Tá aí uma mini-série documental interessante... Há elogios e críticas a se fazer sobre CONVERSANDO COM UM SERIAL KILLER: TED BUNDY. Os primeiros devem ser sobre a minuciosa pesquisa de imagens e gravações em fita, diretamente do próprio assassino e das testemunhas que sobreviveram a ele. Além disso, cada episódio é mais bem-editado que o outro; mostram dinamicamente lados opostos do processo judicial pelo qual passou Theodore Bundy naquela época. É interessante ver a mentalidade dos anos 70 frente ao surgimento do conceito do “serial killer”, e como isso afetou a cultura dos anos seguintes. Dá pra perceber até um racismo velado quando se falava que Ted “não tinha cara de criminoso”, que ele simplesmente "não parecia ser um homem que faria isso”. Talvez se ele tivesse outra etnia estivesse "mais na cara" que ele era um verdadeiro monstro, dada a dificuldade que as pessoas têm até hoje de considerar homens brancos culpados de qualquer coisa... A personalidade dúbia, a lábia, as fãs que o amavam – retratos de uma realidade não muito distante dos EUA de hoje, com sua idolatria cada vez mais forte por personalidades controversas. Mais que o retrato de um assassino, “Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy” é um estudo sobre como uma sociedade absolutamente despreparada lidou com a emergência do culto à persona, na promoção de um homem branco “bem-apessoado” e que simplesmente “não parecia um estuprador”, provavelmente porque "não tinha pele ou olhos que entregassem isso". É ao mesmo tempo intrigante e perturbador entrar em contato com as visões de mundo de alguém doente como ele. Este é o tipo de documentário que você assiste uma vez só, e só para se informar, porque apesar de não ter imagens fortes, é uma produção muito pesada para simplesmente "ser assistida despretensiosamente”. Vale a pena no sentido da qualidade das informações dispostas sobre este caso, mas também me pergunto se a NETFLIX, produzindo um doc como esses, não estaria, contrariamente, contribuindo para a manutenção da idolatria que circunda este homem desde que surgiu nos jornais pela primeira vez. Será responsável deixar os jovens vidrados mais uma vez na personalidade de uma pessoa assim? Eu sei lá... Quero nem pensar nisso... É sério demais. Assistam!
"Ted Bundy: I'm not guilty? [Laughs] Does that include the time I stole a comic book when I was five years old? I'm not guilty of the charges which have been filed against me.”
Vindo pra derrubar o que foi firmado antes, THE HANDMAID’S TALE revisita os núcleos que tornaram a série famosa e os destrói, um por um, nos retumbantes capítulos que se apresentam nesta nova temporada... “O Conto da Aia” vai além de um discurso feminista/pró-feminista ‘simples’ em relação ao corpo/sexualidade/direito da mulher – a trama é basicamente toda a história de repressão e usurpação do feminino ao longo do tempo. Como a maternidade é, também, uma forma de manter as mulheres longe do poder, fora dos cargos mais importantes. Como o discurso do "nascimento divino” diviniza o ventre, e não a mulher que o carrega, e como a cultura de ter filhos é um fardo sempre maior para as mulheres, que estiveram até então dominadas pelas expectativas reprodutivas de seus parceiros. Fazia um tempão que eu não via uma série tão inquietante, chocante, alarmante. Todos os atores são excelentes. As atuações, os jogos de câmera, a trilha sonora, tudo aqui é afiado e muitíssimo bem conduzido pelas mãos da talentosa Kari Skogland. Para mim, “The Handmaid’s Tale” é um sinônimo de série de qualidade, de algo que funciona nesta época e que poderia funcionar em qualquer outra do passado ou futuro. Como um alerta, a série entrega seu discurso cuidadosamente, de maneira plácida mas por vezes violenta – com cenas explícitas de situações extremas a que mulheres são submetidas. A força da série não reside aí, mas no que ela faz com isso: o que cada aia vai escolher pra si depois de ter sido escravizada pelo condado de Gilead... Porém, uma esperança parece surgir. É uma flor. “Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”, e agora vem para a libertação dessas mulheres, desafiando tudo. Terá a rosa do povo alguma chance frente à cultura hegemônica, ao estado de exceção e à teocracia? Terá a rosa do povo alguma chance frente ao aniquilamento inclusive dela mesma? Só vendo a terceira pra saber... Muito, muito boa mesmo. Edifica, humaniza e sedimenta a esperança no fundo dos nossos corações.
Nutro a mesma sensação por esta temporada que tive por segundas, terceiras e quartas temporadas de outras séries – tempo perdido e pouca justificativa pra tanta preparação. Sendo uma refilmagem de um clássico dos anos 70, WESTWORLD chegou com o pé na porta em 2016, numa leitura até marxista de classes entre robôs de entretenimento e humanos que se valem de sua existência. É na tomada de consciência súbita desses robôs (e a inevitável revolução que eles agitam) que WESTWORLD encontrou seus mais incríveis êxitos, além da produção impecável, do roteiro que sabia para onde ir e da atuação de cada um, com ênfase nas protagonistas Maeve e Dolores. Entretanto, da primeira pra segunda temporada, apesar da produção não ter mudado de nomes no backstage, algo parece ter desandado. Os episódios demoram demais para acontecer, uns até parecem mesmo encheção de linguiça, e todo o processo demora horrores mais que o necessário para se fazer entender. Vamos chegando ao final, já cansados da experiência, para tudo se resolver de maneira meio “irresoluta” – faz pensar que, além de série, WESTWORLD vai virar uma franquia de diversas temporadas, spin-offs e reboots, que se estenderão para além do que a imaginação poderá permitir. Era fantástico o que estava sendo feito na temporada anterior, mas agora já não sei mais se tenho vontade de continuar assistindo a isso aqui. Terá valido a pena investir mais 10 horas numa história que vai ficar virando de ponta a cabeça pra gente ficar vidrado nela, e passivo assim? Não veria de novo. E nem sei se vale a pena continuar a acompanhar...
“Dolores: O que é real? Bernard: Aquilo que é insubstituível.”
Confesso que fui assistir à SEX EDUCATION com certo preconceito. Já não curto Skins, nem outras séries que abordam o sexo na adolescência/juventude, então imagina o que eu pensei que a NETFLIX fosse fazer com o tema... Mas, ao contrário disso, a produção, que estreou mês passado, é na real um prato cheio para muita gente jovem por aí... Assinada por Ben Taylor e Kate Herron, “Sex Education” tem diálogos surpreendentemente bem-feitos, e boas escolhas de roteiro. A cada episódio, vemos situações tensas pelas quais jovens passam e que Otis Thompson, no auge de sua virgindade pós-moderna, procura aconselhá-los para ajudar a resolver. A série é leve, com humor ácido e não perde o foco do que importa: apresentar a sexualidade sem tabus, e com as questões universais de cada um – gays, travestis, lésbicas, bissexuais e toda outra forma de se conhecer e se relacionar que possa haver entre dois (ou mais), quando estiverem reunidos em nome do amor (ou mesmo do prazer). Como um primeiro contato dos adolescentes com temas como masturbação, homoafetividade e aborto, “Sex Education” traz um repertório divertido, responsável e "jovem", se é que dá pra falar assim. Apesar de trabalhar com estereótipos, a série não faz exposições grotescas das meninas nem fetichiza a protagonista Maeve Wiley, uma menina forte que sofre muito, e que tem em sua trajetória um destemido desejo de superação de si mesma. O destaque fica para o desenvolvimento impressionante de Eric Effiong, o amigo de Otis que tem um arco incrível da auto-depreciação para a auto-aceitação, e a belíssima construção de seu antagonista, Adam Groff, um rapaz homofóbico que é rejeitado pelo pai de todas as maneiras possíveis... Por causa dessas construções, que são raras ao ser bem-feitas na NETFLIX, a série tem fôlego para seguir uma segunda temporada com folga, no agravamento das tensões entre os casais e no desenvolvimento dos problemas pessoais que já foram apresentados. Trata-se de uma série que dá vontade de acompanhar de perto, ao contrário de tantas outras que, produzidas pelo serviço de streaming, quase sempre são perdas de tempo. Esta aqui, pelo contrário, é bem legal! Assistam!
“Otis: Qual é a sua parada, então? Maeve: Personagens femininas complexas.”
Não é muito difícil explicar por que MISFITS decaiu tão rápido. A série britânica produzida pelo E4 acabou tendo sua sexta temporada cancelada, e sofreu um encerramento “abrupto mas tardio” na quinta, a única que não contém sequer um dos personagens originais e que, também por isso, foi perdendo fôlego tanto em piadas quanto em movimentos possíveis. A saída do Nathan (Robert Sheehan), na terceira temporada, foi muito sentida, e quase bem-preenchida pelo Rudy (Joseph Gilgun), mas não foi suficiente. Rapidamente as tramas e subtramas da série foram pro ralo, em condições de estruturação pobríssimas e muito pouco interessantes ou engraçadas. Aqui e ali, a partir da terceira temporada, vemos alguns episódios notavelmente bons (o sobre Nazismo, sobre a Depressão, sobre o Coelho...) mas a maioria dos capítulos é simplesmente insuportável, sobretudo no contexto pós-segunda temporada. Com a morte e ausência de todos os protagonistas originais, é perceptível um esforço, por parte dos atores e produção, em maquiar com piadas fracas e situações forçadas a perda em “qualidade” pela qual a série passou. A quinta, vindo depois da (fraquíssima) quarta temporada, não consegue ser pior que ela, mas concorre quase ao mesmo lugar: diante das gerações anteriores, e dos lugares a que a série chegou, fica difícil defender e mesmo de assistir até o final os oito episódios que a compõem - trata-se de um percurso pedregoso, com muitos percalços no caminho. Dentre as temporadas, fico com a segunda e a primeira: mesmo que o projeto em si seja um besteirol, ali MISFITS encontrou seu auge, auge este que durou (infelizmente) muito pouco... Faltou inspiração, dedicação e criatividade por parte de todos os envolvidos nisso. Uma pena...
“Rudy: This could be the start of something huge. I can feel it in me nutsack." [leia mais em www.cinestesias.com]
DEATH NOTE se preocupa mais em costurar um jogo de xadrez inverossímil que explorar a mitologia de seu universo. Até onde pode ir o homem para alcançar seus objetivos? Em quantas vidas pode pisar para construir degraus? Quantas vítimas é capaz de fazer, e quem conseguiria pará-lo? A sociedade do espetáculo está em DEATH NOTE muito viva, como Guy Debord nos ensinou, e no anime vemos críticas ácidas à população que venera Kira como a um Deus. É curioso porque ainda no episódio piloto, Ryuk pergunta a Light se, uma vez que ele seria o Deus do Novo Mundo (assassinando todos os criminosos e, assim, trazendo “justiça” a todos), ele não seria também o único assassino, e portanto, mais um criminoso. É sobre este tipo de incoerência que DEATH NOTE discorre muito bem: a “justiça com a próprias mãos”, um fracasso que vem sempre acompanhado de um narcisismo, que necrosa os cérebros dos "justiceiros" até hoje... Aliás, se Light Yagami fosse real, ele não faria tanto sucesso com mulheres. Não teria amigos (como não tem na série), nem seria dotado de notável habilidade social. Os Lights reais andam pelas sombras, sociopatas matutando absurdos em suas mentes. Me assusta pensar, sobretudo, quantos meninos podem haver pelos colégios estaduais e mesmo privados, dedicados como ele e cultivando ideais parecidos. Quantos Yagamis há, com seu senso de justiça de araque e vontade de “se armar contra o mundo”, nos espaços intelectuais, de cultura e de civilização? Para além de um anime interessante que aborda o ciclo vicioso da violência entre os homens (e como a manutenção da violência é também um mecanismo para cultuar a própria masculinidade), DEATH NOTE é uma bela puxada de orelha moral sobre o idealismo da Justiça, especialmente em tempos de crise [ou "tédio"], quando juízes ficam desmoralizados ou as punições não são “severas o bastante” para agradar o povo que tem sede de sangue. Outro dia alguém disse isso; “As pessoas não querem justiça, elas querem vingança, porque isso dá prazer”. Creio que esta frase resume basicamente a tese da série, e até onde podem ir as consequências para um homem decidido a subir todo o caminho (e depois descer) em prol do seu prazer em se autoafirmar. Infelizmente, como qualquer outra obra, DEATH NOTE tem seus pontos fracos: Ryuk, o shinigami principal, acaba se mostrando um personagem subaproveitado. Misa é a personagem mais problemática, por conter em si uma série de estereótipos no estilo “loira burra e gostosa”, e ser assumidamente usada por Light durante todo o enredo. Sua devoção tem ecos de machismo e subserviência que hoje seriam vistos como extremamente problemáticos. O jogo de xadrez que se dá entre Light e L chama muita atenção nos dez primeiros episódios, por envolver várias artimanhas e tramas paralelas, mas ao longo do percurso (indo até a segunda temporada), as deduções que ambos tiram “da cartola” produzem ao mesmo tempo um espelho e uma inverossimilhança – em vários momentos a gente se pergunta se realmente seria possível alguém com tal capacidade existir...
