Chora. Tudo desaparecerá. Dois veículos conduzem a uma tragédia. O homem vai, a mulher fica. Mas o fantasma permanece. Ele vê, sente e atravessa o tempo. Contempla a companheira a lidar com a perda. Vagueia na casa onde memórias de um amor novo nasceram. Com o passar do tempo, ela sai de lá e a residência desmorona-se. Ele fica, agarrado às recordações. Viagem ao passado. A origem do futuro lar. Uma família morta. Viagem ao futuro. É tudo sobre o negócio. Prédios e muitas luzes fazem o cenário. Já não há o ar puro do campo. A cidade governa. Mas o fantasma continua a viver o passado. O que é a existência?
A Ghost Story é uma obra literal. O plano é claro. A mulher sofre e o fantasma é de pano. A história visual é simples. A conjugação da música está no ponto. Em termos de forma, o filme existe. Agora, conseguirá a audiência encontrar alguma profundidade nestas imagens? Acredito que haverá pessoas perdidas no vazio. No entanto, também acredito que esta metragem seja capaz de destruir a barreira entre ecrã e espetador. A meu ver, há poder e grandiosidade nesta fita.
Porém, recomendo que pensem duas vezes. Ao aceitarem a experiência, estarão prestes a navegar num mar de tristeza. O tema da existência traz consigo muitas ondas.
O tempo pesa. Chega uma altura que até os mortos dizem basta.
Oh, isto era bom demais para ser verdade... Hail, Caesar! parecia uma nova maravilha, um novo monumento do cinema contemporâneo. Fotografia do mestre Roger Deakins e os camaradas Coen a assinar a realização e o argumento de um filme com um elenco simplesmente estelar. Pessoal como Josh Brolin, George Clooney, Ralph Fiennes, Channing Tatum, Jonah Hill, Scarlett Johansson, Tilda Swinton, Frances McDormand e, ufa, com tanta gente talentosa(!), Alden Ehrenreich prometiam oferecer um clássico sobre clássicos. Mas, embora divertida nas suas sketches um tanto desconexas da verdadeira história, esta é uma obra que, tendo em conta a natureza da filmografia dos seus cineastas, soa decepcionante.
Não, eu não estou a dizer que estamos diante de um mau filme. O filme é bom e tem a sua piada, honestamente. Porém, este é um elogio fraco para descrever uma longa dos Coen. E receio que Hail, Caesar!, infelizmente, não represente a faceta mais forte deles, até porque não apresenta o brilhantismo e o cuidado que eles têm em compor os seus guiões. Aqui tudo parece um bocado desleixado, abrupto (o que inclui o desfecho) e, como referi, limitado a soltar as gargalhadas da sua audiência através das suas inesperadas rábulas. Acho que esse é o seu grande ponto negativo: a sua estrutura inconsistente, fora da linha.
Há mais a apontar: o fascínio de Hail, Caesar! não está na sua trama principal - e ela não é das mais cativantes. Ao fim e ao cabo, estamos apenas a acompanhar um dia na vida de um elemento dos estúdios da Hollywood dos anos '50, e que, por isso, se cruza com as mais diversas personagens. É aí que vão aparecendo aos poucos várias carinhas conhecidas que nos oferecem um pequeno momento engraçado - algumas só aparecem mesmo uma vez só para nos dizer um "Olá!".
No entanto, apesar de tudo, o filme diverte? Bem, na minha perspetiva, absolutamente. Traz, sim, aquela energia e boa disposição dos bros. É, no final de tudo, um bocado bem passado que não me arrependeria de repetir a dose daqui a uns tempos. Portanto, sim, a experiência é, à partida, positiva, mas, por amor a todos os santos, não pensem que temos aqui um Fargo ou um No Country for Old Men.
Pessoal, quem realizou esta coisa foi a filha do Martin Scorsese. E o Martin Scorsese entrou nisto numa participação especial absolutamente ridícula. Como é que ele não foi capaz de chegar ao pé da sua filha e dizer: "Minha querida, isto que tu estás a fazer é uma completa ruína cinematográfica". Quero dizer, tudo bem que ela pode fazer o que quiser, mas como diabos ele aceitou entrar nisto? Ele tinha em mãos um péssimo guião. Ele achou mesmo aquilo bom? Como é que o realizador do Taxi Driver e do Raging Bull aceitou entrar neste projecto, ainda mais num personagem irrelevante? Seja como for, o filme está feito e aos olhos do público, apesar da sua existência ser deveras desconhecida. E graças a Deus.
A estreia na realização de Cathy Scorsese e Kenneth M. Waddell nada mais é que uma ficção científica completamente confusa e inconsistente. Misturando subtramas noutras subtramas, é um desafio dificultoso resumir este filme. Essencialmente, temos um grupo de jovens numa universidade e "coisas estranhas" começam a acontecer. Logo percebem que as outras pessoas ao seu redor não presenciam aquilo que estão a viver.
Para os responsáveis deste triste argumento, não bastava esta premissa. Exigiram uma exploração de cada um dos personagens e criaram diversos conflitos entre eles, deixando a história numa total desordem. A título de exemplo, temos a situação do jovem indiano (interpretado pelo Ritesh Rajan) que, devido a uma ação dos seus pais, se vê obrigado a casar com alguém que não conhece. O que é que isto acrescenta à trama? Absolutamente nada. Este e outros casos mostram-se, no final de tudo, sem importância.
Porém, este não é o maior erro cometido pelo guião. São os diálogos terríveis. Francamente, os piores que vi nos últimos tempos. É uma enxurrada de falas artificiais (jamais nenhuma pessoa falaria como estas falam). São exposições atrás de exposições, explicações atrás de explicações. Os jovens atores, que, coitados, ainda estão no início das suas carreiras e aceitam cada oportunidade, tentam dar alguma credibilidade aos seus personagens. Infelizmente, o esforço e o talento dos desgraçados é assassinado pelo texto.
O pequeno orçamento de 350,000 dólares não beneficiou na qualidade do filme. Por isso mesmo, há um trabalho de câmera pobre e efeitos visuais dignos de um programa de edição como o Sony Vegas.
No final, Campus Code tenta ter porte de "filme complexo". Após mostrar um plot twist sem efeito devido à má longa-metragem que globalmente é, os responsáveis pela realização ainda tiveram a ambição de querer fazer a audiência pensar, pretendo que esta desperte o desejo de rever a fita de modo a perceber toda esta confusão. Quanto a mim, não vale a pena perder esse tempo.
Alex Garland é um nome que promete. Bué. Estreou-se como realizador da forma mais fantástica possível - Ex Machina foi uma pequena grande ficção científica que mexeu com os nossos inocentes cocos e mostrou que Garland sabe brincar com a câmera. Desta vez, com Annihilation, a escala e as expectativas são maiores.
Sabemos que, geralmente, a Netflix sabe o que faz quando o assunto são séries - House of Cards é, a meu ver, uma obra-prima irretocável. Mas é do nosso conhecimento, também, que a Netflix ainda não apresentou um filme original que seja um clássico do outro planeta. Annihilation, certamente, não diferiu isso. Porém, junta-se ao grupo, formado também por títulos como Okja e The Meyerowitz Stories, das melhores produções cinematográficas do serviço de streaming.
Não quero estragar surpresas para quem ainda não meteu olhos nesta obra. Para tal, serei o mais vago possível. Pensemos, então, em Arrival: protagonista forte e com "passado" marcado pelo sofrimento, a chegada de um enigma de origem extraterrestre; estão a ver o cenário? Um pouco mais específico: cinco mulheres (Portman, Leigh, Rodriguez, Novotny e Thompson) partem para uma expedição; as leis da natureza encontram-se "distorcidas"; ninguém sabe o que está por vir; mutações vegetais e animais. Basta. Não me atrevo a dizer mais.
É tudo muito esotérico e atmosférico. A ideia parece-nos agradável. Por isso, é pena que o argumento do Garland (que, na verdade, é uma adaptação de um livro do Jeff VanderMeer) sinta a triste necessidade de recorrer a flashbacks desnecessários e flashforwards que nos entregam spoilers (PORQUÊ?), além de conter diálogos óbvios e puramente expositivos, deixando de parte um dinamismo narrativo que se mostraria eficiente e arruinando parte do mistério que envolve o enredo - e eis a razão pela qual o acto final funciona tão bem, já que o silêncio fala muito mais alto do que quaisquer explicações chatas.
Por outro lado, a realização do Garland é excelsa. É curioso notar como ele consegue encontrar significado em pequenos detalhes - o copo de água, por exemplo. De referir, também, que ele tem a feliz capacidade de criar imagens eternamente memoráveis - e Annihilation ganha todos os pontos do mundo nesse sentido, uma vez que é uma metragem visualmente arrebatadora, capaz de acelerar o pobre coração de qualquer um da nossa espécie.
Extremamente assustador, Annihilation, tal como Ex Machina, mantém uma forte relação entre a natureza e a tecnologia. É um filme sobre a pequenez do Homem face à grandiosidade do reino vegetal que nos cerca e do mistério que a imensidade do Universo nos reserva. Ao fim e ao cabo, as mutações são uma metáfora que questiona: seremos, de facto, inteligentes o suficiente face à incerteza do futuro?
O Steven Spielberg é uma máquina imparável. Muitos foram os períodos em que ele realizava duas produções por ano (1993 é um belíssimo exemplo, com Jurassic Park e Schindler's List) e, desde 2015, ele tem vindo a direcionar anualmente projectos intrigantes para o grande ecrã. E, num curtíssimo espaço de tempo, podemos verificar a imensa versatilidade dele. Se no ano passado nos trouxe uma obra que tratava de temas puramente adultos com The Post, já Ready Player One evidencia que o seu espírito jovial, sempre aberto a novos desafios e aventuras, permanece vivinho da silva - os seus 71 anos só comprova que a idade nada significa.
Bem-vindo ao futuro. Em 2045, a realidade é dura e cinzenta. Para escaparem a tal cenário, as pessoas refugiam-se num imenso universo virtual - o OASIS -, onde podem criar um avatar, explorar diversos locais, jogar e conhecer outros jogadores. Com a morte do seu criador, James Halliday (interpretado fantasticamente pelo Mark Rylance), a humanidade é desafiada a encontrar três chaves que darão, ao vencedor, o poder total sobre o OASIS. Quando o jovem órfão Wade (Tye Sheridan) ganha destaque na competição, passa a ser perseguido pela IOI, uma produtora encabeçada por Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn), que reúne um exército de jogadores endividados de modo a tomar posse do abrigo virtual.
Com isto, o Spielberg aproveita o conceito de "uma caça ao tesouro numa terra infinita" para criar uma das metragens mais divertidas da sua carreira - as corridas de carros, por exemplo, representam o nível máximo da ideia de entretenimento cinematográfico. Além disso, a experiência torna-se ainda mais aprazível quando nos apercebemos de que Ready Player One é uma verdadeira galáxia de referências à cultura pop - é humanamente impossível identificá-las a todas enquanto não tivermos o Blu-ray em mãos. Num primeiro visionamento, consegui ver referenciado, entre outros, King Kong, Godzilla, Mad Max, Mortal Kombat, The Iron Giant, Back to the Future e Saturday Night Fever - quando Stayin' Alive começou a tocar... arrepios. Esta deliciosa e nostálgica jornada rumo, predominantemente, aos clássicos dos anos 1980 chega ao seu acme numa cena em que os personagens principais têm de explorar o Hotel Overlook do The Shining - cena essa que já se assume como uma das melhores do ano.
O Tye Sheridan encontra-se plenamente operante, construindo um rapaz que vive no mundo real uma situação constrangedora, tendo até de encarar a violência de um "semipadrasto" (Ralph Ineson) - infelizmente, tudo acaba por soar manipulativo e básico, uma vez que o filme esquece logo essa subtrama - e que no mundo virtual ganha a admiração dos outros players. Já Olivia Cooke é um nome que não podemos esquecer - uma actriz carismática, forte e que tem o potencial de uma Daisy Ridley - e o Ben Mendelsohn interpreta um vilão memorável e com uma forte presença em cena. O personagem do Simon Pegg merecia muito mais atenção.
Por vezes preguiçoso, o guião do Zak Penn e do Ernest Cline (autor do livro) não resiste a certas facilitações e recorre constantemente à narração e à exposição, prejudicando a aventura com quebras de ritmo. Além do mais, apesar de me ter divertido à brava, senti falta de uma abordagem filosófica mais complexa face a tudo aquilo que Ready Player One retrata - a título de exemplo, levanta-se a questão do James Halliday ser um novo deus, o salvador da humanidade, mas depois nada disso é aprofundado.
Afinal de contas, já estamos a viver no futuro. A vida real nem sempre nos agrada e a hipótese de escaparmos para um universo virtual é algo de fácil concretização nos tempos que correm.
Por enquanto o nosso OASIS ainda é a internet. E é inegável que ela, de certa forma, já nos permite "existir virtualmente".
Estaria a mentir se vos dissesse que não me diverti com Solo: A Star Wars Story. Ao contrário do Rogue One (Zzzz...), este novo spin-off é um filme cheio de energia, não me aborreceu uma única vez, estive entretido do princípio ao fim, um bocado bem passado, diria.
Mas o problema é exactamente esse: entretém e ponto final. Tudo isto não passa de uma aventura espacial standard, “pastilha elástica”, desprovida da verdadeira magia Star Wars. Um filme de ação straightforward que não nos deixa nenhuma marca.
A dita “história de Star Wars” que o argumento do Lawrence e do Jonathan Kasdan (pai e filho) arranjou pouco importa para a experiência, uma vez que parece estar quase sempre à procura de um motivo para começar mais uma sequência de ação. Há pouco “miolo” narrativo aqui.
Os personagens, podemos dizer, são mais carismáticos e dotados de vida do que aqueles que vimos no Rogue One, mas pecam por ter um desenvolvimento fraco. Mesmo assim, ao passo que o Woody Harrelson faz uma interpretação sólida como o ladrão Tobias Beckett, a performance do Paul Bettany como o vilão Dryden Vos agarra-se mais aos clichés típicos dos bad guys, embora consiga manter uma presença relativamente ameaçadora. De referir, também, que as figuras não-humanas fazem um belo espetáculo, com destaque para o Chewie (Joonas Suotamo), sempre adorável e muito querido, e a rebelde e determinada L3-37 (Phoebe-Waller Bridge).
Quanto ao Alden Ehrenreich… Ah, Alden Ehrenreich. Confesso que desenvolvi um admiração pelo actor depois de ter visto Hail, Caesar! e Rules Don't Apply. E não vou mentir: eu não desgostei do que ele fez em Solo. Sim, é difícil de ver nele o Han do Harrison Ford, no entanto, acho que ele não deixou de assumir o papel com estilo e carisma. Honestamente, não vejo a sua performance como uma reprodução mas sim como uma nova versão do personagem (afinal de contas, o James Bond do Roger Moore é diferente do 007 do Sean Connery, e o personagem não deixou de ficar intrigante).
O grande problema do filme é não deixar esse Han Solo brilhar, alguém que nos parece, aqui, um típico herói com uma caracterização psicológica que fica a desejar - um protagonista que não se destaca.
Quando entrei dentro da sala de cinema, estava curioso para saber mais sobre o passado de um dos melhores personagens do universo Star Wars. Fantasia. Aprendi duas ou três coisas, porém nada de impressionante. Este não é um filme sobre o Han Solo, e este parece-nos secundário no meio de tantos personagens secundários.
Processo da pós-produção, a montagem é um elemento cinematográfico muitas vezes subvalorizado. Esta emprega o ritmo desejado e alguma parte da consistência narrativa do filme. Lançado em 2014, Whiplash é um filme pura e perfeitamente enérgico e que jamais tem problemas de andamento, resultado óbvio da absolutamente calculada montagem de Tom Cross - não é à toa que ele agora tem na sua prateleira um Óscar por esse trabalho. Caso a obra não tivesse tido esse tratamento minucioso, creio vivamente que a película não teria resultado.
Por outro lado, Suicide Squad é um filme absurdamente "assassinado" pela sua montagem. Não que seja culpa por inteiro de John Gilroy, que montou excelentemente Nightcrawler, ou da visão de David Ayer, já que, pelo que se sabe, houve muitas complicações envolvendo outros agentes durante a finalização desta longa-metragem do Universo DC, incluindo uma radical mudança de tom, claramente visível nos posters promocionais, e ainda uma afirmação de Jared Leto que diz que muitas cenas do Joker foram cortadas.
