena. E, apesar das edições grosseiras, a reexibição confirmou o que todos já sabiam: a potente trama central fez a história entrar para a galeria de grandes produções da teledramaturgia, enquanto quase todos os núcleos paralelos merecem o esquecimento.
A novela foi emblemática porque começou a ser exibida para o público sem as 'determinações' clássicas a respeito de quem era mocinha e quem era vilã. O telespectador não ficou na condição privilegiada de saber o contexto do enredo, muito pelo contrário, ele simplesmente passou a fazer parte daquela trama, podendo ser enganado ou não pelas duas principais personagens. Eram duas versões de uma mesma história e a pergunta exposta no teaser chamava atenção: "Quem está falando a verdade?". Um dos atrativos era justamente bancar o detetive, analisando o comportamento dos perfis.
O público se viu na mesma condição dos personagens, não podendo julgar quem acreditava ou não em quem. Afinal, o telespectador ficou tão em dúvida quanto várias figuras pertencentes ao enredo tão bem trabalhado pelo autor. Porém, João, muito inteligentemente, soube induzir com competência, abusando de estereótipos clássicos em folhetins.
Era normal achar que a loira, de olhos claros e cara de sofrida (que havia cumprido pena de 18 anos por ter assassinado um homem) era inocente e tentava se vingar de seus delatores, após ter ficado longe da filha (Lara - Mariana Ximenes) por tanto tempo. Flora (Patrícia Pillar) carregava todos os atributos de uma vítima injustiçada em busca de justiça.
Ao mesmo tempo, Donatela (Cláudia Raia), uma mulher rica, arrogante, elitista e perua tinha todas as características de uma vilã em potencial. Para culminar, era passional ao extremo. E a personagem sempre garantiu que Flora era uma demônia que havia assassinado seu marido, Marcelo (Flávio Tolezani), a sangue frio. A novela foi se desenvolvendo em torno da disputa de 'verdades', e, apesar das induções do autor, não dava para ter certeza a respeito de quem era culpada ou vítima da situação. Havia um clima de suspense constante que deixava a trama imperdível, onde as peças do quebra-cabeças eram encaixadas aos poucos, à medida que os capítulos se desenrolavam. Aliás, essa ousadia do escritor provocou um natural estranhamento do público, refletindo em uma audiência abaixo do esperado nas primeiras semanas. A rejeição implicou na antecipação da revelação da identidade da assassina. O autor queria esperar até o capítulo 100, mas veio bem antes (por volta do 60).
E a história caiu do gosto popular assim que a grande revelação foi feita em uma das melhores viradas da teledramaturgia. Após apontar uma arma para Flora, ameaçando matá-la, Donatela é desarmada pela rival, que tira sua máscara revelando seu instinto assassino, enfatizando que a perua nunca teria coragem de apertar o gatilho, ao contrário dela que era uma assassina. A partir de então, o enredo começou a seguir o seu caminho tendo a vilã e a mocinha claramente expostas. A reviravolta se deu antes da metade da trama e serviu para destacar ainda mais Patrícia Pillar e Cláudia Raia na história, que passaram a ser bem exigidas. Todas as sequências de flashback do assassinato de Marcelo foram impactantes e desnudaram a psicopatia de Flora. Mas nem foi o bastante. A primeira cena da vilã sem máscaras diante do público foi quando usou a arma que Donatela tinha apontado para ela anteriormente para matar Doutor Salvatore (saudoso Walmor Chagas). Tudo diante da própria Donatela. Foi uma cena chocante. Um plot twist de respeito.
Com a revelação, todo o passado das protagonistas foi ficando ainda mais em evidência. As duas cresceram como irmãs e eram unha e carne, pois Donatela perdeu os pais em um acidente e acabou adotada pela família de Flora. Ambas tinham vocação para o canto e acabaram formando uma dupla sertaneja (Faísca e Espoleta) de relativo sucesso ("Beijinho Doce" era a música que marcava a parceria), cujo 'empresário' era Silveirinha (Ary Fontoura), um caça-talentos ---- que depois virou mordomo de Donatela e ainda foi para o lado da Flora quando a então patroa se viu arruinada. A turnê da duas acabou interrompida quando Donatela conheceu Marcelo, provocando imenso ciúmes de Flora, que acabou se envolvendo com o malandro Dodi (Murilo Benício) ---- a vilã ainda mandou sequestrar o filho da 'amiga' (Halley - Cauã Reymond) e teve um caso com Marcelo, desestabilizando de vez o relacionamento com a 'quase irmã.' Para culminar, engravidou de Lara e fingiu que era filha de Marcelo, mas na verdade era fruto de seu caso com Dodi. E o presente acabou repetindo o passado porque as duas se envolveram amorosamente com o jornalista Zé Bob (Carmo Dalla Vecchia)
O enredo central era repleto de detalhes e foi desenvolvido com maestria por João Emanuel Carneiro, que soube rechear a trama com drama, suspense, viradas e thriller. Até porque uma das cenas mais impactantes da história da teledramaturgia foi protagonizada por Patrícia Pillar e Mauro Mendonça, intérprete do ricaço Gonçalo. Pouco depois de ter descoberto que Flora era uma psicopata assassina, o empresário caiu em uma emboscada armada pela vilã ---- que já havia substituído os remédios do avô de Lara por balinhas ---- e teve um infarto quando viu todos os cômodos de sua mansão ensanguentados, enquanto ouvia a víbora dizer que sua neta e esposa (Irene - Glória Menezes) tinham sido assassinadas por ela. Uma cena de terror psicológico extraordinária, onde Patrícia e Mauro deram um verdadeiro show de atuação.
Todavia, os núcleos paralelos eram muito ruins. Apenas uma trama secundária teve um bom desenvolvimento e despertou atenção do telespectador: o drama de Catarina (esplêndida Lília Cabral), que era constantemente agredida pelo marido (Leonardo - Jackson Antunes). No último capítulo, ficou até subentendido que o violento homem abusava da filha do casal, interpretada por Clarice Falcão. Os fortes conflitos resultavam em ótimas cenas e ainda marcou a estreia de Alexandre Nero nas novelas ---- o ator viveu o verdureiro Vanderlei, que era apaixonado por Catarina. Aliás, a personagem defendida com brilhantismo por Lilia se envolveu em um triângulo amoroso que despertou discussões na época. Além do romance velado com Vanderlei, Catarina teve uma relação com Stela (Paula Burlamaqui). Porém, João Emanuel Carneiro sempre prestou um desserviço em se tratando de homossexuais, vide Orlandinho (Irã Malfitano). O personagem era apaixonado por Halley, mas terminou feliz ao lado de Maria do Céu (Deborah Secco), ex-garota de programa com quem acabou criando amizade. Aliás, o núcleo da ex-prostituta era um dos muitos deslocados. Tanto que o grande Nelson Xavier acabou saindo logo da história (Edvaldo, pai de Maria, foi atropelado por um caminhão) e Roberta Gualda (Greice, irmã de Maria) praticamente sumiu da trama.
O romance de Copola (Tarcísio Meira) e Irene (Glória Menezes) proporcionou algumas boas cenas dos veteranos, mas o personagem de Tarcísio tinha muito menos destaque do que o papel de sua esposa na vida real. O ator foi um figurante de luxo. Já as situações vividas pela ex-manicure Cilene (Elizângela) e suas meninas que eram 'oferecidas'' como acompanhantes de homens ricos pela cafetina ----- Manu (Emanuelle Araújo), Sharon (Giovanna Ewbank) e Melissa (Raquel Galvão) eram até divertidas, mas acabavam andando em círculos. E o que dizer da trama protagonizada por Augusto Cézar (José Mayer)? O alienado dizia ver discos voadores e nunca teve relevância para o roteiro. Uma situação patética.
Outro núcleo paralelo que se mostrou um equívoco foi o triângulo protagonizado pelo prefeito Elias (Leonardo Medeiros), a esposa Dedina (Helena Ranaldi) e o amante Damião (Malvino Salvador). Até porque o desfecho da situação, onde a mulher acabou humilhada e agredida de todas as formas, enquanto o homem nem foi visto como grande culpado expôs um machismo absurdo. E vale lembrar que a novela foi em 2008. Imagine o conflito sendo visto em 2022. Mais uma situação decepcionante: o núcleo do político corrupto Romildo (Milton Gonçalves), que vivia em conflito com os filhos Alícia (Taís Araújo) e Didu (Fabrício Boliveira). Nas primeiras semanas, até parecia que aquele drama familiar seria atrativo. Mas os personagens foram perdendo cada vez mais destaque até praticamente desaparecerem no enredo. Taís Araújo tinha sido presenteada pelo autor com a mocinha Preta, em "Da Cor do Pecado" (2004) e com a interesseira Ellen, em "Cobras & Lagartos" (2007), mas ganhou uma péssima personagem na terceira parceria com João Emanuel. E outra intérprete que ganhou um papel ruim foi Juliana Paes. A jornalista Maíra teve poucas cenas, mas a sorte da atriz foi o convite de Glória Perez para protagonizar "Caminho das Índias", produção que substituiu "A Favorita". Acabou obrigada a deixar a história e a jornalista virou uma das vítimas de Flora.
Vale citar também a saga desinteressante do tímido Cassiano (Thiago Rodrigues). Seu sonho em ser cantor pouco acrescentou e era uma das partes mais chatas do folhetim. Outros perfis também ficaram deslocados, desvalorizando seus intérpretes, como Tereza (Rosi Campos), Lorena (Gisele Fróes), Átila (Chico Diaz), Dulce (Selma Egrei), Arlete (Ângela Vieira), Cida (Cláudia Ohana), Amelinha (Bel Kutner), Rita (Christine Fernandes), Diva (Giulia Gam), Iolanda (Suzana Faini), Arlete (Ângela Vieira), entre outros. Mas em meio a tanto desperdício de talento, é preciso ressaltar que todos os atores envolvidos na história central tiveram momentos grandiosos. Patrícia Pillar ganhou a melhor personagem de sua carreira e Flora está na lista de melhores vilãs da teledramaturgia. Cláudia Raia ganhou a personagem mais ousada de sua trajetória na televisão e honrou a carga dramática de Donatela, um perfil bem distante dos tipos mais exagerados que a acompanham nas novelas. Ary Fontoura fez um Silveirinha com ares macabros e sua interpretação impressionou. Genésio de Barros brilhou como Pedro, o sofrido pai de Flora, cuja palavra era sempre desacreditada por todos. Mariana Ximenes esteve ótima como Lara, mesmo diante de tanta chatice que envolvia a mimada garota. Murilo Benício imprimiu um deboche delicioso ao malandro Dodi. Mauro Mendonça fez de Gonçalo um dos mais queridos da novela, após um início onde o empresário aparentava ser um vilão. Já Glória Menezes mais uma vez mostrou a razão de ser considerada uma das melhores atrizes do país. Irene despertava a raiva do público diante de tanta ingenuidade diante das armações de Flora, mas como era bem interpretada. A cena em que Irene descobriu a verdadeira identidade da vilã foi a mais aguardada da novela.
"A Favorita", dirigida com competência por Ricardo Waddington, não foi uma novela impecável em virtude dos problemas em praticamente todos os núcleos paralelos, mas foi a trama mais ousada de João Emanuel Carneiro. Só em ter demonstrado coragem de enganar o telespectador, junto com os personagens, e não contar de cara quem era a mocinha e a vilã, em pleno horário nobre da TV, já merece todos os elogios possíveis. Entrou para a galeria de grandes folhetins da teledramaturgia com mérito. É preciso ainda mencionar a genialidade da abertura que contava toda a história e revelava o maior mistério do roteiro, mas que muita gente só reparou depois que tudo foi revelado. Um novelão que vale a pena ver de novo.
Travessia
2.3 17Trama envolvendo
pedofilia
A novela das nove de Glória Perez está em plena reta final, após longos meses transbordando problemas, tanto de desenvolvimento quanto de conflitos. E "Travessia" segue com todos os defeitos apontados ao longo de sua exibição. Uma pena que a história não tenha apresentado qualquer virada atrativa. Felizmente, a autora acertou com a abordagem em cima da
pedofilia na internet.
O drama envolvendo Karina (Danielle Olímpia) foi inserido com mais da metade da novela no ar. A personagem nunca teve relevância e aparecia poucas vezes, sempre para ser uma espécie de 'orelha' para os desabafos de Brisa (Lucy Alves). Mas era um conflito que já estava planejado. A única mudança foi na duração do enredo. Seria bem breve, mas o impacto da imagem do pedófilo, vivido brilhantemente por Claudio Tovar, fez com que a participação do ator fosse ampliada e consequentemente a duração do conflito.
O maior destaque da perturbadora situação vivida por Karina foi benéfica para o folhetim.
pesadelo
A menina passou a conversar pela internet com uma influenciadora que sempre admirou, Bruna Schuller, vivida por Giullia Buscacio. E por causa da nova 'amizade' achou que seu sonho de ser uma modelo estava cada vez mais próximo de ser realizado.
A personagem só não tinha ideia que estava conversando com um holograma criado pelo criminoso. A sequência em que o pedófilo acabou revelado para o público foi a mais aterrorizante de "Travessia". A expressão de Claudio Tovar assustou, assim como todo o processo para a mudança de sua voz feita pelo computador.
Porém, Karina ainda seguia acreditando que falava com a influenciadora de sucesso.
A cena em que o pedófilo tirou a máscara para sua vítima foi exibida na semana retrasada e provocou todo o horror necessário para despertar o alerta em de uma situação que costuma ser comum entre crianças e adolescentes. Claro que na novela houve um certo exagero na criação do holograma que era a própria Giullia Buscacio que interpretava, mas é um tipo de licença poética válida. O choque de Karina ---- quando viu o monstruoso sujeito mostrando suas fotos nua e a ameaçando ---- foi exposto com total entrega de Danielle Olímpia, uma grata revelação da trama. É a estreia da atriz na Globo, após uma elogiada participação em "Sintonia", série da Netflix (2019/2023). O desespero da menina impressionou, assim como a expressão de satisfação do criminoso. Aliás, Claudio Tovar está irreconhecível na pele de um personagem que é tão assustador que nem nome tem.
Vale destacar a continuação da cena, quando o pedófilo exigiu que Karina tirasse a roupa para não divulgar suas fotos. Logo depois, uma sequência em que Helô (Giovanna Antonelli) explicou sobre o significado de estupro virtual foi exibida.
"Travessia" tem muitos defeitos e faz por merecer todas as críticas que recebe desde a estreia. Felizmente Glória Perez está de parabéns pelo desenvolvimento de uma situação tão importante envolvendo
pedofilia
Todas as Flores
3.4 99 Assista Agora‘Todas as Flores’ é novelão clássico, mas também subversivo
Nova telenovela de João Emanuel Carneiro, lançada pela streaming, 'Todas as Flores' tem elementos folhetinescos clássicos, porém o frescor de uma crônica social sobre o Brasil contemporâneo. Regina Casé e Letícia Colin vivem mãe e filha vilãs que prometem roubar a cena.
Sophie Charlotte, Mariana Nunes, Regina Casé e Letícia Colin: elenco feminino de primeira.
Maíra, a heroína da novela Todas as Flores, que acaba de ter seus primeiros capítulos lançados na plataforma de streaming nacional, não poderia ser mais folhetinesca. Vivida pela talentosa Sophie Charlotte, ela é uma jovem cega, criada pelo pai em Pirenópolis, cidade histórica do interior de Goiás, acreditando ser órfã de mãe. Não é.
Na melhor tradição do melodrama clássico, Maíra, que tem um olfato privilegiado e sonha em ser perfumista, é surpreendida pelo ressurgimento inesperado de Zoé (Regina Casé), que vai ao coração do Brasil em busca da filha perdida. Jura de pés juntos que a jovem foi sequestrada quando meninas pelo ex-marido (Chico Diaz), que morre, já no episódio inicial, em decorrência de um ataque cardíaco fulminante, precipitado pelo aparecimento inesperado da mãe de sua filha.