A introdução de Near, no decorrer da trama, soa mais como uma mudança drástica de antagonista do que uma alteração necessária. N não tem o mesmo carisma que L, que se despede da história talvez tarde demais, e os últimos 10 episódios do anime se apresentam extremamente chatos e conflitantes com o restante da obra. Subitamente, pós-L, a produção parece mudar, com mais machismos (mulheres nuas), menos reviravoltas, e a trilha e a arte mudam para torná-la mais “pesada”, mas ela só fica mais morna ainda. Mesmo os intervalos “vermelhos de terror” não fazem jus ao pouco que a série traz com o roteiro que envolve Mello, Soichiro, Sidoh e o shinigami Rem.
Depois da verdadeira carnificina que ocorre até o final, a gente fica se perguntando se Light teve o que merecia. No fim das contas, DEATH NOTE é uma grande anti-epopeia sobre um homem que desde o início se apresenta desviado, sádico, sociopata e com tendências ao serialismo assassino. Assistimos aos poucos à coroação (e irremediável deterioração) de um aluno exemplar num verdadeiro mestre do crime. Não fosse talvez a sua própria ambição, maior que tudo imaginável – dominar o mundo, tornar-se a Justiça, o Deus do Novo Mundo – ele talvez tivesse ido mais longe... Muito boa!
“Light Yagami: Se pegarmos o Kira, ele é mal. Se ele dominar o mundo, ele é a justiça.”
Numa porrada só, DARK mistura suspense de ponta, fotografia estonteante e teorias quânticas com facilidade – mas seu decorrer não instiga tanto quanto deveria. Com claras influências de “Twin Peaks” e “Stranger Things”, a série alemã chegou ao catálogo da Netflix com muito fôlego; recheada de boas atuações e sob a direção firme de Baran Bo Odar, a produção tem ainda um trabalho primoroso na iluminação (sobretudo as sombras, com aquilo que eles “não querem que vejamos”). Até certo momento, nosso medo é o mais primordial – o do desconhecido: o que há na caverna? Um monstro? Um demogorgon? Um ceifador aleatório? Para nossa surpresa, a resposta está longe de ser uma criatura assustadora (a série, em si, não tem nada de “assustador”), e impressiona justamente por ser um tema famoso, mas que talvez não tenha sido aproveitado dessa maneira antes. Durante o processo de Jonas, fiquei me perguntando se algum dia isso seria possível – se todos os eventos apresentados poderiam ocorrer desta maneira. É, ainda, muito difícil pensar no tempo, e em como fazer para alterar seu curso (como disse Gaspar Noé, “o tempo arruína tudo”), mas DARK, numa boa medida, consegue especular direitinho a respeito dos efeitos, a longo prazo, de uma alteração absolutamente brilhante em seu decorrer... Sem querer estragar as surpresas, é importante dar uma olhada em produções assim – de vez em quando a Netflix acerta na mão e nos traz coisas preciosas... DARK é um desses raros casos, um mosaico de mistério gelado, inquietante, que nos instiga apesar de algumas dificuldades de condução (sobretudo nos últimos quatro episódios). Com um desfecho bastante em aberto, fica a pergunta para todos os que curtiram a experiência;
Como Laura dissera, 25 anos se passaram e os misteriosos eventos de Twin Peaks voltam a ser expostos, dissecados pelas mãos cuidadosas de Mark Frost e David Lynch, cada vez mais empenhados em trazer inventividade e desconstrução narrativa (como nunca antes em suas carreiras) para a produção televisiva mundial. As 18 horas de TWIN PEAKS: THE RETURN narram o complexo processo de retorno do agente do FBI Dale Cooper à pequena cidade de Twin Peaks, onde ocorreram os terríveis crimes contra Laura Palmer, rainha da formatura do colégio local. A história todos conhecemos, mas ninguém estava preparado para o que os produtores fizeram aqui; a terceira temporada é uma narrativa não-linear, múltipla e extremamente simbólica (com inúmeros momentos de estranhamento e desconforto) dos acontecimentos que envolvem o retorno do doppelganger de Coop ao Black Lodge, e o seu devido alojamento no tempo presente. 25 anos se passaram e o elenco envelheceu, mas a pegada surrealista que fez a fama da série segue firme e forte, mais que em quaisquer outras temporadas. A respeito de David Lynch, senti discretas citações de dois de seus trabalhos anteriores: “A Estrada Perdida” e “Cidade dos Sonhos”. Os momentos mais surrealistas também remetiam ao seu último longa, “Império dos Sonhos”, e a “Trilogia de Los Angeles”, como ficou conhecida, ecoa na terceira temporada de TWIN PEAKS como um pulso vivo nas escolhas de ambientação, timing dos diálogos e exploração do absurdo (várias vezes em momentos absolutamente inesperados). Muito embora TWIN PEAKS: THE RETURN, sob o ponto de vista produtivo, tenha sido a melhor temporada (roteiro, design de produção e execução, até pela tecnologia atual), não consigo deixar de pensar como, por várias horas, senti que estava assistindo a um cotidiano talvez “realista demais” da cidade. Há episódios em que quase não existe movimento – um, em especial, é inteiramente metafórico e onírico, e não apresenta Dale Cooper em nenhum momento. Talvez Lynch e Frost tenham se estendido demais ao contar a história de Dougie Jones, que em momentos chega a ficar enfadonha, e tenham criado um mistério central pouco interessante (toda a história dos corpos decapitados e do casal morto em frente à câmara). A ausência do xerife Truman, porém, teve uma solução fantástica – um segundo xerife Truman é recrutado, irmão do antigo, para compensar a única ausência voluntária do elenco original: Michael Ontkean. As faltas de Leo Johnson e Josie Packard (que só aparecem em flashbacks) não são sentidas, e os estranhos arcos de Audrey e Jerry Horne, James Hurley e Sarah Palmer causam mais desconforto por se situarem à margem da situação do que efetivamente por um impacto surrealista. A falta que causam os falecidos é sentida, em especial do Killer BOB e do Man From Another Place (mesmo que tenha “evoluído” para outra forma). E as cenas que merecem destaque são o momento em que Audrey “acorda”, a recitação do poema “Fire Walk With Me” por Mike, a cena de Sarah Palmer revelando seus interiores, a união do casal Ed e Norma, o tributo a David Bowie e os vários momentos de Diane, a assistente de Cooper. Em memória de Frank Silva, Jack Nance, Catherine E. Coulson e Miguel Ferrer, o show é interessante por trazer de volta tanta gente a seus papéis originais, mas com uma dedicação detida, ele se apresenta cansativo e pouco proveitoso. No mais, deixa a desejar por se tratar de uma imersão tão longa, mesmo para os mais fanáticos pelo trabalho de Lynch e Frost. Como fã confesso, achei de muito difícil digestão – frustrações das expectativas levadas à última potência. Mas esperarei uma continuação.
“This is the water, and this is the well. Drink full, and descend. The horse is the white of the eyes, and dark within.”
Me deu muita vontade de ler o livro... THE HANDMAID’S TALE é uma série distópica sobre uma espécie de “teocracia cristã matriarcal” que se instaurou nos EUA. A produção, baseada no romance “O Conto da Aia”, de Margaret Atwood, chamou muita atenção por sua caracterização deste ambiente e pelo choque que determinadas cenas nos causam, por serem violências tamanhas, e ao mesmo tempo tão naturais entre as personagens que vivem neste universo. A Arte não serve para retratar o mundo como um espelho, às vezes ela chega para nos mostrar o mundo como ele pode-vir-a-ser. Esta primeira temporada me lembrou muito aquele ditado, quando pensamos num naufrágio, que dizemos “mulheres e crianças primeiro”. Ora, por que logo elas primeiro, e não os homens? É simples: mulheres e crianças são os primeiros grupos a perder seus direitos numa situação de exceção. E o que THE HANDMAID’S TALE ilustra, com estrondosa força, é quão longe podem ir as pessoas quando verificada uma situação de exceção GLOBAL: a taxa de natalidade despenca assombrosamente, e todas as mulheres estão se tornando inférteis – é preciso haver uma intervenção... As condições de escravidão e serviço em que as Aias se encontram são reverberações de uma mesma estrutura machista que toma conta do governo dos EUA (ainda hoje): a de que os homens devem sempre estar à frente das instituições, e de que as mulheres têm, em sua maternidade, a única justificativa para viver dignamente. A diferença de tratamento entre grávidas e não-grávidas é enorme na série, e qualquer ato, desejo ou pensamento que seja reprimível aos olhos do governo terá severas punições. Aleijamentos, mutilações e torturas: uma ditadura das mulheres inférteis, de casais que querem procriar, aguardando uma intervenção divina que venha através de uma segunda mulher, estuprada entre os dois. THE HANDMAID’S TALE tem tudo para alavancar debates sobre a situação feminina; e esta seria uma temporada perfeita para começar tal debate, não fosse pelo absoluto pessimismo de seu encerramento, da ausência de clímax e da encheção de linguiça que temos ali entre os episódios 7 e 8. Parece que ela começou com uma excelente premissa, mas caminhou de maneira pouco proveitosa nos aspectos que poderia ter explorado. Apesar das contraindicações de minhas amigas sobre a segunda temporada (que parece ser ainda mais violenta que esta, se é que é possível), pretendo acompanhar este trabalho enquanto ele for produzido, por crer que aqui tem, sem dúvidas, uma pedra bruta, a ser esculpida com a navalha da dor pela qual passou o “sexo frágil”, que de frágil não tem nada. Frágil é o homem por ser tão menos humano. Incrível.
“Aunt Lydia: You won’t want what you cannot have.”
Vindo para se apropriar e desconstruir todos os processos anteriores pelos quais ficou conhecida, a série "3%" se revela um fenômeno absoluto de crítica e público no mundo - mas no Brasil, segue desconhecida. Nem tenho mais o que falar sobre isto aqui. Quem reclama que o figurino é "péssimo" ou a atuação é "sofrível" também passa pano para várias produções estadunidenses, com roteiros muito menos complexos e crítica zero ao estado de sítio em que se encontra a civilização pós-industrial. Depois de saber que havia brasileiro botando esta série dublada em inglês para torná-la "assistível", fiquei pensando em como a "língua do poder" (como diz a canção do El Efecto) dominou todos os âmbitos da nossa vida brasileira - e mesmo uma série com produção e idioma nossos passa a ser assistida com o idioma dos imperialistas para ser degustada por seus dominados culturalmente. É bizarro. Já tinha assistido à primeira temporada e, desconsiderando questões de orçamento e efeitos especiais, fiquei muito impressionado. Já conhecia a Bianca Comparato da série "A Menina Sem Qualidades", que ecoou por anos em mim, mas aqui, na segunda temporada de "3%", ela mostra de fato a que veio - provando como ela (e alguns de seus colegas de profissão) tem dentes para grunhir em represália ao status quo. Muito mais bem-trabalhada, com excelentes montagens e reviravoltas, "3%" só confirma como o nosso complexo de vira-lata é uma das tristezas que carregamos ao vestir a camisa da seleção. Quando os próprios estadunidenses assistem mais a essa série que qualquer outra (em língua não-inglesa), é importante pensar no quanto realmente estamos engajados em prestigiar as produções que são aqui produzidas - e reconhecidas lá fora. Voa alto, 3%! Confio em vocês como em nossa própria arte. Vida longa ao casal fundador... Ou será que não?
Eu gosto muito quando BLACK MIRROR mexe com o conceito de consciência, a perpetuação da consciência, a sua transferência “digital” – e todas as questões que essa transferência acarreta. É ficção, claro, mas os processos descritos em boa parte de BLACK MIRROR estão longe de serem impossíveis, o que torna a série ao mesmo tempo interessante e urgente, em especial para nossa era pós-moderna. Os episódios que mais provocam reflexão, na minha opinião, são o “Black Museum”, “Hang the DJ” e “USS Callister”. O primeiro, uma ode à própria série, salienta a ligação entre todos os episódios no mesmo universo (tendo altas referências a trabalhos anteriores, em especial “White Christmas” por sua estrutura de três núcleos). “Hang the DJ”, um xodó, é um romance que não é “tão romance assim” – e o único episódio até então que não acaba em assassinato, tragédia ou suicídio. “USS Callister”, por fim, homenageia seriados antigos de sci-fi e trata de uma questão muito importante sobre o autoritarismo e a falta de Humanidade – e quão longe eles podem chegar quando estão juntos. Diferentemente da temporada anterior, porém, os episódios “não tão bons” na verdade são péssimos – suas tônicas se baseiam em falhas de caráter ou ação dos personagens, não levantando as próprias questões que eles trazem para a mesa. “Arkangel” lança mão de uma história crível sobre superproteção para se encerrar como um filme adolescente dos anos 90. “Crocodile” é uma saga despropositada de uma assassina para encobrir seus assassinatos em série – tendo um final grotesco e com um anticlímax digno de piada pronta. “Metalhead” se propõe mais “artístico”, com o P&B e as sombras, direção mais cinematográfica e tal, mas o roteiro simplesmente foi tido como pronto quando, de fato, não estava. A série, num geral, se propõe a dissecar mal-estares que hão de vir, no contexto do avanço tecnológico irrefreável ao qual caminhamos. Onde podemos parar se pensarmos tanto assim em realidades virtuais, dinheiro virtual, status virtual, vidas virtuais. Infelizmente, os dezenove episódios não são todos instigantes como alguns que se destacam: tais têm bons roteiros, boa direção e uma boa crítica, mesmo que velada, ao estabelecimento dessa mesma tecnologia. E nesta temporada, mais que em qualquer outra, o decaimento é evidente. Com mais anti-clímax que arrepios, a quarta temporada se encerra com um de seus melhores episódios, mas que muita gente não deve ter visto por não ter suportado tantos roteiros meia-boca no caminho. Seria a ocasião de Charlie Brooker rever se, de fato, vale a pena continuar no esquema de “tornar mais digerível a série como um todo” para acabar entregando basicamente 3 episódios bons a cada 6. Os que indico são esses mesmo: “USS Callister”, “Hang the DJ” e “Black Museum”. Valem a pena pelas questões existenciais, éticas e de poder que provocam. O restante, como falei sobre a temporada anterior, não indicaria. No fim das contas, segue a lista – até aqui – de episódios de BLACK MIRROR que, na minha opinião, valem uma checada de verdade: “The National Anthem”, “15 Million Merits”, “Be Right Back”, “White Bear”, “White Christmas”, “Playtest”, “Shut Up and Dance”, “San Junipero”, “USS Callister”, “Hang the DJ” e “Black Museum”. Cola na minha que é sucesso certo. É isso!