O filme já evidencia este descuidado logo no início de uma forma bastante despachada e repentina. O diálogo à mesa entre a Viola Davis, o David Harbour e o Ted Whittall tem um ritmo esquisito e uns erros de continuidade disparatados. Diálogo esse, aliás, que passa a apresentar cada um dos "piores heróis de sempre", igualmente de uma maneira bastante desconexa e estranha.
Falando ainda dos personagens, é incrível também como o trabalho da montagem prejudica imensamente a participação dos atores, especialmente a do Jared Leto como o Joker, que só aparece de tempos em tempos e muito pouco mostra, o que é bastante decepcionante, já que a sua versão do vilão pareceu-me intrigante - um Joker ostentação, gangsta' da vida.
Feito do argumento ou de possíveis cortes, há um forte desequilíbrio na exploração dos personagens. Uns ganham uma abordagem profunda (Deadshot; El Diablo; Harley Quinn; e mesmo assim, esta última merecia uma dedicação ainda maior sobre o seu passado) enquanto outros mostram ser figuras completamente genéricas (Killer Croc, Katana).
Menos mal, o filme consegue dar algum espaço para os atores exibirem o seu talento. O Will Smith mostra-se muito confortável a interpretar o Deadshot, empregando um bom carisma e profundidade ao personagem. O Jay Hernandez sabe encarar acertadamente a complexidade do El Diablo. O Jai Courtney surpreendeu e tem os seus momentos engraçados como o Boomerang. Gostei da prestação do Joel Kinnaman como o Rick Flag, sabe marcar presença. Por outro lado, o Scott Eastwood está esquecível. A Viola Davis está excelente, sabendo transmitir toda a maldade e poder da Amanda Waller. A Cara Delevingne está operante em ambas as faces da moeda, mas não sei se ela consegue passar por completo a ideia da figura perigosa da Enchantress. Na verdade, nunca nos sentimos realmente ameaçados por ela. E, finalmente, a Margot Robbie como a Harley Quinn... Deixei-a para último, porque ela é a melhor coisa do filme. Contrariamente aos outros personagens, que suscitam momentos por vezes embaraçosos, ela está engraçada durante o tempo todo. E mesmo vítima do timing terrível da fita, ela consegue brilhar.
Já o argumento do David Ayer é outra decepção. Diferente do ótimo End of Watch e do sólido Fury, Suicide Squad é um filme repleto de diálogos fracos e expositivos, possuindo um humor óbvio, sem inspiração e quase sempre ineficiente (exceto, claro, os momentos da Harley Quinn, certo?).
Em alternativa, as sequências de ação, apesar de confusas, conseguem divertir e tornar a experiência mais apreciável. Aliás, Suicide Squad não é aborrecido, cumprindo satisfatoriamente o seu dever de entreter a audiência.
Outro ponto positivo é a excelente coletânea de músicas selecionadas para dar som à longa-metragem. The House of the Rising Sun, dos The Animals, Sympathy for the Devil, dos The Rolling Stones, Seven Nation Army, dos The White Stripes e, claro, Bohemian Rhapsody, dos Queen, são alguns grandes exemplos. Em contrapartida, não me recordo da banda sonora original do Steven Price.
Ao contrário dos seus coloridos (e excelentes) cartazes, Suicide Squad é um filme que traz um visual feio, escuro e, por isso mesmo, sem vida. E a longa tem muitos factores decepcionantes como este. Prometeu muito. Houve um grande hype à volta do Joker do Jared Leto, porém muito pouco trouxe do personagem. Pelo menos entretém. Mas queríamos mais que isso.
Não sei quanto a vocês, mas estou cada vez mais fascinado por filmes de tribunal. Acho que eles conseguem criar momentos de tensão especiais, revelar de uma forma singular a natureza dos seus personagens (tanto advogados como arguidos) e são quase sempre efetivos. Por outras palavras, são dramas poderosos que, com o seu próprio espaço, entregam uma experiência interessante que impede que o espetador tire os olhos do ecrã.
Se em 1992, Rob Reiner, através de um argumento brilhante escrito por Aaron Sorkin, transpôs para a tela uma trama de tribunal séria e forte na longa-metragem A Few Good Men, no mesmo ano Jonathan Lynn fez de My Cousin Vinny uma comédia que, além de ser bastante engraçada, sabe desenvolver muito bem os seus momentos de tensão.
O filme vai muito além disso, visto que ele sai do sítio onde se aplica a justiça. Então, é bastante divertido ver o Joe Pesci a contracenar com a Marisa Tomei, já que o ótimo timing cómico dele em conjunto com a personalidade única que ela emprega à sua personagem formam um par imensamente animado.
Como já havia calculado ainda antes de embarcar no seu visionamento, My Cousin Vinny é uma obra previsível, porém o guião de Dale Launer cria situações suficientes para que os atores aproveitam ao máximo para exibir as suas qualidades cómicas. O produto final é notável e mais que satisfatório, tornando as suas duas horas de fitas num bocado bem passado.
A mais fascinante aventura no espaço está de volta, ganhando vida por uma realização brilhante que, além de prestar uma homenagem emocionante, recupera todo o espírito da primeira trilogia da saga. Algumas das mais épicas figuras da História do Cinema regressam ao ecrã: o carismático e sempre engraçado Han Solo (Harrison Ford), o seu amigo de absoluta confiança Chewbacca (Peter Mayhew), a encantadora Leia (Carrie Fisher), entre outros.
No entanto, novos personagens também são apresentados: a corajosa Rey (Daisy Ridley), o bondoso e inseguro Finn (John Boyega), o amigável e aventuroso Poe (Oscar Isaac), o expressivo e adorável BB-8 e o vilão complexo Kylo Ren (Adam Driver).
Creio que estes personagens marcarão uma nova geração, visto que os seus intérpretes têm aquela mesma energia e dom que fizeram de nomes como Luke Skywalker, Yoda, Obi-Wan Kenobi, Darth Vader, C3-PO, R2-D2 e os outros já referidos imagens inesquecíveis na cabeça da audiência. Eles carregam histórias, um passado que queremos conhecer, e, ademais, possuem uma personalidade tão marcante e cativante que são capazes de sustentar de uma forma incrível todo o filme.
Por exemplo, o carisma poderoso da Daisy Ridley conjugado com o perfeito timing cómico do John Boyega formam um par absolutamente talentoso e memorável. Mas não é só isso. O sétimo episódio da franquia é riquíssimo em termos de desempenhos, evidenciado por um Adam Driver que emprega um senso humano ao seu vilão, um Oscar Isaac que merecia ter aparecido mais tempo em cena, um Harrison Ford que aviva memórias e ainda um Domhnall Gleeson assombroso que se destaca proferindo um monólogo.
Para mais, The Force Awakens é puro entretenimento que conta com sequências de ação enérgicas filmadas de uma maneira precisa e ajudadas por uma montagem ágil e efeitos visuais notáveis que jamais deixam as ambientações excessivamente confusas e artificiais - pelo contrário, estas parecem reais, vivas, povoadas.
O filme até tem uma atmosfera old fashion que relembra, obviamente, os primeiros episódios lançados. Eu, pessoalmente, que detesto as prequelas (abomino, sobretudo, o Episódio II; o III não é terrível; é simplesmente mau, ponto), adorei sentir novamente o verdadeiro "ar" de uma obra de Star Wars, o que faz com que The Force Awakens pareça, de facto, uma continuação do Return of the Jedi.
The Force Awakens é uma experiência fascinante e emocionante do princípio ao fim para os fãs da saga, seja pelos seus momentos nostálgicos ou por estarmos a presenciar uma nova grande aventura que abre portas para uma nova era de filmes Star Wars. Entretanto, sofremos com a espera.
Muito mais que uma homenagem aos spy movies dos anos 1960, The Man from U.N.C.L.E. é um dos mais subestimados filmes de 2015 e outra viagem hiper-enérgica e repleta de estilo do Guy Ritchie: uma obra de puro entretenimento do princípio ao fim. A ajuda do trabalho visual fascinante e vivo, dos personagens engraçados e memoráveis e o ritmo cheio de adrenalina que não quer descansar, deixa a experiência de ver esta longa sempre entusiasmante e jamais chata.
A trama passa-se nos anos '60, no decorrer da Guerra Fria. Os agentes Solo (Henry Cavill), da CIA, e Illya (Armie Hammer), da KGB, unem forças para combater uma misteriosa organização criminal que pretende proliferar armas nucleares. Para isso, necessitam da ajuda da filha (Alicia Vikander) de um cientista alemão desaparecido de modo a infiltrarem-se no organismo.
Aqui o Guy Ritchie cria uma atmosfera que oscila muito bem entre o mundo da espionagem pleno de ação e uma comédia que provoca as suas gargalhadas através de certas atitudes inesperadas e do charme dos seus personagens. Aliás, o Henry Cavill está excelente com a sua personalidade cool e a sua aparência elegante. Ele lembra a maneira de ser glamorosa do Sean Connery e do Roger Moore, mas isso não significa que ele deixa cair o seu personagens num estereótipo barato de um típico espião de um filme de ação. Antes, conseguimos notar que ele tem a uma personalidade própria.
Contrapondo a figura do Cavill, está a rigidez do Armie Hammer que interpreta o seu personagem com um sotaque russo verossímil. Ainda mais, os momentos entre ele e a Alicia Vikander (também excelente; 2015 foi o ano desta atriz) são bastante engraçados. Eu gostei da vilã Victoria, interpretada pela belíssima Elizabeth Debicki.
O filme acaba numa nota aberta que diz que mais aventuras podem acontecer. Infelizmente, esta recente longa de Ritchie não foi um grande sucesso de bilheteira. Numa Hollywood preocupada com a quantidade de CGI que vai utilizar no próximo Transformers, The Man from U.N.C.L.E. revela-se um grande potencial para uma franquia, mas que, lamentavelmente, está a ser desprezado.
Milo (Bill Hader) mudou-se para Los Angeles com o objetivo de tornar-se ator, mas parece que nada disso está a dar resultado, já que permanece num trabalho indesejado. Ou seja, profissionalmente, as coisas não estão a correr lá muito bem para Milo. No entanto, a situação agrava-se: a sua vida pessoal também não está bem. Então, Milo está em casa, sozinho, sem atingir sucesso. O que fazer?
A sua irmã gémea, Maggie (Kristen Wiig) está na casa de banho, olhando-se ao espelho. Ela tem numa das suas mãos uns quantos comprimidos. A sua cara abatida claramente indica algo: ela vai cometer suicídio. Todavia, antes de ingerir os malditos medicamentos, ela recebe uma chamada: quem será? Ela atende. É do hospital e informam que Milo está internado por tentativa de suicídio. Ela desliga e vai ao encontro dele. Um reencontro depois de uma década longe um do outro.
Encarando um tema delicado de forma cómica, Craig Johnson realiza um filme equilibrado e emocionante sobre a procura de dois irmãos por uma nova luz na vida. Há um curioso estudo de personagens: Maggie sabe que tem um marido benevolente, simpático e trabalhador (e Luke Wilson faz uma performance agradável ao personificar esta pessoa de bom coração), mas não se conforma e é infiel. Ela diz que ele seria um bom pai, mas não tem coragem de engravidar. Milo vai passar um tempo na casa da irmã. Será que juntos encontrarão alguma felicidade?
Ok, Milo está em decadência pessoal e profissional, por isso está passando por um mau bocado. Mas Maggie parece ter uma vida estável, certo? Quero dizer, tem trabalho, boa casa e bom marido. Então, porque é que se sente deprimida? Será o desgosto de uma vida comum?
A verdade é que estes dois irmãos parecem sentir falta do pai. Este faleceu quando eles ainda eram novos. Aparentemente, os irmãos tiveram uma educação um pouco peculiar. Aliás, os flashbacks que o filme nos apresenta são bastante abertos quanto a isso e a coisa mais concreta que conseguimos ver é o pequeno Milo vestido de rapariga. Outro ponto que conseguimos reparar é que os dois irmãos eram bastante unidos. Mas a questão permanece: quem é aquela figura paterna misteriosa e sempre mascarada?
The Skeleton Twins é uma obra que não nos entrega todas as respostas sobre os seus intrigantes protagonistas. Isso evidentemente não impede que duas das maiores estrelas do Saturday Night Live façam um autêntico espetáculo. Com uma química natural, Bill Hader e Kristen Wiig têm momentos plenamente funcionais tanto na área da comédia como na do drama. E se o hit dos anos '80 Nothing's Gonna Stop Us Now, dos Starship, não é atualmente do vosso maior agrado, pois fiquem a saber que o melhor momento da longa envolve um lip sync entre ambos os irmãos ao som dessa música. A cena é simplesmente arrepiante.
A realização do Craig Johnson é muito competente sobretudo na criação da atmosfera que é coincidente com o estado de espírito dos personagens. Portanto, ele investe em cores frias, espaços minimalistas e filma por vezes os atores no canto da tela, transmitindo o vazio sentido pelas figuras que estão a interpretar. Mas o clima nunca fica demasiado pesado e, antes, revela-se um filme familiar.
O argumento cria situações hilariantes e inteligentes com diálogos engraçados e ao mesmo tempo secos. Há, por exemplo, uma cena que envolve uma conversa entre os dois protagonistas sobre o livro Marley & Me que, para além de ser bastante engraçada, é reveladora quanto ao ser deles.
Com boas atuações, boa realização e um bom argumento com uma abordagem curiosa sobre um tema sempre atual, The Skeleton Twins merece, com certeza, nota positiva.
Com sequências de ação brilhantemente realizadas, um ritmo sempre entusiasmante, efeitos visuais revolucionários e uma narrativa engenhosa, jamais desinteressante e que nos apresenta constantemente novas surpresas, Terminator 2 é um blockbuster nota máxima e um exemplo primoroso de "sequela melhor que o original": novas ideias e personagens curiosas são apresentadas e a história está mais rica e cativante - para não falar que a técnica mais desenvolvida deixa a experiência ainda mais viva e memorável.
James Cameron surpreendeu-nos ao entregar novamente o protagonismo ao Arnold Schwarzenegger, mas agora com objetivos invertidos. No primeiro filme, T-800 foi enviado para o passado para exterminar Sarah Connor (Linda Hamilton), de modo a impedir o nascimento de John Connor, futuro comandante dos humanos contra a guerra das máquinas. Missão fracassada. Anos depois, John (Edward Furlong) nasceu e é tornou-se um rapaz rebelde. Sarah está internada num hospital, devido às suas ideias do futuro e à destruição da fábrica que finalizou o primeiro capítulo da história. Mas, é enviada uma nova máquina para eliminar John: T-1000 (Robert Patrick), um cyborg mais avançado, praticamente invencível. É então que surge novamente T-800, porém reprogramado para outra tarefa: proteger John.
É incrível notar como Judgment Day supera a primeira longa em todos os aspectos, já que Cameron, para além de estar mais seguro atrás das câmeras, sobretudo na composição visual do seu projeto e na narrativa, tem muitas mais ferramentas à sua disposição. Ele retirou o melhor que tinha da sua equipa técnica (não é à toa que o filme venceu 3 Óscares nesse aspecto: Som, Efeitos Sonoros e Visuais), de modo a construir as mais fantásticas cenas de ação. E nesse ponto, ele tem um controlo muito bom: as sequências são ágeis e absolutamente agradáveis, tendo em conta que a montagem soube quando cortar e os ângulos foram selecionados da forma mais correta.
Porém, uma coisa que Cameron não se limita a fazer nos seus filmes é declarar a qualidade destes só pelos seus grandes efeitos visuais. Não. Para ele, estes são vistos como uma componente da trama. Portanto, ao, por exemplo, adicionar no vilão o facto de que ele consegue restituir-se através de uma composição líquida de metal ou que é capaz de transformar-se em qualquer pessoa, convertendo os seus punhos em grandes lâminas e, assim, assassinando facilmente quem deseja, não só está a expor na tela impressionantes efeitos visuais como também está a intensificar o difícil objetivo da história: exterminar o temível T-1000.
Aliás, esta batalha entre T-800 e T-1000 é totalmente agitante, uma vez que ambos parecem insuperáveis. É simplesmente agoniante vê-los num confronto e Cameron arrasta essa disputa até ao fim. O resultado é vibrante e imprevisível.