A missão de Zoé, no entanto, não é recuperar o tempo perdido com Maíra. Sua outra filha, Vanessa (Letícia Colin), está com leucemia e precisa da irmã como doadora compatível de medula óssea. Inocente útil, Maíra é, então, levada pela mãe ao Rio de Janeiro, onde irá se apaixonar por Rafael (Humberto Carrão), noivo da inescrupulosa Vanessa, que não o ama e só está interessada no dinheiro do rapaz, herdeiro da Rhodes, uma grande marca de roupa, acessórios e – olha, vejam só! – perfumes.
Escrita por João Emanuel Carneiro, autor de Avenida Brasil, a mais importante novela exibida neste século, Todas as Flores, aparentemente, não traz nada de muito novo em termos de teledramaturgia. Afinal, tem como protagonista uma mocinha cega.
Mas o folhetim, por mais que não fuja em sua essência da matriz melodramática mais tradicional, não se apropria dela sem, também, subvertê-la. Zoé, que inicialmente seria interpretada por Glória Pires, expert em vilãs, ganhou outras nuances na pele de Regina Casé.
Após viver icônicas personagens da classe trabalhadora, como as abnegadas e heroicas protagonistas do filme Que Horas Ela Volta? e da novela Amor de Mãe, Regina traz um frescor inesperado a Zoé, que de maternal não tem nada: alpinista social, a personagem ganha a vida traficando pessoas e, embora tenha ascendido socialmente, sua aparente sofisticação é só casca, camada fina de verniz. Saiu da Gamboa, região pobre do Centro do Rio, berço do samba, mas o bairro segue firme e forte dentro dela.
Essa dicotomia, quando defendida por uma atriz que vai do drama à comédia, e vice-versa, em um estalar de dedos, como Regina Casé, já faz de Zoé uma vilã atípica. Só para ser ter uma ideia, a personagem é amante do pai do noivo da filha, Humberto (Fábio Assunção), que conhece desde os tempo da Gamboa. Os dois fizeram uma parceria com o objetivo de se livrarem da pobreza, dando o golpe do baú em Guiomar (Ana Beatriz Nogueira), mãe de Rafael.
Regina traz uma bem-vinda “bagaceirice” à antagonista Zoé, que faz dobradinha espetacular com Letícia Collin, perfeita como a politicamente incorreta, preconceituosa e malvada até a medula (sem trocadilhos) Vanessa, espécie de reencarnação século XXI de Maria de Fátima, icônica vilã vivida por Glória Pires no clássico Vale Tudo (1988), de Gilberto Braga.
Aliás, se João Emmanuel Carneiro, um dos roteiristas do filme Central do Brasil, descende, artisticamente, de algum teledramaturgo brasileiro é, com certeza, de Braga, pelo viés da acidez com que constrói suas tramas na qualidade de crônicas folhetinescas da sociedade brasileira, retratando seus paradoxos e abismos.
Com uma narrativa ágil e diálogos inspirados, cortantes, Todas as Flores, que terá cinco novos capítulos lançados toda quarta-feira, promete vastas emoções em vários aspectos. Tanto que a Globo já parece ter se arrependido de ter colocado no ar, no horário das 21 horas, a muito inferior Travessia, novela de Glória Perez que parece anacrônica, ultrapassada, cafona mesmo, se comparada ao folhetim de João Emanuel Carneiro.
Em tempo: um dos maiores destaques de Todas as Flores é o grande numero de personagens negros importantes na trama, a começar por Judite, inimiga número um de Zoé e madrinha de Maíra, vivida pela excelente Mariana Nunes, que rouba a cena nos primeiros cinco episódios disponibilizados pelo streaming. O casal de pagodeiros Oberdan (Douglas Silva), obcecado por sexo, e Jussara (Mary Sheyla), sempre aos tapas e beijos, devem garantir boa parte do alívio cômico à trama. Agora, é esperar para ver.
Pantanal
4.2 49 Assista AgoraSem adaptações relevantes, sucesso do remake de "Pantanal" se deu pela força da história e dos personagens emblemáticos de Benedito Ruy Barbosa
O remake de "Pantanal" teve um tratamento diferenciado da Globo. Houve um intenso trabalho de divulgação bem antes da produção estrear e enquanto estava no ar foi assunto de todos os programas de entretenimento da grade. Também investiu bastante na novela que teve um clima de superprodução. O esforço valeu a pena. A obra baseada fielmente na história escrita por Benedito Ruy Barbosa na Rede Manchete em 1990, que chegou ao fim nesta sexta-feira (07/10), teve uma boa repercussão e audiência satisfatória. Fez sucesso. Aumentou oito pontos a média geral da faixa em comparação com a antecessora, "Um Lugar ao Sol", que não recebeu o mesmo tratamento.
A fotografia e o elenco foram os grandes trunfos da trama adaptada por Bruno Luperi, neto do autor. A direção de Rogério Gomes impressionou na primeira fase, enquanto a de Gustavo Fernandez manteve a qualidade na segunda. As imagens --- com direção de fotografia de Walter Carvalho --- encheram os olhos e pareciam pinturas. A preocupação em gravar várias cenas sempre ao entardecer, aproveitando os breves minutos do pôr-do-sol diante do verde e das águas do Pantanal, teve um resultado deslumbrante e deve credenciar a obra para concorrer ao Emmy Internacional.
A primeira fase foi impecável. Com poucos personagens e um bom ritmo, sem pecar pela lentidão ou uma correria desnecessária, a trama logo conquistou o telespectador através dos personagens emblemáticos criados por Benedito há 32 anos e pelos atores que aproveitaram a curta chance que tiveram.
Renato Góes esbanjou carisma como Zé Leôncio, Bruna Linzmeyer se destacou como Madeleine, Malu Rodrigues brilhou como Irma e Letícia Salles se mostrou uma grata revelação na pele da dedicada Filó. Irandhir Santos fez uma breve aparição nos primeiros capítulos como Joventino e sua atuação visceral fez diferença. Já Enrique Diaz e Juliana Paes foram os responsáveis pelas sequências mais dilacerantes da história. Gil e Maria Marruá eram um casal repleto de dores e perdas. Os intérpretes viraram os maiores destaques da produção, principalmente Juliana diante de tantas cenas difíceis e catárticas, como o momento em que sua personagem 'virou' onça.
A mudança de fase gerou um receio por conta da catástrofe ocorrida em "Velho Chico", escrita por Luperi e Edmara Barbosa em 2016, que apresentou uma primeira fase primorosa e decepcionou na segunda com parte de um elenco que não manteve as características dos personagens mais jovens. Todavia, desta vez tudo deu certo na passagem de bastão. Que escalação precisa. Os atores até se pareceram fisicamente, vide a incrível semelhança entre Letícia Salles e Dira Paes como Filó, Bruna Linzmeyer e Karine Teles como Madeleine e Malu Rodrigues e Camila Morgado como Irma. Houve um certo estranhamento inicial com o Leôncio de Marcos Palmeira porque o protagonista solar de Renato Góes deixou de existir e virou um sujeito amargo. Mas logo foi aceito diante do show do ator. Foi o melhor momento de Palmeira na televisão.
E a melhor escalação do remake foi Alanis Guillen. A Juma Marruá tinha que ser dela. A atriz foi uma grata revelação em "Malhação - Toda Forma de Amar", de 2019, e conseguiu compor uma personagem totalmente diferente da colega Cristiana Oliveira, a Juma de 1990, ao mesmo tempo que manteve uma leve essência da mulher-onça de 32 anos atrás. A sua linguagem corporal, as expressões faciais, enfim, muitas vezes a intérprete parecia um felino, ora assustado ora com 'reiva'. Alanis foi tão boa que divertia em determinados momentos diante de tanta ingenuidade ou falta de modos da filha de Maria Marruá. Aliás, sua química com Jesuíta Barbosa foi incontestável. O casal funcionou e a música tema ("Amor de Índio", cantada por Almir Sater) encantou. O ator também merece ser elogiado. Seu Jove foi bem diferente do interpretado por Marcus Winter em 90, que era machista, cômico e às vezes agressivo. Uma das raríssimas mudanças do remake. E Jesuíta convenceu na pele de um mocinho sensível, introspectivo e progressista. O ator ainda tinha cenas de grande delicadeza com Osmar Prado.
Aliás, Velho do Rio está na lista de perfis memoráveis da trama. O 'veio' que se transformava em sucuri e provocava curiosidade em todos os personagens não poderia ter sido interpretado por ator melhor. Inicialmente, Antônio Fagundes foi escalado para o papel, mas recusou por questões salariais após o término de seu contrato com a Globo. Com todo respeito ao veterano, que com certeza brilharia em cena, a entidade tinha que ser de Osmar, que dominou a novela desde sua primeira aparição. Foram inúmeras sequências emocionantes protagonizadas pelo ator e várias até cômicas por conta do deboche sobre quem não conseguia vê-lo. Alanis e Jesuíta foram os parceiros mais constantes de Osmar e o trio funcionou junto. Vale destacar ainda um dos momentos mais sensíveis do remake: a montagem feita com uma cena antiga do saudoso Cláudio Marzo, que viveu o Velho em 1990, com uma saudação emocionada de Osmar, como se um tivesse passado o bastão para o outro. A imprensa não tinha vazado a cena e foi uma surpresa quando apareceu na tela.
Já o grande destaque da novela foi Maria Bruaca. Isabel Teixeira tinha feito uma participação na controversa "Amor de Mãe", em 2019, mas foi com o papel da esposa que era maltratada pelo marido que a atriz viveu seu auge. Com longa carreira no teatro, Isabel se mostrou uma grata surpresa para muita gente que não conhecia seu trabalho. A personagem tem um arco que raramente falha na teledramaturgia: a da mulher humilhada que sofre violência doméstica e dá a volta por cima. Um assunto ainda muito atual, infelizmente. A intérprete copiou vários trejeitos de Angela Leal, sua colega que viveu a Bruaca em 1990, e conseguiu emocionar e divertir o público. Foram várias cenas maravilhosas e sua parceria com Julia Dalavia (Guta), Murilo Benício (Tenório) e Paula Barbosa (Zefa) foram muito acertadas, assim como sua química com Juliano Cazarré (Alcides). A sua atuação a consagrou como melhor atriz coadjuvante do ano. Até virou meme por conta da cena em que Maria disse para Alcides: "Ocê tá armado? Fivela de respeito".
Murilo Benício foi mais um nome que brilhou. Seu Tenório teve uma composição totalmente distinta do colega Antônio Petrin. O veterano se destacou na trama de 1990 e construiu um vilão assustador e repugnante. Dava medo. Já Benício imprimiu uma dose de cinismo no grileiro. E um tom mais suave. O primeiro Tenório era um lobo que aterrorizava, já o segundo era o lobo em pele de cordeiro. Murilo mais uma vez provou que se destaca em qualquer papel e foi possível constatar sua versatilidade porque coincidentemente esteve no ar com dois outros personagens de sucesso em sua carreira: o 171 Dodi, na reprise de "A Favorita" no "Vale a Pena Ver de Novo", e o mocinho Danilo, na recém-iniciada reexibição de "Chocolate com Pimenta". Vale destacar ainda como grandes acertos Bella Campos e Guito, duas gratas revelações do remake, além das talentosas Selma Egrei (como Mariana) e Aline Borges (como Zuleica).
E é impossível não citar Trindade na lista dos trunfos do remake. O violeiro, que tinha pacto com o cramulhão, foi vivido por Almir Sater em 1990 ---- que agora interpretou o chalaneiro Eugênio ---- e em 2022 acabou brilhantemente interpretado por seu filho, Almir Sater. O personagem caiu nas graças do público e as cenas em que o peão incorporava o diabo eram sensacionais. Aquele realismo fantástico que dava um charme para a história. Sua sintonia com Camila Morgado transformou o casal 'Trirma' em um sucesso, mesmo com poucas cenas de romance. Mas foi justamente o Trindade que expôs o maior equívoco do remake: a fidelidade tacanha de Luperi ao enredo original. O neto se recusou a mexer mais de duas vírgulas no texto do avô e sua covardia implicou na saída do violeiro da história. Isso porque Almir precisou sair da obra de 1990 para protagonizar "Ana Raio & Zé Trovão", na mesma Manchete. Só que Gabriel deu várias entrevistas dizendo que queria ficar até o final e assim ter um desfecho diferente. Não foi ouvido. Nem ele e nem o público. O autor alegou que não mudou porque a novela era uma obra fechada, mas não era verdade. Várias cenas de "Pantanal" eram gravadas enquanto a produção ainda estava no ar. Por sinal, o encerramento dos trabalhos só aconteceu na penúltima semana de folhetim. Bruno apenas teve medo de assumir que não quis mesmo mexer em nada.
É a partir do medo de Luperi que todos os problemas do remake se mostraram. O neto de Benedito Ruy Barbosa já tinha provocado um incômodo quando manteve a morte trágica de Madeleine sem uma justificativa plausível. Em 1990, Ítala Nandi deixou a produção para a realização de um filme e Benedito não a perdoou até hoje, segundo a atriz. O plano do veterano era causar um acidente, mas a mãe de Jove seria salva pelo Velho do Rio. Por qual motivo, então, o neto não realizou o desejo do avô na época? Karine Teles estava excelente com um primeiro papel de destaque em uma novela. A personagem era controversa e movimentava a história. Bruno fez questão de dizer em várias entrevistas que teve total liberdade para a condução da obra. Se teve mesmo, não há como negar: foi covarde. Mas muitos chegaram a mencionar que seria uma alteração muito brusca no roteiro. Não seria se a irmã de Irma ficasse desaparecida e voltasse na reta final. Só que a fidelização limitada ainda estava apenas no começo. Muitos outros erros estavam por vir.
Uma das marcas da versão original foi a barriga (período de enrolação onde nada de relevante acontece na história). A produção teve 216 capítulos e muitos deles tinham cenas repetitivas, situações que andavam em círculos e várias imagens de paisagens lindas e voos de tuiuiús para preencher o tempo. Embora sempre muito elogiada, o maior defeito da trama nunca caiu no esquecimento. O remake durou bem menos tempo: teve 167 capítulos. Ou seja, 43 capítulos a menos. Pela lógica, a narrativa arrastada seria amenizada. Mas não foi. Isso porque Luperi não criou um único conflito novo na história. Ele manteve absolutamente tudo igual. Então, obviamente não adiantou ter menos dias no ar porque a obra original teve muito mais que 43 capítulos de enrolação. O neto manteve até as idas e vindas insuportáveis de Juma e Jove por conta da tapera da onça. Também persistiu no erro do arco dramático de Zé Lucas de Nada (Irandhir Santos), que nunca teve uma função clara na história porque foi criado em 1990 por causa da exigência do público pela permanência de Paulo Gorgulho, intérprete do Leôncio na primeira fase, na produção. Custava ter criado um drama interessante para o papel tão bem defendido por Irandhir? A mísera alteração feita foi em torno da gravidez de Érica (Marcela Fetter). Há 32 anos, a patricinha inventava a gravidez para dar um golpe do baú. Agora engravidou e sofreu um aborto. Só que a alteração deixou o contexto pior porque Zé a abandonou no altar pela 'mentira', sendo que, dias antes, garantiu apoiá-la em todos os instantes. Algo que nada acrescentou ao roteiro.