“Rolo Haynes: His dick pukes a little baby paste up her wazoo.”
Depois de entrar para o padrão Netflix, BLACK MIRROR acabou perdendo um pouco. Nas duas temporadas anteriores, produzidas pela Zeppotron, a pegada era outra – um teor mais radical, experimental e até violento para os parâmetros de séries de TV. Até 2014, com o especial de natal, BLACK MIRROR mostrou a que veio, tendo sido exibida primeiro no Channel 4 em vários países do mundo, chocando, trazendo debates e contribuindo, de uma maneira ou outra, para o progresso das nossas reflexões acerca dos efeitos, a longo prazo, da ampla exposição tecnológica a que estamos submetidos na era contemporânea. Muito embora tenha derrapado em alguns roteiros (um por temporada, em média), até aqui eu não tinha motivos para me contrapor à aclamada série de Charlie Brooker. Mas aí veio a Netflix. Em setembro de 2015, o serviço de streaming que mais cresceu nos últimos anos encomendou de uma vez só doze episódios da série (que, em 4 anos, só havia produzido sete) e, provavelmente pela impossibilidade de produzir doze roteiros fortes e independentes neste curto período, foram divididos em duas partes de seis: a terceira e a quarta temporadas. Esta aqui é, então, uma encomenda comercial de BLACK MIRROR (resultado da perda de direitos do Channel 4 de transmitir a série) para a maior rede de streaming audiovisual que se conhece, e que tenta, a cada mês, consolidar um patrimônio de produções “originais Netflix” no seu catálogo, por ser mais barato e também lucrativo – em detrimento de outras produtoras. Sem dúvida, este processo explica por que talvez metade desta temporada não funcione tão bem como as anteriores. Da Season 3, elejo “Playtest”, “Shut Up and Dance” e “San Junipero” como os mais interessantes: são episódios desconcertantes como “White Bear”, “The National Anthem” e “15 Million Merits”, que ilustram de maneiras diferentes certos aspectos da vida urbana no mundo pós-industrial capitalista que viveremos. Muito embora “Nosedive” também seja válido, por trazer uma crítica que hoje soa batida, mas que antes talvez não soasse, os episódios restantes (ou seja, metade da temporada) não são assim tão reflexivos como os anteriores. Charlie Brooker, numa entrevista, disse que acabou priorizando episódios “mais mornos”, sem a pegada, porque “as pessoas acabavam não assistindo tudo”, dessa forma tornando “a série mais digerível para o público”. Isso que eu acho complicado, porque você acaba comprometendo a qualidade da crítica quando altera a forma, a maneira como os fatos são abordados. Entendo que um episódio como “San Junipero”, que foge da pegada, traz uma reflexão diferente acerca das relações humanas pós-industriais, mas quando se leva a “falta de pegada” ao pé da letra, acabam surgindo vários episódios filler gaps, que é comum a praticamente toda série do Netflix a que assisti. O problema não é o roteiro, mas o formato. No fim das contas, para ter seis episódios, metade deve ser forte, e o restante “digerível”, o que torna a temporada, em última análise, mais populista e menos revolucionária, uma vez que se adaptou ao “gosto do público”, quando, para começo de conversa, a série não estava nem aí se o público tinha ou não estômago (para ver um homem estuprando um porco em rede nacional). Não, “Nosedive”, “Men Against Fire” e “Hated By The Nation” não são episódios enfadonhos ou algo assim, mas eles simbolizam esta nova safra de roteiros BLACK MIRROR, que passará a vingar por causa do formato Netflix, que não necessariamente tem a mesma força ou poder de fala que episódios anteriores, como “White Christmas” e “Be Right Back”. Num geral, pensando em cada episódio separadamente e observando o mosaico que a terceira temporada é, não passa de um 3,5. Dar 5 estrelas para isso aqui é forçar muito a amizade. Mas assistirei à quarta, para conferir também. Mediano para bom. E é isso.
“Hector: Jerking off. Jerking off to porn or something? Well, everyone does that. The fucking pope probably does that.”
É tão foda que nem parece um episódio, parece um filme mais curto. Falar qualquer coisa é besteira. Acho que todo mundo tem que pegar isso aqui e assistir, sem saber aonde vai dar. É um roteiro bem amarrado, complexo, que apresenta seus elementos centrais logo no começo, e os leva ao extremo aos poucos, sem a gente perceber. É violento, brutal, criativo, e é talvez o único texto de Charlie Brooker que é absoluto em todo o percurso, sem vacilar ou se perder nos seus detalhes intrincados. Não é um passatempo, tá mais para um aviso, um grito de socorro, um pedido de ajuda: nem todo avanço tecnológico vem para tornar nossa vida mais prática - e, em algum tempo, podemos todos nos tornar escravos dessas mesmas telas pretas, através das quais hoje fazemos tudo que consideramos importante. "Black Mirror: White Christmas" é mais uma confirmação de que a série veio com o pé na porta, e com todo o direito do mundo para vocalizar sua intenção - tendo uma fala necessária e um método completamente inovador de entregá-la. Do caralho. Assista.
"Harry: Ultimately the only thing you're worried about is the transition from one state to another, and that can't hurt you because it's it's just a state change."
Nossa, pesadíssimo. Continuei assistindo à superprodução britânica BLACK MIRROR, já tendo reconhecido e respeitado o lugar a que chegou com a primeira temporada - que cada episódio ecoou em mim por tempo indeterminado. Não fosse pelo Waldo, essa aqui teria sido 5 estrelas direto. Ambas as temporadas têm, até aqui, dois episódios excelentes, e um que acaba saindo pela culatra, sendo o da primeira "The Entire History of You" (que tem um tema questionavelmente simplório, se colocado no contexto dos outros dois) e o dessa "The Waldo Moment". Longe de mim ficar tecendo comparações sem fim entre os episódios, tentando rankeá-los entre si, quero dizer que acho incrível que cada um tenha a sua mensagem, seu propósito, seu motivo-de-ser; é isso que traz graça à série: cada montagem é diferente, com atores, roteiro e tema distintos, permitindo um alcance maior de seus questionamentos sobre qual o futuro (humano) enquanto ocorre o avanço (desumano) da tecnologia. Aqui, os mortos podem "voltar à vida", a condenação de uma pessoa pode virar um espetáculo lotado e um personagem animado pode concorrer às eleições (apesar da aparente impossibilidade de cada caso). Nunca a série foi tão certeira em sua crítica, em sua pegada, em seu experimentalismo - reavendo os elementos que melhor funcionaram na anterior, Charlie Brooker preparou três novos e desconcertantes episódios para quem curtiu o radicalismo na proposta da primeira temporada. É de deixar o cabelo em pé, mané. Sigo arrepiado, diante de uma tela escura que me reflete a insônia. FODA!
Depois de anos tendo sido indicado esta série, finalmente dei uma chance e, adivinhem: Quebrei a cara! BLACK MIRROR é uma produção britânica que chega com o pé na porta logo no primeiro episódio, apresentando os dois pilares que sustentarão todos os seus roteiros: a tecnologia e suas reverberações na Humanidade. Vivemos o tempo que uns chamam de "pós-moderno", outros de "modernidade líquida" e, nele, a tecnologia avança enquanto alguns instintos, algumas vontades ainda se arriscam a tocar a superfície do espelho - e é a respeito de seu percurso que BLACK MIRROR tecerá seus melhores episódios, numa crítica desalentadora e niilista da sociedade como "pode-vir-a-ser" daqui a alguns anos. Sou fã de produções que tenham vigor e atitude, e que consigam FALAR para além de molduras e efeitos especiais, e a primeira temporada de BLACK MIRROR, além de ter o que dizer, também inquieta para cacete apesar de sua curta duração, trazendo três histórias diferentes que dão pano pra manga de análises muito mais profundas sobre nossas verdades sexuais [e tabus], nossa escravidão voluntária [e virtual] e nossos sentimentos verdadeiros, como são quando ninguém está vendo [ou lembrando]. Três argumentos muito pesados, mas significativos, que prenunciam uma situação que não soa tão absurda assim hoje. Trata-se de um dos possíveis futuros a que podemos chegar, se preservarmos o controle absoluto desses dispositivos sobre nossa própria vida. E isso vale para todos. FANTÁSTICO!
"Bing: Fuck you for sitting there and slowly making things worse. Fuck you and your spotlight and your sanctimonious faces. Fuck you all for thinking the one thing I came close to never meant anything. For oozing around it and crushing it into a bone, into a joke. One more ugly joke in a kingdom of millions. Fuck you for happening."
Ah, cara, nem rola... Tem um aspecto que me incomoda em quase todas as séries - essa mania de querer dar sequências pras sequências das sequências... STRANGER THINGS começou com uma premissa interessante - o desaparecimento de Will Byers, e sua misteriosa relação com a distribuidora de energia local; na primeira temporada, a gente já teve a ambientação nos anos 80, a direção dinâmica, a incrível trilha sonora e boas atuações de todxs (em especial da Winona Ryder, que andava sumida de uns tempos pra cá). Porém, como é comum nas séries (e parece fazer parte da linguagem delas), Bagulhos Estranhos tem uma continuação que não parece de fato uma; sabemos um pouco mais sobre o passado da Onze, e o que rolou entre Joyce e um personagem novo, mas além da extensão do problema, a gente não recebe mais nada: é uma grande problemática que se desenvolve e conclui, e chama outra, nos minutos finais. É um tipo de coisa imperdoável que percebo em produções da Netflix; você segue pseudo-desenvolvendo os temas centrais e adiciona aqui e ali uns pares românticos - e só. Apesar disso, como a série é infanto-juvenil, virou um sucesso estrondoso - entreteve o pessoal com tranquilidade. Por mim, como em tantos outros casos, não vou assistir a uma terceira temporada para ver outro gancho desses pra quarta. Se você não sabe pra onde ir com a obra, não vá. Apenas não vá.
A medida do caráter de um homem é dada pelo que ele faria se soubesse que nunca seria descoberto. "Westworld" é a nova série da HBO, que promete preencher o espaço de Game of Thrones nos próximos anos - pelo menos é o que se tem falado desde 2016. Assisti sem grandes expectativas ao primeiro episódio e fiquei vidrado - de fato, é uma série que se destaca de suas contemporâneas (inclusive de GoT, por vários motivos). Isto não é uma série. Há, aqui, um puta filmaço de 10 horas, na verdade. Fotografia, direção de arte, atuações, trilha sonora, tudo impecável. Entre os diretores, chama a atenção o irmão de Christopher Nolan, Jonathan, que pela primeira vez apresenta um trabalho deste porte. Tendo trabalhado com o irmão por mais de dez anos como co-roteirista, dá pra perceber que a experiência com suas produções lhe rendeu mais que créditos em filmes como "Amnésia" e "Interstellar" - com esta série, Jonathan se afirma como um diretor com potencial enorme para abalar o mainstream. O trabalho em si é uma releitura do filme "Westworld - Onde Ninguém Tem Alma", de 1973; a história dos robôs "perfeitamente humanos" e do sistema capitalista se apropriando até do sofrimento VIRTUAL deles - pessoas pagam caro para torturar, estuprar e matar esses robôs, sem sofrer consequência alguma por isso. A semelhança com o debate sobre os video-games não é coincidência: todos os humanos sabem que é um jogo, um entretenimento, um labirinto. Algumas das questões que a série parece sublinhar são as seguintes: o que é moral ou não? Em que medida a moralidade do homem é pura, imaculável, incorruptível? Se o que sofre não é humano, devemos deixá-lo sofrer? Aliás, faz diferença se é um robô ou um animal? A violência, se for descaracterizada, com outros agentes e em outro contexto, continua sendo violência? São incríveis sobretudo as questões sobre consciência ou não-consciência, sobre o improviso e os processos de racionalização dos robôs. Havia muito tempo que eu não via uma série abordar temas tão pesados, necessários e atuais – a última vez foi com Black Mirror, que levantou os problemas da tecnologia contemporânea por outros vieses. De maneira geral, a obra como Arte, como mensagem e principalmente como alerta é válida, transgride, informa e afeta o espectador de maneiras muito profundas. Entretém com maestria, podendo facilmente ser assunto para TCCs como também para conversas de bar. Do caralho.