Além do mais, o cineasta investiu mais nos atores, com Linda Hamilton a dar um espetáculo ao encarnar a sua personagem com uma nova faceta: Sarah Connor já não é aquela mulher frágil que 'não-sabe-o-que-raios-se-passa"; Sarah Connor é badass. O Schwarzenegger está cheio de carisma (ele conquista a audiência logo na primeira cena em que surge; eu adorei) e tem uma química verdadeira com o Edward Furlong (também muito bem em cena e bastante carismático). Já o Robert Patrick faz uma prestação inesquecível ao transmitir rigidamente todo o poder do seu personagem.
Quando embarquei em Terminator 2 estava com expectativas altas. E elas foram incrivelmente superadas. Um dos grandes filmes de Cameron. Uma experiência arrebatadora, um verdadeiro clássico. O melhor filme de ação da História do Cinema? Não creio. Mas de uma coisa tenho a certeza: não consigo parar de pensar nele.
A saga The Fast and the Furious é composta por obras que, repletas de sequências de ação com bastante adrenalina e sem muito realismo em que personagens simplesmente não sangram ou, então, deixam apenas pequenas marcas no rosto quando levam valentes coças ou sofrem acidentes explosivos que apagariam qualquer um num instante (para não falar do desregramento "à cara podre" dalgumas leis da física), divertem um público que procura entretenimento para somente passar um bom bocado sentado no sofá a comer pipocas. É, ao fim e ao cabo, bom escapismo.
E esta é uma franquia que, ao conduzir rumo a novas direções, parece estar sempre a melhorar. Se os primeiros filmes eram sobre a cultura tuning e as corridas de ruas, os mais recentes (mais precisamente desde a formidável viragem que aconteceu em Fast Five) assentam numa fórmula mais madura e grandiosa.
Com isso, ao chegar ao sétimo título, percebemos que a franchise já tem uma dimensão imensamente animada. As cenas estão cada vez mais absurdas. Eu vi um carro atravessando três arranha-céus. Eu vi um dos personagens a correr sobre um comboio prestes a cair de um desfiladeiro. Eu vi carros equipados com paraquedas caindo do céu. Eu vi uma luta cheia de destruição entre o Dwayne Johnson e o Jason Statham. Eu vi muita, mas muita ação.
A questão é saber de que lado estás. Se admites este grau de absurdidade, aprecia o espetáculo. Se não admites, corre.
E por ter mais ação que nunca, Furious 7 é, quanto a mim, o melhor filme da saga até à data. Eu apreciei cada momento das sequências como nunca havia apreciado nesta franquia. Isto é entretenimento enérgico e imparável.
E, já agora, a homenagem ao Paul Walker no ato final é de arrepiar. Sim, ele não era o melhor ator do mundo, e depois? Ele, aliás, foi um profissional que nos ofereceu muitas experiências cinematográficas divertidas e emocionantes - vejam, por exemplo, o caso dos ótimos Joy Ride e Hours. Não sei quanto a vocês, mas não consegui conter as lágrimas.
Lançado um ano antes de Valhalla Rising, Bronson é, com o seu forte teor artístico, uma biografia não convencional sobre Michael Peterson, um jovem britânico que, aos 19 anos, em 1974, após assaltar uma agência de correios, é condenado a 7 anos de prisão. Com o desejo de um dia ser famoso, mesmo admitindo não ter qualquer talento como representar ou cantar, Peterson (que mudaria o seu nome para Charles Bronson; sim, uma forma de prestar uma homenagem ao ator americano com o mesmo nome), viu nas numerosas cadeias por onde passou uma forma de conseguir popularidade. Resultado? Com os seus atos violentos, sobretudo contra os guardas prisionais, o verdadeiro Bronson está preso até hoje e é conhecido como “o prisioneiro mais violento da Grã-Bretanha".
Nicolas Winding Refn fez aqui um retrato vazio, mesmo que eletrizante e estiloso, sobre a atitude questionável do seu protagonista. Aliás, o filme funciona como um estudo sobre a personalidade brutalmente delinquente de um jovem perdido na sua própria natureza. No entanto, ninguém, incluindo o filme, sabe porque é que Bronson comete estes atos, só piorando a sua situação como preso. Será por prazer? Ou será mesmo para simplesmente chamar a atenção? Será que ele realmente gosta de ficar atrás das grades?
Na verdade, Refn insiste em dizer-nos que Bronson está constantemente cercado por um sentimento de aprisionamento (até mesmo quando este está em liberdade) ao, por exemplo, revestir os seus cenários com um papel de parede com linhas verticais que remetem às grades da prisão. Ademais, à medida que fazemos uma nova visita a este filme, notamos cada vez mais a forte presença de linhas horizontais ou verticais. É uma jogada inteligente, obviamente, proposital, por parte do realizador.
E foi interpretando Charles Bronson que Tom Hardy se revelou definitivamente como um dos melhores atores da atualidade. Este foi o seu primeiro grande papel. Numa entrevista ao Movieweb, Refn disse que "(Tom Hardy) tem aquele aspecto de camaleão de transformar-se no Charlie Bronson; transformar-se fisicamente; transformar-se lógica e mentalmente. (...) O Tom Hardy é um daqueles atores que te entrega a alma; ele dá-te o seu "tudo" nas tuas mãos." E este ponto é bastante visível. De facto, ele viveu Bronson da forma mais animalesca possível. Uma performance brutalmente estrondosa, possivelmente a melhor da sua carreira.
E se Drive paga uma homenagem ao primeiro filme do Michael Mann - Thief - através dos visuais com neon, da música eletrónica e do protagonista que se encontra em constante batalha contra a sua própria natureza, Bronson mostra-se como um claro tributo à minha obra cinematográfica favorita: A Clockwork Orange. Música clássica invade a cena quando ocorre uma explosão de violência; os guardas britânicos com as suas fatiotas e os seus bastões contra um delinquente adepto de sangue e pancadaria; a cinematografia do Larry Smith, um autêntico espetáculo de cores, consegue criar uma atmosfera tão peculiar como aquela criada por Kubrick.
Tal como qualquer outra fita do Nicolas Winding Refn, Bronson tornar-se-á, muito possivelmente, um clássico dos filmes de culto. Uma viagem deslumbrantemente bizarra com visuais extraordinários e um tema perturbador, esta longa-metragem é uma experiência memorável.
Nalguns cartazes deste filme, tem uma citação de um crítico que diz: "A Clockwork Orange for the 21st century."
No decorrer de uma peça de teatro, a atriz Elisabet Vogler (Liv Ullmann) para de falar e isola-se. Exames posteriores dizem que a sua saúde está boa. De qualquer das maneiras, chamam Alma (Bibi Andersson), uma enfermeira jovem, para cuidar da silenciosa doente numa casa à beira de praia. Aí, Alma, achando a sua paciente boa ouvinte, fala abertamente sobre os seus segredos mais íntimos. Então, inicia-se um conflito existencial entre ambas. Vários monólogos e eventuais questões não recebem resposta.
De um dos mais importantes e aclamados cineastas europeus, Persona é possivelmente o filme 80-minutos mais amplo e complexo, na sua abordagem reflexiva, da história do cinema. Falar dele, aliás, é como falar de religião: um debate que duraria horas, dias, semanas, meses, anos. Discuti-lo é como refletir sobre a existência humana: o que somos, quem somos, o que estamos a fazer aqui?
Mas é, sobretudo, acerca daquilo que mostramos ser externamente (a nossa maneira de vestir, o nosso trabalho, a nossa maneira de agir, etc.) versus aquilo que realmente somos por dentro (o que pensamos, o que sentimos).
E é inegável o facto de que Bibi Andersson e Liv Ullman fazem um espetáculo. Os seus momentos são geniais, não só devido à qualidade das suas interpretações, mas devido à maneira como foram perfeitamente fotografados pelo extraordinário Sven Nykvist: aqui os enquadramentos dizem muito e o preto e branco é plenamente aproveitado, reproduzindo momentos belíssimos num jogo de contraste de sombras.
Com um argumento poderoso e uma realização notável, principalmente por criar cenas eternamente memoráveis, Ingmar Bergman fez aqui um grande marco do cinema de autor europeu que, certamente, não deve ser dispensado.
Um retrato visceral sobre um homem sem nome e o universo que o detém de ser aquele que quer ser. Sobre o desejo desse homem de sair do tenebroso mundo que o rodeia, sobretudo nas noites que, resplandecentes de neon, o sobrecarregam com um pesar de tempo que reforça a sua necessidade de encontrar um sentido para a sua vida. Mas onde pode ele encontrar uma saída que lhe dê esperança, uma luz no fundo do corredor? É quando esta pessoa vê a possibilidade de integrar-se numa família, evitando pensar nos seus atos passados. No entanto, independentemente de tudo, conseguirá ele fugir de quem realmente é?
Driver é o escorpião que pediu ajuda a um sapo para atravessar um rio. Infelizmente, no caminho, picou o amigo sem querer. Ambos se afundaram e morreram. É a sua natureza.
Além do mais, ele é um enigma. Não sabemos o que ele fez no passado. Desconhecemos a sua história. Todavia, sabemos que anseia esquecer os seus actos (e talvez evitar futuros) para começar uma nova etapa na sua vida. Driver é tímido, mas furiosamente silencioso. Portanto, quem quer que seja que interrompa esta sua ambição, acima de tudo agentes que relembram o que já fez, ele agirá da forma que for necessária para impedir que gente intrometa no seu caminho.
Drive é certamente um filme com um forte estudo de personagem, evidenciado por visuais e diálogos que nos dizem quem Driver é. Por exemplo, a cena de abertura representa perfeitamente o ambiente em que ele está inserido e o ser cauteloso que ele é. Depois, o silêncio dele diz muito, através de pequenas expressões faciais e o seu olhar. O Ryan Gosling, aliás, é um mestre nisso, conseguindo transmitir tanto afeição como fúria apenas com os olhos.
Nitidamente, a composição das cenas ajudam nesse aspecto. Com o apartamento de Driver caracterizado por sombras, percebemos a solidão que possivelmente passa diariamente e a necessidade que sente de sair daquela atmosfera. Por outro lado, a residência da sua vizinha é viva e colorida - como uma nova luz libertadora.
A realização do Nicolas Winding Refn é genial. Aqui o suspense é criado através de poucas falas, pouca música e momentos imprevisíveis. O silêncio é o segredo. As cenas de ação só acontecem quando a trama precisa verdadeiramente delas. O enredo não é propositalmente mirabolante para criar situações para que tais sequências ocorram. O Refn sabe que isso não é o mais importante.
Por isso, ao extrair apenas algumas ideias do argumento original, focando-se mais no romance entre Driver e Irene e toda a história de crime que se sucede, o cineasta evitou exposições desnecessárias e subtextos vazios, mostrando-nos apenas o necessário. Os personagens só falam quando têm algo verdadeiramente importante para dizer. Aliás, é incrível o tratamento empregue a cada fala.
Nas mãos doutro realizador, Drive teria sido um provável desastre. O Refn não quis contar-nos uma história de perseguições de carros a toda a velocidade. O Refn quis contar-nos a história de quem conduz esses carros.
E Drive é um filme explosivo, à sua maneira. É um neo noir primoroso, com performances extraordinárias, uma fotografia absolutamente brilhante e uma soundtrack eletrizante - Kavinsky nos créditos iniciais é de arrepiar.
Meditar no silêncio nunca foi tão feroz. Assim é Drive. E, quanto a mim, é já um grandessíssimo clássico. É cinema contemporâneo no seu melhor.
Clouds of Sils Maria é um espetáculo de interpretações proporcionado pelo seu trio feminino: Juliette Binoche personifica uma atriz experiente, Maria Enders, que aos 18 anos desempenhou um papel marcante nos palcos como a jovem Sigrid, uma personagem que na peça de teatro desperta um grande apetite sexual pela sua chefe Helena, levando até ao suicídio desta. Porém, vinte anos depois, Enders depara-se agora com o desafio de desempenhar o papel de Helena; Kristen Stewart é a assistente de Maria (o seu braço direito em tudo, incluindo nos ensaios); e a Chloë Grace Moretz é Jo-Ann Ellis, a nova atriz que representará o papel de Sigrid, um talento de filmes de massas e uma personalidade fortemente presente nas revistas cor-de-rosa devido ao seu comportamento controverso.
Temos aqui uma obra sobre uma protagonista que se sente “obsoleta” perante os tempos culturais em que vive: assume não apreciar filmes de ficção científica/super-heróis, tenta manter distâncias com a mídia e autodeclara-se "clássica e chata" à sua assistente. Com esta descrição, podemos verificar algumas semelhanças com Birdman, já que tanto o filme vencedor do Óscar como Clouds tratam de temas bastante idênticos, embora sejam diferentes em forma e abordagem - aqui não há um tom de comédia negra; antes, este é um drama bem equilibrado e puro.
Para reforçar essa ideia, podemos referir o cenário das colinas suíças, que conferem um tom naturalista e visualmente belo ao filme, as performances plenamente sinceras, a química verdadeira entre a Binoche e a Stewart bem como a realização controlada e subtil de Assayas.
Ademais, Clouds of Sils Maria despede-se da sua audiência numa nota reflexiva e ambígua que tem em conta o irremediável passar do tempo num mundo em constante mudança.
Uma comédia satírica, um thriller sombrio ou um filme que fala de si mesmo, The Player é um retrato engraçado, leve e genial da Hollywood dos anos 1990. E real também. Porque uma coisa que Robert Altman sabia fazer nas suas películas era criar uma ambientação perfeitamente específica para a história que estava a contar. Para quem viu, por exemplo, Short Cuts (lançado um ano depois deste) sabe que a atmosfera rotineira de Los Angeles foi tecida de uma maneira absolutamente verdadeira e cuidada pelo cineasta. O mesmo ocorre com esta longa-metragem: conseguimos "respirar" o ar dos estúdios hollywoodianos.
Tim Robbins - que venceu por este papel o prémio de Melhor Actor em Cannes (Altman ganhou o de Melhor Realizador) - interpreta Griffin Mill, um produtor de cinema que começa a receber cartas ameaçadoras de um argumentista que levou uma recusa deste para avançar com um projeto. O filme não fica por aqui. Há diversas subtramas que envolvem conflitos internos nos sets, um assassinato, um relacionamento amoroso e um interrogatório policial. Tudo isto sempre envolvendo Mill.
Como era de se esperar por parte de Altman, há um estudo de personagens muito bem construído, tornando-os únicos e memoráveis. E, apesar das numerosas aparições de diferentes personalidades, a bandeja não se desequilibra com tanta quantidade. Aliás, a bandeja não se desequilibra com nenhum dos aspectos: por exemplo, o enredo com as suas várias subtramas jamais fica sem coesão. Atualmente, são raros os filmes que não se perdem no seu próprio universo, sobretudo quando há muitas personagens ou histórias em jogo. Vejam o caso (sim, refiro mais uma vez) do Short Cuts: três horas lindamente consistentes "protagonizadas" por mais de 20 personagens!
Para o público cinéfilo, The Player é uma experiência muito agradável. Estamos a falar de um bom filme que fala sobre bons filmes. Autênticas referências que nos diz o que estamos a ver - mencionar o Touch of Evil do Orson Welles no plano-sequência inicial foi genial.
Ora bem, performances excelentes, realização vivaz e um argumento bem elaborado, fazem de The Player um dos melhores filmes de culto dos anos '90.
Muito mais que cinema benfeito, Que Horas Ela Volta? propõe considerações acerca das desigualdades numa sociedade que é altamente hierarquizada e definida. Aqui é abordada a eterna relação entre empregados e patrões, criticando a natureza das palavras "És parte da nossa família"; "Vives na mesma casa, mas não dormes nos quartos onde dormimos, não comes quando e onde comemos e não usas as coisas que usamos".
Eis a história da doce criada Val (Casé), que mora onde os "chefes" moram e cuida do filho deles como se fosse o seu. Algo muda com a chegada de Jéssica (Márdila), a sua filha.
Nasce, então, toda uma a reflexão sobre a condição de Val enquanto empregada, tendo em conta a perspectiva da sua filha. Segura de si, esta última parece provocar um certo clima inquietante quando entra em cena, desafiando aqueles que são os "superiores" da sua mãe. Ganhando confiança, ela faz coisas que jamais a sua progenitora foi alguma vez capaz de fazer em tantos anos de serviço - come aquilo que eles comem (o gelado representa a tentação) e usa o que eles usam (a piscina situada na mansão é uma forma de liberdade para aqueles que recebem deveres). No entanto, para Jéssica, não há padrões hierarquizados na sociedade, querendo seguir outro rumo. Afinal, como refere a personagem da Karine Teles: "O país está mudando."