A preguiça do autor foi tão grande na adaptação que muito telespectador desavisado achou que a história se passava em 1990. Na obra original, Jove leva a televisão para a fazenda. Para manter tudo idêntico, o filho de Leôncio fez a mesma coisa no remake, só que levou internet junto. Depois de meses. Como pode um sujeito milionário não ter qualquer modernidade em sua fazenda por mais antiquado que seja? Virou piada nas redes sociais Filó e Muda não terem uma máquina de lavar e precisarem fazer tudo em um tanque debaixo de um sol escaldante. Parece bobagem, mas foram erros primários. E o texto original era seguido tão à risca que várias conversas e situações ficaram anacrônicas. Como levar a sério o drama de Juma e Jove? Qual o problema da menina querer morar na tapera e não na fazenda do sogro? Bastava fazer uma reforma no lugar e pronto. O diálogo sobre prevenir uma gravidez que Juma teve com Filó, onde a camisinha sequer foi citada, beirou o ridículo. O único método que a companheira de Leôncio insinuou foi o chamado 'coito interrompido'. E Zefa com medo de engravidar de Tadeu durante a transa e ele dizendo que não tinha problema porque seria mais um peãozinho vindo? Ainda é preciso mencionar a representação de todas as figuras femininas no enredo: todas donas de casa sem qualquer profissão e que passam o dia inteiro esperando os homens chegarem do trabalho. Ok, é uma realidade em muitos lugares do país. Mas a trama não teve uma exceção sequer? Realmente parecia novela de época.
A total recusa em modificar o roteiro de Benedito Ruy Barbosa era tão evidente que até a inserção de um tema atual foi realizada de forma superficial e desconexa por Bruno Luperi. As queimadas vêm devastando o Pantanal e virou um dos maiores problemas do Brasil atual. Imagens chocantes de animais mortos e da vegetação destruída, captadas de reportagens reais de 2020, foram exibidas juntamente com a cena em que o Velho do Rio se desespera diante do fogo, sem ter como impedir. Seria um excelente novo drama para a novela. Mas só durou aquele instante. Os demais personagens fizeram breves comentários sobre as queimadas e pouco se importaram. Não modificou a rotina de ninguém ---- afinal, para modificar seria necessário criar novas cenas que não existiam na obra original. E da forma como tudo foi abordado, causou a impressão de que o fogo se deu de forma expontânea e não por algum garimpeiro ou empresário do agronegócio interessado na invasão de terras. Um tema tão importante abordado da pior maneira possível.
Outro problema na narrativa que se manteve intacto foi a ausência de conflitos depois que Levi (Leandro Lima) foi devorado pelas piranhas. A novela tinha um ótimo ritmo até a morte do vilão. Depois mergulhou em um marasmo e nunca mais saiu. Não por acaso, a repercussão nas redes sociais sofreu uma diminuição significativa desde então. E o drama usado para movimentar o roteiro era a paixão sem qualquer nexo que Zé Lucas passou a nutrir por Juma, o que deixou o conjunto maçante. Para piorar, foram longos meses de especulações sobre a morte de Tenório. Alcides e Muda elaboraram mil planos que não chegavam a lugar algum. Por sinal, Muda era uma das melhores personagens, mas perdeu a relevância depois que se casou com Tibério. E até mesmo Juma e Jove sumiram do enredo depois que se casaram. Os mocinhos ficaram avulsos até a última semana de folhetim. Um erro crasso da obra original que precisava ser alterado.
Mais um problema que não passou batido foi o desenvolvimento de Zaquieu (Silvero Pereira). Luperi fez pequenas mudanças no texto em cima da homofobia sofrida pelo personagem. Em 1990, Leôncio debochava dele junto com os peões e em 2022 o fazendeiro os repreendeu. Mas ficou nisso. Porque na narrativa não houve alteração, o que ocasionou uma péssima impressão. Afinal, o ex-mordomo de Mariana deixou de ser afeminado para conseguir ser aceito naquele lugar. Ainda se apaixonou por Alcides e a situação não rendeu nada na história, apenas reforçou o estereótipo do gay que não consegue ser amigo de hetero sem se interessar. Também assumiu a autoria do assassinato de Tenório para provar que era 'peão macho'. Situações dignas de anos 90 e não de dias atuais. Ficou perceptível que o autor não conseguia mexer em quase nada da obra original e quando conseguia ignorava o andamento da mudança. Ou seja, mudava uma situação e não criava novas cenas necessárias para a conclusão da 'novidade'. O maior exemplo foi a mudança da morte de Roberto (Cauê Campos). Na trama de 32 anos atrás, o filho mais novo de Tenório foi devorado por uma sucuri. Agora foi assassinado pelo assassino contratado pelo pai para matar a família de Leôncio. Ok, uma novidade válida e que funcionaria como um duplo castigo para o vilão. Isso se ele soubesse o que aconteceu. Morreu sem saber porque o neto de Benedito se recusou a escrever novas cenas envolvendo o choque do grileiro. Nem ele e nem a família descobriram o que aconteceu, de fato, com o garoto. Para piorar, a resolução de todo o enredo envolvendo o passado trágico dos pais de Juma, Muda e Alcides foi ignorado. Zuleica, Renato (Gabriel Santana), Guta e Marcelo (Lucas Leto) nunca souberam o que o poderoso homem fez. E o CPF de Zuleica que Tenório usava indevidamente e estava confiscado pela Polícia Federal? Ela também nunca soube.
A última semana foi marcada pelo marasmo. A única sequência relevante foi a morte de Tenório, assassinado por Alcides com uma zagaia e levado pelo Veio do Rio em forma de sucuri para as águas. Cena incrível. O penúltimo capítulo nem parecia de reta final. Praticamente nada aconteceu. Já o último foi marcado pela emoção. Belíssima a sequência em que Tadeu descobriu que não era filho biológico de Leôncio, fugiu e acabou encontrando o Velho do Rio. José Loreto e Osmar Prado totalmente entregues, assim como Dira Paes e Marcos Palmeira quando os três se reconciliaram. O momento do casamento também foi bonito, mas os atores da primeira versão que participaram não tiveram nem um texto sequer. Um desperdício Cristiana Oliveira não ter contracenado com Alanis Guillen. Seria o encontro das Jumas. Aliás, Juma mal apareceu, assim como Jove. Nem pareciam protagonistas. Mas as cenas finais entraram para a história da teledramaturgia, assim como aconteceu há 32 anos. Que lindo e delicado o momento em que Zé Leôncio finalmente viu a foto de seu pai, tirada por Jove, e faleceu. O encontro de pai e filho protagonizado por Marcos Palmeira e Osmar Prado foi avassalador. E nada mais justo do que Leôncio virar o novo Veio do Rio para Joventino finalmente descansar. O breve instante do velório, entoado por berrantes de todos os filhos de Zé (uma adaptação sugerida por Irandhir Santos), foi emocionante, assim como a passagem de tempo de sete anos. E a última cena, com Filó querendo ver o Veio e seus netos, conversando com o espírito do avô, coroou a história de forma arrebatadora.
"Pantanal" foi um novelão que marcou a história da teledramaturgia. Mas teve seus erros, como qualquer folhetim. O remake era a oportunidade para consertar os problemas e deixar o resultado impecável ou pelo menos quase perfeito. Uma pena que Bruno Luperi tenha jogado a chance que caiu em suas mãos no lixo. Preferiu o comodismo do 'copia e cola'. Ainda assim, entretanto, a produção mereceu o sucesso e foram vários os acertos da história criada por Benedito Ruy Barbosa. Fez a alegria dos nostálgicos, apresentou a obra a um novo público e marcou a carreira de vários atores que brilharam na pele de personagens que nunca cairão no esquecimento. O saldo é, sem dúvida, para lá de positivo. Deixará saudades, apesar dos pesares.
PS: É inegável o sucesso da versão que a Globo produziu do clássico de 1990 da Rede Manchete, e muito dele se dá pelas belíssimas imagens do Pantanal e pelo elenco e trilha sonora criteriosamente selecionados, além da impecável direção de Rogério Gomes e Gustavo Fernandez, mas não custava nada Bruno Luperi ter seguido o exemplo de Angela Chaves em "Éramos Seis" (2019) e feito adaptações significativas na história para que esta não fosse uma cópia fiel, pois um investimento massivo foi realizado na concretização desse projeto para que nele fossem mantidas várias coisas já problemáticas há 32 anos e a divulgação de "Um Lugar Ao Sol" (2021) ocorresse de forma tacanha.
Pantanal
4.2 49 Assista AgoraCasal formado por Irma e Zé Lucas é o maior equívoco de "Pantanal"
Impossível não cair na repetição em torno da fidelidade tacanha de Bruno Luperi ao roteiro de Benedito Ruy Barbosa. O neto se recusou a mudar qualquer mínimo conflito que seja no remake de "Pantanal". Tirando pequenas alterações que em nada afetam o roteiro, a trama é praticamente idêntica ao conjunto que foi exibido em 1990 na Rede Manchete. É como se a Globo estivesse reprisando a obra da concorrente, mas com a sua tecnologia e o seu elenco. E isso não é o significado de remake, embora alguns achem.
A maior falha da atitude de Luperi está na persistência dos erros da versão original. O autor tinha a chance de consertar todas as falhas que a produção teve há 32 anos e transformá-la em um produto perto da perfeição. Mas a sua justificativa é que a trama foi gravada com muita antecedência por conta das cheias do Pantanal e pela pandemia. Só que a desculpa usada recentemente em uma breve entrevista no "Encontro" não se sustenta. "Um Lugar ao Sol", "Nos Tempos do Imperador" e "Quanto Mais Vida, Melhor!" foram novelas prejudicadas pela pandemia. Foram obras fechadas que não puderam ser modificadas de acordo com a resposta do público. Só que "Pantanal" não se enquadra nesse time.
O remake foi tratado com todos os privilégios possíveis pela Globo, incluindo o intenso trabalho de divulgação. E várias cenas da novela foram gravadas com a produção já no ar. Aliás, até hoje tem ator gravando cena. Incluindo sequências da reta final e de publicidade inseridas na história. Então como Luperi pode usar a desculpa de uma frente grande de capítulos?
Se o remake tivesse sido um fracasso de audiência, não daria para modificar nada? Há controvérsias. E todo o longo preâmbulo deste texto tem como objetivo chegar ao casal Zé Lucas (Irandhir Santos) e Irma (Camila Morgado). Sem dúvida, o maior tiro no pé do escritor em sua 'adaptação'.
Novamente é preciso lembrar: Zé Lucas foi um perfil criado de última hora por Benedito em 1990. Tudo porque o público não se conformou com a saída de Paulo Gorgulho da novela depois da mudança de fase. O ator vivia o Zé Leôncio, papel que foi para Cláudio Marzo com a passagem de tempo. Para resolver o problema, o autor criou mais um filho para o protagonista. Mas como foi uma espécie de improviso, o personagem não tinha um planejamento ou um arco dramático estruturado. Lucas acabou jogado de um núcleo para o outro e muitas vezes não tinha função, era mais um estorvo de cena. Afinal, em um momento estava em busca de um rumo na vida quando encontrou o pai por acaso. Depois virou rival dos irmãos para a conquista da tal sela de prata e posteriormente teve uma paixão súbita por Juma (Cristiana Oliveira), que resultou em um quase estupro. Ainda se apaixonou pela jornalista Érica (Gisela Reimann) e a largou no altar quando descobriu a farsa da gravidez. Só terminou ao lado de Irma (Elaine Cristina) porque Benedito precisou retirar Almir Sater (intérprete do Trindade) da história para o ator protagonizar "Ana Raio de Zé Trovão". Ou seja, foram situações que prejudicaram a narrativa do folhetim na época.
Tudo poderia ter sido melhorado no remake. Até mesmo para uma valorização de Zé Lucas. Afinal, o papel ficou com o brilhante Irandhir Santos. Era a oportunidade de criar um novo arco para o primogênito de Leôncio (Marcos Palmeira). Ia alterar muito a história? Não muito. E ainda que alterasse, qual o problema? Tramas paralelas equivocadas é algo corriqueiro em folhetins e com "Pantanal" não foi diferente. Tanto que, quando o grande público lembra da obra de 1990, um dos perfis que ninguém ligava ou recordava com carinho era justamente o Zé Lucas. Juma, Velho do Rio, Maria Marruá, Leôncio, Tenório, Maria Bruaca, enfim, nunca faltou nome para o telespectador guardar na memória. Só que Lucas nunca esteve na lista. E não esteve porque era uma das falhas do enredo.
Com a saída de Trindade (Gabriel Sater), seguindo à risca o roteiro original, o remake perdeu muito. Até porque está em uma longa fase de barriga onde nada de relevante acontece. A história também se arrastava há 32 anos, mas tinha mais de 200 capítulos. Agora a produção terá 173 capítulos. Houve uma redução significativa, mas nem assim Luperi evitou a criticada fase de marasmo muito lembrada em 1990. Isso porque não criou nenhum conflito novo, então não adiantou reduzir o número de dias de folhetim no ar. E toda a construção do envolvimento entre Zé Lucas e Irma soa forçado. A personagem se conformou muito rapidamente com o abandono do homem que dizia amar. Se sofreu por três dias, foi muito. Na época, era compreensível a superficialidade da aproximação porque o autor teve que se virar com o que tinha diante da eliminação de um personagem tão emblemático. Mas Luperi não precisou lidar com imprevistos. Ele apenas copiou e colou tudo o que o avô fez, ainda que tenha soado equivocado. Ou seja, quis repetir os erros e não consertá-los.
A rejeição do público nas redes sociais é imensa e as várias críticas merecidas. Importante ressaltar que nenhum autor tem a obrigação de ceder a pressão popular ou a palpites sobre suas histórias. Afinal, são ficções onde eles são os criadores. Mas no caso de Bruno Luperi é tudo diferente. A trama não é dele e Benedito não teria criado o romance entre Irma e Zé Lucas se Almir Sater não tivesse sido escalado para uma outra produção. E o próprio neto faz questão de repetir em entrevistas que o avô lhe deu total liberdade na adaptação. Se é verdade ou não só os familiares e a Globo sabem, mas a afirmação apenas reforça a sua covardia em mexer no roteiro. O casal formado por Camila Morgado e Irandhir Santos se mostra o maior equívoco da reta final do remake.
Pantanal
4.2 49 Assista AgoraBruno Luperi joga no lixo a oportunidade de consertar os equívocos de "Pantanal"
É raro existir uma novela perfeita. Até os maiores sucessos de todos os tempos tiveram suas falhas. É algo normal na teledramaturgia e em qualquer produção de teatro ou audiovisual. Dá para contar nos dedos os roteiros impecáveis. "Pantanal" foi um fenômeno da Rede Manchete e entrou para a história por conta dos personagens marcantes, cenas de nudez e ter ameaçado a liderança da Globo em 1990. Porém, o folhetim de Benedito Ruy Barbosa teve seus equívocos e muitos nunca foram esquecidos. A realização de um remake era a chance para aperfeiçoar um produto tão querido pelos telespectadores.
Mas Bruno Luperi, neto do autor e responsável pela adaptação, jogou no lixo a oportunidade de ouro que teve. Ou foi obrigado pelo avô a jogar no lixo, é importante levantar a dúvida. Isso porque o remake vem se mantendo praticamente idêntico ao produto original, exibido há 32 anos. Foram pouquíssimas mudanças até o momento.
Uma das raras foi a alteração na personalidade de Jove. O mocinho de Marcos Winter era sarcástico, de pavio curto e sexista. O atual é militante, introspectivo e 'zen'. Já algumas falas hoje vistas como homofóbicas, sobre Zaquieu (Silvero Pereira), também foram minimamente reformuladas.
A outra pequena mudança foi a segunda família de Tenório.
Em 1990, era formada por atores brancos e agora foram escalados intérpretes negros para uma representatividade, já que na história original só tinha um negro no elenco.