Dolores Abernathy: "Some people choose to see the ugliness in this world. The disarray. I Choose to see the beauty."
Para o que é, está de bom tamanho. STRANGER THINGS é uma série voltada para crianças e jovens, e, como tal, entrega seus deveres direitinho. Ambientação nos anos 80, trilha sonora de acordo, colorização fantástica (o contraste complementar entre o azul e o laranja) e uma justa quantidade de efeitos especiais bem produzidos. Apesar de ser uma Aventura, tem um pé firme no Terror, na medida em que usa muitos recursos do gênero, e para um público que talvez não esteja habituado a isso. A mescla, porém, sempre funcionou, e aqui não foi diferente. Minhas questões foram mais com a atuação do David Harbour, que fez o xerife; dá-lhe ator sem expressividade, viu? Não senti muito a entrega dele no papel - mais pro final me passou mais verdade, mas a maior parte do tempo foi meio qualquer nota... O destaque da série é a química dos três amigos e o trabalho incrível da Winona - uma mãe desesperada, mas convicta, em busca do filho desaparecido que ela sabe estar vivo em algum lugar. Eleven e o mundo invertido são um caso à parte: referência direta ao Black Lodge, a sala "invertida" de Twin Peaks, em que tudo ocorre ao contrário, mas no sentido do tempo, e não do espaço. As cenas no preto profundo, no silêncio, me lembram o título de um filme fantástico do Bergman, de 1961: "Através do Vidro, Escuramente" (through a glass darkly). Eleven era, afinal, uma arma para espionagem dos russos? O que aconteceu com Barb? A fenda no espaço foi fechada? Só assistindo a segunda para saber. Então bora!
O maior clímax que poderia haver. Revelações, rupturas, partidas definitivas - "Breaking Bad" se despede em sua quinta temporada (não tão longa quanto as anteriores) em grande estilo; dando pontos finais para cada história e trazendo um retumbante desfecho para a série como um todo. Trata-se, sobretudo, do processo de desumanização pelo qual passam todos aqueles que decidem viver determinadas formas de violência a longo prazo. Insensibilidade à morte, ao luto, ao perdão, ao outro - só eu sou importante, só eu devo ser lembrado, só eu mereço um lugar ao Sol. Sofrem ao redor de Walter White todos aqueles em quem pôs as mãos, e o que queremos saber é se, afinal de contas, valeu a pena ter vivido tudo aquilo sem a própria família ao lado. White vai reconhecer que errou nas escolhas que fez? Seus atos e suas omissões, seus gestos e palavras - quanto pesa, realmente, cada escolha que fazemos? Ao final do processo, uma pessoa boa pode tornar-se, de fato, irreconhecível. E quem é Dr. White agora? Se você quer descobrir, corre lá no Netflix. Tá rolando agora. Muito boa!
"Walter: You going to show... I don't know... Some kind of mild relief that I'm alive? Skyler: I am relieved Walt. And scared. Walter: Scared? Scared of what? Skyler: You."
Eu acho que vocês colocam muita estima numas paradas meio nada a ver... Esta temporada, diferentemente da anterior, tem uma cadência mais clara, a "inevitável destruição de todo o processo a que desembocou". Gus Fring, o cartel, um passado longínquo, tudo agora se somatiza e se choca com a caçada de Walter White ao seu monstruoso patrão. Tiros, bomba, explosões em tudo quanto é canto - a temporada mais violenta de todas. Apesar dos pontos positivos, tem quase o mesmo problema de desenvolvimento da terceira: uma série de episódios "filler gaps", como é comum no gênero, e uns exageros narrativos que beiram o absurdo (a bomba no carro, a cena final, o apuro estrategista de Gus, que beira a onisciência), mas que, num geral, se sai melhor que a anterior, o que se percebe através da meticulosa organização de cada um de seus personagens depois do "fim": onde estão Jesse, Skyler e Hank, principalmente. Walter e Jesse, mais do que nunca, são o epicentro da mudança pessoal, ambos metamorfoseados, como Jesse fala, no "bad guy", ou "the man who pulls the trigger", como também Walter fala a Skyler em seu icônico discurso. Como um programa a ser seguido, passou a ser mais tolerável porque retoma a problemática do câncer, que tenderá a levar Walter White para a cova. O dinheiro, a ganância, a megalomania - sintomas de um homem que está muito mais doente do cérebro que dos próprios pulmões. Adianta ter fôlego, se você está destruindo sua família? Maneirinho!
"Walter: I'm terribly, terribly ashamed of my actions."
Aqui, a série começa a apresentar sinais de inchaço. O câncer de Walter White começa a deixar de ser a tônica, e todo o processo agora se trata da lenta transição de Walter e Jesse do furgão para o laboratório super-equipado. O problema desta temporada é que ela se arrasta, com pelo menos quatro ou cinco episódios perfeitamente descartáveis do ponto de vista narrativo - o fluxo dos personagens, o status quo, o aproveitamento para a história em si - sendo resumidos em dois, com toda a certeza, e sem nenhuma perda significativa. É por isso que eu não curto muito assistir a séries com quinze, vinte episódios de quase uma hora cada. Geralmente, não há história para dar conta de tanto tempo na frente do computador, e você acaba investindo seu tempo numa narrativa que passou a andar vagarosamente "de propósito" - quanto mais tempo de exibição, mais propaganda, né. Entendo que os fãs vão defender, dizendo que esta é a temporada do "ponto de virada", o meio-termo, a transição psicológica de Walter White, o pai de família, professor de escola, homem honrado, a um outro personagem, um Heisenberg perverso, manipulador, doentio. Mesmo assim, para a construção do personagem, não era necessário preparar por tanto tempo. Chegou um momento, lá pelo penúltimo episódio, que só o que eu queria era que esta temporada acabasse de uma vez. É uma pena, mas não curti tanto quanto as anteriores.
É curioso como, geralmente, segundas temporadas tendem a ser mais aclamadas que as primeiras - e este é um caso claro. Por conta do sucesso da primeira temporada de BREAKING BAD, houve um incentivo, por parte dos patrocinadores, de continuar o roteiro idealizado por Vince Gilligan - a história de Walter White e Jesse Pinkman. Este material, em específico, radicaliza a forma e a violência da primeira temporada, há mais sangue, mais mortes, mais envolvimento com o tráfico em si - trata-se de uma composição muito interessante, do ponto de vista de quem já viu o primeiro material, para renovar as ideias que circundam Heisenberg. Uma boa temporada, melhor que a anterior. E tenho dito.
"Marie: Quimioterapia e maconha vão juntas como torta de maçã e Chevrolet."
Que drama o quê! Esqueçam essa história de que é um drama / policial, ou qualquer coisa do tipo. A quantidade de piadas involuntárias não deixa dúvidas: trata-se de uma comédia. E uma comédia das boas. BREAKING BAD é uma série meio irreverente e meio gore, por assim dizer. Trata de um tema complexo - câncer terminal - com uma pegada que, de início, nada tem a dialogar com ele: o tráfico de metanfetamina. E a bizarra união entre um professor de química e um péssimo ex-aluno, que tornou-se traficante das redondezas, é a tônica, o ying-yang, o equilíbrio de toda a série. A relação que os dois passam a viver centraliza tudo, apesar das tramas paralelas da investigação e dos problemas nas famílias. No fim das contas, o que a gente quer saber é para onde vai a dupla dinâmica Mr. White e Jesse Pinkman, e como eles vão sair da enrascada em que se meteram. Pelo apelo popular, esta série fez história. A crítica especializada também só elogiou. E por minha parte, preciso concordar com essa galera; a série é muito bem dirigida, tem uma trilha sonora interessantíssima e não perde fôlego em momento algum. Já preciso saber o que vai acontecer depois dessa temporada aqui! Foda. Pra. Cacete!
"Jesse Pinkman: Nah, come on man. Some straight like you, giant stick up his ass at like what, sixty, he's just gonna break bad?"
Em todo o tempo que assistia, pensei em como esta série é irresponsável. A maneira como a depressão é retratada é indefensável se a gente pensa no seu público: jovens e crianças. Digo crianças porque a gente sabe como a galera mais nova curte aquilo que “não é para sua idade”, e como hoje geral tem Netflix em casa... Existe o problema, mas também existe a romantização do problema, com a exposição gratuita da violência que o envolve. E assuntos como a depressão, o estupro e o suicídio devem ser tratados com extremo cuidado quando expostos ao jovem, exatamente pelo mesmo motivo que vocês tanto glorificam a série: pode ser perigoso entrar em contato com tamanha dor. É só lembrar do caso da Amanda Todd, e tantos outros jovens que passaram por situações semelhantes à de Hannah Baker, e não conseguiram continuar. E como é conveniente culpar a todos pelo que você fez, não é? Todos devem se conscientizar do “mal” que fizeram, mesmo que ela nunca tenha falado a ninguém da dor que sofria, mas ela própria não tem culpa de nada, ela é, unicamente, a vítima. E ainda há, em Hannah, uma inocência por vezes questionável... Ela tem um senso de humor ferino, o que denota sua maturidade, mas
vai à festa do estuprador da amiga porque “não tinha nada pra fazer”? Como assim? E por que ela não investiu no Clay, que, afinal, começava a criar um laço afetivo mais forte com ela na época? E por que as únicas pessoas que existem para Hannah são as da escola, e ela não conta nada aos pais, nem ao melhor amigo, nem a qualquer outra pessoa?
Outro aspecto que me incomodou bastante foi a unidimensionalidade do Mal. Todos os antagonistas da série (Bryce, Justin) são simplesmente... maus. Puramente vilões, sem outra justificativa para suas atitudes além de “serem maus”; alguns inclusive com núcleos familiares estáveis, ricos, saudáveis e etc. São só os valentões do colégio “por serem” os valentões do colégio. Faltou explorar a vida desses personagens, que não existem “apenas” para maltratar Hannah e outros “indefesos”. Lá pelo oitavo, nono episódio, parece haver uma encheção de linguiça. Clay, o protagonista, demora tanto para ouvir as fitas que isso dá pano para muita confusão desnecessária: ele age impulsivamente a série inteira, atacando todo mundo, e todos respondem a ele com um “ouça as fitas até o final, Clay”... Dá para perceber que muitos dos momentos da série (inclusive a cena do penhasco, e sobretudo os diálogos com Tony) poderiam ser cortados sem perda alguma na mensagem. O final é, ainda, ingrato. Depois de toda aquela odisseia, uma questão fica pendente para a segunda temporada, o que é inexcusável. Trata-se de uma série baseada num único livro, que foi publicado (e encerrado) em 2007, que não precisava de uma sequência. Todos os problemas centrais já foram resolvidos, mas, aparentemente, "13 Reasons Why 2" vai rolar apesar disso. E eu não acompanharei. O meu maior medo é que, no fim das contas, a série, que se propõe a gerar debates, acabe simplesmente romantizando o suicídio – porque foi este o resultado até aqui. Fazer surgir outra temporada é um problema, porque dá a entender que o intuito não é compreender a depressão e ajudar o mundo a progredir, mas fazer mais dinheiro com a publicidade e veiculação no Netflix. É irresponsável abordar um tema como este de maneira tão enlatada. Não adianta nada lançar a pergunta se, no fim das contas, o interesse não é alcançar uma resposta, mas continuar lançando a mesma pergunta. Série irresponsável. Vã.
“Hannah Baker: People grow apart, and sometimes, there's nothing anyone can do about it.”
Conversando Com um Serial Killer: Ted Bundy
4.2 221Tá aí uma mini-série documental interessante...
Há elogios e críticas a se fazer sobre CONVERSANDO COM UM SERIAL KILLER: TED BUNDY. Os primeiros devem ser sobre a minuciosa pesquisa de imagens e gravações em fita, diretamente do próprio assassino e das testemunhas que sobreviveram a ele. Além disso, cada episódio é mais bem-editado que o outro; mostram dinamicamente lados opostos do processo judicial pelo qual passou Theodore Bundy naquela época.
É interessante ver a mentalidade dos anos 70 frente ao surgimento do conceito do “serial killer”, e como isso afetou a cultura dos anos seguintes. Dá pra perceber até um racismo velado quando se falava que Ted “não tinha cara de criminoso”, que ele simplesmente "não parecia ser um homem que faria isso”. Talvez se ele tivesse outra etnia estivesse "mais na cara" que ele era um verdadeiro monstro, dada a dificuldade que as pessoas têm até hoje de considerar homens brancos culpados de qualquer coisa...