Há performances estrondosas - Regina Casé, numa das melhores atuações femininas de 2015, dá vida a Val de uma maneira puramente humana; Camila Márdila é um novo talento que tem de necessariamente aparecer em mais filmes (ela está nas cenas mais intensas); Karine Teles é absolutamente brilhante ao ser passiva-agressiva; Lourenço Mutarelli é sensacional ao interpretar um personagem complexo e curioso (o vazio do seu ser, o desejo de fugir: sim, aquela cena não era brincadeira nenhuma); Michel Joelsas, bom ator, sim senhores, mas faltou intensidade na sua interpretação e uma maior exploração do seu personagem.
Realizadora muito mais que competente, Muylaert faz planos inteligentes e memoráveis (ajuda da cinematografia limpa e objetiva da Barbara Alvarez; a cozinha vem à cabeça: lugar bastante significativo). Temos aqui um argumento muito bem escrito e estruturado. A montagem é ágil e o clima bem definido.
Ou seja, Que Horas Ela Volta? é bom cinema. Além do mais, faz-nos pensar sobre um tema relevante. Temos aqui um bom drama brasileiro que, certamente, não deve ser esquecido.
Imaginem um personagem criado pelo bichinho pensante do nada polémico e berrante Sacha Baron Cohen enfiado num spy movie cheio de engenhocas, tiroteios e explosões. Assim é este seu projecto. Se acham engraçado um adepto de futebol fanático que tem uma dúzia de filhos, metido numa trama à la James Bond, sem saber como reagir ou o que fazer (puro improviso de um hooligan que só quer recuperar o afeto do irmão [Mark Strong interpretando quem sabe interpretar] que já não via há muito tempo, inserindo-se no mundo deste - o MI6), então, em princípio, podem desfrutar de uma pequena parte de Grimsby.
Pessoalmente, há muito que admiro o trabalho de Cohen, não só pelo seu tipo de humor satírico, como por ser um comediante sem escrúpulos. O conceito de "politicamente correto" é completamente inexistente para ele.
Infelizmente, Grimsby é o pior trabalho do ator e guionista. Nobby, o personagem que aqui interpreta, é a sua personificação mais esquecível e menos original. E para este indivíduo interpretar as suas figuras fictícias é pouco. Ele tem que as viver! E este Nobby parece uma fusão fracassada de todos os seus outros personagens - o gangsta' ignorante Ali G, o inocente Borat, o extrovertido e provocante Brüno e o tirano sexista Admiral General Aladeen. Sim, sim, a sua performance neste filme ainda provoca algumas gargalhadas aqui e acolá, porém, na maior parte das vezes, não é por ser quem ele é, mas sim pelas ações que ele apronta.
E essas ações, meu Deus. Não se iludam! Lá por não ser o sr. Larry Charles sentado na cadeira de realizador não significa que Grimsby seja mais "levezinho". Muito longe disso, Baron Cohen continua com o seu humor negro, controverso, arriscado e sem limites de aceitação, e idealiza situações puramente escatológicas, chegando ao seu máximo numa cena que envolve elefantes.
Isto posto, é engraçado notar que quem está agora atrás das câmeras seja um cineasta que nunca fez uma comédia - Louis Leterrier (vocês conhecem-no do Clash of the Titans e/ou do The Incredible Hulk com o Edward Norton). Eu até gostei do seu trabalho anterior a este (Now You See Me), apesar das fortes influências ao estilo do Christopher Nolan na questão de contar a história, mas aqui, mesmo com alguns planos curiosos em primeira pessoa, ele está em modo automático, ou seja, à mercê das ideias malucas do argumento. Mesmo assim, inegavelmente, Leterrier mostra-se sempre competente na criação atmosférica do universo dos "filmes de ação". Ah, e tem piada vê-lo tão "saidinho da casca".
Todavia, mesmo depois de algumas gargalhadas, no final, Grimsby soa fraco. Como admirador do trabalho do Sacha Baron Cohen, posso dizer que ele já esteve em melhor forma, tanto como ator quanto como escritor. Dono de comédias inesquecíveis, Cohen fez aqui o seu filme mais decepcionante e dispensável. Por infelicidade, a qualidade tende a diminuir. Borat foi muito engraçado. Brüno foi engraçado. The Dictator teve alguma piada. Grimsby, por vezes, fez-me rir. Por favor, Sacha, para à próxima não me obrigues a dizer: tal filme "tentou" fazer rir. Será triste.
Mantendo a mesma energia e diversão do seu antecedente, 22 Jump Street, para além de revelar mais uma vez que Channing Tatum e Jonah Hill têm um excelente timing cómico, é uma sátira ao mercado das sequelas hollywoodianas que, através da metalinguagem, faz troça de si mesmo. O melhor é que funciona impecavelmente e o resultado é hora e cinquenta com muitas gargalhadas.
Desta vez, não há um grande "desta vez". E é aí onde se encontra sua inteligência. A premissa principal do filme é igual à do primeiro: a parelha Schmidt e Chenko infiltram-se novamente numa escola para descobrir quem é o fornecedor de uma nova droga ("Infiltrate the dealers, find the supplier.", justamente o mesmo diálogo), porém com uma diferença de local - a universidade. Ainda mais, a amizade de ambos é posta à prova quando Chenko encontra a sua "alma gémea" e ambos seguem caminhos distintos.
Então, este segundo filme reforça a química e dá a entender a verdadeira relação entre ambos - e Hill e Tatum conseguem transmitir perfeitamente essa ideia de bromance. Tal como no primeiro, os momentos entre ambos são puramente engraçados, reforçados não só pela sua união acreditável, como por serem excelentes comediantes.
Referindo ainda o trabalho do elenco, há um destaque para o Ice Cube que tem maior importância na trama desta vez. Ele simplesmente rouba a cena em todas as vezes que aparece. Inclusive, ele tem uma que é de rir até doer a barriga (envolve um buffet; não digo mais). A Jillian Bell também está ótima, sobretudo quando a atriz exibe outra faceta.
As sequências de ação continuam animadas e combinam muito bem com o humor do filme, chegando ao seu ápice quando se instala todo o clima fervoroso e colorido do spring break.
Embora mereça todas as palmas por não ser uma típica sequela que fracassou, 22 Jump Street não chega a ser superior ao seu precedente, mas também não chega a ser inferior. A sensação que tenho agora é que gosto dos dois de igual maneira. E se o terceiro chegar e mantiver a mesma qualidade, sinceramente, não haverá motivo para protestos.
Certamente, El laberinto del fauno não é para o público infantil, mas é engraçado que Guillermo del Toro conte a sua história como se estivesse a transmiti-la a uma criança. É uma fábula fascinante, porém ao mesmo tempo sombria e violenta, sobre uma menina chamada Ofelia (Ivana Baquero), que adora contos de fadas e que um dia, em 1944, descobre por um fauno que é uma reencarnação de uma princesa que escapou do submundo mágico. Este acontecimento ocorreu na sua "nova casa": o acampamento militar comandado pelo seu sádico padrasto (Sergi López).
Cedo percebemos que del Toro quer narrar duas histórias paralelas: temos a fantasia do percurso de Ofelia e temos o retrato brutal do modo de vida do acampamento, onde a situação de várias personagens é explorada: a do capitão Vidal perante os rebeldes republicanos, a da empregada Mercedes (Maribel Verdú) e a da mãe de Ofelia (Ariadna Gil) que a qualquer momento pode entrar em trabalho de parto. Muito facilmente, o filme poderia ter caído numa desastrosa inconsistência narrativa, visto que misturar contos de fadas com mortes brutais não combina. Mas o cineasta tem um controlo absoluto quanto a isso, expondo a violência e o terror nos dois universos.
Para além de equilibrar bem esta bandeja, del Toro soube organizar perfeitamente a estrutura narrativa do seu projecto, dividindo ambas situações de maneira ágil e eficaz. O filme jamais fica enfadonho, conseguindo aterrorizar constantemente a audiência, tanto pela forma das criaturas fabulosas como pelo modo animalesco do capitão Vidal agir. Aliás, Sergi López faz uma atuação soberba ao reencarnar convincentemente todo o espírito sádico do seu personagem, conseguindo provocar ódio ao espectador.
Mas não é só ele que se destaca. El laberinto del fauno é uma obra rica em performances. Ivana Baquero, como a protagonista, revela-se extremamente talentosa ao conseguir transmitir toda a fascinação que tem pelo universo mágico. Doug Jones, por sua vez, confere uma vivacidade verossímil aos seres mágicos, assim como Álex Angulo que faz uma representação sincera como o Dr. Ferreiro. E se Ariadna Gil presta uma interpretação digna de palmas como a sofredora mãe de Ofelia, Maribel Verdú é sensacional ao personificar a empregada Mercedes com pureza e insegurança, chegando ao ápice do seu desempenho nos momentos em que é confrontada por Vidal.
Impressionante, também, é o facto de que El laberinto del fauno é uma obra cinematográfica primorosa em todos os aspectos. O que dizer, por exemplo, da fotografia brilhante do Guillermo Navarro, da excepcional direção de arte ou de toda a conceção memorável das criaturas, áreas estas reconhecidas merecidamente pela Academia? Guillermo del Toro, com o suporte da sua fantástica equipa, dá forma ao seu projeto da maneira mais extraordinária possível. E, por isso, a conceção visual deste filme é totalmente fascinante.
Claramente, El laberinto del fauno é uma das obras de fantasia mais inesquecíveis do cinema contemporâneo. Com uma abordagem triste, porém imaginativa, face à realidade do nosso mundo, Guillermo del Toro apresentou-nos uma grandiosa experiência cinematográfica.
Eu adoro ver cinema com a minha família. De vez em quando, mostro aos meus pais alguns dos meus filmes preferidos. Por exemplo, há uns tempos atrás, mostrei-lhes o The Departed do Martin Scorsese, e a reação da minha querida mãezinha foi de choque! Achou um completo absurdo *(spoiler) o facto de que todos morrem no final.* E vamos lá admitir, rever o The Departed com alguém que nunca o tenha visto é absolutamente engraçado - tem piada ver como as pessoas reagem à reviravolta do desfecho.
Noutras vezes, é a minha mãe que escolhe um filme para vermos. Foi numa noite chuvosa, em que éramos capazes de ouvir o bramir dos trovões, que a minha linda mãe escolheu um thriller totalmente assustador - The Boy Next Door. Não sei porquê, mas naquele momento não consegui recusar aquela proposta. Seria do frio? Teria mesmo vontade de vê-lo apesar de todas as críticas negativas? O que seria!? Não interessa, porque, de qualquer maneira, respirei fundo, sentei-me gelado no sofá e enfrentei o colossal desafio.
Quando os créditos finais surgiram, a tempestade tinha ficado ainda mais violenta. Teria Zeus visto o filme conosco e ficado irritado? A minha mãe, já um bocado sonolenta (afinal de contas, esta sessão ocorreu depois do jantar), olhou para mim e perguntou-me: "Vá lá, não foi mau, pois não?". A minha vista estava concentrada nos tristes nomes que passavam nos créditos (como é que tanta gente se junta para fazer uma coisa destas?). Finalmente, depois de sete, oito segundos, disse: "Foi horrível... Mãe, amo-te".
Há uns meses atrás, vimos um filme com o John Travolta realizado pelo Harold Becker - Domestic Disturbance. Embora benfeita, a longa-metragem mostrou-se bastante cliché. É um daqueles típicos thrillers domésticos em que no final o psicopata invasivo que perturba os membros da casa é morto pelo herói (geralmente o pai). Um daqueles que acaba com um plano aberto mostrando as sirenes da polícia, das ambulâncias e, nalguns casos, dos bombeiros à entrada da residência onde havia decorrido toda a ação. Fez-se muitos filmes destes sobretudo nos anos 1990 e 2000. Meras obras cinematográficas previsíveis que ficam melhor se vistas na TV. Após o filme ter terminado, recordo-me de ter dito algo como: "Retirando alguns telefilmes, ainda bem que já não se faz filmes destes".
Ao visualizar The Boy Next Door, percebi que estava enganado, porque ele veio comprovar que, sim, ainda se faz aquele tipo de filmes. Esta história de uma obsessão sexual entre um jovem (Ryan Guzman, mau) e uma professora de literatura clássica (Jennifer Lopez, má, como de habitual) faz uso de quase todos os clichés imagináveis do género: por exemplo, temos um típico adolescente desajeitado que é apaixonado pela "rapariga mais bonita da escola" e que é gozado por uns skaters todos rebeldes (a mentalidade destes filmes é sempre a mesma. Andar de skate significa ser mau. Fascinante.); temos o pai separado que leva o filho de férias e, devido a esse acontecimento, este último começa a questionar com quem realmente quer ficar; e temos o vilão que no início transmite uma certa confiança à audiência e aos personagens que o rodeiam, para depois mostrar que é, na verdade, um ganda filho da mãe; ah, e temos o final... com sirenes.
Homero não merecia que a sua obra fosse utilizada como referência neste objeto cinematográfico abominável. É que o filme nem tem a decência, apesar das suas velhas banalidades, de fazer algo minimamente razoável. O Rob Cohen, que por si só já é um realizador de fitas dignas de desprezo (a sua "aclamada obra-prima" é o primeiro filme da saga The Fast and the Furious), está-se simplesmente nas tintas quanto ao resultado final do seu filme. Ele deve ter olhado para o mau argumento da Barbara Curry (se é que ele sabe ver o que isso é) e ter dito: "Que se lixe. Os números do salário obrigam-me a aceitar".
Como se não bastasse o enredo ser um constante déjà vu, a execução é péssima. E já que estamos a falar de uma trama que consiste numa obsessão sexual, Rob Cohen, para não deixar este seu triste projeto demasiado curto, abusa na duração das cenas de sexo. Ainda mais, estas soam absolutamente desnecessárias. A história seria a mesma se os responsáveis pela edição tivessem cortado todas essas cenas, mostrando apenas os dois a se deitarem e a acordarem no dia seguinte. Mas não! Alguém tinha que fazer concorrência com Fifty Shades of Grey, afinal! E ninguém pode negar que ver estes episódios com os nossos pais é uma sensação terrivelmente embaraçosa. Em compensação, tinha a desculpa de que não fui eu que escolhi o filme.
Mesmo assim, aqui vai um elogio ao velho ator Jack Wallace que interpreta de forma sincera o seu insignificante e descartável personagem (que só foi posto na história para dizer: "Ei, nós queremos que vocês acreditem que o mau da fita não é "mau" de todo, OK? Quero dizer, ele cuida do seu tio doente! Sim, esta é a nossa justificação para a mudança de residência do psicopata! Não queríamos que ele fosse um mero jovem rico que comprou uma grande casa. Não seria credível! Temos de usar os clichés mais podres nisto! Yah."). Já agora, o susto do velhote é a melhor cena do filme.
(Apesar de tudo, querida mãe, mesmo que escolha a obra cinematográfica mais enfadonha, desastrosa e detestável, adoro ver cinema consigo. A presença da família justifica todos os crimes cometidos por um cineasta.)
Quando pensamos no Clint Eastwood, que imagem nos vem à memória? Quais foram os papeis mais marcantes deste ícone do cinema? Particularmente, os primeiros filmes que vi com ele foram os imortais Spaguetti westerns do Sergio Leone, nomeadamente a trilogia dos dólares realizada nos anos 1960. Na minha cabeça, Eastwood logo se afirmou como uma figura máxima do estatuto macho man. Fiquei a pensar que se encontrasse alguma vez o indivíduo na rua, começava a tremer como um camelo na Antártida. Afinal, estamos a falar do homem sem nome, e com ele não se brinca!
Jamais imaginei que tal exemplar fosse capaz alguma vez na vida de fazer, sei lá, uma história de amor, e se um dia fizesse uma, onde estaria a credibilidade para desempenhar tal coisa? Quero dizer, estamos a falar do mestre do Bang Bang à italiana, estamos a falar do Dirty Harry! Mas, se "mergulharmos" agora na sua filmografia, vemos coisas completamente incompatíveis e inimagináveis se o compararmos com aquela personalidade que estabeleceu na História do Cinema - o de cowboy a ser temido caso marque presença.
A verdade é que Clint Eastwood sabe contar histórias emocionantes (A Perfect World, Million Dollar Baby, onde ele esteve muito bem). Porém, há sempre um receio quando este não se limita apenas a ficar atrás das câmeras, pretendo também atuar como um dos protagonistas destes dramas ou romances. A questão quando ele se aventura nisto é: saberá ele assumir este tipo de personagens? Não será embaraçoso vê-lo desta forma?