As raras alterações em cima da temática
do racismo
Renato e Marcelo disseram umas quatro vezes que o pai não os levava para o Pantanal porque eram negros.
preconceituoso
E voltando aos erros de "Pantanal" original, alguns deles ocorreram por conta dos imprevistos e não por culpa de Benedito. Ítala Nandi resolveu abandonar a novela porque tinha um filme para realizar e o autor não a perdoou até hoje, segundo a própria em entrevistas. O plano era a mãe de Jove sofrer um grave acidente de avião, mas sobreviver e ser cuidada pelo Velho do Rio (Claudio Marzo), o que implicaria em uma nova visão de mundo da personagem que só pensava em si mesma. Mas a decisão da intérprete transformou a cena do acidente em algo fatal. E sem despedidas emocionantes. Ela simplesmente desapareceu. Os personagens sofreram por dois capítulos, no máximo, e logo depois já esqueceram dela. O remake era a chance de Luperi realizar o que o avô não conseguiu. Até porque Karine Teles estava fazendo um baita sucesso na pele de Madeleine e o retorno da perua renderia uma excelente virada na trama. Mas tudo foi mantido fielmente igual ao original.
E o que comentar a respeito do conflito insuportável entre Juma e José Lucas?
O personagem foi criado na época porque os telespectadores se indignaram com a saída de Paulo Gorgulho, que vivia Leôncio na primeira fase. Então o autor criou um novo filho do protagonista para o ator voltar. Por isso os personagens falavam tanto da semelhança entre os dois. Luperi se negou a mudar até o texto, o que deixou a situação sem sentido. Irandhir não lembra em nada o Marcos Palmeira. E muito menos o Osmar Prado. Em 1990, Lucas "lembrava" porque foi o Gorgulho que viveu o Leôncio na primeira fase. E em que o amor de Lucas por Juma movimentou o roteiro?
, incluindo o pós-casamento dos mocinhos porque a onça brigou com Jove e foi morar na tapera com Lucas
O autor prefere mexer em situações sem qualquer importância para o roteiro, como a relação entre Zé Lucas e Érica (Marcela Fetter). Ainda assim de forma quase imperceptível.
Em 1990, a jornalista inventou uma gravidez para dar o golpe do baú em Lucas com a ajuda do pai. E não existia a figura da mãe.
ter engravidado de verdade e sofrido um aborto espontâneo
para largar a noiva no altar há 32 anos. Era uma golpista. Mas abandoná-la agora apenas porque a mulher contou primeiro para o pai que tinha sofrido um aborto e não para ele? Depois de ter dito que a então noiva não ficaria sozinha em sua dor? O escritor acabou colocando Lucas como um canalha. Se queria tanto manter o abandono, por qual razão não fez o personagem descobrir sobre a corrupção do sogro
É necessário mencionar mais um grave problema da versão original que não foi consertada no remake: a perda de relevância de Juma. A personagem é a mocinha da novela e tem uma potência enorme nos primeiros meses. Mas ao longo da história a mulher-onça vai perdendo o destaque até virar uma coadjuvante qualquer e sem conflitos. Por que não houve uma preocupação de mudar um problema tão visível na versão de 1990 no remake? Até porque Alanis foi um dos maiores acertos da escalação. A Juma Marruá ganhou uma intérprete perfeita. Ela merecia um desenvolvimento melhor que o de 32 anos atrás. Será que Benedito e seu neto realmente não enxergam defeito algum na obra?
Agora, a comprovação final a respeito da conduta omissa de Bruno Luperi
foi a saída de Trindade
Saiu de um perfil terciário para ser mocinho. A saída de Benedito foi inventar uma crise de última hora entre o violeiro e o cramulhão, que passou a atormentar Irma (Elaine Cristina) e dizer para o peão que aquele filho que ela estava esperando era dele.
Qual a necessidade
da saída de Trindade
Benedito só tirou o personagem porque foi obrigado. Mais uma vez era a oportunidade do neto dar continuidade a algo que o avô acabou impedido de realizar na época. E o pior é o que vem depois do adeus do violeiro. Há o início de um desenvolvimento forçado entre Irma e Zé Lucas de Nada. A jornalista Patrícia Kogut divulgou semana passada que até a cena do casamento deles já foi gravada para o último capítulo. Detalhe: os personagens ficaram juntos no fim em 1990, mas sem cerimônia.
"Pantanal" foi um novelão e segue sendo. O remake tem ótima audiência , além de boa repercussão. E justamente por ser uma produção de tanta qualidade que reclamações e críticas sobre uma fidelidade tacanha se tornam tão necessárias. Luperi tem se mostrado um revisor de texto e não um autor.
Pena.
Mar do Sertão
3.9 10"Mar do Sertão": o que esperar da nova novela das seis?
Após muitos anos na equipe de colaboradores de várias novelas, Mário Teixeira estreou como autor solo em "Liberdade, Liberdade", folhetim das 23h, exibido em 2016. Na verdade foi uma estreia turbulenta porque foi chamado às pressas para assumir e modificar a sinopse de Márcia Prates, desligada do projeto. Dois anos depois, em 2018, foi para a faixa das sete e escreveu "O Tempo Não Para", uma deliciosa trama que teve um ótimo início, mas se perdeu totalmente ao longo dos meses. Em 2021, o escritor escreveu a primorosa minissérie "Passaporte Para Liberdade". Agora inicia um novo desafio em um novo horário: "Mar do Sertão", a nova novela das seis, que estreou nesta segunda-feira (22/08).
Em um Brasil onde o sol nasce com toda sua intensidade a cada dia está a pequena Canta Pedra, cidade fictícia da história. Um lugar que, segundo contam, já foi mar e virou sertão. É nesse ambiente que a fábula contemporânea se passa, em um pedaço que é físico, mas que também é parte essencial da personalidade de cada uma das figuras que compõem o enredo. Na obra criada e escrita por Mario Teixeira, com direção artística de Allan Fiterman, ocorre o desenrolar do triângulo amoroso vivido por Candoca (Isadora Cruz), seu grande amor Zé Paulino (Sérgio Guizé) e Tertulinho (Renato Góes). Também estará em foco o poder dos coronéis da região, principalmente, se nas mãos deles estiver o bem mais precioso da região: a água.
Outros personagens têm importância na trama, como o padre que promove a bondade e a fé na pacata Canta Pedra, além do prefeito e do delegado que pouco ligam para o povo da cidade. A história tem como pano de fundo um sertão colorido e solar ---- sem esquecer de suas mazelas, mostradas na incansável luta da sua protagonista por justiça e igualdade ----, que leva ao encontro da beleza exuberante do nordeste brasileiro.
O autor tem a intenção de mostrar o sertão que existe, mas utiliza a liberdade poética para apreseentá-lo de forma metafórica. As chamadas já deixavam claro o objetivo do escritor e muitos telespectadores compararam nas redes sociais a novela com o sucesso "Cordel Encantado", exibido em 2011.
No início da trama, Candoca e Zé Paulino estão noivos. E o público noveleiro já está acostumado com o clichê: mocinhos que começam já com uma boa relação encaram alguma desgraça logo no início do enredo. A ansiedade do casal é grande, já que em breve, vão, finalmente, realizar o sonho de casar. O problema é que coronel Tertúlio (José de Abreu) ---- dono da Fazenda Palmeiral ---- dá ordem para que Zé Paulino leve um cavalo até uma outra cidade justamente na data em que a cerimônia está marcada. Enquanto isso, Tertulinho retorna a Canta Pedra depois de uma longa temporada na capital. Ao reencontrar Candoca, o encantamento dele é imediato. É aí que o destino vai agir. O coronel Tertúlio avisa que o filho deve acompanhar Zé Paulino, mas uma forte chuva durante a viagem provoca um acidente: Tertulinho consegue se salvar, enquanto Zé Paulino é dado como morto. Quando dez anos se passam e Zé Paulino retorna mais vivo do que nunca a Canta Pedra, a vida de todos os moradores da pacata cidade será afetada, principalmente a de Candoca. Os dois ficarão entre o dilema de viver o que sentem ou deixar que a mágoa fale mais alto. Zé Paulino ainda está tomado pela vontade de fazer justiça e mudar a configuração de poder da região.
Quem também terá o destino transformado pela volta de Zé Paulino é Timbó (Enrique Diaz). Sobrevivente da seca e da vida agreste que o povo da região está condenado há gerações, ele enfrenta todas as dificuldades levando a vida com bom humor, criatividade e um pouco de malandragem. Até que o retorno do amigo que ele acreditava estar morto ---- e uma dose de sorte ---- muda esse cenário. A história ainda tem uma grande vilã vivida pela grande Debora Bloch. Deodora é uma fazendeira ambiciosa e cúmplice do filho, Tertulinho. Está sempre disposta em agir pelos seus interesses, sem se preocupar com terceiros. É uma figura que tem tudo para tomar conta da trama.
As gravações de várias cenas foram feitas no interior do nordeste. Entre o final de maio e início de junho, durante duas semanas, um grupo de aproximadamente 60 profissionais esteve em Pernambuco e Alagoas para cumprir um plano de filmagens, lideradas pelo diretor artístico Alla Fiterman e pelo diretor geral Pedro Brenelli. Cenas com parte do elenco foram gravadas ali. A jornada teve início pelo Vale do Catimbau, em Pernambuco. Localizado entre o Agreste e o Sertão pernambucano, é o segundo parque arqueológico do Brasil. Os trabalhos seguiram em Piranhas, Alagoas, onde foram gravadas cenas que mostram o Rio São Francisco. Ainda foram realizadas muitas imagens de paisagens para serem usadas ao longo da novela em passagens de cena.
A estreia teve um capítulo repleto de lindas imagens, um clima lúdico e uma mocinha ativa. Candoca está nas mãos de uma atriz ainda iniciante, mas segura.. Renato Góes já se destacou com seu carisma e na pele de um cafajeste adorável. Welder Rodrigues foi outro bom nome na pele do prefeito caricato e corrupto. E Débora Bloch tem tudo para roubar a cena como a vilã Deodora. Foi umm começo despretensioso e agradável. Vale destacar ainda a criatividade no anúncio das cenas do próximo capítulo dada por dois repentistas. Citar as sequências em versos de cordel deu um clima especial para a produção.
"Mar do Sertão", escrita e criada por Mario Teixeira e dirigida por Allan Fiterman, também é escrita com Marcos Lazarini, Claudia Gomes e Dino Cantelli, e com colaboração de Carol Santos. A direção geral é de Pedro Brenelli com Bernardo Sá, Natália Warth e Rogério Sagui. A produção é de Silvana Feu e a direção de gênero de José Luiz Villamarim.
Programa do Jô (Última Temporada)
4.3 7Jô Soares: a crônica de uma morte anunciada na televisão
Em entrevista a Jô Soares, Faustão parece esforçar-se em demarcar a importância de ambos na história da televisão. Foto: Divulgação.
A última temporada no Programa do Jô na Rede Globo tem trazido uma oportunidade única aos espectadores de televisão: o de acompanhar o processo de encerramento de uma atração histórica. Não é algo costumeiro na mídia brasileira, diferente do que ocorre em outras praças (por exemplo: o fim do Late Show, de David Letterman, após 33 anos no ar, foi celebradíssimo e acompanhado de perto pelos norte-americanos). Aqui, talvez pela primeira vez, temos a oportunidade de acompanhar de perto uma espécie de “crônica da morte anunciada” de um programa que, gostando ou não, é de suma importância na trajetória da TV brasileira.
No ar na Globo desde 2000, Programa do Jô marcou a volta de Jô Soares à emissora – foi lá que consolidou sua carreira enquanto humorista, em programas como Faça humor, não faça guerra e Viva o Gordo, no qual emplacou definitivamente seu talento para o texto e a interpretação da comédia. Como entrevistador, Jô é sempre lembrado por sua erudição e o domínio do formato talk show, mas também por uma espécie de egocentrismo em sua tendência a monopolizar suas entrevistas. Esta marca já foi inclusive satirizada por outros humoristas, como a trupe do Porta dos Fundos.
Como Jô Soares costuma lembrar nestas últimas edições do Programa do Jô, pode não ser exatamente o encerramento dele enquanto um personagem central da televisão, mas sim uma despedida da maior emissora de todas. Esta, inclusive, já é a segunda casa do talk show, que esteve hospedado no SBT – e intitulado Jô Soares Onze e Meia – entre os anos de 1988 e 1999.
E aí surge a parte interessante do atual episódio, o fato de estarmos assistindo, in loco, à despedida de Jô da grande vênus platinada – o que, certamente, inspira muita curiosidade e a abertura a certas teorias da conspiração (que se provarão verdadeiras ou não). Em entrevista com o economista Eduardo Gianetti, uma nova pista: Jô afirmou que não está deixando a televisão, mas a televisão que está o deixando.
Ora, qualquer migalha de pista que surge já é uma razão certeira para que nós, como detetives, comecemos novas discussões acerca do funcionamento da televisão. Estaria Jô Soares sendo vitimado por algum tipo de censura sobre seu posicionamento político? Ou então sucumbe à morte midiática prevista à máquina televisiva, vinculada a uma possível queda de níveis de audiência de seu programa, depois de tantos anos no ar? Estaria ele condenado à aposentadoria frente a outros humoristas, mais conectados à juventude, promovidos a entrevistadores, como Fábio Porchat, Marcelo Adnet e Danilo Gentili?
A última temporada tem rendido ótimos episódios para esta reflexão. Chama-me a atenção o quanto as últimas entrevistas batem na tecla da memória ou, mais precisamente, na falta dela. Em uma rara – e muito interessante – entrevista com Faustão, o famoso apresentador fez questão de reforçar, a todo instante, estar diante de um dos três maiores humoristas da televisão brasileira. Havia, de certa maneira, um esforço constante em assentar às novas gerações (que não o assistiram em Viva o Gordo) a importância de Jô para além daquilo que hoje ele é conhecido.
Consequentemente, Faustão parece reivindicar importância e permanência a si mesmo, enquanto alguém que – embora esteja sempre associado à má qualidade televisiva, ou seja, a uma peça que garante o bom funcionamento da “máquina” – já esteve à frente daquilo que era mais inovador na televisão. Jô Soares, em contrapartida, destacava na entrevista a centralidade do Perdidos da Noite enquanto programa associado a um discurso de vanguarda, algo subversivo, de uma “televisão anti-televisiva” – algo, de certa forma, já quase esquecido na trajetória de Fausto Silva.
De toda forma, os últimos “capítulos” da estrada percorrida por Jô Soares na Globo certamente deverão trazer mais elementos sobre como encaramos a televisão no Brasil – e o quanto ela reproduz, como um perfeito elemento do mundo social, características da nossa vida “real”, como a desconfiança aos meios de comunicação (se estivesse sendo “demitido” de emissoras menores, haveria a mesma curiosidade?) e a completa desconexão que temos com a nossa própria história.
Páginas da Vida
3.5 103 Assista Agora"Páginas da Vida" marcou o início do declínio de Manoel Carlos
A reprise de "Página da Vida" foi um sucesso, o que reforçou a potência das histórias de Manoel Carlos. Na época, entre 2006 e 2007, a trama também teve um ótimo retorno da audiência, após um início conturbado. No entanto, a história marcou o início do declínio do autor, que já não estava mais tão inspirado quanto antes.
Maneco vinha de três trabalhos que foram, em sequência, um fenômeno de audiência no horário nobre da TV: "Por Amor", em 1997, "Laços de Família", em 2000, e "Mulheres Apaixonadas", em 2003. A trinca de ouro foi sucesso de público e crítica. Mas "Páginas da Vida" acabou marcada por vários problemas observados pela crítica especializada e uma rejeição inicial do público, o que obrigou o autor a mexer na trama. As alterações surtiram o efeito na audiência. Alguns conflitos receberam mais destaque em detrimento de outros.
A maior qualidade da novela foi seu núcleo central. A potência do drama protagonizado por Helena, Marta, Alex e Nanda (Fernanda Vasconcellos) arrebatou o público com um clichê irresistível e bem explorado: a gravidez na adolescência que resultou em uma rejeição antológica e um processo de adoção que esbanjou delicadeza. Nanda engravidou fora do país e sua volta ocasionou um embate com sua mãe que nunca foi esquecido pelos telespectadores.