A personalidade dúbia, a lábia, as fãs que o amavam – retratos de uma realidade não muito distante dos EUA de hoje, com sua idolatria cada vez mais forte por personalidades controversas. Mais que o retrato de um assassino, “Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy” é um estudo sobre como uma sociedade absolutamente despreparada lidou com a emergência do culto à persona, na promoção de um homem branco “bem-apessoado” e que simplesmente “não parecia um estuprador”, provavelmente porque "não tinha pele ou olhos que entregassem isso".
É ao mesmo tempo intrigante e perturbador entrar em contato com as visões de mundo de alguém doente como ele. Este é o tipo de documentário que você assiste uma vez só, e só para se informar, porque apesar de não ter imagens fortes, é uma produção muito pesada para simplesmente "ser assistida despretensiosamente”.
Vale a pena no sentido da qualidade das informações dispostas sobre este caso, mas também me pergunto se a NETFLIX, produzindo um doc como esses, não estaria, contrariamente, contribuindo para a manutenção da idolatria que circunda este homem desde que surgiu nos jornais pela primeira vez. Será responsável deixar os jovens vidrados mais uma vez na personalidade de uma pessoa assim?
Eu sei lá... Quero nem pensar nisso...
É sério demais.
Assistam!
"Ted Bundy: I'm not guilty? [Laughs] Does that include the time I stole a comic book when I was five years old? I'm not guilty of the charges which have been filed against me.”
O Conto da Aia (2ª Temporada)
4.5 1,2KVindo pra derrubar o que foi firmado antes, THE HANDMAID’S TALE revisita os núcleos que tornaram a série famosa e os destrói, um por um, nos retumbantes capítulos que se apresentam nesta nova temporada...
“O Conto da Aia” vai além de um discurso feminista/pró-feminista ‘simples’ em relação ao corpo/sexualidade/direito da mulher – a trama é basicamente toda a história de repressão e usurpação do feminino ao longo do tempo. Como a maternidade é, também, uma forma de manter as mulheres longe do poder, fora dos cargos mais importantes. Como o discurso do "nascimento divino” diviniza o ventre, e não a mulher que o carrega, e como a cultura de ter filhos é um fardo sempre maior para as mulheres, que estiveram até então dominadas pelas expectativas reprodutivas de seus parceiros.
Fazia um tempão que eu não via uma série tão inquietante, chocante, alarmante. Todos os atores são excelentes. As atuações, os jogos de câmera, a trilha sonora, tudo aqui é afiado e muitíssimo bem conduzido pelas mãos da talentosa Kari Skogland. Para mim, “The Handmaid’s Tale” é um sinônimo de série de qualidade, de algo que funciona nesta época e que poderia funcionar em qualquer outra do passado ou futuro. Como um alerta, a série entrega seu discurso cuidadosamente, de maneira plácida mas por vezes violenta – com cenas explícitas de situações extremas a que mulheres são submetidas. A força da série não reside aí, mas no que ela faz com isso: o que cada aia vai escolher pra si depois de ter sido escravizada pelo condado de Gilead...
Porém, uma esperança parece surgir. É uma flor. “Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”, e agora vem para a libertação dessas mulheres, desafiando tudo. Terá a rosa do povo alguma chance frente à cultura hegemônica, ao estado de exceção e à teocracia? Terá a rosa do povo alguma chance frente ao aniquilamento inclusive dela mesma?
Só vendo a terceira pra saber...
Muito, muito boa mesmo. Edifica, humaniza e sedimenta a esperança no fundo dos nossos corações.
“Moira: Blessed be the froot loops.”
Westworld (2ª Temporada)
4.2 491Nutro a mesma sensação por esta temporada que tive por segundas, terceiras e quartas temporadas de outras séries – tempo perdido e pouca justificativa pra tanta preparação.
Sendo uma refilmagem de um clássico dos anos 70, WESTWORLD chegou com o pé na porta em 2016, numa leitura até marxista de classes entre robôs de entretenimento e humanos que se valem de sua existência. É na tomada de consciência súbita desses robôs (e a inevitável revolução que eles agitam) que WESTWORLD encontrou seus mais incríveis êxitos, além da produção impecável, do roteiro que sabia para onde ir e da atuação de cada um, com ênfase nas protagonistas Maeve e Dolores.
Entretanto, da primeira pra segunda temporada, apesar da produção não ter mudado de nomes no backstage, algo parece ter desandado. Os episódios demoram demais para acontecer, uns até parecem mesmo encheção de linguiça, e todo o processo demora horrores mais que o necessário para se fazer entender. Vamos chegando ao final, já cansados da experiência, para tudo se resolver de maneira meio “irresoluta” – faz pensar que, além de série, WESTWORLD vai virar uma franquia de diversas temporadas, spin-offs e reboots, que se estenderão para além do que a imaginação poderá permitir.
Era fantástico o que estava sendo feito na temporada anterior, mas agora já não sei mais se tenho vontade de continuar assistindo a isso aqui. Terá valido a pena investir mais 10 horas numa história que vai ficar virando de ponta a cabeça pra gente ficar vidrado nela, e passivo assim?
Não veria de novo.
E nem sei se vale a pena continuar a acompanhar...
“Dolores: O que é real?
Bernard: Aquilo que é insubstituível.”
Sex Education (1ª Temporada)
4.3 813Confesso que fui assistir à SEX EDUCATION com certo preconceito. Já não curto Skins, nem outras séries que abordam o sexo na adolescência/juventude, então imagina o que eu pensei que a NETFLIX fosse fazer com o tema... Mas, ao contrário disso, a produção, que estreou mês passado, é na real um prato cheio para muita gente jovem por aí...
Assinada por Ben Taylor e Kate Herron, “Sex Education” tem diálogos surpreendentemente bem-feitos, e boas escolhas de roteiro. A cada episódio, vemos situações tensas pelas quais jovens passam e que Otis Thompson, no auge de sua virgindade pós-moderna, procura aconselhá-los para ajudar a resolver. A série é leve, com humor ácido e não perde o foco do que importa: apresentar a sexualidade sem tabus, e com as questões universais de cada um – gays, travestis, lésbicas, bissexuais e toda outra forma de se conhecer e se relacionar que possa haver entre dois (ou mais), quando estiverem reunidos em nome do amor (ou mesmo do prazer). Como um primeiro contato dos adolescentes com temas como masturbação, homoafetividade e aborto, “Sex Education” traz um repertório divertido, responsável e "jovem", se é que dá pra falar assim.
Apesar de trabalhar com estereótipos, a série não faz exposições grotescas das meninas nem fetichiza a protagonista Maeve Wiley, uma menina forte que sofre muito, e que tem em sua trajetória um destemido desejo de superação de si mesma. O destaque fica para o desenvolvimento impressionante de Eric Effiong, o amigo de Otis que tem um arco incrível da auto-depreciação para a auto-aceitação, e a belíssima construção de seu antagonista, Adam Groff, um rapaz homofóbico que é rejeitado pelo pai de todas as maneiras possíveis...
Por causa dessas construções, que são raras ao ser bem-feitas na NETFLIX, a série tem fôlego para seguir uma segunda temporada com folga, no agravamento das tensões entre os casais e no desenvolvimento dos problemas pessoais que já foram apresentados. Trata-se de uma série que dá vontade de acompanhar de perto, ao contrário de tantas outras que, produzidas pelo serviço de streaming, quase sempre são perdas de tempo.
Esta aqui, pelo contrário, é bem legal! Assistam!
“Otis: Qual é a sua parada, então?
Maeve: Personagens femininas complexas.”
Misfits (5ª Temporada)
3.8 88Não é muito difícil explicar por que MISFITS decaiu tão rápido.
A série britânica produzida pelo E4 acabou tendo sua sexta temporada cancelada, e sofreu um encerramento “abrupto mas tardio” na quinta, a única que não contém sequer um dos personagens originais e que, também por isso, foi perdendo fôlego tanto em piadas quanto em movimentos possíveis.
A saída do Nathan (Robert Sheehan), na terceira temporada, foi muito sentida, e quase bem-preenchida pelo Rudy (Joseph Gilgun), mas não foi suficiente. Rapidamente as tramas e subtramas da série foram pro ralo, em condições de estruturação pobríssimas e muito pouco interessantes ou engraçadas. Aqui e ali, a partir da terceira temporada, vemos alguns episódios notavelmente bons (o sobre Nazismo, sobre a Depressão, sobre o Coelho...) mas a maioria dos capítulos é simplesmente insuportável, sobretudo no contexto pós-segunda temporada.
Com a morte e ausência de todos os protagonistas originais, é perceptível um esforço, por parte dos atores e produção, em maquiar com piadas fracas e situações forçadas a perda em “qualidade” pela qual a série passou. A quinta, vindo depois da (fraquíssima) quarta temporada, não consegue ser pior que ela, mas concorre quase ao mesmo lugar: diante das gerações anteriores, e dos lugares a que a série chegou, fica difícil defender e mesmo de assistir até o final os oito episódios que a compõem - trata-se de um percurso pedregoso, com muitos percalços no caminho.
Dentre as temporadas, fico com a segunda e a primeira: mesmo que o projeto em si seja um besteirol, ali MISFITS encontrou seu auge, auge este que durou (infelizmente) muito pouco...
Faltou inspiração, dedicação e criatividade por parte de todos os envolvidos nisso.
Uma pena...
“Rudy: This could be the start of something huge. I can feel it in me nutsack."
[leia mais em www.cinestesias.com]
Death Note (2ª Temporada)
4.3 398 Assista AgoraDEATH NOTE se preocupa mais em costurar um jogo de xadrez inverossímil que explorar a mitologia de seu universo.
Até onde pode ir o homem para alcançar seus objetivos? Em quantas vidas pode pisar para construir degraus? Quantas vítimas é capaz de fazer, e quem conseguiria pará-lo? A sociedade do espetáculo está em DEATH NOTE muito viva, como Guy Debord nos ensinou, e no anime vemos críticas ácidas à população que venera Kira como a um Deus.
É curioso porque ainda no episódio piloto, Ryuk pergunta a Light se, uma vez que ele seria o Deus do Novo Mundo (assassinando todos os criminosos e, assim, trazendo “justiça” a todos), ele não seria também o único assassino, e portanto, mais um criminoso. É sobre este tipo de incoerência que DEATH NOTE discorre muito bem: a “justiça com a próprias mãos”, um fracasso que vem sempre acompanhado de um narcisismo, que necrosa os cérebros dos "justiceiros" até hoje...
Aliás, se Light Yagami fosse real, ele não faria tanto sucesso com mulheres. Não teria amigos (como não tem na série), nem seria dotado de notável habilidade social. Os Lights reais andam pelas sombras, sociopatas matutando absurdos em suas mentes. Me assusta pensar, sobretudo, quantos meninos podem haver pelos colégios estaduais e mesmo privados, dedicados como ele e cultivando ideais parecidos. Quantos Yagamis há, com seu senso de justiça de araque e vontade de “se armar contra o mundo”, nos espaços intelectuais, de cultura e de civilização?
Para além de um anime interessante que aborda o ciclo vicioso da violência entre os homens (e como a manutenção da violência é também um mecanismo para cultuar a própria masculinidade), DEATH NOTE é uma bela puxada de orelha moral sobre o idealismo da Justiça, especialmente em tempos de crise [ou "tédio"], quando juízes ficam desmoralizados ou as punições não são “severas o bastante” para agradar o povo que tem sede de sangue. Outro dia alguém disse isso; “As pessoas não querem justiça, elas querem vingança, porque isso dá prazer”. Creio que esta frase resume basicamente a tese da série, e até onde podem ir as consequências para um homem decidido a subir todo o caminho (e depois descer) em prol do seu prazer em se autoafirmar.
Infelizmente, como qualquer outra obra, DEATH NOTE tem seus pontos fracos: Ryuk, o shinigami principal, acaba se mostrando um personagem subaproveitado. Misa é a personagem mais problemática, por conter em si uma série de estereótipos no estilo “loira burra e gostosa”, e ser assumidamente usada por Light durante todo o enredo. Sua devoção tem ecos de machismo e subserviência que hoje seriam vistos como extremamente problemáticos. O jogo de xadrez que se dá entre Light e L chama muita atenção nos dez primeiros episódios, por envolver várias artimanhas e tramas paralelas, mas ao longo do percurso (indo até a segunda temporada), as deduções que ambos tiram “da cartola” produzem ao mesmo tempo um espelho e uma inverossimilhança – em vários momentos a gente se pergunta se realmente seria possível alguém com tal capacidade existir...
A introdução de Near, no decorrer da trama, soa mais como uma mudança drástica de antagonista do que uma alteração necessária. N não tem o mesmo carisma que L, que se despede da história talvez tarde demais, e os últimos 10 episódios do anime se apresentam extremamente chatos e conflitantes com o restante da obra. Subitamente, pós-L, a produção parece mudar, com mais machismos (mulheres nuas), menos reviravoltas, e a trilha e a arte mudam para torná-la mais “pesada”, mas ela só fica mais morna ainda. Mesmo os intervalos “vermelhos de terror” não fazem jus ao pouco que a série traz com o roteiro que envolve Mello, Soichiro, Sidoh e o shinigami Rem.