The Bridges of Madison County marca o provável ápice desse desafio consideravelmente arriscado. Aqui, o Clint Eastwood interpreta Robert Kincaid, um fotógrafo que trabalha para a National Geographic, que, perdido em Illinois no verão de 1965, para na residência de Francesca Johnson (Meryl Streep) para pedir direções para a Roseman Bridge. Esta mulher é uma dona de casa que se depara sozinha durante quatro dias, enquanto o seu marido (Jim Haynie) e os seus dois filhos (Sarah Kathryn Schmitt e Christopher Kroon) estão fora. A partir daí, a relação entre ambos se desenvolve, a ponto de que no quarto dia o desespero instala-se (é uma coincidência dos diabos que o Richard Linklater tenha elaborado, no mesmo ano, um enredo parecido com o excelente Before Sunrise, tendo também como protagonistas um americano e uma europeia).
Inesperadamente, o Eastwood aclama uma versatilidade absolutamente credível. Ele soube encarnar sem problemas o viajante apaixonado sem parecer demasiado forçado. A Meryl Streep, inegavelmente, ajudou nesse processo. Para além de fazer, como de habitual, uma interpretação soberba, sabendo viver perfeitamente a personalidade da doméstica através de pequenos gestos, expressões faciais e tom de voz, a atriz tem uma química bastante verossímil com o Eastwood. Com os seus olhares, ambos convencem perfeitamente como um casal apaixonado.
Na realização, o Eastwood não está muito chamativo - isso porque a história nem o exigia. Porque aqui o que verdadeiramente compensa é o ótimo argumento do Richard LaGravenese, onde cada diálogo se mostra um passo à frente na história, e as performances sinceras dos atores principais, que jamais deixam o filme cair num sentimentalismo barato e difícil de ser digerido. Por estes motivos, The Bridges of Madison County assume-se como um dos melhores trabalhos da filmografia de Eastwood.
Sombras da Vida
3.8 1,3K Assista AgoraChora. Tudo desaparecerá. Dois veículos conduzem a uma tragédia. O homem vai, a mulher fica. Mas o fantasma permanece. Ele vê, sente e atravessa o tempo. Contempla a companheira a lidar com a perda. Vagueia na casa onde memórias de um amor novo nasceram. Com o passar do tempo, ela sai de lá e a residência desmorona-se. Ele fica, agarrado às recordações. Viagem ao passado. A origem do futuro lar. Uma família morta. Viagem ao futuro. É tudo sobre o negócio. Prédios e muitas luzes fazem o cenário. Já não há o ar puro do campo. A cidade governa. Mas o fantasma continua a viver o passado. O que é a existência?
A Ghost Story é uma obra literal. O plano é claro. A mulher sofre e o fantasma é de pano. A história visual é simples. A conjugação da música está no ponto. Em termos de forma, o filme existe. Agora, conseguirá a audiência encontrar alguma profundidade nestas imagens? Acredito que haverá pessoas perdidas no vazio. No entanto, também acredito que esta metragem seja capaz de destruir a barreira entre ecrã e espetador. A meu ver, há poder e grandiosidade nesta fita.
Porém, recomendo que pensem duas vezes. Ao aceitarem a experiência, estarão prestes a navegar num mar de tristeza. O tema da existência traz consigo muitas ondas.
O tempo pesa. Chega uma altura que até os mortos dizem basta.
Ave, César!
3.2 311 Assista AgoraOh, isto era bom demais para ser verdade... Hail, Caesar! parecia uma nova maravilha, um novo monumento do cinema contemporâneo. Fotografia do mestre Roger Deakins e os camaradas Coen a assinar a realização e o argumento de um filme com um elenco simplesmente estelar. Pessoal como Josh Brolin, George Clooney, Ralph Fiennes, Channing Tatum, Jonah Hill, Scarlett Johansson, Tilda Swinton, Frances McDormand e, ufa, com tanta gente talentosa(!), Alden Ehrenreich prometiam oferecer um clássico sobre clássicos. Mas, embora divertida nas suas sketches um tanto desconexas da verdadeira história, esta é uma obra que, tendo em conta a natureza da filmografia dos seus cineastas, soa decepcionante.
Não, eu não estou a dizer que estamos diante de um mau filme. O filme é bom e tem a sua piada, honestamente. Porém, este é um elogio fraco para descrever uma longa dos Coen. E receio que Hail, Caesar!, infelizmente, não represente a faceta mais forte deles, até porque não apresenta o brilhantismo e o cuidado que eles têm em compor os seus guiões. Aqui tudo parece um bocado desleixado, abrupto (o que inclui o desfecho) e, como referi, limitado a soltar as gargalhadas da sua audiência através das suas inesperadas rábulas. Acho que esse é o seu grande ponto negativo: a sua estrutura inconsistente, fora da linha.
Há mais a apontar: o fascínio de Hail, Caesar! não está na sua trama principal - e ela não é das mais cativantes. Ao fim e ao cabo, estamos apenas a acompanhar um dia na vida de um elemento dos estúdios da Hollywood dos anos '50, e que, por isso, se cruza com as mais diversas personagens. É aí que vão aparecendo aos poucos várias carinhas conhecidas que nos oferecem um pequeno momento engraçado - algumas só aparecem mesmo uma vez só para nos dizer um "Olá!".
No entanto, apesar de tudo, o filme diverte? Bem, na minha perspetiva, absolutamente. Traz, sim, aquela energia e boa disposição dos bros. É, no final de tudo, um bocado bem passado que não me arrependeria de repetir a dose daqui a uns tempos. Portanto, sim, a experiência é, à partida, positiva, mas, por amor a todos os santos, não pensem que temos aqui um Fargo ou um No Country for Old Men.
Ui, está muito, muito longe disso...
Campus Code
1.4 2Pessoal, quem realizou esta coisa foi a filha do Martin Scorsese. E o Martin Scorsese entrou nisto numa participação especial absolutamente ridícula. Como é que ele não foi capaz de chegar ao pé da sua filha e dizer: "Minha querida, isto que tu estás a fazer é uma completa ruína cinematográfica". Quero dizer, tudo bem que ela pode fazer o que quiser, mas como diabos ele aceitou entrar nisto? Ele tinha em mãos um péssimo guião. Ele achou mesmo aquilo bom? Como é que o realizador do Taxi Driver e do Raging Bull aceitou entrar neste projecto, ainda mais num personagem irrelevante? Seja como for, o filme está feito e aos olhos do público, apesar da sua existência ser deveras desconhecida. E graças a Deus.
A estreia na realização de Cathy Scorsese e Kenneth M. Waddell nada mais é que uma ficção científica completamente confusa e inconsistente. Misturando subtramas noutras subtramas, é um desafio dificultoso resumir este filme. Essencialmente, temos um grupo de jovens numa universidade e "coisas estranhas" começam a acontecer. Logo percebem que as outras pessoas ao seu redor não presenciam aquilo que estão a viver.
Para os responsáveis deste triste argumento, não bastava esta premissa. Exigiram uma exploração de cada um dos personagens e criaram diversos conflitos entre eles, deixando a história numa total desordem. A título de exemplo, temos a situação do jovem indiano (interpretado pelo Ritesh Rajan) que, devido a uma ação dos seus pais, se vê obrigado a casar com alguém que não conhece. O que é que isto acrescenta à trama? Absolutamente nada. Este e outros casos mostram-se, no final de tudo, sem importância.
Porém, este não é o maior erro cometido pelo guião. São os diálogos terríveis. Francamente, os piores que vi nos últimos tempos. É uma enxurrada de falas artificiais (jamais nenhuma pessoa falaria como estas falam). São exposições atrás de exposições, explicações atrás de explicações. Os jovens atores, que, coitados, ainda estão no início das suas carreiras e aceitam cada oportunidade, tentam dar alguma credibilidade aos seus personagens. Infelizmente, o esforço e o talento dos desgraçados é assassinado pelo texto.
O pequeno orçamento de 350,000 dólares não beneficiou na qualidade do filme. Por isso mesmo, há um trabalho de câmera pobre e efeitos visuais dignos de um programa de edição como o Sony Vegas.
No final, Campus Code tenta ter porte de "filme complexo". Após mostrar um plot twist sem efeito devido à má longa-metragem que globalmente é, os responsáveis pela realização ainda tiveram a ambição de querer fazer a audiência pensar, pretendo que esta desperte o desejo de rever a fita de modo a perceber toda esta confusão. Quanto a mim, não vale a pena perder esse tempo.
Aniquilação
3.4 1,6K Assista AgoraAlex Garland é um nome que promete. Bué. Estreou-se como realizador da forma mais fantástica possível - Ex Machina foi uma pequena grande ficção científica que mexeu com os nossos inocentes cocos e mostrou que Garland sabe brincar com a câmera. Desta vez, com Annihilation, a escala e as expectativas são maiores.
Sabemos que, geralmente, a Netflix sabe o que faz quando o assunto são séries - House of Cards é, a meu ver, uma obra-prima irretocável. Mas é do nosso conhecimento, também, que a Netflix ainda não apresentou um filme original que seja um clássico do outro planeta. Annihilation, certamente, não diferiu isso. Porém, junta-se ao grupo, formado também por títulos como Okja e The Meyerowitz Stories, das melhores produções cinematográficas do serviço de streaming.
Não quero estragar surpresas para quem ainda não meteu olhos nesta obra. Para tal, serei o mais vago possível. Pensemos, então, em Arrival: protagonista forte e com "passado" marcado pelo sofrimento, a chegada de um enigma de origem extraterrestre; estão a ver o cenário? Um pouco mais específico: cinco mulheres (Portman, Leigh, Rodriguez, Novotny e Thompson) partem para uma expedição; as leis da natureza encontram-se "distorcidas"; ninguém sabe o que está por vir; mutações vegetais e animais. Basta. Não me atrevo a dizer mais.
É tudo muito esotérico e atmosférico. A ideia parece-nos agradável. Por isso, é pena que o argumento do Garland (que, na verdade, é uma adaptação de um livro do Jeff VanderMeer) sinta a triste necessidade de recorrer a flashbacks desnecessários e flashforwards que nos entregam spoilers (PORQUÊ?), além de conter diálogos óbvios e puramente expositivos, deixando de parte um dinamismo narrativo que se mostraria eficiente e arruinando parte do mistério que envolve o enredo - e eis a razão pela qual o acto final funciona tão bem, já que o silêncio fala muito mais alto do que quaisquer explicações chatas.
Por outro lado, a realização do Garland é excelsa. É curioso notar como ele consegue encontrar significado em pequenos detalhes - o copo de água, por exemplo. De referir, também, que ele tem a feliz capacidade de criar imagens eternamente memoráveis - e Annihilation ganha todos os pontos do mundo nesse sentido, uma vez que é uma metragem visualmente arrebatadora, capaz de acelerar o pobre coração de qualquer um da nossa espécie.
Extremamente assustador, Annihilation, tal como Ex Machina, mantém uma forte relação entre a natureza e a tecnologia. É um filme sobre a pequenez do Homem face à grandiosidade do reino vegetal que nos cerca e do mistério que a imensidade do Universo nos reserva. Ao fim e ao cabo, as mutações são uma metáfora que questiona: seremos, de facto, inteligentes o suficiente face à incerteza do futuro?
Jogador Nº 1
3.9 1,4K Assista AgoraO Steven Spielberg é uma máquina imparável. Muitos foram os períodos em que ele realizava duas produções por ano (1993 é um belíssimo exemplo, com Jurassic Park e Schindler's List) e, desde 2015, ele tem vindo a direcionar anualmente projectos intrigantes para o grande ecrã. E, num curtíssimo espaço de tempo, podemos verificar a imensa versatilidade dele. Se no ano passado nos trouxe uma obra que tratava de temas puramente adultos com The Post, já Ready Player One evidencia que o seu espírito jovial, sempre aberto a novos desafios e aventuras, permanece vivinho da silva - os seus 71 anos só comprova que a idade nada significa.
Bem-vindo ao futuro. Em 2045, a realidade é dura e cinzenta. Para escaparem a tal cenário, as pessoas refugiam-se num imenso universo virtual - o OASIS -, onde podem criar um avatar, explorar diversos locais, jogar e conhecer outros jogadores. Com a morte do seu criador, James Halliday (interpretado fantasticamente pelo Mark Rylance), a humanidade é desafiada a encontrar três chaves que darão, ao vencedor, o poder total sobre o OASIS. Quando o jovem órfão Wade (Tye Sheridan) ganha destaque na competição, passa a ser perseguido pela IOI, uma produtora encabeçada por Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn), que reúne um exército de jogadores endividados de modo a tomar posse do abrigo virtual.
Com isto, o Spielberg aproveita o conceito de "uma caça ao tesouro numa terra infinita" para criar uma das metragens mais divertidas da sua carreira - as corridas de carros, por exemplo, representam o nível máximo da ideia de entretenimento cinematográfico. Além disso, a experiência torna-se ainda mais aprazível quando nos apercebemos de que Ready Player One é uma verdadeira galáxia de referências à cultura pop - é humanamente impossível identificá-las a todas enquanto não tivermos o Blu-ray em mãos. Num primeiro visionamento, consegui ver referenciado, entre outros, King Kong, Godzilla, Mad Max, Mortal Kombat, The Iron Giant, Back to the Future e Saturday Night Fever - quando Stayin' Alive começou a tocar... arrepios. Esta deliciosa e nostálgica jornada rumo, predominantemente, aos clássicos dos anos 1980 chega ao seu acme numa cena em que os personagens principais têm de explorar o Hotel Overlook do The Shining - cena essa que já se assume como uma das melhores do ano.
O Tye Sheridan encontra-se plenamente operante, construindo um rapaz que vive no mundo real uma situação constrangedora, tendo até de encarar a violência de um "semipadrasto" (Ralph Ineson) - infelizmente, tudo acaba por soar manipulativo e básico, uma vez que o filme esquece logo essa subtrama - e que no mundo virtual ganha a admiração dos outros players. Já Olivia Cooke é um nome que não podemos esquecer - uma actriz carismática, forte e que tem o potencial de uma Daisy Ridley - e o Ben Mendelsohn interpreta um vilão memorável e com uma forte presença em cena. O personagem do Simon Pegg merecia muito mais atenção.
Por vezes preguiçoso, o guião do Zak Penn e do Ernest Cline (autor do livro) não resiste a certas facilitações e recorre constantemente à narração e à exposição, prejudicando a aventura com quebras de ritmo. Além do mais, apesar de me ter divertido à brava, senti falta de uma abordagem filosófica mais complexa face a tudo aquilo que Ready Player One retrata - a título de exemplo, levanta-se a questão do James Halliday ser um novo deus, o salvador da humanidade, mas depois nada disso é aprofundado.
Afinal de contas, já estamos a viver no futuro. A vida real nem sempre nos agrada e a hipótese de escaparmos para um universo virtual é algo de fácil concretização nos tempos que correm.
Por enquanto o nosso OASIS ainda é a internet. E é inegável que ela, de certa forma, já nos permite "existir virtualmente".
Han Solo: Uma História Star Wars
3.3 638 Assista AgoraEstaria a mentir se vos dissesse que não me diverti com Solo: A Star Wars Story. Ao contrário do Rogue One (Zzzz...), este novo spin-off é um filme cheio de energia, não me aborreceu uma única vez, estive entretido do princípio ao fim, um bocado bem passado, diria.
Mas o problema é exactamente esse: entretém e ponto final. Tudo isto não passa de uma aventura espacial standard, “pastilha elástica”, desprovida da verdadeira magia Star Wars. Um filme de ação straightforward que não nos deixa nenhuma marca.
A dita “história de Star Wars” que o argumento do Lawrence e do Jonathan Kasdan (pai e filho) arranjou pouco importa para a experiência, uma vez que parece estar quase sempre à procura de um motivo para começar mais uma sequência de ação. Há pouco “miolo” narrativo aqui.
Os personagens, podemos dizer, são mais carismáticos e dotados de vida do que aqueles que vimos no Rogue One, mas pecam por ter um desenvolvimento fraco. Mesmo assim, ao passo que o Woody Harrelson faz uma interpretação sólida como o ladrão Tobias Beckett, a performance do Paul Bettany como o vilão Dryden Vos agarra-se mais aos clichés típicos dos bad guys, embora consiga manter uma presença relativamente ameaçadora. De referir, também, que as figuras não-humanas fazem um belo espetáculo, com destaque para o Chewie (Joonas Suotamo), sempre adorável e muito querido, e a rebelde e determinada L3-37 (Phoebe-Waller Bridge).