Tudo ficou ainda mais catastrófico quando a personagem foi atropelada por um carro desgovernado em um ponto de ônibus, no Leblon, e acabou falecendo na hora do parto forçado. A tragédia causou um infarto em Alex e expôs uma frieza assustadora de Marta, que aceitou ficar apenas com Francisco e renegou a neta, Clara, porque o bebê tinha Síndrome de Down. "Eu passo" foi a frase mais chocante dita pela avó. A médica, Helena, então decidiu adotar a menina.
É um mote central que não tinha como não funcionar. E todas as cenas envolvendo os conflitos rendiam grandes atuações. Lilia Cabral viveu seu melhor momento na carreira na pele de Marta, uma personagem complexa, que esbanjava crueldade, mas não podia ser classificada apenas como uma 'vilã'. Não por acaso, a atriz foi indicada ao Emmy Internacional por conta de seu irretocável desempenho. Marcos Caruso foi outro gigante. A sensibilidade de Alex foi defendida com maestria pelo ator que era um parceiro perfeito de Lilia.
O casal se comportava como inimigos mortais e as brigas eram fortes a ponto de Lilia ter sofrido um grave acidente durante uma delas, quando Marta foi empurrada por Alex e bateu com a boca na quina da mesa. Precisou até de cirurgia. A atriz ainda fazia boas cenas com a também talentosa Silvia Salgado, intérprete de Verônica, irmã rica de Marta.
Já os núcleos paralelos foram os responsáveis pelos problemas da trama. Era tanto núcleo e tanto ator que vários nomes de peso foram figurantes de luxo. Mal tinham cenas. Houve um grave excesso no processo de escalação. Tinha mais ator do que história.
Antônio Calloni chegou a pedir para sair da trama diante do descontentamento com seu personagem, que mal aparecia. Sônia Braga, figura raríssima em novelas e até em produções nacionais, estava totalmente deslocada em um núcleo que não tinha qualquer conexão com os outros. Renata Sorrah tinha poucas sequências na pele da juíza Tereza e só teve um breve momento de destaque quando o filho da personagem, Luciano, foi sequestrado pelo próprio pai, Nestor, que acabou morto na hora do resgate. O núcleo protagonizado por Leo, e depois Olívia (Ana Paula Arósio), tinha a grande Nathalia Timberg como Hortência, a avó do rapaz, que era mera 'orelha' para os desabafos do neto. Regiane Alves ganhou uma personagem que lembrava Clara e Dóris, personagens vividas por ela em "Laços de Família" e "Mulheres Apaixonadas". Alice parecia um clone delas. Edson Celulari foi perdendo a função ao longo dos meses até Silvio praticamente desaparecer da narrativa. Marcos Paulo (o médico Diogo) foi outro grande ator que não teve seu talento valorizado, assim como Christine Fernandes, Leandra Leal, Ângela Leal, Fernando Eiras, Buza Ferraz, Xuxa Lopes, Lígia Cortez, Umberto Magnani, Walderez de Barros, Louise Cardoso (a trama de Diana, professora que tinha tesão por um aluno mais jovem, era cansativa ao extremo), Tato Gabus Mendes, Helena Ranaldi, entre tantos mais. Até o grande Tarcísio Meira acabou desperdiçado. Tide, o patriarca da família, perdeu a função logo no início da história, quando sua esposa, Lalinha, faleceu.
Vivianne Pasmanter e Caco Ciocler tiveram química de sobra e o casal Isabel e Renato funcionava, mas a trama andava em círculos e se esgotou com o tempo. Eram tantas idas e vindas que tiravam a paciência do telespectador.
O conflito envolvendo a bulimia de Gisele gerou uma boa repercussão e destacou o talento de Deborah Evelyn, que brilhou na pele da mãe que sufocava a filha e era obcecada pela magreza. Mas também se arrastou ao longo da trama e não teve fôlego. Já Jorge era um personagem que não tinha rumo. Ficava claro que o autor não sabia muito bem o que fazer com ele, até que decidiu colocá-lo apaixonado por Thelminha (Grazi Massafera em sua primeira novela). Ali o galã começou a ter um norte, só que ainda assim protagonizando situações que não saíam do lugar. O noivado de Thelma com Dorival (André Frateschi) parecia oriundo de algum folhetim de época.
Por falar em sexíssimo, o autor sempre demonstrou essa característica em suas obras, até as mais elogiadas. Não foi diferente em "Páginas da Vida". Tudo o que envolvia Greg (José Mayer, como sempre) era problemático.
O sujeito desviava dinheiro da empresa do sogro, colecionava amantes e era tratado como galã. Aliás, o tapa que ele dá em Márcia na última semana da novela, 'devolvendo' a agressão sofrida anteriormente em uma discussão, como se tivesse empatado a briga, foi absurdo. E o personagem ---- que se comportava como príncipe com Helena ---- protagonizava sequências repetitivas envolvendo seu caso com Sandra (Danielle Winits), que só foi descoberto por Carmem na última semana. Outro drama que se arrastou na história foi o 'amor' de Lavínia (Letícia Sabatella mal aproveitada), uma freira do hospital, e seu paciente que era portador do vírus HIV. Além da temática ter sido pessimamente abordada, Gabriel ficou a novela toda deitado em uma cama.
No entanto, dois núcleos secundários renderam boas situações. O drama do
alcoolismo
racismo
preconceito
onde a atriz era a madrasta desprezada pela filha de seu marido.
A novela ao menos tem uma última semana marcada por vários acontecimentos por conta do vício do escritor em deixar tudo para o final.
A disputa pela guarda de Francisco é decidida com momentos emocionantes, enquanto o flagra de Carmem em Greg e Sandra rende uma catarse aguardada com direito a muitos tiros. Alex também só descobre que sua neta, Clara, está viva nos instantes decisivos. A sequência em que Nanda impede Marta de cometer suicídio é outra marcante.
quando Helena e Alex observam Clara e Francisco brincando com o espírito de Nanda enquanto passeiam pelo Jardim Botânico, mesmo cenário onde Helena (Regina Duarte), Atílio (Antônio Fagundes), Eduarda (Gabriela Duarte) e Marcelo (Fábio Assunção) fecham
"Páginas da Vida" é uma novela marcante de Manoel Carlos, mas com muitos altos e baixos. Ficou visível que o veterano enfrentava uma maior dificuldade no desenvolvimento de uma boa história. Já era um indício do que estaria por vir na problemática "Viver a Vida", de 2009, e no imenso fracasso "Em Família", de 2014. Porém, a reprise do Canal Viva foi muito acertada justamente para rever o que deu certo e observar melhor todas as suas falhas.
Cara e Coragem
2.5 6Fracasso de audiência e repercussão, "Cara e Coragem" já foi tarde
A novela das sete escrita por Claudia Souto e dirigida por Natalia Grimberg chegou ao fim nesta sexta-feira (13/01/2023), após desgastantes 197 capítulos. A Globo tem feito folhetins com cerca de 170 capítulos, mas não esticou "Cara e Coragem" por conta de sucesso. A decisão da emissora foi tomada antes mesmo da estreia e com o objetivo de beneficiar "Vai na Fé", trama substituta que estreia na próxima segunda, evitando que a história de Rosane Svartman enfrentasse os ingratos meses de novembro e dezembro, período onde a audiência costuma diminuir e com direito a eleições e Copa do Mundo em 2022. Mas a decisão fez com que todos os defeitos da produção ficassem ainda mais evidentes.
A autora estreou sua primeira novela solo em 2017 e teve um ótimo retorno da audiência. No entanto, "Pega Pega" tinha vários defeitos e todos eles foram repetidos em "Cara e Coragem": falta de carisma dos personagens, história que anda em círculos, cenas burocráticas e conflitos desinteressantes. O enredo anterior, no entanto, teve o fator surpresa: o êxito do par formado por Maria Pia (Mariana Santos) e Malagueta (Marcelo Serrado). E ficou claro na época que não era algo planejado. O acaso beneficiou a escritora, que passou a investir no romance dos vilões. Já todo o restante do roteiro, incluindo a exaustiva abordagem do roubo realizado no Carioca Palace, era maçante. E a repercussão nas redes sociais era quase nenhuma. Somente o casal 'Malapia' rendia comentários. Não por acaso, os elevados números no Ibope até hoje são difíceis de serem analisados.
Já em "'Cara e Coragem" há uma congruência de resultados: o folhetim foi um fracasso de repercussão e audiência. Os motivos são até simples de serem explicados. Desde o primeiro capítulo a novela não conseguiu despertar atenção. A vida dos dublês ser um dos motes centrais do roteiro já foi um grande equívoco. Embora tenha sido uma ideia diferente, não funcionou como dramaturgia. Com todo respeito aos profissionais da área, não é nada atrativo acompanhar a rotina de trabalho deles. E as situações em nada beneficiaram a narrativa.
Porque as cenas gravadas por Pat (Paolla Oliveira) e Moa (Marcelo Serrado) só serviram para preencher o tempo dos capítulos e exigir um trabalho extra da equipe de direção, já que as partes úteis eram quando os mocinhos paravam para dialogar sobre os mistérios em torno da 'morte' de Clarice (Taís Araújo).
Aliás, concentrar uma novela inteira, por quase 200 capítulos, em cima de enigmas óbvios foi outro erro crasso.
Nas primeiras semanas até foi convidativo o conflito em torno do assassinato da poderosa empresária e o surgimento quase imediato de uma sósia chamada Anita (Taís Araújo). A dúvida em torno da identidade daquela mulher era interessante. Porém, cada vez que ficava mais claro que a personagem era apenas uma sósia usada pela ricaça, menos a história prendia. E quando foi revelado que Clarice não tinha morrido e estava em coma, o pouco roteiro que o folhetim tinha acabou. Tanto que a sua volta não modificou a narrativa em nada. Isso porque sempre foi óbvio que os responsáveis pelo crime contra a milionária eram os três vilões: Regina (Mel Lisboa), Danilo (Ricardo Pereira) e Leo (Ícaro Silva). Para piorar, Clarice pouco fez em seu retorno. Apenas se juntou aos mocinhos e a Ítalo (Paulo Lessa) nas investigações intermináveis sobre quem queria a tal fórmula secreta que, ao invés de usada para salvar vidas, foi modificada para dizimar cidades.
A inverossimilhança do roteiro poderia ter sido relevada caso a história tivesse um desenvolvimento atrativo ----
como uma arma tão poderosa que dizima cidades inteiras estava sendo investigada por uma delegada insignificante e um detetive incompetente (Marcela/Julia Lund e Paulo/Fernando Caruso) ao invés de autoridades mundiais ou até a ONU (Organização das Nações Unidas)?
A novela foi recheada de cenas burocráticas. Ou seja, sequências que não despertaram emoção, raiva, riso, enfim. Porque as situações não provocaram nada no telespectador. Era impossível se sentir envolvido pela história que estava sendo contada. Não deu para ter carinho ou empatia por qualquer personagem. E muito menos ódio pelos vilões. Porque não acontecia nada. A impressão é que o elenco apresentava uma interpretação automática, sem maiores esforços. Afinal, as cenas não exigiam um grande desempenho. A produção seria ótima para atores medíocres porque não teriam momentos de difícil execução cênica. Mas não era o caso de "Cara e Coragem". Quase todos os profissionais escalados tinham talento. Mas até nomes de peso não conseguiram se destacar.
E todos os casais foram ruins. Não houve química entre Paolla Oliveira e Marcelo Serrado. O intérpretes se esforçaram, mas Pat e Moa eram mocinhos insossos. Até o enredo deles era cansativo.
Moa ainda perdeu a memória na metade da novela. Um recurso insuportável que já deveria ter sido abolido da teledramaturgia. Para culminar, a autora reservou um plot que terminou de enterrar o romance: a vasectomia que Alfredo (Carmo Dalla Vechia) fez escondido da então esposa, Pat. O ato do personagem se tornou muito mais grave do que a traição de Pat e Moa, que resultou em Sossô (Alice Camargo). Ou seja, Alfredo ter criado a filha do amante momentâneo da esposa como sendo dele não valeu de nada. A indignação dos mocinhos fez com que o ranço pelo casal aumentasse. Tudo o que envolveu essa grotesca situação beirou o absurdo. Até mesmo a pressão que Olívia (Paula Braun) fez para que o namorado contasse a verdade. Ainda houve outro conflito que deixou o conjunto pior ainda: a inserção de Rafael Cardoso na pele de Rômulo. O intuito era criar um breve triângulo amoroso e logo depois revelá-lo como um vilão psicopata. E Pat teve que fingir estar apaixonada para investigá-lo, mas sem contar do plano a Moa.
Também não deu para entender o objetivo de ter colocado Anita se envolvendo
amorosamente com os dois ex de Clarice: Jonathan (Guilherme Weber) e Italo (Paulo Lessa). Os dois pares não funcionaram e ainda causou a impressão de que a personagem era uma obcecada que queria viver a vida de sua 'cópia', quando a intenção da autora não era essa. Por sinal, Anita foi descartada por Ítalo assim que Clarice voltou. O casal dividiu o protagonismo com Pat e Moa e se mostrou tão cretino quanto os mocinhos. A empresária nunca se preocupou com os sentimentos de sua 'sósia' e a manipulou até servir a seus objetivos. O mesmo fez Ítalo. E ficou por isso mesmo porque os dois tiveram um lindo final feliz. E qual foi o sentido de Anita no roteiro? Nenhum. Sua inexistência em nada mudaria a história
O único romance que apresentou uma certa densidade era o formado por Regina (Mel Lisboa) e Leo (Ícaro Silva), duas pessoas desequilibradas emocionalmente. Mas até essa relação a escritora estragou quando resolveu santificar Leo e jogar toda a culpa de suas perversidades em cima de Regina.
Foi Leo quem deu a ordem para eliminarem Clarice, sua própria irmã. Foi Leo quem ajudou a então esposa a contratar um golpista para iludir sua mãe, Martha (Claudia Di Moura), para facilitar seu desvio de dinheiro na empresa da família. Leo participou de todos os planos de Regina e Danilo. Mas depois que Clarice voltou do coma houve um processo de humanização do vilão, onde a superficialidade se fez presente o tempo todo. A empresária e sua mãe perdoaram rapidamente todas as atrocidades cometidas pelo rapaz e utilizaram o fato de Leo sempre ter sido instável emocionalmente para absolvê-lo de tudo, jogando toda a culpa na manipulação da perversa Regina. O pior: foi inocentado pela delegada de ter sido o mandante da tentativa de assassinato da irmã. Não ficou nem um dia preso. A delegada agiu como juíza, advogada e promotora em um combo.
Os núcleos secundários não contribuíram em nada para uma possível salvação do folhetim ou ao menos uma amenização das críticas.
O conflito envolvendo o faxineiro Duarte (Kiko Mascarenhas), que fingia ser o milionário Bob Wright para curtir momentos de mordomia,, até teve um bom começo e a dupla formada com Jéssica (Jeniffer Nascimento) funcionou. Porém, aos poucos os dois foram perdendo a função e ficaram jogados na trama. Somente na reta final que o 171 voltou aos holofotes quanto teve sua falsa identidade desmascarada. A saga da deslumbrada atriz Andrea Prattini também se mostrou uma decepção e Maria Eduarda de Carvalho não teve chance de brilho, assim como a repetitiva trama envolvendo o trígamo Armandinho (Rodrigo Fagundes) ---- o objetivo cômico nunca foi atingido. Já a relação abusiva de Lou (Vitória Bohn, uma boa revelação) e Renan (Bruno Fagundes) teve uma importante mensagem, mas cansou com o passar dos meses até porque o namoro da personagem com Rico (André Luiz Frambach) era uma chatice ---- aquele sequestro constrangedor no dia do casamento dispensa comentários. Ainda é preciso mencionar o desperdício de Mariana Santos na pele de Rebeca, um perfil que parecia importante mas acabou sem função por muito tempo. A solução da autora foi a invenção de uma mãe desaparecida, que na verdade era Dagmar (Guida Vianna), mãe de Regina. Outros atores acabaram desvalorizados, como Ivone Hoffmann (Adélia) ---- figura rara na televisão ----, Guilherme Weber e Leopoldo Pacheco (Joca).