Depois da verdadeira carnificina que ocorre até o final, a gente fica se perguntando se Light teve o que merecia. No fim das contas, DEATH NOTE é uma grande anti-epopeia sobre um homem que desde o início se apresenta desviado, sádico, sociopata e com tendências ao serialismo assassino. Assistimos aos poucos à coroação (e irremediável deterioração) de um aluno exemplar num verdadeiro mestre do crime. Não fosse talvez a sua própria ambição, maior que tudo imaginável – dominar o mundo, tornar-se a Justiça, o Deus do Novo Mundo – ele talvez tivesse ido mais longe...
Muito boa!
“Light Yagami: Se pegarmos o Kira, ele é mal. Se ele dominar o mundo, ele é a justiça.”
Dark (1ª Temporada)
4.4 1,6KNuma porrada só, DARK mistura suspense de ponta, fotografia estonteante e teorias quânticas com facilidade – mas seu decorrer não instiga tanto quanto deveria.
Com claras influências de “Twin Peaks” e “Stranger Things”, a série alemã chegou ao catálogo da Netflix com muito fôlego; recheada de boas atuações e sob a direção firme de Baran Bo Odar, a produção tem ainda um trabalho primoroso na iluminação (sobretudo as sombras, com aquilo que eles “não querem que vejamos”). Até certo momento, nosso medo é o mais primordial – o do desconhecido: o que há na caverna? Um monstro? Um demogorgon? Um ceifador aleatório? Para nossa surpresa, a resposta está longe de ser uma criatura assustadora (a série, em si, não tem nada de “assustador”), e impressiona justamente por ser um tema famoso, mas que talvez não tenha sido aproveitado dessa maneira antes.
Durante o processo de Jonas, fiquei me perguntando se algum dia isso seria possível – se todos os eventos apresentados poderiam ocorrer desta maneira. É, ainda, muito difícil pensar no tempo, e em como fazer para alterar seu curso (como disse Gaspar Noé, “o tempo arruína tudo”), mas DARK, numa boa medida, consegue especular direitinho a respeito dos efeitos, a longo prazo, de uma alteração absolutamente brilhante em seu decorrer...
Sem querer estragar as surpresas, é importante dar uma olhada em produções assim – de vez em quando a Netflix acerta na mão e nos traz coisas preciosas... DARK é um desses raros casos, um mosaico de mistério gelado, inquietante, que nos instiga apesar de algumas dificuldades de condução (sobretudo nos últimos quatro episódios). Com um desfecho bastante em aberto, fica a pergunta para todos os que curtiram a experiência;
Quando está Jonas...?
Prestem muita atenção, pois todo detalhe é importante!
Maneirinha.
“What if everything that came from the past was influenced by the future?"
Twin Peaks (3ª Temporada)
4.4 622Como Laura dissera, 25 anos se passaram e os misteriosos eventos de Twin Peaks voltam a ser expostos, dissecados pelas mãos cuidadosas de Mark Frost e David Lynch, cada vez mais empenhados em trazer inventividade e desconstrução narrativa (como nunca antes em suas carreiras) para a produção televisiva mundial.
As 18 horas de TWIN PEAKS: THE RETURN narram o complexo processo de retorno do agente do FBI Dale Cooper à pequena cidade de Twin Peaks, onde ocorreram os terríveis crimes contra Laura Palmer, rainha da formatura do colégio local. A história todos conhecemos, mas ninguém estava preparado para o que os produtores fizeram aqui; a terceira temporada é uma narrativa não-linear, múltipla e extremamente simbólica (com inúmeros momentos de estranhamento e desconforto) dos acontecimentos que envolvem o retorno do doppelganger de Coop ao Black Lodge, e o seu devido alojamento no tempo presente. 25 anos se passaram e o elenco envelheceu, mas a pegada surrealista que fez a fama da série segue firme e forte, mais que em quaisquer outras temporadas.
A respeito de David Lynch, senti discretas citações de dois de seus trabalhos anteriores: “A Estrada Perdida” e “Cidade dos Sonhos”. Os momentos mais surrealistas também remetiam ao seu último longa, “Império dos Sonhos”, e a “Trilogia de Los Angeles”, como ficou conhecida, ecoa na terceira temporada de TWIN PEAKS como um pulso vivo nas escolhas de ambientação, timing dos diálogos e exploração do absurdo (várias vezes em momentos absolutamente inesperados).
Muito embora TWIN PEAKS: THE RETURN, sob o ponto de vista produtivo, tenha sido a melhor temporada (roteiro, design de produção e execução, até pela tecnologia atual), não consigo deixar de pensar como, por várias horas, senti que estava assistindo a um cotidiano talvez “realista demais” da cidade. Há episódios em que quase não existe movimento – um, em especial, é inteiramente metafórico e onírico, e não apresenta Dale Cooper em nenhum momento. Talvez Lynch e Frost tenham se estendido demais ao contar a história de Dougie Jones, que em momentos chega a ficar enfadonha, e tenham criado um mistério central pouco interessante (toda a história dos corpos decapitados e do casal morto em frente à câmara).
A ausência do xerife Truman, porém, teve uma solução fantástica – um segundo xerife Truman é recrutado, irmão do antigo, para compensar a única ausência voluntária do elenco original: Michael Ontkean. As faltas de Leo Johnson e Josie Packard (que só aparecem em flashbacks) não são sentidas, e os estranhos arcos de Audrey e Jerry Horne, James Hurley e Sarah Palmer causam mais desconforto por se situarem à margem da situação do que efetivamente por um impacto surrealista. A falta que causam os falecidos é sentida, em especial do Killer BOB e do Man From Another Place (mesmo que tenha “evoluído” para outra forma).
E as cenas que merecem destaque são o momento em que Audrey “acorda”, a recitação do poema “Fire Walk With Me” por Mike, a cena de Sarah Palmer revelando seus interiores, a união do casal Ed e Norma, o tributo a David Bowie e os vários momentos de Diane, a assistente de Cooper. Em memória de Frank Silva, Jack Nance, Catherine E. Coulson e Miguel Ferrer, o show é interessante por trazer de volta tanta gente a seus papéis originais, mas com uma dedicação detida, ele se apresenta cansativo e pouco proveitoso.
No mais, deixa a desejar por se tratar de uma imersão tão longa, mesmo para os mais fanáticos pelo trabalho de Lynch e Frost. Como fã confesso, achei de muito difícil digestão – frustrações das expectativas levadas à última potência.
Mas esperarei uma continuação.
“This is the water, and this is the well.
Drink full, and descend.
The horse is the white of the eyes,
and dark within.”
O Conto da Aia (1ª Temporada)
4.7 1,5KMe deu muita vontade de ler o livro...
THE HANDMAID’S TALE é uma série distópica sobre uma espécie de “teocracia cristã matriarcal” que se instaurou nos EUA. A produção, baseada no romance “O Conto da Aia”, de Margaret Atwood, chamou muita atenção por sua caracterização deste ambiente e pelo choque que determinadas cenas nos causam, por serem violências tamanhas, e ao mesmo tempo tão naturais entre as personagens que vivem neste universo.
A Arte não serve para retratar o mundo como um espelho, às vezes ela chega para nos mostrar o mundo como ele pode-vir-a-ser. Esta primeira temporada me lembrou muito aquele ditado, quando pensamos num naufrágio, que dizemos “mulheres e crianças primeiro”. Ora, por que logo elas primeiro, e não os homens? É simples: mulheres e crianças são os primeiros grupos a perder seus direitos numa situação de exceção. E o que THE HANDMAID’S TALE ilustra, com estrondosa força, é quão longe podem ir as pessoas quando verificada uma situação de exceção GLOBAL: a taxa de natalidade despenca assombrosamente, e todas as mulheres estão se tornando inférteis – é preciso haver uma intervenção...
As condições de escravidão e serviço em que as Aias se encontram são reverberações de uma mesma estrutura machista que toma conta do governo dos EUA (ainda hoje): a de que os homens devem sempre estar à frente das instituições, e de que as mulheres têm, em sua maternidade, a única justificativa para viver dignamente. A diferença de tratamento entre grávidas e não-grávidas é enorme na série, e qualquer ato, desejo ou pensamento que seja reprimível aos olhos do governo terá severas punições. Aleijamentos, mutilações e torturas: uma ditadura das mulheres inférteis, de casais que querem procriar, aguardando uma intervenção divina que venha através de uma segunda mulher, estuprada entre os dois.
THE HANDMAID’S TALE tem tudo para alavancar debates sobre a situação feminina; e esta seria uma temporada perfeita para começar tal debate, não fosse pelo absoluto pessimismo de seu encerramento, da ausência de clímax e da encheção de linguiça que temos ali entre os episódios 7 e 8. Parece que ela começou com uma excelente premissa, mas caminhou de maneira pouco proveitosa nos aspectos que poderia ter explorado.
Apesar das contraindicações de minhas amigas sobre a segunda temporada (que parece ser ainda mais violenta que esta, se é que é possível), pretendo acompanhar este trabalho enquanto ele for produzido, por crer que aqui tem, sem dúvidas, uma pedra bruta, a ser esculpida com a navalha da dor pela qual passou o “sexo frágil”, que de frágil não tem nada.
Frágil é o homem por ser tão menos humano.
Incrível.
“Aunt Lydia: You won’t want what you cannot have.”
3% (2ª Temporada)
3.8 273Vindo para se apropriar e desconstruir todos os processos anteriores pelos quais ficou conhecida, a série "3%" se revela um fenômeno absoluto de crítica e público no mundo - mas no Brasil, segue desconhecida.
Nem tenho mais o que falar sobre isto aqui. Quem reclama que o figurino é "péssimo" ou a atuação é "sofrível" também passa pano para várias produções estadunidenses, com roteiros muito menos complexos e crítica zero ao estado de sítio em que se encontra a civilização pós-industrial. Depois de saber que havia brasileiro botando esta série dublada em inglês para torná-la "assistível", fiquei pensando em como a "língua do poder" (como diz a canção do El Efecto) dominou todos os âmbitos da nossa vida brasileira - e mesmo uma série com produção e idioma nossos passa a ser assistida com o idioma dos imperialistas para ser degustada por seus dominados culturalmente.
É bizarro.
Já tinha assistido à primeira temporada e, desconsiderando questões de orçamento e efeitos especiais, fiquei muito impressionado. Já conhecia a Bianca Comparato da série "A Menina Sem Qualidades", que ecoou por anos em mim, mas aqui, na segunda temporada de "3%", ela mostra de fato a que veio - provando como ela (e alguns de seus colegas de profissão) tem dentes para grunhir em represália ao status quo.
Muito mais bem-trabalhada, com excelentes montagens e reviravoltas, "3%" só confirma como o nosso complexo de vira-lata é uma das tristezas que carregamos ao vestir a camisa da seleção. Quando os próprios estadunidenses assistem mais a essa série que qualquer outra (em língua não-inglesa), é importante pensar no quanto realmente estamos engajados em prestigiar as produções que são aqui produzidas - e reconhecidas lá fora.
Voa alto, 3%! Confio em vocês como em nossa própria arte.
Vida longa ao casal fundador...
Ou será que não?
"Você é o criador do seu próprio mérito."
Black Mirror (4ª Temporada)
3.8 1,3K Assista AgoraEu gosto muito quando BLACK MIRROR mexe com o conceito de consciência, a perpetuação da consciência, a sua transferência “digital” – e todas as questões que essa transferência acarreta. É ficção, claro, mas os processos descritos em boa parte de BLACK MIRROR estão longe de serem impossíveis, o que torna a série ao mesmo tempo interessante e urgente, em especial para nossa era pós-moderna.
Os episódios que mais provocam reflexão, na minha opinião, são o “Black Museum”, “Hang the DJ” e “USS Callister”. O primeiro, uma ode à própria série, salienta a ligação entre todos os episódios no mesmo universo (tendo altas referências a trabalhos anteriores, em especial “White Christmas” por sua estrutura de três núcleos). “Hang the DJ”, um xodó, é um romance que não é “tão romance assim” – e o único episódio até então que não acaba em assassinato, tragédia ou suicídio. “USS Callister”, por fim, homenageia seriados antigos de sci-fi e trata de uma questão muito importante sobre o autoritarismo e a falta de Humanidade – e quão longe eles podem chegar quando estão juntos.
Diferentemente da temporada anterior, porém, os episódios “não tão bons” na verdade são péssimos – suas tônicas se baseiam em falhas de caráter ou ação dos personagens, não levantando as próprias questões que eles trazem para a mesa. “Arkangel” lança mão de uma história crível sobre superproteção para se encerrar como um filme adolescente dos anos 90. “Crocodile” é uma saga despropositada de uma assassina para encobrir seus assassinatos em série – tendo um final grotesco e com um anticlímax digno de piada pronta. “Metalhead” se propõe mais “artístico”, com o P&B e as sombras, direção mais cinematográfica e tal, mas o roteiro simplesmente foi tido como pronto quando, de fato, não estava.