Quanto ao Alden Ehrenreich… Ah, Alden Ehrenreich. Confesso que desenvolvi um admiração pelo actor depois de ter visto Hail, Caesar! e Rules Don't Apply. E não vou mentir: eu não desgostei do que ele fez em Solo. Sim, é difícil de ver nele o Han do Harrison Ford, no entanto, acho que ele não deixou de assumir o papel com estilo e carisma. Honestamente, não vejo a sua performance como uma reprodução mas sim como uma nova versão do personagem (afinal de contas, o James Bond do Roger Moore é diferente do 007 do Sean Connery, e o personagem não deixou de ficar intrigante).
O grande problema do filme é não deixar esse Han Solo brilhar, alguém que nos parece, aqui, um típico herói com uma caracterização psicológica que fica a desejar - um protagonista que não se destaca.
Quando entrei dentro da sala de cinema, estava curioso para saber mais sobre o passado de um dos melhores personagens do universo Star Wars. Fantasia. Aprendi duas ou três coisas, porém nada de impressionante. Este não é um filme sobre o Han Solo, e este parece-nos secundário no meio de tantos personagens secundários.
Merecíamos mais.
Esquadrão Suicida
2.8 4,0K Assista AgoraProcesso da pós-produção, a montagem é um elemento cinematográfico muitas vezes subvalorizado. Esta emprega o ritmo desejado e alguma parte da consistência narrativa do filme. Lançado em 2014, Whiplash é um filme pura e perfeitamente enérgico e que jamais tem problemas de andamento, resultado óbvio da absolutamente calculada montagem de Tom Cross - não é à toa que ele agora tem na sua prateleira um Óscar por esse trabalho. Caso a obra não tivesse tido esse tratamento minucioso, creio vivamente que a película não teria resultado.
Por outro lado, Suicide Squad é um filme absurdamente "assassinado" pela sua montagem. Não que seja culpa por inteiro de John Gilroy, que montou excelentemente Nightcrawler, ou da visão de David Ayer, já que, pelo que se sabe, houve muitas complicações envolvendo outros agentes durante a finalização desta longa-metragem do Universo DC, incluindo uma radical mudança de tom, claramente visível nos posters promocionais, e ainda uma afirmação de Jared Leto que diz que muitas cenas do Joker foram cortadas.
O filme já evidencia este descuidado logo no início de uma forma bastante despachada e repentina. O diálogo à mesa entre a Viola Davis, o David Harbour e o Ted Whittall tem um ritmo esquisito e uns erros de continuidade disparatados. Diálogo esse, aliás, que passa a apresentar cada um dos "piores heróis de sempre", igualmente de uma maneira bastante desconexa e estranha.
Falando ainda dos personagens, é incrível também como o trabalho da montagem prejudica imensamente a participação dos atores, especialmente a do Jared Leto como o Joker, que só aparece de tempos em tempos e muito pouco mostra, o que é bastante decepcionante, já que a sua versão do vilão pareceu-me intrigante - um Joker ostentação, gangsta' da vida.
Feito do argumento ou de possíveis cortes, há um forte desequilíbrio na exploração dos personagens. Uns ganham uma abordagem profunda (Deadshot; El Diablo; Harley Quinn; e mesmo assim, esta última merecia uma dedicação ainda maior sobre o seu passado) enquanto outros mostram ser figuras completamente genéricas (Killer Croc, Katana).
Menos mal, o filme consegue dar algum espaço para os atores exibirem o seu talento. O Will Smith mostra-se muito confortável a interpretar o Deadshot, empregando um bom carisma e profundidade ao personagem. O Jay Hernandez sabe encarar acertadamente a complexidade do El Diablo. O Jai Courtney surpreendeu e tem os seus momentos engraçados como o Boomerang. Gostei da prestação do Joel Kinnaman como o Rick Flag, sabe marcar presença. Por outro lado, o Scott Eastwood está esquecível. A Viola Davis está excelente, sabendo transmitir toda a maldade e poder da Amanda Waller. A Cara Delevingne está operante em ambas as faces da moeda, mas não sei se ela consegue passar por completo a ideia da figura perigosa da Enchantress. Na verdade, nunca nos sentimos realmente ameaçados por ela. E, finalmente, a Margot Robbie como a Harley Quinn... Deixei-a para último, porque ela é a melhor coisa do filme. Contrariamente aos outros personagens, que suscitam momentos por vezes embaraçosos, ela está engraçada durante o tempo todo. E mesmo vítima do timing terrível da fita, ela consegue brilhar.
Já o argumento do David Ayer é outra decepção. Diferente do ótimo End of Watch e do sólido Fury, Suicide Squad é um filme repleto de diálogos fracos e expositivos, possuindo um humor óbvio, sem inspiração e quase sempre ineficiente (exceto, claro, os momentos da Harley Quinn, certo?).
Em alternativa, as sequências de ação, apesar de confusas, conseguem divertir e tornar a experiência mais apreciável. Aliás, Suicide Squad não é aborrecido, cumprindo satisfatoriamente o seu dever de entreter a audiência.
Outro ponto positivo é a excelente coletânea de músicas selecionadas para dar som à longa-metragem. The House of the Rising Sun, dos The Animals, Sympathy for the Devil, dos The Rolling Stones, Seven Nation Army, dos The White Stripes e, claro, Bohemian Rhapsody, dos Queen, são alguns grandes exemplos. Em contrapartida, não me recordo da banda sonora original do Steven Price.
Ao contrário dos seus coloridos (e excelentes) cartazes, Suicide Squad é um filme que traz um visual feio, escuro e, por isso mesmo, sem vida. E a longa tem muitos factores decepcionantes como este. Prometeu muito. Houve um grande hype à volta do Joker do Jared Leto, porém muito pouco trouxe do personagem. Pelo menos entretém. Mas queríamos mais que isso.
Meu Primo Vinny
3.6 127 Assista AgoraNão sei quanto a vocês, mas estou cada vez mais fascinado por filmes de tribunal. Acho que eles conseguem criar momentos de tensão especiais, revelar de uma forma singular a natureza dos seus personagens (tanto advogados como arguidos) e são quase sempre efetivos. Por outras palavras, são dramas poderosos que, com o seu próprio espaço, entregam uma experiência interessante que impede que o espetador tire os olhos do ecrã.
Se em 1992, Rob Reiner, através de um argumento brilhante escrito por Aaron Sorkin, transpôs para a tela uma trama de tribunal séria e forte na longa-metragem A Few Good Men, no mesmo ano Jonathan Lynn fez de My Cousin Vinny uma comédia que, além de ser bastante engraçada, sabe desenvolver muito bem os seus momentos de tensão.
O filme vai muito além disso, visto que ele sai do sítio onde se aplica a justiça. Então, é bastante divertido ver o Joe Pesci a contracenar com a Marisa Tomei, já que o ótimo timing cómico dele em conjunto com a personalidade única que ela emprega à sua personagem formam um par imensamente animado.
Como já havia calculado ainda antes de embarcar no seu visionamento, My Cousin Vinny é uma obra previsível, porém o guião de Dale Launer cria situações suficientes para que os atores aproveitam ao máximo para exibir as suas qualidades cómicas. O produto final é notável e mais que satisfatório, tornando as suas duas horas de fitas num bocado bem passado.
Star Wars, Episódio VII: O Despertar da Força
4.3 3,1K Assista Agora"There has been an awakening. Have you felt it?"
A mais fascinante aventura no espaço está de volta, ganhando vida por uma realização brilhante que, além de prestar uma homenagem emocionante, recupera todo o espírito da primeira trilogia da saga. Algumas das mais épicas figuras da História do Cinema regressam ao ecrã: o carismático e sempre engraçado Han Solo (Harrison Ford), o seu amigo de absoluta confiança Chewbacca (Peter Mayhew), a encantadora Leia (Carrie Fisher), entre outros.
No entanto, novos personagens também são apresentados: a corajosa Rey (Daisy Ridley), o bondoso e inseguro Finn (John Boyega), o amigável e aventuroso Poe (Oscar Isaac), o expressivo e adorável BB-8 e o vilão complexo Kylo Ren (Adam Driver).
Creio que estes personagens marcarão uma nova geração, visto que os seus intérpretes têm aquela mesma energia e dom que fizeram de nomes como Luke Skywalker, Yoda, Obi-Wan Kenobi, Darth Vader, C3-PO, R2-D2 e os outros já referidos imagens inesquecíveis na cabeça da audiência. Eles carregam histórias, um passado que queremos conhecer, e, ademais, possuem uma personalidade tão marcante e cativante que são capazes de sustentar de uma forma incrível todo o filme.
Por exemplo, o carisma poderoso da Daisy Ridley conjugado com o perfeito timing cómico do John Boyega formam um par absolutamente talentoso e memorável. Mas não é só isso. O sétimo episódio da franquia é riquíssimo em termos de desempenhos, evidenciado por um Adam Driver que emprega um senso humano ao seu vilão, um Oscar Isaac que merecia ter aparecido mais tempo em cena, um Harrison Ford que aviva memórias e ainda um Domhnall Gleeson assombroso que se destaca proferindo um monólogo.
Para mais, The Force Awakens é puro entretenimento que conta com sequências de ação enérgicas filmadas de uma maneira precisa e ajudadas por uma montagem ágil e efeitos visuais notáveis que jamais deixam as ambientações excessivamente confusas e artificiais - pelo contrário, estas parecem reais, vivas, povoadas.
O filme até tem uma atmosfera old fashion que relembra, obviamente, os primeiros episódios lançados. Eu, pessoalmente, que detesto as prequelas (abomino, sobretudo, o Episódio II; o III não é terrível; é simplesmente mau, ponto), adorei sentir novamente o verdadeiro "ar" de uma obra de Star Wars, o que faz com que The Force Awakens pareça, de facto, uma continuação do Return of the Jedi.
The Force Awakens é uma experiência fascinante e emocionante do princípio ao fim para os fãs da saga, seja pelos seus momentos nostálgicos ou por estarmos a presenciar uma nova grande aventura que abre portas para uma nova era de filmes Star Wars. Entretanto, sofremos com a espera.
(Crítica: 23/07/2016)
O Agente da U.N.C.L.E.
3.6 538 Assista AgoraMuito mais que uma homenagem aos spy movies dos anos 1960, The Man from U.N.C.L.E. é um dos mais subestimados filmes de 2015 e outra viagem hiper-enérgica e repleta de estilo do Guy Ritchie: uma obra de puro entretenimento do princípio ao fim. A ajuda do trabalho visual fascinante e vivo, dos personagens engraçados e memoráveis e o ritmo cheio de adrenalina que não quer descansar, deixa a experiência de ver esta longa sempre entusiasmante e jamais chata.
A trama passa-se nos anos '60, no decorrer da Guerra Fria. Os agentes Solo (Henry Cavill), da CIA, e Illya (Armie Hammer), da KGB, unem forças para combater uma misteriosa organização criminal que pretende proliferar armas nucleares. Para isso, necessitam da ajuda da filha (Alicia Vikander) de um cientista alemão desaparecido de modo a infiltrarem-se no organismo.
Aqui o Guy Ritchie cria uma atmosfera que oscila muito bem entre o mundo da espionagem pleno de ação e uma comédia que provoca as suas gargalhadas através de certas atitudes inesperadas e do charme dos seus personagens. Aliás, o Henry Cavill está excelente com a sua personalidade cool e a sua aparência elegante. Ele lembra a maneira de ser glamorosa do Sean Connery e do Roger Moore, mas isso não significa que ele deixa cair o seu personagens num estereótipo barato de um típico espião de um filme de ação. Antes, conseguimos notar que ele tem a uma personalidade própria.
Contrapondo a figura do Cavill, está a rigidez do Armie Hammer que interpreta o seu personagem com um sotaque russo verossímil. Ainda mais, os momentos entre ele e a Alicia Vikander (também excelente; 2015 foi o ano desta atriz) são bastante engraçados. Eu gostei da vilã Victoria, interpretada pela belíssima Elizabeth Debicki.
O filme acaba numa nota aberta que diz que mais aventuras podem acontecer. Infelizmente, esta recente longa de Ritchie não foi um grande sucesso de bilheteira. Numa Hollywood preocupada com a quantidade de CGI que vai utilizar no próximo Transformers, The Man from U.N.C.L.E. revela-se um grande potencial para uma franquia, mas que, lamentavelmente, está a ser desprezado.
Irmãos Desastre
3.5 137 Assista AgoraMilo (Bill Hader) mudou-se para Los Angeles com o objetivo de tornar-se ator, mas parece que nada disso está a dar resultado, já que permanece num trabalho indesejado. Ou seja, profissionalmente, as coisas não estão a correr lá muito bem para Milo. No entanto, a situação agrava-se: a sua vida pessoal também não está bem. Então, Milo está em casa, sozinho, sem atingir sucesso. O que fazer?
A sua irmã gémea, Maggie (Kristen Wiig) está na casa de banho, olhando-se ao espelho. Ela tem numa das suas mãos uns quantos comprimidos. A sua cara abatida claramente indica algo: ela vai cometer suicídio. Todavia, antes de ingerir os malditos medicamentos, ela recebe uma chamada: quem será? Ela atende. É do hospital e informam que Milo está internado por tentativa de suicídio. Ela desliga e vai ao encontro dele. Um reencontro depois de uma década longe um do outro.
Encarando um tema delicado de forma cómica, Craig Johnson realiza um filme equilibrado e emocionante sobre a procura de dois irmãos por uma nova luz na vida. Há um curioso estudo de personagens: Maggie sabe que tem um marido benevolente, simpático e trabalhador (e Luke Wilson faz uma performance agradável ao personificar esta pessoa de bom coração), mas não se conforma e é infiel. Ela diz que ele seria um bom pai, mas não tem coragem de engravidar. Milo vai passar um tempo na casa da irmã. Será que juntos encontrarão alguma felicidade?
Ok, Milo está em decadência pessoal e profissional, por isso está passando por um mau bocado. Mas Maggie parece ter uma vida estável, certo? Quero dizer, tem trabalho, boa casa e bom marido. Então, porque é que se sente deprimida? Será o desgosto de uma vida comum?
A verdade é que estes dois irmãos parecem sentir falta do pai. Este faleceu quando eles ainda eram novos. Aparentemente, os irmãos tiveram uma educação um pouco peculiar. Aliás, os flashbacks que o filme nos apresenta são bastante abertos quanto a isso e a coisa mais concreta que conseguimos ver é o pequeno Milo vestido de rapariga. Outro ponto que conseguimos reparar é que os dois irmãos eram bastante unidos. Mas a questão permanece: quem é aquela figura paterna misteriosa e sempre mascarada?
The Skeleton Twins é uma obra que não nos entrega todas as respostas sobre os seus intrigantes protagonistas. Isso evidentemente não impede que duas das maiores estrelas do Saturday Night Live façam um autêntico espetáculo. Com uma química natural, Bill Hader e Kristen Wiig têm momentos plenamente funcionais tanto na área da comédia como na do drama. E se o hit dos anos '80 Nothing's Gonna Stop Us Now, dos Starship, não é atualmente do vosso maior agrado, pois fiquem a saber que o melhor momento da longa envolve um lip sync entre ambos os irmãos ao som dessa música. A cena é simplesmente arrepiante.
A realização do Craig Johnson é muito competente sobretudo na criação da atmosfera que é coincidente com o estado de espírito dos personagens. Portanto, ele investe em cores frias, espaços minimalistas e filma por vezes os atores no canto da tela, transmitindo o vazio sentido pelas figuras que estão a interpretar. Mas o clima nunca fica demasiado pesado e, antes, revela-se um filme familiar.
O argumento cria situações hilariantes e inteligentes com diálogos engraçados e ao mesmo tempo secos. Há, por exemplo, uma cena que envolve uma conversa entre os dois protagonistas sobre o livro Marley & Me que, para além de ser bastante engraçada, é reveladora quanto ao ser deles.
Com boas atuações, boa realização e um bom argumento com uma abordagem curiosa sobre um tema sempre atual, The Skeleton Twins merece, com certeza, nota positiva.
O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final
4.1 1,1K Assista AgoraCom sequências de ação brilhantemente realizadas, um ritmo sempre entusiasmante, efeitos visuais revolucionários e uma narrativa engenhosa, jamais desinteressante e que nos apresenta constantemente novas surpresas, Terminator 2 é um blockbuster nota máxima e um exemplo primoroso de "sequela melhor que o original": novas ideias e personagens curiosas são apresentadas e a história está mais rica e cativante - para não falar que a técnica mais desenvolvida deixa a experiência ainda mais viva e memorável.