Os últimos capítulos ainda sublinharam a falta de criatividade da autora para a movimentação de seu roteiro:
Sossô foi sequestrada por Danilo. O crime veio logo depois que Jonathan foi libertado também de um sequestro que sofreu. E as 'viradas' da trama se resumiram a raptos. Foram inúmeros. Duarte foi sequestrado, Lou foi sequestrada, Clarice foi sequestrada, Jéssica foi sequestrada, Chiquinho (Guilherme Tavares) foi sequestrado, Rebeca foi sequestrada e no final foi a vez da filha de Pat e Moa. Já o processo de santificação de Leo se deu com o clichê que ficou óbvio no penúltimo capítulo: Regina atirou em Clarice e o ex-vilão se jogou na frente, salvando a vida da irmã que tinha mandado matar e morrendo em seu lugar como mártir. A fuga de Danilo, sendo perseguido por Pat e Moa, beirou o ridículo e a adrenalina pretendida na cena ficou só no desejo mesmo. Regina e Danilo acabaram condenados, enquanto Ítalo e Clarice se casaram depois que descartaram Anita, que por sua vez ficou com Jonathan, sujeito que nunca a amou. Pat e Moa também se casaram e acabou a história.
"Cara e Coragem" entrou para a lista das piores novelas das sete já produzidas. E uma das médias mais baixas da história da faixa. Terminou com 21 pontos, o mesmo que a deliciosa e bem produzida "Quanto Mais Vida, Melhor!" ---- que foi ao ar toda gravada e prejudicada por conta da pandemia, mas ainda assim teve uma ótima repercussão nas redes sociais. O mais irônico é que foi o primeiro folhetim que ganhou uma faixa de reprises nas madrugadas da Globo (ou seja, o insosso final reprisado quatro vezes). Não mereceu. Claudia Souto precisa rever seu método de contar uma história. Talvez valha a pena experimentar o formato de séries, que são bem mais curtas, e focando no tema que ama tanto: desvendar rastros de crimes. Mas com personagens carismáticos e um enredo que prenda o telespectador, algo que não conseguiu com sua novela que chegou ao fim com clima de 'já foi tarde'.
Pantanal
4.2 49 Assista AgoraBruno Luperi erra feio ao manter a morte de Madeleine no remake de "Pantanal"
O remake de "Pantanal" vem sendo muito bem adaptado por Bruno Luperi. O autor vem honrando a obra de sucesso de Benedito Ruy Barbosa, seu avô, exibida em 1990 na Rede Manchete. As alterações na história são sutis, o que até facilita as comparações com a versão original através de vídeos na internet. Justamente por não ter optado em maiores mudanças que o escritor manteve a morte de Madeleine no enredo 32 anos depois. E foi aí que errou feio.
Em 1990, foi exatamente a tragédia que encerrou o ciclo da ricaça. Porém, não era o plano de Benedito Ruy Barbosa. O autor queria que Madeleine sobrevivesse ao acidente graças ao Velho do Rio (vivido por Cláudio Marzo na época e por Osmar Prado atualmente). E seria uma virada incrível para a personagem que sempre teve uma vida de futilidades. O objetivo era expor o descobrimento de uma nova vida, assim como ocorreu com Joventino no Pantanal.
Após ter protagonizado discussões com Irma (Camila Morgado) e Mariana (Selma Egrei) no Rio de Janeiro, a mãe de Jove (Jesuíta Barbosa) morreu em um trágico acidente. A personagem entrou em um avião de pequeno porte e foi atrás de José Leôncio (Marcos Palmeira). Arrependida de ter largado aquela vida há 20 anos, Madeleine tentou fazer as pazes com o filho e ainda se reconciliar com o ex. Mas o tempo ruim provocou a queda do avião, que não deixou sobreviventes. A cena foi muito bem realizada e Karine deu um banho de emoção com a personagem fazendo um breve retrospecto sobre sua vida.
Com um outro olhar. Mas Ítala Nandi, intérprete de Madeleine, pediu para sair da novela porque já tinha acertado sua participação em um filme. A atriz recentemente em uma entrevista ao Jornal Extra, do RJ, chegou a dizer que até hoje o autor guarda mágoa dela.
Ao manter o trágico desfecho, Bruno Luperi perde a chance de inserir um diferencial em seu remake e finalmente concluir o que seu avô tinha planejado há 32 anos. No remake de "Éramos Seis", em 2019, por exemplo, Ângela Chaves manteve toda a estrutura da trama de Silvio de Abreu e Rubens Edwald Filho, mas o final de Dona Lola (Glória Pires) não foi sozinha, abandonada pelos filhos. Foi ao lado de seu grande amor, Seu Afonso (Cássio Gabus Mendes), e em um novo arranjo familiar. Uma mudança que jamais será esquecida. Assim como aconteceu no folhetim das seis, o público poderia ter algo para lembrar da adaptação de "Pantanal": a versão que Madeleine não morre e tem um final feliz. Até porque a filha de Mariana (Selma Egrei) nunca foi uma vilã que merecesse 'punição'.
Aliás, o autor foi feliz na adaptação que fez na vida da personagem. Em 1990, era uma perua que não fazia nada da vida. Em 2022, virou uma influencer, o que fez todo sentido com a época atual. Mas a mãe de Jove fingia uma felicidade que nunca teve. Egoísta e mimada, a ex de Leôncio só se importava com ela mesma, mas nem assim tinha prazer. Sua vida era vazia. E não deixa de ser algo bastante real na vida de muitos dos 'influencers' que vendem uma vida perfeita nas redes. A trajetória de Madeleine seria muito mais impactante se tivesse sido salva pelo Velho do Rio e encarasse uma nova realidade por conta da experiência traumática de uma quase morte.
A saída de Karine Teles é outra infeliz questão oriunda da decisão do autor. A atriz lembrava Bruna Linzmeyer em várias cenas e a semelhança das duas impressionava. Foi o perfil que representou a passagem de tempo de 20 anos da forma mais crível na trama. E como a personagem só tinha amadurecido por fora e não por dentro, os trejeitos vistos na primeira fase com Bruna ficavam ainda mais explícitos com Karine. Premiada no cinema (sua atuação em "Que Horas Ela Volta?" e "Benzinho" é irretocável) e no teatro, a intérprete vivia seu melhor momento na televisão, após pequenas participações em novelas e séries. Suas sequências com Selma Egrei, Camila Morgado e Jesuíta Barbosa eram ótimas e a parceria com Silvero Pereira, embora breve, funcionou.
A morte de Madeleine é o primeiro grande equívoco do remake de "Pantanal". Bruno Luperi deixou escapar a oportunidade de imprimir algo marcante e diferenciado na obra, sem prejudicar o conjunto tão bem elaborado por seu avô. Ainda perdeu Karine Teles, que abrilhantava o elenco. Pena.
O Clone
3.8 401 Assista Agora"O Clone" foi um grande acerto de Glória Perez
Entre 1º de outubro de 2001 e 14 de junho de 2002, a TV aberta exibiu "O Clone", um de seus maiores sucessos. Ainda conseguiu emplacá-lo em vários países, consolidando seu êxito. A novela de Glória Perez foi um de seus melhores trabalhos da carreira e a autora foi muito feliz na construção desta história tão rica e repleta de personagens atraentes. A produção foi reprisada no "Vale a Pena Ver de Novo" pela primeira vez entre 10 de janeiro e 9 de setembro de 2011, repetindo a boa aceitação que teve na época. Não foi diferente com a reexibição no Canal Viva em 2020. E a segunda reprise na faixa vespertina da TV aberta, que chega ao fim na sexta-feira, dia 13, novamente foi bem-sucedida.
Protagonizada por Giovanna Antonelli e Murilo Benício, o folhetim estreou pouco depois do atentado às Torres Gêmeas, tragédia que abalou os Estados Unidos e chocou o mundo. Houve até um certo desconforto inicial, uma vez que parte da trama era ambientada em Marrocos, na cidade de Fez, onde viviam vários muçulmanos. Mas a polêmica não durou muito tempo e os costumes daquele povo caíram no gosto popular, comprovando que o núcleo foi um dos muitos acertos da produção.
A novela abordou vários temas polêmicos e soube explorá-los com competência. Dividida em duas fases, a história começa em 1983, apresentando a vida de Leônidas (Reginaldo Faria), rico empresário, pai de gêmeos idênticos (Lucas e Diogo, vividos por Murilo), que não tem muito tempo para os filhos.
Jade (Vivida por Giovanna) é uma muçulmana que mora no Rio de Janeiro, mas acaba voltando para Fez, após a morte de sua mãe (Walderez de Barros). Os filhos de Leônidas vão passar férias em Marrocos com o padrinho de Diogo (o geneticista Albieri - Juca de Oliveira) e a partir de então o destino de Jade e Lucas se cruza.
O romance do casal protagonista, impedido pelos rígidos costumes da família da mocinha, arrebatou o telespectador e a química do par era evidente. Já o acidente de helicóptero que mata Diogo resulta na trama envolvendo a clonagem humana, uma vez que Albieri guarda as células de Lucas depois que o rapaz vai em seu laboratório extrair uma pinta. Tudo para 'reviver' Diogo. A situação rendeu ótimos desdobramentos e ainda fez Murilo Benício se destacar, pois o ator acabou interpretando três personagens distintos, mas iguais: os gêmeos e o clone.
A primeira fase é bastante arrastada e sem grandes desdobramentos. É um dos raros casos onde a barriga (período de enrolação onde quase nada acontece) ocorre justamente na introdução do roteiro. Mas a segunda fase, iniciada em 2001, provoca uma boa virada no enredo, prosseguindo com todos os dramas apresentados na primeira e ainda acrescentando novos núcleos que deixaram a novela mais interessante. O mais dramático foi o protagonizado por Débora Falabella, que impressionou com sua atuação na pele da rebelde Mel, uma viciada em drogas, filha de Lucas com Maysa (Daniela Escobar). As cenas mais fortes da novela foram vividas por ela e algumas entraram para a história da teledramaturgia pela entrega da atriz. O alerta sobre o consumo de substâncias ilícitas mesclou entretenimento e utilidade pública. Uma das ótimas sacadas da direção de Jayme Monjardim era intercalar sequências em que Mel afunda no vício com depoimentos de Lobato (Osmar Prado) com o terapeuta a respeito de seu alcoolismo. Uma situação complementava a outra. Um doente em recuperação e uma doente que não se enxergava assim.
Já a parte cômica da história ficou por conta de duas personagens, cujos bordões sempre são lembrados pelo telespectador: Dona Jura (ótima Solange Couto) e Odete (Mara Manzan). Jura tinha um bar e vendia pastéis que faziam um baita sucesso. O bordão "Né brinquedo, não" virou febre, assim como o "Cada mergulho é um flash", proferido por Odete, personagem hilária interpretada pela saudosa Mara, que amava frequentar o Piscinão de Ramos e incentivava sua filha Karla (Juliana Paes) a dar o golpe da barriga em Tavinho (Victor Fasano) --- essa trama hoje em dia seria bem criticada até pelas resoluções absurdas da autora. Aliás, outra situação que seria mal vista hoje em dia é o interesse sexual que Amim (Thiago Oliveira), uma criança, tinha por Karla.
O núcleo de Marrocos também obteve êxito e as danças dos personagens faziam sucesso, assim como as expressões ditas por eles, como o inesquecível "Ishalá", falado constantemente por Khadija (Carla Dias). A solteirona Nazira (hilária na pele de Eliane Giardini) também foi outro destaque desta trama, assim como Zoraide (Jandira Martini), cúmplice e confidente de Jade. E impossível não lembrar do rabugento Tio Abdul (saudoso Sebastião Vasconcellos), defensor da moral e dos bons costumes, que vivia mandando as pecadoras "Arder no mármore do inferno" e discutia frequentemente com Tio Ali (Stênio Garcia), um sujeito menos reacionário.
Outro acerto da novela foi a já citada questão do alcoolismo, abordada com competência através de Lobato, vivido magistralmente por Osmar Prado. Nesse mesmo núcleo havia uma vilã que não media esforços para atingir seus objetivos, a Alicinha, muito bem interpretada por Cristiana Oliveira. Vale destacar também as brilhantes atuações de Cissa Guimarães (Clarisse) e Thiago Fragoso (Nando), que emocionaram várias vezes nas cenas onde a mãe se desesperava com o vício de drogas do filho, que era amigo das também viciadas Mel e Regininha (Viviane Victorette).
Além dos ótimos profissionais já citados, a novela também contou com outros excelentes atores, como Nivea Maria, Vera Fisher, Ruth de Souza, Elizângela, Beth Goulart, Antônio Calloni, Letícia Sabatella, Françoise Fourton, Perry Salles, Totia Meirelles, Guilherme Karan, Léa Garcia, Stênio Garcia e Marcello Novaes, que emocionou na pele do íntegro Xande. A trama ainda foi a última da carreira do mestre Mário Lago, que veio a falecer meses depois. Mas vale uma menção especial a duas atrizes que viveram seus melhores momentos na televisão: Adriana Lessa e Daniela Escobar. Adriana deu um show do início ao fim na pele da dançarina Deusa, uma mãe que não media esforços pelo filho e acabou traumatizada com a revelação de que Leo era um clone. Já Daniela se entregou na pele de Maísa, uma mulher arrogante e elitista que amargava um casamento sem amor e depois acabou mergulhada em um inferno por conta do vício em drogas da filha. Seu processo de amadurecimento através da dor foi muito bem explorado pela autora. A atriz protagonizou cenas pesadas demais ao lado de Débora Falabella e Neusa Borges (Dalva).
Porém, a reprise sempre serve para observar melhor algumas falhas que não são muito faladas pelos saudosistas. O núcleo de Dona Jura é bem deslocado dos demais enredos e tem como única função preencher o tempo dos capítulos com convidados especiais que visitavam o bar da popular personagem. Era o elemento utilizado pela autora para enrolar o telespectador. Há uma barriga bem clara na história, algo bem comum na época, importante ressaltar. A primeira fase, principalmente, cansa pelo ritmo arrastado e os conflitos também se desgastam perto do meio da produção. Até as idas e vindas de Jade e Lucas se esgotam. A burrice dos protagonistas é outro problema evidente. A sorte foi mesmo a química dos intérpretes. Mas os meses finais reaquecem os dramas e a novela volta a prender. Uma pena que a reexibição tenha sido tão cortada pela emissora. Cenas fortes e marcantes foram picotadas e até totalmente censuradas, como a briga de tapas entre pai e filho, protagonizada por Escobar (Marcos Frota) e Nando, que sequer foi exibida.
"O Clone" foi um marcante folhetim e Glória Perez viveu um grande momento. Foi sua segunda melhor novela na carreira, perdendo apenas para "A Força do Querer". Com 221 capítulos, a produção está na lista dos mais elogiadas e lembradas novelas da Globo e fez por merecer a boa aceitação da segunda reprise no "Vale a Pena Ver de Novo".
Paraíso Tropical
3.5 140 Assista Agora"Paraíso Tropical" foi a melhor novela da dupla Gilberto Braga e Ricardo Linhares
A novela foi exibida em 2007 e sofreu um forte rejeição inicial. Isso porque o casal de mocinhos não emplacou e o enredo não prendeu o telespectador. No entanto, ao longo dos meses, os autores conseguiram reverter a dificuldade e emplacaram a história, que chegou ao fim como um grande sucesso.