A série, num geral, se propõe a dissecar mal-estares que hão de vir, no contexto do avanço tecnológico irrefreável ao qual caminhamos. Onde podemos parar se pensarmos tanto assim em realidades virtuais, dinheiro virtual, status virtual, vidas virtuais. Infelizmente, os dezenove episódios não são todos instigantes como alguns que se destacam: tais têm bons roteiros, boa direção e uma boa crítica, mesmo que velada, ao estabelecimento dessa mesma tecnologia.
E nesta temporada, mais que em qualquer outra, o decaimento é evidente.
Com mais anti-clímax que arrepios, a quarta temporada se encerra com um de seus melhores episódios, mas que muita gente não deve ter visto por não ter suportado tantos roteiros meia-boca no caminho. Seria a ocasião de Charlie Brooker rever se, de fato, vale a pena continuar no esquema de “tornar mais digerível a série como um todo” para acabar entregando basicamente 3 episódios bons a cada 6. Os que indico são esses mesmo: “USS Callister”, “Hang the DJ” e “Black Museum”. Valem a pena pelas questões existenciais, éticas e de poder que provocam. O restante, como falei sobre a temporada anterior, não indicaria.
No fim das contas, segue a lista – até aqui – de episódios de BLACK MIRROR que, na minha opinião, valem uma checada de verdade: “The National Anthem”, “15 Million Merits”, “Be Right Back”, “White Bear”, “White Christmas”, “Playtest”, “Shut Up and Dance”, “San Junipero”, “USS Callister”, “Hang the DJ” e “Black Museum”.
Cola na minha que é sucesso certo.
É isso!
“Rolo Haynes: His dick pukes a little baby paste up her wazoo.”
Black Mirror (3ª Temporada)
4.5 1,3K Assista AgoraDepois de entrar para o padrão Netflix, BLACK MIRROR acabou perdendo um pouco.
Nas duas temporadas anteriores, produzidas pela Zeppotron, a pegada era outra – um teor mais radical, experimental e até violento para os parâmetros de séries de TV. Até 2014, com o especial de natal, BLACK MIRROR mostrou a que veio, tendo sido exibida primeiro no Channel 4 em vários países do mundo, chocando, trazendo debates e contribuindo, de uma maneira ou outra, para o progresso das nossas reflexões acerca dos efeitos, a longo prazo, da ampla exposição tecnológica a que estamos submetidos na era contemporânea. Muito embora tenha derrapado em alguns roteiros (um por temporada, em média), até aqui eu não tinha motivos para me contrapor à aclamada série de Charlie Brooker.
Mas aí veio a Netflix.
Em setembro de 2015, o serviço de streaming que mais cresceu nos últimos anos encomendou de uma vez só doze episódios da série (que, em 4 anos, só havia produzido sete) e, provavelmente pela impossibilidade de produzir doze roteiros fortes e independentes neste curto período, foram divididos em duas partes de seis: a terceira e a quarta temporadas.
Esta aqui é, então, uma encomenda comercial de BLACK MIRROR (resultado da perda de direitos do Channel 4 de transmitir a série) para a maior rede de streaming audiovisual que se conhece, e que tenta, a cada mês, consolidar um patrimônio de produções “originais Netflix” no seu catálogo, por ser mais barato e também lucrativo – em detrimento de outras produtoras.
Sem dúvida, este processo explica por que talvez metade desta temporada não funcione tão bem como as anteriores. Da Season 3, elejo “Playtest”, “Shut Up and Dance” e “San Junipero” como os mais interessantes: são episódios desconcertantes como “White Bear”, “The National Anthem” e “15 Million Merits”, que ilustram de maneiras diferentes certos aspectos da vida urbana no mundo pós-industrial capitalista que viveremos.
Muito embora “Nosedive” também seja válido, por trazer uma crítica que hoje soa batida, mas que antes talvez não soasse, os episódios restantes (ou seja, metade da temporada) não são assim tão reflexivos como os anteriores. Charlie Brooker, numa entrevista, disse que acabou priorizando episódios “mais mornos”, sem a pegada, porque “as pessoas acabavam não assistindo tudo”, dessa forma tornando “a série mais digerível para o público”.
Isso que eu acho complicado, porque você acaba comprometendo a qualidade da crítica quando altera a forma, a maneira como os fatos são abordados. Entendo que um episódio como “San Junipero”, que foge da pegada, traz uma reflexão diferente acerca das relações humanas pós-industriais, mas quando se leva a “falta de pegada” ao pé da letra, acabam surgindo vários episódios filler gaps, que é comum a praticamente toda série do Netflix a que assisti.
O problema não é o roteiro, mas o formato. No fim das contas, para ter seis episódios, metade deve ser forte, e o restante “digerível”, o que torna a temporada, em última análise, mais populista e menos revolucionária, uma vez que se adaptou ao “gosto do público”, quando, para começo de conversa, a série não estava nem aí se o público tinha ou não estômago (para ver um homem estuprando um porco em rede nacional).
Não, “Nosedive”, “Men Against Fire” e “Hated By The Nation” não são episódios enfadonhos ou algo assim, mas eles simbolizam esta nova safra de roteiros BLACK MIRROR, que passará a vingar por causa do formato Netflix, que não necessariamente tem a mesma força ou poder de fala que episódios anteriores, como “White Christmas” e “Be Right Back”.
Num geral, pensando em cada episódio separadamente e observando o mosaico que a terceira temporada é, não passa de um 3,5. Dar 5 estrelas para isso aqui é forçar muito a amizade.
Mas assistirei à quarta, para conferir também.
Mediano para bom.
E é isso.
“Hector: Jerking off. Jerking off to porn or something? Well, everyone does that. The fucking pope probably does that.”
Black Mirror: White Christmas
4.5 452É tão foda que nem parece um episódio, parece um filme mais curto.
Falar qualquer coisa é besteira. Acho que todo mundo tem que pegar isso aqui e assistir, sem saber aonde vai dar. É um roteiro bem amarrado, complexo, que apresenta seus elementos centrais logo no começo, e os leva ao extremo aos poucos, sem a gente perceber. É violento, brutal, criativo, e é talvez o único texto de Charlie Brooker que é absoluto em todo o percurso, sem vacilar ou se perder nos seus detalhes intrincados.
Não é um passatempo, tá mais para um aviso, um grito de socorro, um pedido de ajuda: nem todo avanço tecnológico vem para tornar nossa vida mais prática - e, em algum tempo, podemos todos nos tornar escravos dessas mesmas telas pretas, através das quais hoje fazemos tudo que consideramos importante.
"Black Mirror: White Christmas" é mais uma confirmação de que a série veio com o pé na porta, e com todo o direito do mundo para vocalizar sua intenção - tendo uma fala necessária e um método completamente inovador de entregá-la.
Do caralho.
Assista.
"Harry: Ultimately the only thing you're worried about is the transition from one state to another, and that can't hurt you because it's it's just a state change."
Black Mirror (2ª Temporada)
4.4 753 Assista AgoraNossa, pesadíssimo.
Continuei assistindo à superprodução britânica BLACK MIRROR, já tendo reconhecido e respeitado o lugar a que chegou com a primeira temporada - que cada episódio ecoou em mim por tempo indeterminado. Não fosse pelo Waldo, essa aqui teria sido 5 estrelas direto.
Ambas as temporadas têm, até aqui, dois episódios excelentes, e um que acaba saindo pela culatra, sendo o da primeira "The Entire History of You" (que tem um tema questionavelmente simplório, se colocado no contexto dos outros dois) e o dessa "The Waldo Moment". Longe de mim ficar tecendo comparações sem fim entre os episódios, tentando rankeá-los entre si, quero dizer que acho incrível que cada um tenha a sua mensagem, seu propósito, seu motivo-de-ser; é isso que traz graça à série: cada montagem é diferente, com atores, roteiro e tema distintos, permitindo um alcance maior de seus questionamentos sobre qual o futuro (humano) enquanto ocorre o avanço (desumano) da tecnologia.
Aqui, os mortos podem "voltar à vida", a condenação de uma pessoa pode virar um espetáculo lotado e um personagem animado pode concorrer às eleições (apesar da aparente impossibilidade de cada caso). Nunca a série foi tão certeira em sua crítica, em sua pegada, em seu experimentalismo - reavendo os elementos que melhor funcionaram na anterior, Charlie Brooker preparou três novos e desconcertantes episódios para quem curtiu o radicalismo na proposta da primeira temporada.
É de deixar o cabelo em pé, mané.
Sigo arrepiado, diante de uma tela escura que me reflete a insônia.
FODA!
"Martha: You're not him."
Black Mirror (1ª Temporada)
4.4 1,3K Assista AgoraDepois de anos tendo sido indicado esta série, finalmente dei uma chance e, adivinhem: Quebrei a cara!
BLACK MIRROR é uma produção britânica que chega com o pé na porta logo no primeiro episódio, apresentando os dois pilares que sustentarão todos os seus roteiros: a tecnologia e suas reverberações na Humanidade. Vivemos o tempo que uns chamam de "pós-moderno", outros de "modernidade líquida" e, nele, a tecnologia avança enquanto alguns instintos, algumas vontades ainda se arriscam a tocar a superfície do espelho - e é a respeito de seu percurso que BLACK MIRROR tecerá seus melhores episódios, numa crítica desalentadora e niilista da sociedade como "pode-vir-a-ser" daqui a alguns anos.
Sou fã de produções que tenham vigor e atitude, e que consigam FALAR para além de molduras e efeitos especiais, e a primeira temporada de BLACK MIRROR, além de ter o que dizer, também inquieta para cacete apesar de sua curta duração, trazendo três histórias diferentes que dão pano pra manga de análises muito mais profundas sobre nossas verdades sexuais [e tabus], nossa escravidão voluntária [e virtual] e nossos sentimentos verdadeiros, como são quando ninguém está vendo [ou lembrando].
Três argumentos muito pesados, mas significativos, que prenunciam uma situação que não soa tão absurda assim hoje. Trata-se de um dos possíveis futuros a que podemos chegar, se preservarmos o controle absoluto desses dispositivos sobre nossa própria vida.
E isso vale para todos.
FANTÁSTICO!
"Bing: Fuck you for sitting there and slowly making things worse. Fuck you and your spotlight and your sanctimonious faces. Fuck you all for thinking the one thing I came close to never meant anything. For oozing around it and crushing it into a bone, into a joke. One more ugly joke in a kingdom of millions. Fuck you for happening."
Stranger Things (2ª Temporada)
4.3 1,6KAh, cara, nem rola...
Tem um aspecto que me incomoda em quase todas as séries - essa mania de querer dar sequências pras sequências das sequências... STRANGER THINGS começou com uma premissa interessante - o desaparecimento de Will Byers, e sua misteriosa relação com a distribuidora de energia local; na primeira temporada, a gente já teve a ambientação nos anos 80, a direção dinâmica, a incrível trilha sonora e boas atuações de todxs (em especial da Winona Ryder, que andava sumida de uns tempos pra cá).
Porém, como é comum nas séries (e parece fazer parte da linguagem delas), Bagulhos Estranhos tem uma continuação que não parece de fato uma; sabemos um pouco mais sobre o passado da Onze, e o que rolou entre Joyce e um personagem novo, mas além da extensão do problema, a gente não recebe mais nada: é uma grande problemática que se desenvolve e conclui, e chama outra, nos minutos finais.
É um tipo de coisa imperdoável que percebo em produções da Netflix; você segue pseudo-desenvolvendo os temas centrais e adiciona aqui e ali uns pares românticos - e só. Apesar disso, como a série é infanto-juvenil, virou um sucesso estrondoso - entreteve o pessoal com tranquilidade. Por mim, como em tantos outros casos, não vou assistir a uma terceira temporada para ver outro gancho desses pra quarta.
Se você não sabe pra onde ir com a obra, não vá.
Apenas não vá.
"Eleven: Promise."
Westworld (1ª Temporada)
4.5 1,3KA medida do caráter de um homem é dada pelo que ele faria se soubesse que nunca seria descoberto.
"Westworld" é a nova série da HBO, que promete preencher o espaço de Game of Thrones nos próximos anos - pelo menos é o que se tem falado desde 2016. Assisti sem grandes expectativas ao primeiro episódio e fiquei vidrado - de fato, é uma série que se destaca de suas contemporâneas (inclusive de GoT, por vários motivos).
Isto não é uma série. Há, aqui, um puta filmaço de 10 horas, na verdade. Fotografia, direção de arte, atuações, trilha sonora, tudo impecável. Entre os diretores, chama a atenção o irmão de Christopher Nolan, Jonathan, que pela primeira vez apresenta um trabalho deste porte. Tendo trabalhado com o irmão por mais de dez anos como co-roteirista, dá pra perceber que a experiência com suas produções lhe rendeu mais que créditos em filmes como "Amnésia" e "Interstellar" - com esta série, Jonathan se afirma como um diretor com potencial enorme para abalar o mainstream.
O trabalho em si é uma releitura do filme "Westworld - Onde Ninguém Tem Alma", de 1973; a história dos robôs "perfeitamente humanos" e do sistema capitalista se apropriando até do sofrimento VIRTUAL deles - pessoas pagam caro para torturar, estuprar e matar esses robôs, sem sofrer consequência alguma por isso. A semelhança com o debate sobre os video-games não é coincidência: todos os humanos sabem que é um jogo, um entretenimento, um labirinto.