James Cameron surpreendeu-nos ao entregar novamente o protagonismo ao Arnold Schwarzenegger, mas agora com objetivos invertidos. No primeiro filme, T-800 foi enviado para o passado para exterminar Sarah Connor (Linda Hamilton), de modo a impedir o nascimento de John Connor, futuro comandante dos humanos contra a guerra das máquinas. Missão fracassada. Anos depois, John (Edward Furlong) nasceu e é tornou-se um rapaz rebelde. Sarah está internada num hospital, devido às suas ideias do futuro e à destruição da fábrica que finalizou o primeiro capítulo da história. Mas, é enviada uma nova máquina para eliminar John: T-1000 (Robert Patrick), um cyborg mais avançado, praticamente invencível. É então que surge novamente T-800, porém reprogramado para outra tarefa: proteger John.
É incrível notar como Judgment Day supera a primeira longa em todos os aspectos, já que Cameron, para além de estar mais seguro atrás das câmeras, sobretudo na composição visual do seu projeto e na narrativa, tem muitas mais ferramentas à sua disposição. Ele retirou o melhor que tinha da sua equipa técnica (não é à toa que o filme venceu 3 Óscares nesse aspecto: Som, Efeitos Sonoros e Visuais), de modo a construir as mais fantásticas cenas de ação. E nesse ponto, ele tem um controlo muito bom: as sequências são ágeis e absolutamente agradáveis, tendo em conta que a montagem soube quando cortar e os ângulos foram selecionados da forma mais correta.
Porém, uma coisa que Cameron não se limita a fazer nos seus filmes é declarar a qualidade destes só pelos seus grandes efeitos visuais. Não. Para ele, estes são vistos como uma componente da trama. Portanto, ao, por exemplo, adicionar no vilão o facto de que ele consegue restituir-se através de uma composição líquida de metal ou que é capaz de transformar-se em qualquer pessoa, convertendo os seus punhos em grandes lâminas e, assim, assassinando facilmente quem deseja, não só está a expor na tela impressionantes efeitos visuais como também está a intensificar o difícil objetivo da história: exterminar o temível T-1000.
Aliás, esta batalha entre T-800 e T-1000 é totalmente agitante, uma vez que ambos parecem insuperáveis. É simplesmente agoniante vê-los num confronto e Cameron arrasta essa disputa até ao fim. O resultado é vibrante e imprevisível.
Além do mais, o cineasta investiu mais nos atores, com Linda Hamilton a dar um espetáculo ao encarnar a sua personagem com uma nova faceta: Sarah Connor já não é aquela mulher frágil que 'não-sabe-o-que-raios-se-passa"; Sarah Connor é badass. O Schwarzenegger está cheio de carisma (ele conquista a audiência logo na primeira cena em que surge; eu adorei) e tem uma química verdadeira com o Edward Furlong (também muito bem em cena e bastante carismático). Já o Robert Patrick faz uma prestação inesquecível ao transmitir rigidamente todo o poder do seu personagem.
Quando embarquei em Terminator 2 estava com expectativas altas. E elas foram incrivelmente superadas. Um dos grandes filmes de Cameron. Uma experiência arrebatadora, um verdadeiro clássico. O melhor filme de ação da História do Cinema? Não creio. Mas de uma coisa tenho a certeza: não consigo parar de pensar nele.
Velozes e Furiosos 7
3.8 1,7K Assista AgoraA saga The Fast and the Furious é composta por obras que, repletas de sequências de ação com bastante adrenalina e sem muito realismo em que personagens simplesmente não sangram ou, então, deixam apenas pequenas marcas no rosto quando levam valentes coças ou sofrem acidentes explosivos que apagariam qualquer um num instante (para não falar do desregramento "à cara podre" dalgumas leis da física), divertem um público que procura entretenimento para somente passar um bom bocado sentado no sofá a comer pipocas. É, ao fim e ao cabo, bom escapismo.
E esta é uma franquia que, ao conduzir rumo a novas direções, parece estar sempre a melhorar. Se os primeiros filmes eram sobre a cultura tuning e as corridas de ruas, os mais recentes (mais precisamente desde a formidável viragem que aconteceu em Fast Five) assentam numa fórmula mais madura e grandiosa.
Com isso, ao chegar ao sétimo título, percebemos que a franchise já tem uma dimensão imensamente animada. As cenas estão cada vez mais absurdas. Eu vi um carro atravessando três arranha-céus. Eu vi um dos personagens a correr sobre um comboio prestes a cair de um desfiladeiro. Eu vi carros equipados com paraquedas caindo do céu. Eu vi uma luta cheia de destruição entre o Dwayne Johnson e o Jason Statham. Eu vi muita, mas muita ação.
A questão é saber de que lado estás. Se admites este grau de absurdidade, aprecia o espetáculo. Se não admites, corre.
E por ter mais ação que nunca, Furious 7 é, quanto a mim, o melhor filme da saga até à data. Eu apreciei cada momento das sequências como nunca havia apreciado nesta franquia. Isto é entretenimento enérgico e imparável.
E, já agora, a homenagem ao Paul Walker no ato final é de arrepiar. Sim, ele não era o melhor ator do mundo, e depois? Ele, aliás, foi um profissional que nos ofereceu muitas experiências cinematográficas divertidas e emocionantes - vejam, por exemplo, o caso dos ótimos Joy Ride e Hours. Não sei quanto a vocês, mas não consegui conter as lágrimas.
Bronson
3.8 426Lançado um ano antes de Valhalla Rising, Bronson é, com o seu forte teor artístico, uma biografia não convencional sobre Michael Peterson, um jovem britânico que, aos 19 anos, em 1974, após assaltar uma agência de correios, é condenado a 7 anos de prisão. Com o desejo de um dia ser famoso, mesmo admitindo não ter qualquer talento como representar ou cantar, Peterson (que mudaria o seu nome para Charles Bronson; sim, uma forma de prestar uma homenagem ao ator americano com o mesmo nome), viu nas numerosas cadeias por onde passou uma forma de conseguir popularidade. Resultado? Com os seus atos violentos, sobretudo contra os guardas prisionais, o verdadeiro Bronson está preso até hoje e é conhecido como “o prisioneiro mais violento da Grã-Bretanha".
Nicolas Winding Refn fez aqui um retrato vazio, mesmo que eletrizante e estiloso, sobre a atitude questionável do seu protagonista. Aliás, o filme funciona como um estudo sobre a personalidade brutalmente delinquente de um jovem perdido na sua própria natureza. No entanto, ninguém, incluindo o filme, sabe porque é que Bronson comete estes atos, só piorando a sua situação como preso. Será por prazer? Ou será mesmo para simplesmente chamar a atenção? Será que ele realmente gosta de ficar atrás das grades?
Na verdade, Refn insiste em dizer-nos que Bronson está constantemente cercado por um sentimento de aprisionamento (até mesmo quando este está em liberdade) ao, por exemplo, revestir os seus cenários com um papel de parede com linhas verticais que remetem às grades da prisão. Ademais, à medida que fazemos uma nova visita a este filme, notamos cada vez mais a forte presença de linhas horizontais ou verticais. É uma jogada inteligente, obviamente, proposital, por parte do realizador.
E foi interpretando Charles Bronson que Tom Hardy se revelou definitivamente como um dos melhores atores da atualidade. Este foi o seu primeiro grande papel. Numa entrevista ao Movieweb, Refn disse que "(Tom Hardy) tem aquele aspecto de camaleão de transformar-se no Charlie Bronson; transformar-se fisicamente; transformar-se lógica e mentalmente. (...) O Tom Hardy é um daqueles atores que te entrega a alma; ele dá-te o seu "tudo" nas tuas mãos." E este ponto é bastante visível. De facto, ele viveu Bronson da forma mais animalesca possível. Uma performance brutalmente estrondosa, possivelmente a melhor da sua carreira.
E se Drive paga uma homenagem ao primeiro filme do Michael Mann - Thief - através dos visuais com neon, da música eletrónica e do protagonista que se encontra em constante batalha contra a sua própria natureza, Bronson mostra-se como um claro tributo à minha obra cinematográfica favorita: A Clockwork Orange. Música clássica invade a cena quando ocorre uma explosão de violência; os guardas britânicos com as suas fatiotas e os seus bastões contra um delinquente adepto de sangue e pancadaria; a cinematografia do Larry Smith, um autêntico espetáculo de cores, consegue criar uma atmosfera tão peculiar como aquela criada por Kubrick.
Tal como qualquer outra fita do Nicolas Winding Refn, Bronson tornar-se-á, muito possivelmente, um clássico dos filmes de culto. Uma viagem deslumbrantemente bizarra com visuais extraordinários e um tema perturbador, esta longa-metragem é uma experiência memorável.
Nalguns cartazes deste filme, tem uma citação de um crítico que diz: "A Clockwork Orange for the 21st century."
Concordo absolutamente.
Quando Duas Mulheres Pecam
4.4 1,1K Assista AgoraNo decorrer de uma peça de teatro, a atriz Elisabet Vogler (Liv Ullmann) para de falar e isola-se. Exames posteriores dizem que a sua saúde está boa. De qualquer das maneiras, chamam Alma (Bibi Andersson), uma enfermeira jovem, para cuidar da silenciosa doente numa casa à beira de praia. Aí, Alma, achando a sua paciente boa ouvinte, fala abertamente sobre os seus segredos mais íntimos. Então, inicia-se um conflito existencial entre ambas. Vários monólogos e eventuais questões não recebem resposta.
De um dos mais importantes e aclamados cineastas europeus, Persona é possivelmente o filme 80-minutos mais amplo e complexo, na sua abordagem reflexiva, da história do cinema. Falar dele, aliás, é como falar de religião: um debate que duraria horas, dias, semanas, meses, anos. Discuti-lo é como refletir sobre a existência humana: o que somos, quem somos, o que estamos a fazer aqui?
Mas é, sobretudo, acerca daquilo que mostramos ser externamente (a nossa maneira de vestir, o nosso trabalho, a nossa maneira de agir, etc.) versus aquilo que realmente somos por dentro (o que pensamos, o que sentimos).
E é inegável o facto de que Bibi Andersson e Liv Ullman fazem um espetáculo. Os seus momentos são geniais, não só devido à qualidade das suas interpretações, mas devido à maneira como foram perfeitamente fotografados pelo extraordinário Sven Nykvist: aqui os enquadramentos dizem muito e o preto e branco é plenamente aproveitado, reproduzindo momentos belíssimos num jogo de contraste de sombras.
Com um argumento poderoso e uma realização notável, principalmente por criar cenas eternamente memoráveis, Ingmar Bergman fez aqui um grande marco do cinema de autor europeu que, certamente, não deve ser dispensado.
Drive
3.9 3,5K Assista AgoraDrive é poesia.
Um retrato visceral sobre um homem sem nome e o universo que o detém de ser aquele que quer ser. Sobre o desejo desse homem de sair do tenebroso mundo que o rodeia, sobretudo nas noites que, resplandecentes de neon, o sobrecarregam com um pesar de tempo que reforça a sua necessidade de encontrar um sentido para a sua vida. Mas onde pode ele encontrar uma saída que lhe dê esperança, uma luz no fundo do corredor? É quando esta pessoa vê a possibilidade de integrar-se numa família, evitando pensar nos seus atos passados. No entanto, independentemente de tudo, conseguirá ele fugir de quem realmente é?
Driver é o escorpião que pediu ajuda a um sapo para atravessar um rio. Infelizmente, no caminho, picou o amigo sem querer. Ambos se afundaram e morreram. É a sua natureza.
Além do mais, ele é um enigma. Não sabemos o que ele fez no passado. Desconhecemos a sua história. Todavia, sabemos que anseia esquecer os seus actos (e talvez evitar futuros) para começar uma nova etapa na sua vida. Driver é tímido, mas furiosamente silencioso. Portanto, quem quer que seja que interrompa esta sua ambição, acima de tudo agentes que relembram o que já fez, ele agirá da forma que for necessária para impedir que gente intrometa no seu caminho.
Drive é certamente um filme com um forte estudo de personagem, evidenciado por visuais e diálogos que nos dizem quem Driver é. Por exemplo, a cena de abertura representa perfeitamente o ambiente em que ele está inserido e o ser cauteloso que ele é. Depois, o silêncio dele diz muito, através de pequenas expressões faciais e o seu olhar. O Ryan Gosling, aliás, é um mestre nisso, conseguindo transmitir tanto afeição como fúria apenas com os olhos.
Nitidamente, a composição das cenas ajudam nesse aspecto. Com o apartamento de Driver caracterizado por sombras, percebemos a solidão que possivelmente passa diariamente e a necessidade que sente de sair daquela atmosfera. Por outro lado, a residência da sua vizinha é viva e colorida - como uma nova luz libertadora.
A realização do Nicolas Winding Refn é genial. Aqui o suspense é criado através de poucas falas, pouca música e momentos imprevisíveis. O silêncio é o segredo. As cenas de ação só acontecem quando a trama precisa verdadeiramente delas. O enredo não é propositalmente mirabolante para criar situações para que tais sequências ocorram. O Refn sabe que isso não é o mais importante.
Por isso, ao extrair apenas algumas ideias do argumento original, focando-se mais no romance entre Driver e Irene e toda a história de crime que se sucede, o cineasta evitou exposições desnecessárias e subtextos vazios, mostrando-nos apenas o necessário. Os personagens só falam quando têm algo verdadeiramente importante para dizer. Aliás, é incrível o tratamento empregue a cada fala.
Nas mãos doutro realizador, Drive teria sido um provável desastre. O Refn não quis contar-nos uma história de perseguições de carros a toda a velocidade. O Refn quis contar-nos a história de quem conduz esses carros.
E Drive é um filme explosivo, à sua maneira. É um neo noir primoroso, com performances extraordinárias, uma fotografia absolutamente brilhante e uma soundtrack eletrizante - Kavinsky nos créditos iniciais é de arrepiar.
Meditar no silêncio nunca foi tão feroz. Assim é Drive. E, quanto a mim, é já um grandessíssimo clássico. É cinema contemporâneo no seu melhor.
É cinema brutal.
Acima das Nuvens
3.6 400Clouds of Sils Maria é um espetáculo de interpretações proporcionado pelo seu trio feminino: Juliette Binoche personifica uma atriz experiente, Maria Enders, que aos 18 anos desempenhou um papel marcante nos palcos como a jovem Sigrid, uma personagem que na peça de teatro desperta um grande apetite sexual pela sua chefe Helena, levando até ao suicídio desta. Porém, vinte anos depois, Enders depara-se agora com o desafio de desempenhar o papel de Helena; Kristen Stewart é a assistente de Maria (o seu braço direito em tudo, incluindo nos ensaios); e a Chloë Grace Moretz é Jo-Ann Ellis, a nova atriz que representará o papel de Sigrid, um talento de filmes de massas e uma personalidade fortemente presente nas revistas cor-de-rosa devido ao seu comportamento controverso.
Temos aqui uma obra sobre uma protagonista que se sente “obsoleta” perante os tempos culturais em que vive: assume não apreciar filmes de ficção científica/super-heróis, tenta manter distâncias com a mídia e autodeclara-se "clássica e chata" à sua assistente. Com esta descrição, podemos verificar algumas semelhanças com Birdman, já que tanto o filme vencedor do Óscar como Clouds tratam de temas bastante idênticos, embora sejam diferentes em forma e abordagem - aqui não há um tom de comédia negra; antes, este é um drama bem equilibrado e puro.
Para reforçar essa ideia, podemos referir o cenário das colinas suíças, que conferem um tom naturalista e visualmente belo ao filme, as performances plenamente sinceras, a química verdadeira entre a Binoche e a Stewart bem como a realização controlada e subtil de Assayas.
Ademais, Clouds of Sils Maria despede-se da sua audiência numa nota reflexiva e ambígua que tem em conta o irremediável passar do tempo num mundo em constante mudança.
O Jogador
4.0 85 Assista AgoraUma comédia satírica, um thriller sombrio ou um filme que fala de si mesmo, The Player é um retrato engraçado, leve e genial da Hollywood dos anos 1990. E real também. Porque uma coisa que Robert Altman sabia fazer nas suas películas era criar uma ambientação perfeitamente específica para a história que estava a contar. Para quem viu, por exemplo, Short Cuts (lançado um ano depois deste) sabe que a atmosfera rotineira de Los Angeles foi tecida de uma maneira absolutamente verdadeira e cuidada pelo cineasta. O mesmo ocorre com esta longa-metragem: conseguimos "respirar" o ar dos estúdios hollywoodianos.