A verdade é que a novela nunca foi ruim, nem mesmo no período que sofreu rejeição da audiência. O conjunto se mostrou muito bem estruturado desde o começo e impressiona como todos os núcleos têm atrativos e se complementam. Há uma gama de personagens construídos com densidade e vários enfrentam conflitos convidativos, principalmente os vilões. Aliás, há vários no enredo e todos responsáveis por boas movimentações nos núcleos.
A produção marcou o início da parceria de Gilberto Braga e Ricardo Linhares. Ricardo já tinha colaborado com o veterano no sucesso "Celebridade", de 2003, mas "Paraíso Tropical" foi sua estreia como autor titular ao lado de Braga. Embora a dupla tenha penado com a audiência nos meses iniciais, o resultado foi positivo. Escreveram um novelão.
No entanto, foi a primeira e única vez que a dupla funcionou e apresentou um grande folhetim para o público. Os dois trabalhos posteriores foram decepcionantes: a problemática "Insensato Coração" (2011) e a fracassada "Babilônia" (2015).
Vale lembrar que "Paraíso Tropical" enfrentou um problema pouco antes de ter o título efetivado. Isso porque se chamaria "Copacabana". Mas como o nome já estava registrado, a Globo precisou mudar. E assistindo ao enredo fica claro como o título original cabia melhor. A todo momento os personagens falam sobre o tradicional bairro 'nobre' do Rio de Janeiro e quase toda a ação é passada lá. Os perfis que mais representam o lugar são Belisário e Virgínia, interpretados pelos saudosos Hugo Carvana e Yoná Magalhães. O sujeito é o típico bon vivant e sua esposa uma carismática ex-vedete. Os dois brilham sempre que aparecem e foi ótimo ver Hugo vivendo um tipo tão diferente do poderoso Lineu, seu trabalho anterior, em "Celebridade".
Aliás, Belisário é pai do milionário e bem-sucedido Antenor Cavalcante (Tony Ramos), um personagem que aparenta ser vilão, mas se mostra um perfil ambíguo muito interessante e brilhantemente vivido pelo ator. É até complicado contar sobre o enredo da novela porque os autores foram inteligentes na narrativa. Há vários conflitos que muitas vezes começam e são encerrados a cada duas semanas, no máximo. O folhetim vai se renovando a cada período, o que provocou estranhamento na época. A única trama que tem um arco constante (e por isso até cansativo) é a procura de Daniel (Fábio Assunção) por Paula (Alessandra Negrini). Os inúmeros desencontros dos protagonistas nos primeiros meses abusam da inteligência do telespectador. Ainda assim, não prejudicam a novela. A verdade é que Gilberto Braga sempre foi péssimo na construção de mocinhos. Nunca emplacou nenhum. Já com os vilões o sucesso é quase garantido. E o equívoco dos 'herois' de "Paraíso Tropical" foi visto logo no primeiro capítulo. Dificilmente o telespectador é conquistado por mocinhos que se apaixonam subitamente na estreia e em menos de uma semana já tem o pedido de casamento. Foi o que aconteceu com Paula e Daniel.
Vale ressaltar que o problema dos protagonistas nada teve a ver com os atores. Fábio Assunção defendeu seu Daniel com talento, assim como Alessandra. No caso, a atriz ainda mostrou seu talento na pele da vilã Taís, a gêmea má de Paula. É importante a ressalva porque Gilberto Braga foi grosseiro com Alessandra algumas vezes. Em mais de uma entrevista, o autor declarou que não gostou da atuação da atriz e que queria Cláudia Abreu interpretando as gêmeas.
Mas a verdade é que mesmo a Cláudia não faria milagre na pele da insuportável Paula. Uma mocinha insossa, burra, apática e sem carisma. Tanto que a personagem fica bem deslocada da história e ninguém sente falta. Já a picareta Taís está sempre em foco e movimentando seu núcleo, ao mesmo tempo que mexe no enredo central quando deixa Daniel desnorteado com a descoberta de que seu amor tem uma irmã idêntica.
A trama tem sua primeira grande virada quando Paula finalmente encontra Taís e grita pela irmã, que se choca ao ver uma mulher que parece seu espelho e acaba atropelada. Ao mesmo tempo, o enredo desperta a atenção do público em torno da trama de Ana Luíza (Renée de Vielmond) e Lucas (Rodrigo Veronese). A esposa de Antenor sempre foi traída pelo empresário e acabou virando a verdadeira mocinha da novela. Principalmente quando encontrou seu príncipe encantado, um homem bem mais jovem.
O casal fez sucesso e os dois brilharam. Infelizmente, o enredo da dupla fazia parte dos arcos que se fechavam bem antes do final. A milionária perde seu conflito quando descobre a traição do marido e fica com Lucas. Os dois acabam deixando a novela bem antes da metade. O êxito faz com que voltem e adotem uma criança, mas apenas nos meses finais.
Já outro casal que fez sucesso e roubou a cena foi Olavo (Wagner Moura) e Bebel (Camila Pitanga). Aliás, os vilões viraram a referência do folhetim. Até hoje lembram mais deles do que do título "Paraíso Tropical". Virou a 'novela de Olavo e Bebel'. E basta assistir para entender a razão. O vilão invejoso vivido pelo sempre talentoso Wagner só cresceu no enredo quando se juntou com a prostituta interpretada com total entrega por Camila em seu melhor momento na tevê. Viraram uma dupla perfeita. Isso porque a ambiciosa garota de programa despertava um lado bom até então desconhecido do vilão, que sempre tratou todos com profundo desprezo e muita arrogância. O amor que Olavo passou a nutrir por Bebel o humanizou, o que deixou o empresário canalha ainda mais interessante. Já Bebel sempre funcionou como um elemento cômico delicioso graças ao talento da atriz, que adotou uma interpretação caricata que vestiu muito bem no papel. O bordão "Eu tenho 'catiguria'" fez sucesso, assim como a expressão 'elegante' em uma festa executiva: "Que boa ideia este casamento primaveril em pleno outono".
A novela também teve outros personagens bem construídos e interpretados, vide
a íntegra Lúcia, que formou um ótimo par com Antenor, repetindo a bem-sucedida parceria de Gloria Pires e Tony Ramos (vista na novela "Belíssima" e nos filmes "Se Eu Fosse Você" 1 e 2). Aliás, o filho dela, Mateus (Gustavo Leão em sua estreia), também teve uma boa trama em torno da aproximação com o pai biológico que não queria vínculos afetivos, Cássio (Marcello Antony), e sua sintonia com Patricia Werneck (Camila) era visível. Vale destacar também a interesseira Marion (grande Vera Holtz) e sua parceria com Cláudio (Jonathan Haagensen), assim como seu filho, o 171 Ivan (Bruno Gagliasso). Aliás, a cena final de Ivan e Olavo, em um duelo de irmãos, foi um desfecho surpreendente e marcante.
"Paraíso Tropical", dirigida por Dennis Carvalho, foi um novelão e estava na hora de se reprisado.
A reta final, toda voltada para o assassinato de Taís, não deixa a temperatura do enredo diminuir.
Lady Night (6ª Temporada)
4.2 6 Assista Agora‘Lady Night’ alterna emoção e riso na sexta temporada
Sexta temporada de 'Lady Night', do Multishow, comprova o talento de Tatá Werneck de renovar o formato do programa de humor.
Nas últimas semanas, um vídeo viralizou nas redes sociais com um trecho do programa Lady Night, do Multishow. É um momento da entrevista de Tatá Werneck com Marcos Mion, contratado pela TV em 2021. Ela pergunta: “para você assumir o lugar de Luciano Huck no Caldeirão, você tem que estar preparado para fazer algumas coisas. Você está preparado para criar obstáculos que custam mais caro que o próprio prêmio? Você está pronto para transformar o quarto de um menino num campo de futebol onde não há mais cama para esse menino dormir? Será que você está preparado para dizer para uma criança que ela perdeu um milhão de reais por causa de uma cedilha? E será que você está preparado para dizer que vai ser presidente, e depois dizer que não, e depois dizer que sim, e depois dizer que não?”
Neste momento, a cara de incredulidade de Mion é a mesma do espectador, e representa bem o que significa Tatá Werneck hoje na TV: uma mulher que ultrapassou vários limites. Ela é capaz de fazer um tipo de humor esculachado que, até pouco tempo, era malvisto às mulheres. Mas, mais do que isso, ela conquistou “autorização” para zoar a emissora global em um tipo de crítica ácida que poucos têm possibilidade de fazer.
Lady Night é um dos programas da TV brasileira mais difíceis de categorizar. Definido como talk show, a atração vai muito além de um programa de entrevistas. Tem algo de teatro, algo de show de improviso, mas uma coisa é indiscutível: a dona do palco é, definitivamente, Tatá Werneck. Ela é a hostess que convida alguns sujeitos para entrar nesse universo bastante particular do seu estilo de humor.
Atualmente na sexta temporada, Lady Night parece ter o desafio de se reinventar a cada ano. Digo isto pela razão de programa ter um caráter essencialmente “orgânico”: ele não se reduz a fórmulas, pois os episódios dependem do estabelecimento de uma química entre Tatá e o seu convidado. É, portanto, um programa vivo, no qual não temos certeza do que irá acontecer. Essa é, justamente, a sua grande riqueza.
Diria que, de alguma forma, o programa também atravessa a própria jornada pessoal de Tatá. Nas primeiras temporadas, ela, em alguma medida, ainda precisava mostrar que o seu humor (que tem algo de subversivo, como já comentei aqui, uma vez que sua postura escrachada nunca foi muito “autorizada” às mulheres) era viável em uma grande emissora, para além do nicho da MTV. Na quarta temporada, Tatá estava grávida, e havia um novo impasse: conseguiria ela manter o (auto) deboche mesmo com sua filha no ventre, o que a colocava num papel meio imaculado?
Agora, na sexta temporada, há outros desafios. Embora não apareça diretamente nos episódios, acredito que há um assunto permanente nas entrelinhas: a perda do humorista Paulo Gustavo, um dos melhores amigos de Tatá Werneck, e um dos maiores humoristas do Brasil, vitimado pela COVID. Há então um certo tom emotivo na temporada – o que, diferente do que pode se imaginar, é muito típico da comédia. Humor e tragédia talvez estejam mais próximos do que pode parecer.
O resultado é mais uma temporada memorável, em que cada encontro com convidado é único. E talvez essa seja a grande sacada do formato de Lady Night: não se trata de uma fórmula exata. Cada episódio é como se fosse uma dança em que Tatá abraça um novo participante, mas o resultado dessa dança é sempre incerto, e não depende apenas dos movimentos dela.
E essa é a graça: o ritmo pelo qual esta dança irá acontecer é sempre inesperado. Se o humor de Tatá é autodepreciativo, há, em alguma medida, a expectativa de que o convidado consiga entrar nesse jogo, o que nem sempre acontece. O convidado precisa conseguir responder à mesma altura (e rapidez) do raciocínio ágil dessa humorista, já consolidada como o grande nome feminino da comédia no Brasil.
Alguns convidados mais “elegantes”, como Paola Carrosella, parecem ter mais dificuldade de jogar esse jogo. E há os que não conseguem relaxar e ri de si mesmos, como Fiuk, em um dos episódios mais criticados da temporada – basicamente, a entrevista durou apenas 15 minutos, e houve muitos comentários de que a edição teve que picotar o encontro para conseguir tirar alguma coisa.
Mas os constrangimentos são exceções. A temporada já trouxe muitos momentos ricos e que conseguiram, inclusive, “desmontar”, no bom sentido, a persona cômica de Tatá. Destaco, especialmente, a emoção durante a entrevista com Lilia Cabral, no momento em que ela conta das dificuldades enfrentadas na família para seguir a carreira de atriz. E o grande episódio, para mim, foi toda a entrevista com Leandro Hassum – talvez o único de toda a história de Lady Night em que Tatá riu mais que o entrevistado.
Seis temporadas depois, Lady Night segue surpreendendo e encontrando novos caminhos na comédia e na TV, comprovando que o talento de Tatá Werneck consegue o impossível: se renovar a cada ano.
O episódio de 'Lady Night' com Fiuk mostra o quanto a escolha do convidado é importante para o programa.
Zig Zag Arena
2.8 1"Zig Zag Arena" mostra que nem toda boa ideia funciona na prática.
Ao invés de substituir o "The Voice Kids" na grade vespertina com mais filmes, a Globo resolveu dar um novo programa para Fernanda Gentil aos domingos. Com isso, acabou subitamente com o "Se Joga" aos sábados, que já tinha retornado em 2021 de uma forma bem pouco planejada, após uma avalanche de críticas ao fracassado formato diário da atração (em 2019/início de 2020), que logo acabou com a chegada da pandemia do novo coronavírus. O novo desafio da apresentadora tem o estranho nome de "Zig Zag Arena".
O programa é quase uma espécie de "Olimpíadas do Faustão" (quadro de sucesso e até hoje lembrado do "Domingão" na década de 90) modernizado através de muitas luzes e tecnologia. O palco de 1500 m², inspirado em um gigantesco e multicolorido tabuleiro de pinball ---- há o objetivo de relembrar várias brincadeiras da infância ----, conta com um campo de camas elásticas, além de escorregas e muitos obstáculos. É um cenário luxuoso e que custou um bom investimento da Globo, deixando claro que a intenção da emissora é emplacar mesmo o formato.
As partidas acontecem em três fases: "Pique-Pega", "Megaball" e "Tudo ou Nada". Assim como no mundo dos esportes, todas as etapas são narradas por um profissional. Everaldo Marques, conhecido no canal pago SporTV e que caiu nas graças do grande público com suas recentes narrações das Olimpíadas de Tokyo, é o escalado para observar cada lance e transmitir toda a energia para o telespectador.
Ao lado dele, a jogadora Hortência e o humorista Marco Luque comentam os melhores momentos. A competição é realmente levada a sério, embora o objetivo seja a diversão de quem assiste.
Famosos e anônimos ----- em grupos formados por atores, humoristas, cantores, apresentadores e ex-participantes de reality ---- competem entre si. Além deles, também participarão profissionais de diversas áreas de atuação, como médicos, garis, enfermeiros, advogados, enfim. Os anônimos da atração de estreia, neste domingo (03/10), foram os profissionais da saúde. Dois times, com seis participantes em cada lado ---- três homens e três mulheres ----, se enfrentam nas três fases já mencionadas. E todos precisam traçar estratégias para uma boa organização. A equipe vencedora leva R$ 30 mil.
A premissa é bem interessante. Reunir um amontoado de brincadeira infantis clássicas valendo um prêmio em dinheiro e com regras que deixam a disputa "séria" ---- lembra até um pouco a sinopse de "Round 6", nova série de sucesso da Netflix. Todavia, na prática não funcionou. Muita informação visual. É um exagero. Fica difícil prestar atenção em alguma coisa. As regras são confusas e soou ridículo ouvir Everaldo Marques dizer que não vale nada a equipe criar vantagem na primeira e segunda etapas porque o que decide o jogo é a fase final. Então qual a razão para o esforço dos grupos nas duas primeiras? Não faz o menor sentido. Para culminar, os comentaristas falam um em cima do outro e não havia a menor necessidade de tê-los ali. Isso ainda diminui a relevância de Fernanda Gentil. Aliás, coitada da apresentadora. Não vem tendo sorte na área de entretenimento da Globo. Até hoje só ganhou programa ruim. Claro que foi apenas a estreia do novo formato, mas causou a pior das impressões.
O "Zig Zag Arena" é um formato inédito, criado pelo gênero de reality show dos Estúdios Globo, com direção artística de Raoni Carneiro e direção de gênero de Boninho. Embora seja chamado de 'novidade', o programa em si não tem nada de realmente novo. Nada mais é do que uma simples disputa entre equipes em um cenário de encher os olhos. Funcionaria como um bom passatempo, mas a premissa se mostrou equivocada na prática. Talvez seja bem divertido para quem participe. Só que a experiência não é compartilhada com quem assiste. Não deve durar na grade da Globo.