Algumas das questões que a série parece sublinhar são as seguintes: o que é moral ou não? Em que medida a moralidade do homem é pura, imaculável, incorruptível? Se o que sofre não é humano, devemos deixá-lo sofrer? Aliás, faz diferença se é um robô ou um animal? A violência, se for descaracterizada, com outros agentes e em outro contexto, continua sendo violência?
São incríveis sobretudo as questões sobre consciência ou não-consciência, sobre o improviso e os processos de racionalização dos robôs. Havia muito tempo que eu não via uma série abordar temas tão pesados, necessários e atuais – a última vez foi com Black Mirror, que levantou os problemas da tecnologia contemporânea por outros vieses.
De maneira geral, a obra como Arte, como mensagem e principalmente como alerta é válida, transgride, informa e afeta o espectador de maneiras muito profundas. Entretém com maestria, podendo facilmente ser assunto para TCCs como também para conversas de bar.
Do caralho.
Dolores Abernathy: "Some people choose to see the ugliness in this world. The disarray. I Choose to see the beauty."
Stranger Things (1ª Temporada)
4.5 2,7KPara o que é, está de bom tamanho.
STRANGER THINGS é uma série voltada para crianças e jovens, e, como tal, entrega seus deveres direitinho. Ambientação nos anos 80, trilha sonora de acordo, colorização fantástica (o contraste complementar entre o azul e o laranja) e uma justa quantidade de efeitos especiais bem produzidos.
Apesar de ser uma Aventura, tem um pé firme no Terror, na medida em que usa muitos recursos do gênero, e para um público que talvez não esteja habituado a isso. A mescla, porém, sempre funcionou, e aqui não foi diferente. Minhas questões foram mais com a atuação do David Harbour, que fez o xerife; dá-lhe ator sem expressividade, viu? Não senti muito a entrega dele no papel - mais pro final me passou mais verdade, mas a maior parte do tempo foi meio qualquer nota... O destaque da série é a química dos três amigos e o trabalho incrível da Winona - uma mãe desesperada, mas convicta, em busca do filho desaparecido que ela sabe estar vivo em algum lugar.
Eleven e o mundo invertido são um caso à parte: referência direta ao Black Lodge, a sala "invertida" de Twin Peaks, em que tudo ocorre ao contrário, mas no sentido do tempo, e não do espaço. As cenas no preto profundo, no silêncio, me lembram o título de um filme fantástico do Bergman, de 1961: "Através do Vidro, Escuramente" (through a glass darkly). Eleven era, afinal, uma arma para espionagem dos russos? O que aconteceu com Barb? A fenda no espaço foi fechada?
Só assistindo a segunda para saber.
Então bora!
"Eleven: Promise."
Breaking Bad (5ª Temporada)
4.8 3,0K Assista AgoraO maior clímax que poderia haver.
Revelações, rupturas, partidas definitivas - "Breaking Bad" se despede em sua quinta temporada (não tão longa quanto as anteriores) em grande estilo; dando pontos finais para cada história e trazendo um retumbante desfecho para a série como um todo.
Trata-se, sobretudo, do processo de desumanização pelo qual passam todos aqueles que decidem viver determinadas formas de violência a longo prazo. Insensibilidade à morte, ao luto, ao perdão, ao outro - só eu sou importante, só eu devo ser lembrado, só eu mereço um lugar ao Sol. Sofrem ao redor de Walter White todos aqueles em quem pôs as mãos, e o que queremos saber é se, afinal de contas, valeu a pena ter vivido tudo aquilo sem a própria família ao lado. White vai reconhecer que errou nas escolhas que fez? Seus atos e suas omissões, seus gestos e palavras - quanto pesa, realmente, cada escolha que fazemos? Ao final do processo, uma pessoa boa pode tornar-se, de fato, irreconhecível.
E quem é Dr. White agora?
Se você quer descobrir, corre lá no Netflix. Tá rolando agora.
Muito boa!
"Walter: You going to show... I don't know... Some kind of mild relief that I'm alive?
Skyler: I am relieved Walt. And scared.
Walter: Scared? Scared of what?
Skyler: You."
Breaking Bad (4ª Temporada)
4.7 1,2K Assista AgoraEu acho que vocês colocam muita estima numas paradas meio nada a ver...
Esta temporada, diferentemente da anterior, tem uma cadência mais clara, a "inevitável destruição de todo o processo a que desembocou". Gus Fring, o cartel, um passado longínquo, tudo agora se somatiza e se choca com a caçada de Walter White ao seu monstruoso patrão. Tiros, bomba, explosões em tudo quanto é canto - a temporada mais violenta de todas.
Apesar dos pontos positivos, tem quase o mesmo problema de desenvolvimento da terceira: uma série de episódios "filler gaps", como é comum no gênero, e uns exageros narrativos que beiram o absurdo (a bomba no carro, a cena final, o apuro estrategista de Gus, que beira a onisciência), mas que, num geral, se sai melhor que a anterior, o que se percebe através da meticulosa organização de cada um de seus personagens depois do "fim": onde estão Jesse, Skyler e Hank, principalmente. Walter e Jesse, mais do que nunca, são o epicentro da mudança pessoal, ambos metamorfoseados, como Jesse fala, no "bad guy", ou "the man who pulls the trigger", como também Walter fala a Skyler em seu icônico discurso.
Como um programa a ser seguido, passou a ser mais tolerável porque retoma a problemática do câncer, que tenderá a levar Walter White para a cova. O dinheiro, a ganância, a megalomania - sintomas de um homem que está muito mais doente do cérebro que dos próprios pulmões.
Adianta ter fôlego, se você está destruindo sua família?
Maneirinho!
"Walter: I'm terribly, terribly ashamed of my actions."
Breaking Bad (3ª Temporada)
4.6 840Aqui, a série começa a apresentar sinais de inchaço.
O câncer de Walter White começa a deixar de ser a tônica, e todo o processo agora se trata da lenta transição de Walter e Jesse do furgão para o laboratório super-equipado. O problema desta temporada é que ela se arrasta, com pelo menos quatro ou cinco episódios perfeitamente descartáveis do ponto de vista narrativo - o fluxo dos personagens, o status quo, o aproveitamento para a história em si - sendo resumidos em dois, com toda a certeza, e sem nenhuma perda significativa.
É por isso que eu não curto muito assistir a séries com quinze, vinte episódios de quase uma hora cada. Geralmente, não há história para dar conta de tanto tempo na frente do computador, e você acaba investindo seu tempo numa narrativa que passou a andar vagarosamente "de propósito" - quanto mais tempo de exibição, mais propaganda, né.
Entendo que os fãs vão defender, dizendo que esta é a temporada do "ponto de virada", o meio-termo, a transição psicológica de Walter White, o pai de família, professor de escola, homem honrado, a um outro personagem, um Heisenberg perverso, manipulador, doentio.
Mesmo assim, para a construção do personagem, não era necessário preparar por tanto tempo. Chegou um momento, lá pelo penúltimo episódio, que só o que eu queria era que esta temporada acabasse de uma vez.
É uma pena, mas não curti tanto quanto as anteriores.
"Walter: YOU'RE FIRED! YOU'RE DONE!"
Breaking Bad (2ª Temporada)
4.5 775É curioso como, geralmente, segundas temporadas tendem a ser mais aclamadas que as primeiras - e este é um caso claro. Por conta do sucesso da primeira temporada de BREAKING BAD, houve um incentivo, por parte dos patrocinadores, de continuar o roteiro idealizado por Vince Gilligan - a história de Walter White e Jesse Pinkman.
Este material, em específico, radicaliza a forma e a violência da primeira temporada, há mais sangue, mais mortes, mais envolvimento com o tráfico em si - trata-se de uma composição muito interessante, do ponto de vista de quem já viu o primeiro material, para renovar as ideias que circundam Heisenberg.
Uma boa temporada, melhor que a anterior.
E tenho dito.
"Marie: Quimioterapia e maconha vão juntas como torta de maçã e Chevrolet."
Breaking Bad (1ª Temporada)
4.5 1,4K Assista AgoraQue drama o quê!
Esqueçam essa história de que é um drama / policial, ou qualquer coisa do tipo. A quantidade de piadas involuntárias não deixa dúvidas: trata-se de uma comédia. E uma comédia das boas.
BREAKING BAD é uma série meio irreverente e meio gore, por assim dizer. Trata de um tema complexo - câncer terminal - com uma pegada que, de início, nada tem a dialogar com ele: o tráfico de metanfetamina. E a bizarra união entre um professor de química e um péssimo ex-aluno, que tornou-se traficante das redondezas, é a tônica, o ying-yang, o equilíbrio de toda a série. A relação que os dois passam a viver centraliza tudo, apesar das tramas paralelas da investigação e dos problemas nas famílias. No fim das contas, o que a gente quer saber é para onde vai a dupla dinâmica Mr. White e Jesse Pinkman, e como eles vão sair da enrascada em que se meteram.
Pelo apelo popular, esta série fez história. A crítica especializada também só elogiou. E por minha parte, preciso concordar com essa galera; a série é muito bem dirigida, tem uma trilha sonora interessantíssima e não perde fôlego em momento algum. Já preciso saber o que vai acontecer depois dessa temporada aqui!
Foda. Pra. Cacete!
"Jesse Pinkman: Nah, come on man. Some straight like you, giant stick up his ass at like what, sixty, he's just gonna break bad?"
13 Reasons Why (1ª Temporada)
3.8 1,5KEm todo o tempo que assistia, pensei em como esta série é irresponsável. A maneira como a depressão é retratada é indefensável se a gente pensa no seu público: jovens e crianças. Digo crianças porque a gente sabe como a galera mais nova curte aquilo que “não é para sua idade”, e como hoje geral tem Netflix em casa...
Existe o problema, mas também existe a romantização do problema, com a exposição gratuita da violência que o envolve. E assuntos como a depressão, o estupro e o suicídio devem ser tratados com extremo cuidado quando expostos ao jovem, exatamente pelo mesmo motivo que vocês tanto glorificam a série: pode ser perigoso entrar em contato com tamanha dor. É só lembrar do caso da Amanda Todd, e tantos outros jovens que passaram por situações semelhantes à de Hannah Baker, e não conseguiram continuar.
E como é conveniente culpar a todos pelo que você fez, não é? Todos devem se conscientizar do “mal” que fizeram, mesmo que ela nunca tenha falado a ninguém da dor que sofria, mas ela própria não tem culpa de nada, ela é, unicamente, a vítima. E ainda há, em Hannah, uma inocência por vezes questionável... Ela tem um senso de humor ferino, o que denota sua maturidade, mas
vai à festa do estuprador da amiga porque “não tinha nada pra fazer”? Como assim? E por que ela não investiu no Clay, que, afinal, começava a criar um laço afetivo mais forte com ela na época? E por que as únicas pessoas que existem para Hannah são as da escola, e ela não conta nada aos pais, nem ao melhor amigo, nem a qualquer outra pessoa?
Outro aspecto que me incomodou bastante foi a unidimensionalidade do Mal. Todos os antagonistas da série (Bryce, Justin) são simplesmente... maus. Puramente vilões, sem outra justificativa para suas atitudes além de “serem maus”; alguns inclusive com núcleos familiares estáveis, ricos, saudáveis e etc. São só os valentões do colégio “por serem” os valentões do colégio. Faltou explorar a vida desses personagens, que não existem “apenas” para maltratar Hannah e outros “indefesos”.
Lá pelo oitavo, nono episódio, parece haver uma encheção de linguiça. Clay, o protagonista, demora tanto para ouvir as fitas que isso dá pano para muita confusão desnecessária: ele age impulsivamente a série inteira, atacando todo mundo, e todos respondem a ele com um “ouça as fitas até o final, Clay”... Dá para perceber que muitos dos momentos da série (inclusive a cena do penhasco, e sobretudo os diálogos com Tony) poderiam ser cortados sem perda alguma na mensagem.
O final é, ainda, ingrato. Depois de toda aquela odisseia, uma questão fica pendente para a segunda temporada, o que é inexcusável. Trata-se de uma série baseada num único livro, que foi publicado (e encerrado) em 2007, que não precisava de uma sequência. Todos os problemas centrais já foram resolvidos, mas, aparentemente, "13 Reasons Why 2" vai rolar apesar disso. E eu não acompanharei.
O meu maior medo é que, no fim das contas, a série, que se propõe a gerar debates, acabe simplesmente romantizando o suicídio – porque foi este o resultado até aqui. Fazer surgir outra temporada é um problema, porque dá a entender que o intuito não é compreender a depressão e ajudar o mundo a progredir, mas fazer mais dinheiro com a publicidade e veiculação no Netflix.
É irresponsável abordar um tema como este de maneira tão enlatada. Não adianta nada lançar a pergunta se, no fim das contas, o interesse não é alcançar uma resposta, mas continuar lançando a mesma pergunta.
Série irresponsável.
Vã.
“Hannah Baker: People grow apart, and sometimes, there's nothing anyone can do about it.”