Xica da Silva
3.9 12025 anos de ‘Xica da Silva’, uma novela inacreditável.
O Brasil precisa falar sobre o legado da novela 'Xica da Silva', da Rede Manchete, que foi ao ar pela primeira vez em 1996.
m 1983, surgia uma emissora de TV aberta diferente das outras. Fundada pelo empresário ucraniano Adolpho Bloch, a Rede Manchete se destacou, nos curtos dezesseis anos em que existiu, pela programação arrojada e vanguardista. Sua marca se deu na cobertura jornalística, nos programas de entretenimento e nas novelas ousadas, que geravam muita polêmica e que, eventualmente, conseguiam o que parecia impossível: vencer em audiência a Globo.
Uma dessas novelas estreava há 25 anos, em 17 de setembro de 1996 – e, olhando em retrospecto, até hoje é difícil acreditar que ela tenha existido e sido veiculada na TV aberta. Falo de Xica da Silva, o polêmico folhetim estrelado pela iniciante atriz Taís Araújo, então com 17 anos. Xica da Silva era, na verdade, inspirada em um episódio real da história do Brasil: ela conta a vida de uma mulher negra escravizada que foi liberta e se casou com um homem branco, o comerciante de diamantes João Fernandes de Oliveira, na cidade de Diamantina, em Minas Gerais. Xica, dessa forma, tornou-se uma mulher poderosa, sendo ela mesma dona de escravos.
Claramente, trata-se de uma história fascinante, cercada de mitos – e que a novela da Manchete ajudou a consolidar e propagar. Xica da Silva foi escrita por Walcyr Carrasco (que assinou o roteiro sob um pseudônimo, Adamo Angel) e dirigida por Walter Avancini, cujo trabalho, até hoje, é cercado de controvérsias, especialmente no que diz respeito às escolhas da trama e aos métodos que usava com os atores. Apenas para se ter uma ideia, uma das cenas mais fortes da novela envolve o estupro da personagem de Adriane Galisteu, experiência que a então atriz descreveu como traumática. A própria Xica da Silva teve uma cena de estupro na novela.
A verdade é que Xica da Silva, observada sob o ponto de vista atual, é uma novela capaz de gerar muita reflexão. Para começar, por sua estética “suja”, bastante típica das novelas da Manchete, e que parece hoje inimaginável na TV. A ambientação parecia comprometida em reproduzir o que seria a vida no Brasil no século XVIII, sem saneamento algum ou qualquer preocupação moderna com higiene.
Além disso, em nome deste realismo a toda prova, Xica da Silva investia pesado em cenas de violência e de erotismo. Pouca coisa ficava no plano da metáfora. O sofrimento dos negros escravizados precisava vir à tona pelo corpo, em cenas com muita tortura, sangue e sofrimento. O primeiro episódio, com participação especial dos atores Marcos Breda e Silvia Buarque, já dá a tônica do que se veria nos mais de duzentos capítulos. Já há uma tentativa de violência sexual contra Xica, que aparece, pela primeira vez, banhando-se sensualmente num rio, e que engana os estupradores. Além disso, já nesta abertura da novela, há uma fortíssima cena de tortura contra o pai de Xica.
Contagem regressiva da nudez
Outra questão até hoje discutida foi a aposta feita na iniciante Taís Araújo, hoje uma estrela da TV brasileira. À época, Taís tinha 17 anos – completaria 18 em 25 de novembro, ou seja, dois meses após a estreia da novela. Este fato gerou uma espécie de comoção nacional em torno do seu aniversário. Com a maioridade, Taís poderia aparecer nua na trama, o que de fato aconteceu, em um banho de cachoeira. Inacreditavelmente (ao menos pelos padrões atuais), a Manchete levou ao ar propagandas que faziam uma contagem regressiva para o aniversário da Taís, de forma a gerar em expectativa em torno da cena de nudez. O esforço acabou gerando bons índices de audiência para o episódio em questão.
Uma das qualidades de Xica da Silva, no entanto, reside no fato de que a sua trama não se centra apenas na força da personagem principal. Na verdade, o elenco foi formado por estrelas que encarnavam personagens fortes. Muitos destes atores estavam ainda em início de carreira, e seriam consagrados nos anos seguintes. Há muitos que podem ser destacados aqui, como a atormentada e diabólica Violante, interpretada por Drica Moraes, que venceu o prêmio APCA de Melhor Atriz pelo papel; a mãe de Xica, vivida por Zezé Motta, que interpretou a própria Xica no filme homônimo, de 1976; e uma dupla que teve forte participação na história, Elvira, prostituta vivida por Giovanna Antonelli, e seu amigo gay Zé Mulher, papel de Guilherme Piva. Também não é possível esquecer dos atores veteranos presentes na trama, como Miriam Pires, Sérgio Britto, Mauricio Gonçalves, Jayme Periard, Lecy Brandão, Paulo César Grande e até o cantor Eduardo Dusek.
O fetiche da violência
O mais interessante em Xica da Silva, penso, é notar que parece inimaginável visualizá-la na TV aberta hoje, mesmo no horário em que foi veiculada na Manchete, na faixa das 22 horas. O que nos leva a refletir: será que “encaretamos”, desde 1996? Creio que a questão é mais complexa. A evolução da discussão em torno da dramaturgia faz questionar certas escolhas feitas em Xica, especialmente no que diz respeito a uma certa fetichização da violência. Em outras palavras, há hoje uma maior ponderação em torno dos efeitos da imagem da violência, fazendo-nos pensar se, realmente, a única forma de entender o sofrimento da escravidão é por meio da visualização explícita das torturas aos corpos negros. É uma discussão semelhante à ocorrida, por exemplo, em torno de 12 anos de escravidão (2014), filme de Steve McQueen, ou mesmo sobre o sofrimento de Jesus em A Paixão de Cristo (2004), de Mel Gibson.
Coisa semelhante pode ser dita em torno da sexualidade de Xica e de outros personagens da trama. Mesmo Taís Araújo – embora explicite sua gratidão pelo trabalho, que ajudou a impulsionar sua carreira – já se manifestou acerca das escolhas feitas pelo diretor e roteirista em torno da nudez e da sensualidade de Xica, que ajudam a fortalecer a ideia de que a ex-escrava tinha como única força o seu corpo, além de reforçar o estereótipo nocivo às mulheres negras.
Creio que todas as essas discussões são importantes e precisam hoje serem vistas como oportunidade de debate sobre estes temas. Não obstante, recomenda-se jamais esquecer: a novela Xica da Silva é um marco da dramaturgia brasileira e precisa ser celebrada como tal.
Nos Tempos do Imperador
3.4 16A nova novela de Alessandro Marson e Thereza Falcão, dirigida por Vinícius Coimbra, "Nos Tempos do Imperador" tem início luxuoso e promissor.
Especificamente no caso dos autores da nova produção das seis, os riscos de uma possível rejeição do telespectador é baixa. Afinal, o grande público está ávido por uma história inédita após tantas reprises e o enredo é conhecido de muita gente, ainda que de forma superficial: a saga de Dom Pedro II (Selton Mello), iniciada no folhetim em 1856.
E é a primeira novela da Globo que se apresenta como a continuação de outra, no caso "Novo Mundo" (2017) ---- reprisada ano passado já com o intuito de preparar a audiência ----, dos mesmos escritores.
Cerca de 35 anos se passaram entre o final de "Novo Mundo" e o início de "Nos Tempos do Imperador". O primeiro capítulo esbanjou capricho e imagens cinematográficas. A primeira imagem do folhetim foi de Pedro II envelhecido e exilado em Paris, lamentando o seu triste destino. Provavelmente será a última cena da história. Depois houve uma volta no tempo, para aí sim iniciar a obra. As primeiras cenas da trama foram gravadas antes da pandemia, o que fica perceptível por conta das aglomerações observadas durante a fuga dos escravos, liderada pelo mocinho Jorge (Michel Gomes), o encontro nada amistoso entre Dom Pedro II (Selton Mello) e o coronel Francisco Solano Lopéz (Roberto Birindelli) ---- herdeiro da presidência do Paraguai ----, e pelo velório do pai da Condessa de Barral (Mariana Ximenes). Aliás, toda a sequência de ação impressionou. A imagem dos escravos incendiando a plantação e lutando contra os capatazes encheu os olhos. Vale destacar também o cuidado em colocar vários deles falando em árabe, com direito a legendas.
Outra cena que primou pela beleza foi a da Chapada Diamantina (BA), onde Dom Pedro II e sua esposa, a imperatriz Tereza Cristina (Letícia Sabatella), estavam de visita. Inicialmente, o casal nem parece ser protagonista. Mas ocorreu o mesmo em "Novo Mundo": Dom Pedro I (Caio Castro) e Leopoldina (Letícia Colin) não apareciam tanto nas primeiras semanas de novela. Os mocinhos Anna (Isabelle Drummond) e Joaquim (Chay Suede) eram os responsáveis pela movimentação do enredo. O que também se repete na nova trama. Pilar (Gabriela Medvedovski), a mocinha, já fugiu do casamento arranjado por seu pai, Eudoro (José Dumont), no primeiro capítulo e encontrou Jorge, o mocinho, ferido. A estudante de medicina conseguiu socorrê-lo e os dois se encantaram um pelo outro, situação também semelhante ao roteiro anterior. Já o grande vilão Tonico Bastos (Alexandre Nero) exerce a função que era de Thomaz (Gabriela Braga Nunes: tem uma obsessão por Pilar, ao mesmo tempo que interfere e faz tudo para atrapalhar a administração de Pedro II.
Mas a questão das similaridades não é um demérito. Tanto que foi um acerto a cena do nascimento de Pedro II, gravada por Caio Castro e Letícia Colin em 2017, que não foi exibida na época. Expõe um competente planejamento da continuação do enredo. Estava tudo bem pensado. E vale elogiar a boa ideia de manter alguns personagens da obra passada, como os impagáveis Germana (Vivianne Pasmanter) e Licurgo (Guilherme Piva), agora envelhecidos e muito mais horríveis. Os atores prometem roubar a cena mais uma vez. Além deles, outros perfis continuam, mas com outros atores. Lurdes, a fiel escudeira de Leopoldina, agora é interpretada pela grande Lu Grimaldi. Vitória, a filha de Anna e Joaquim, é vivida por Maria Clara Gueiros, enquanto Quinzinho ganhou a atuação de Augusto Madeira. E, ao que tudo indica, haverá uma surpresa ao longo da trama ----- provavelmente a volta de Elvira Matamouros (Ingrid Guimarães).
A abertura, ao som de Cais, cantada por Milton Nascimento, e com a utilização de várias pinturas a óleo de tela ----- há imagens de figuras emblemáticas, como Machado de Assis ---- é um primor, o que combina com o capricho da produção. A qualidade também está na trilha sonora com Ney Matogrosso, Clementina de Jesus, Clara Nunes e Elis Regina. Já o elenco promete ser um show à parte. É um prazer ver Selton Mello de volta às novelas, após 21 anos (a última que contou com sua presença foi "Força de um Desejo", em 2000). Mariana Ximenes tem tudo para se destacar cada vez mais na pele de uma condessa idealista e justa. Letícia Sabatella promete cair nas graças do público com sua determinada Tereza Cristina. Alexandre Nero e José Dumont são outros nomes de peso e com vilões odiáveis.
"Nos Tempos do Imperador", dirigida por Vinícius Coimbra, apresenta um luxuoso começo e tem chance de repetir o sucesso de "Novo Mundo". Alessandro Marson e Thereza Falcão já mostraram que são bons em fisgar o público com o tradicional folhetim mesclado a momentos históricos do Brasil.
A Vida da Gente
3.9 194Embate entre Ana e Manu resultou na cena mais memorável de "A Vida da Gente"
A cena mais aguardada de "A Vida da Gente", exibida originalmente no dia 12 de fevereiro de 2012, também uma terça: a briga entre Ana (Fernanda Vasconcellos) e Manu (Marjorie Estiano). Ao saber através de Júlia (Jesuela Móro) que sua irmã não iria em seu casamento com Lúcio (Thiago Lacerda), Ana resolve ir ao encontro de Manu para entregar o convite pessoalmente e, quem sabe, fazer as pazes. Mas acontece justamente o contrário: uma explosão de mágoas e feridas expostas, que resultaram em uma das melhores cenas da história da teledramaturgia.
A sequência tem oito minutos de duração. Uma eternidade já na época em que a novela foi exibida, em virtude da mudança da linguagem dos folhetins, que precisaram de um maior dinamismo para não afugentar a atenção do público. Mas, ainda assim, Lícia Manzo é uma autora que costuma desafiar essa 'regra' em suas obras, sempre valorizando os diálogos. A sua primeira novela já tinha deixado bem explícita a sua forma de trabalhar. E a cena se tornou a maior lembrança que o telespectador tem da saga sobre o amor de duas irmãs. De fato, entrou para a história.
Assim que Ana chega, Manu a recebe com frieza, como tem sido desde que flagrou a irmã beijando Rodrigo (Rafael Cardoso), seu então marido e ex-namorado de Ana. Poucos segundos depois os ânimos já se exaltaram e o embate começou. A autora foi perspicaz e colocou na boca de cada personagem os argumentos que os respectivos fãs de Ana e Manu sempre escreviam em blogs, Twitter e afins em uma época em que ainda não era tão normal comentar folhetins em redes sociais; muitas vezes provocando acaloradas discussões entre os torcedores mais fanáticos --- o que ocorre também com a reprise, vale ressaltar.
O teor das discussões nas redes sempre se dá através dos defeitos que cada uma tem, onde um tenta provar que a outra errou mais e é, portando, a 'cretina' da história. Porém, nunca houve vilão em "A Vida da Gente", mesmo com parte do público classificando Eva (Ana Beatriz Nogueira) e Vitória (Gisele Fróes) como vilãs. . Ana e Manu erraram ao longo da vida e não há uma grande culpada na história toda. A trama opta pelo realismo e consegue atingir o objetivo com êxito, uma vez que os telespectadores acabam se identificando e se envolvendo com todos os núcleos apresentados. É justamente através do embate entre Ana e Manu que os erros das duas são expostos em palavras que machucam muito mais que qualquer tapa.
O resultado da sequência é o melhor possível. Um texto de imensa qualidade sendo interpretado brilhantemente por duas atrizes que honraram o posto de protagonistas em todos os momentos. Marjorie Estiano e Fernanda Vasconcellos foram exemplares e mostraram com segurança e competência toda a gama de sentimentos que estavam guardados há tanto tempo por Manu e Ana. Quando quem assiste a uma cena esquece que aqueles personagens estão sendo interpretados, e não são pessoas reais, é porque os intérpretes atingiram o objetivo. E foi o que as duas fizeram. Se entregaram de uma forma visceral e aquele momento marcou a carreira de cada uma.
O mais interessante da sequência é a forma como Lícia explora as fragilidades de cada irmã. No início da discussão, é Manuela quem está por cima e deixa Ana destruída com cada verdade que joga na cara da irmã, que tenta fugir da conversa. Logo depois, quando escuta de Manu que só sabe fugir mesmo, é Ana quem cresce e vira o jogo atacando Manuela com palavras duras, muitas delas já ditas por Eva. E é quando Manu tenta acabar com a discussão. Já a finalização do embate se dá quando Ana entrega, sem querer, que ainda tem sentimentos pelo Rodrigo, mesmo após ter ido até a casa de Manuela para entregar o convite de seu casamento com Lúcio (Thiago Lacerda). E Manu acaba dando o xeque-mate.
Valeu muito a pena rever a melhor cena de "A Vida da Gente", que até hoje é uma das mais exibidas nas redes sociais quando alguém elogia a novela primorosa de Lícia Manzo. É aquele momento em que a arte chega no ápice.