Tim Robbins - que venceu por este papel o prémio de Melhor Actor em Cannes (Altman ganhou o de Melhor Realizador) - interpreta Griffin Mill, um produtor de cinema que começa a receber cartas ameaçadoras de um argumentista que levou uma recusa deste para avançar com um projeto. O filme não fica por aqui. Há diversas subtramas que envolvem conflitos internos nos sets, um assassinato, um relacionamento amoroso e um interrogatório policial. Tudo isto sempre envolvendo Mill.
Como era de se esperar por parte de Altman, há um estudo de personagens muito bem construído, tornando-os únicos e memoráveis. E, apesar das numerosas aparições de diferentes personalidades, a bandeja não se desequilibra com tanta quantidade. Aliás, a bandeja não se desequilibra com nenhum dos aspectos: por exemplo, o enredo com as suas várias subtramas jamais fica sem coesão. Atualmente, são raros os filmes que não se perdem no seu próprio universo, sobretudo quando há muitas personagens ou histórias em jogo. Vejam o caso (sim, refiro mais uma vez) do Short Cuts: três horas lindamente consistentes "protagonizadas" por mais de 20 personagens!
Para o público cinéfilo, The Player é uma experiência muito agradável. Estamos a falar de um bom filme que fala sobre bons filmes. Autênticas referências que nos diz o que estamos a ver - mencionar o Touch of Evil do Orson Welles no plano-sequência inicial foi genial.
Ora bem, performances excelentes, realização vivaz e um argumento bem elaborado, fazem de The Player um dos melhores filmes de culto dos anos '90.
Que Horas Ela Volta?
4.3 3,0K Assista AgoraMuito mais que cinema benfeito, Que Horas Ela Volta? propõe considerações acerca das desigualdades numa sociedade que é altamente hierarquizada e definida. Aqui é abordada a eterna relação entre empregados e patrões, criticando a natureza das palavras "És parte da nossa família"; "Vives na mesma casa, mas não dormes nos quartos onde dormimos, não comes quando e onde comemos e não usas as coisas que usamos".
Eis a história da doce criada Val (Casé), que mora onde os "chefes" moram e cuida do filho deles como se fosse o seu. Algo muda com a chegada de Jéssica (Márdila), a sua filha.
Nasce, então, toda uma a reflexão sobre a condição de Val enquanto empregada, tendo em conta a perspectiva da sua filha. Segura de si, esta última parece provocar um certo clima inquietante quando entra em cena, desafiando aqueles que são os "superiores" da sua mãe. Ganhando confiança, ela faz coisas que jamais a sua progenitora foi alguma vez capaz de fazer em tantos anos de serviço - come aquilo que eles comem (o gelado representa a tentação) e usa o que eles usam (a piscina situada na mansão é uma forma de liberdade para aqueles que recebem deveres). No entanto, para Jéssica, não há padrões hierarquizados na sociedade, querendo seguir outro rumo. Afinal, como refere a personagem da Karine Teles: "O país está mudando."
Há performances estrondosas - Regina Casé, numa das melhores atuações femininas de 2015, dá vida a Val de uma maneira puramente humana; Camila Márdila é um novo talento que tem de necessariamente aparecer em mais filmes (ela está nas cenas mais intensas); Karine Teles é absolutamente brilhante ao ser passiva-agressiva; Lourenço Mutarelli é sensacional ao interpretar um personagem complexo e curioso (o vazio do seu ser, o desejo de fugir: sim, aquela cena não era brincadeira nenhuma); Michel Joelsas, bom ator, sim senhores, mas faltou intensidade na sua interpretação e uma maior exploração do seu personagem.
Realizadora muito mais que competente, Muylaert faz planos inteligentes e memoráveis (ajuda da cinematografia limpa e objetiva da Barbara Alvarez; a cozinha vem à cabeça: lugar bastante significativo). Temos aqui um argumento muito bem escrito e estruturado. A montagem é ágil e o clima bem definido.
Ou seja, Que Horas Ela Volta? é bom cinema. Além do mais, faz-nos pensar sobre um tema relevante. Temos aqui um bom drama brasileiro que, certamente, não deve ser esquecido.
Irmão de Espião
3.1 153 Assista AgoraImaginem um personagem criado pelo bichinho pensante do nada polémico e berrante Sacha Baron Cohen enfiado num spy movie cheio de engenhocas, tiroteios e explosões. Assim é este seu projecto. Se acham engraçado um adepto de futebol fanático que tem uma dúzia de filhos, metido numa trama à la James Bond, sem saber como reagir ou o que fazer (puro improviso de um hooligan que só quer recuperar o afeto do irmão [Mark Strong interpretando quem sabe interpretar] que já não via há muito tempo, inserindo-se no mundo deste - o MI6), então, em princípio, podem desfrutar de uma pequena parte de Grimsby.
Pessoalmente, há muito que admiro o trabalho de Cohen, não só pelo seu tipo de humor satírico, como por ser um comediante sem escrúpulos. O conceito de "politicamente correto" é completamente inexistente para ele.
Infelizmente, Grimsby é o pior trabalho do ator e guionista. Nobby, o personagem que aqui interpreta, é a sua personificação mais esquecível e menos original. E para este indivíduo interpretar as suas figuras fictícias é pouco. Ele tem que as viver! E este Nobby parece uma fusão fracassada de todos os seus outros personagens - o gangsta' ignorante Ali G, o inocente Borat, o extrovertido e provocante Brüno e o tirano sexista Admiral General Aladeen. Sim, sim, a sua performance neste filme ainda provoca algumas gargalhadas aqui e acolá, porém, na maior parte das vezes, não é por ser quem ele é, mas sim pelas ações que ele apronta.
E essas ações, meu Deus. Não se iludam! Lá por não ser o sr. Larry Charles sentado na cadeira de realizador não significa que Grimsby seja mais "levezinho". Muito longe disso, Baron Cohen continua com o seu humor negro, controverso, arriscado e sem limites de aceitação, e idealiza situações puramente escatológicas, chegando ao seu máximo numa cena que envolve elefantes.
Isto posto, é engraçado notar que quem está agora atrás das câmeras seja um cineasta que nunca fez uma comédia - Louis Leterrier (vocês conhecem-no do Clash of the Titans e/ou do The Incredible Hulk com o Edward Norton). Eu até gostei do seu trabalho anterior a este (Now You See Me), apesar das fortes influências ao estilo do Christopher Nolan na questão de contar a história, mas aqui, mesmo com alguns planos curiosos em primeira pessoa, ele está em modo automático, ou seja, à mercê das ideias malucas do argumento. Mesmo assim, inegavelmente, Leterrier mostra-se sempre competente na criação atmosférica do universo dos "filmes de ação". Ah, e tem piada vê-lo tão "saidinho da casca".
Todavia, mesmo depois de algumas gargalhadas, no final, Grimsby soa fraco. Como admirador do trabalho do Sacha Baron Cohen, posso dizer que ele já esteve em melhor forma, tanto como ator quanto como escritor. Dono de comédias inesquecíveis, Cohen fez aqui o seu filme mais decepcionante e dispensável. Por infelicidade, a qualidade tende a diminuir. Borat foi muito engraçado. Brüno foi engraçado. The Dictator teve alguma piada. Grimsby, por vezes, fez-me rir. Por favor, Sacha, para à próxima não me obrigues a dizer: tal filme "tentou" fazer rir. Será triste.
Anjos da Lei 2
3.5 748 Assista AgoraMantendo a mesma energia e diversão do seu antecedente, 22 Jump Street, para além de revelar mais uma vez que Channing Tatum e Jonah Hill têm um excelente timing cómico, é uma sátira ao mercado das sequelas hollywoodianas que, através da metalinguagem, faz troça de si mesmo. O melhor é que funciona impecavelmente e o resultado é hora e cinquenta com muitas gargalhadas.
Desta vez, não há um grande "desta vez". E é aí onde se encontra sua inteligência. A premissa principal do filme é igual à do primeiro: a parelha Schmidt e Chenko infiltram-se novamente numa escola para descobrir quem é o fornecedor de uma nova droga ("Infiltrate the dealers, find the supplier.", justamente o mesmo diálogo), porém com uma diferença de local - a universidade. Ainda mais, a amizade de ambos é posta à prova quando Chenko encontra a sua "alma gémea" e ambos seguem caminhos distintos.
Então, este segundo filme reforça a química e dá a entender a verdadeira relação entre ambos - e Hill e Tatum conseguem transmitir perfeitamente essa ideia de bromance. Tal como no primeiro, os momentos entre ambos são puramente engraçados, reforçados não só pela sua união acreditável, como por serem excelentes comediantes.
Referindo ainda o trabalho do elenco, há um destaque para o Ice Cube que tem maior importância na trama desta vez. Ele simplesmente rouba a cena em todas as vezes que aparece. Inclusive, ele tem uma que é de rir até doer a barriga (envolve um buffet; não digo mais). A Jillian Bell também está ótima, sobretudo quando a atriz exibe outra faceta.
As sequências de ação continuam animadas e combinam muito bem com o humor do filme, chegando ao seu ápice quando se instala todo o clima fervoroso e colorido do spring break.
Embora mereça todas as palmas por não ser uma típica sequela que fracassou, 22 Jump Street não chega a ser superior ao seu precedente, mas também não chega a ser inferior. A sensação que tenho agora é que gosto dos dois de igual maneira. E se o terceiro chegar e mantiver a mesma qualidade, sinceramente, não haverá motivo para protestos.
O Labirinto do Fauno
4.2 2,9KCertamente, El laberinto del fauno não é para o público infantil, mas é engraçado que Guillermo del Toro conte a sua história como se estivesse a transmiti-la a uma criança. É uma fábula fascinante, porém ao mesmo tempo sombria e violenta, sobre uma menina chamada Ofelia (Ivana Baquero), que adora contos de fadas e que um dia, em 1944, descobre por um fauno que é uma reencarnação de uma princesa que escapou do submundo mágico. Este acontecimento ocorreu na sua "nova casa": o acampamento militar comandado pelo seu sádico padrasto (Sergi López).
Cedo percebemos que del Toro quer narrar duas histórias paralelas: temos a fantasia do percurso de Ofelia e temos o retrato brutal do modo de vida do acampamento, onde a situação de várias personagens é explorada: a do capitão Vidal perante os rebeldes republicanos, a da empregada Mercedes (Maribel Verdú) e a da mãe de Ofelia (Ariadna Gil) que a qualquer momento pode entrar em trabalho de parto. Muito facilmente, o filme poderia ter caído numa desastrosa inconsistência narrativa, visto que misturar contos de fadas com mortes brutais não combina. Mas o cineasta tem um controlo absoluto quanto a isso, expondo a violência e o terror nos dois universos.
Para além de equilibrar bem esta bandeja, del Toro soube organizar perfeitamente a estrutura narrativa do seu projecto, dividindo ambas situações de maneira ágil e eficaz. O filme jamais fica enfadonho, conseguindo aterrorizar constantemente a audiência, tanto pela forma das criaturas fabulosas como pelo modo animalesco do capitão Vidal agir. Aliás, Sergi López faz uma atuação soberba ao reencarnar convincentemente todo o espírito sádico do seu personagem, conseguindo provocar ódio ao espectador.
Mas não é só ele que se destaca. El laberinto del fauno é uma obra rica em performances. Ivana Baquero, como a protagonista, revela-se extremamente talentosa ao conseguir transmitir toda a fascinação que tem pelo universo mágico. Doug Jones, por sua vez, confere uma vivacidade verossímil aos seres mágicos, assim como Álex Angulo que faz uma representação sincera como o Dr. Ferreiro. E se Ariadna Gil presta uma interpretação digna de palmas como a sofredora mãe de Ofelia, Maribel Verdú é sensacional ao personificar a empregada Mercedes com pureza e insegurança, chegando ao ápice do seu desempenho nos momentos em que é confrontada por Vidal.
Impressionante, também, é o facto de que El laberinto del fauno é uma obra cinematográfica primorosa em todos os aspectos. O que dizer, por exemplo, da fotografia brilhante do Guillermo Navarro, da excepcional direção de arte ou de toda a conceção memorável das criaturas, áreas estas reconhecidas merecidamente pela Academia? Guillermo del Toro, com o suporte da sua fantástica equipa, dá forma ao seu projeto da maneira mais extraordinária possível. E, por isso, a conceção visual deste filme é totalmente fascinante.
Claramente, El laberinto del fauno é uma das obras de fantasia mais inesquecíveis do cinema contemporâneo. Com uma abordagem triste, porém imaginativa, face à realidade do nosso mundo, Guillermo del Toro apresentou-nos uma grandiosa experiência cinematográfica.
O Garoto da Casa ao Lado
2.5 615 Assista AgoraEu adoro ver cinema com a minha família. De vez em quando, mostro aos meus pais alguns dos meus filmes preferidos. Por exemplo, há uns tempos atrás, mostrei-lhes o The Departed do Martin Scorsese, e a reação da minha querida mãezinha foi de choque! Achou um completo absurdo *(spoiler) o facto de que todos morrem no final.* E vamos lá admitir, rever o The Departed com alguém que nunca o tenha visto é absolutamente engraçado - tem piada ver como as pessoas reagem à reviravolta do desfecho.
Noutras vezes, é a minha mãe que escolhe um filme para vermos. Foi numa noite chuvosa, em que éramos capazes de ouvir o bramir dos trovões, que a minha linda mãe escolheu um thriller totalmente assustador - The Boy Next Door. Não sei porquê, mas naquele momento não consegui recusar aquela proposta. Seria do frio? Teria mesmo vontade de vê-lo apesar de todas as críticas negativas? O que seria!? Não interessa, porque, de qualquer maneira, respirei fundo, sentei-me gelado no sofá e enfrentei o colossal desafio.
Quando os créditos finais surgiram, a tempestade tinha ficado ainda mais violenta. Teria Zeus visto o filme conosco e ficado irritado? A minha mãe, já um bocado sonolenta (afinal de contas, esta sessão ocorreu depois do jantar), olhou para mim e perguntou-me: "Vá lá, não foi mau, pois não?". A minha vista estava concentrada nos tristes nomes que passavam nos créditos (como é que tanta gente se junta para fazer uma coisa destas?). Finalmente, depois de sete, oito segundos, disse: "Foi horrível... Mãe, amo-te".
Há uns meses atrás, vimos um filme com o John Travolta realizado pelo Harold Becker - Domestic Disturbance. Embora benfeita, a longa-metragem mostrou-se bastante cliché. É um daqueles típicos thrillers domésticos em que no final o psicopata invasivo que perturba os membros da casa é morto pelo herói (geralmente o pai). Um daqueles que acaba com um plano aberto mostrando as sirenes da polícia, das ambulâncias e, nalguns casos, dos bombeiros à entrada da residência onde havia decorrido toda a ação. Fez-se muitos filmes destes sobretudo nos anos 1990 e 2000. Meras obras cinematográficas previsíveis que ficam melhor se vistas na TV. Após o filme ter terminado, recordo-me de ter dito algo como: "Retirando alguns telefilmes, ainda bem que já não se faz filmes destes".
Ao visualizar The Boy Next Door, percebi que estava enganado, porque ele veio comprovar que, sim, ainda se faz aquele tipo de filmes. Esta história de uma obsessão sexual entre um jovem (Ryan Guzman, mau) e uma professora de literatura clássica (Jennifer Lopez, má, como de habitual) faz uso de quase todos os clichés imagináveis do género: por exemplo, temos um típico adolescente desajeitado que é apaixonado pela "rapariga mais bonita da escola" e que é gozado por uns skaters todos rebeldes (a mentalidade destes filmes é sempre a mesma. Andar de skate significa ser mau. Fascinante.); temos o pai separado que leva o filho de férias e, devido a esse acontecimento, este último começa a questionar com quem realmente quer ficar; e temos o vilão que no início transmite uma certa confiança à audiência e aos personagens que o rodeiam, para depois mostrar que é, na verdade, um ganda filho da mãe; ah, e temos o final... com sirenes.
Homero não merecia que a sua obra fosse utilizada como referência neste objeto cinematográfico abominável. É que o filme nem tem a decência, apesar das suas velhas banalidades, de fazer algo minimamente razoável. O Rob Cohen, que por si só já é um realizador de fitas dignas de desprezo (a sua "aclamada obra-prima" é o primeiro filme da saga The Fast and the Furious), está-se simplesmente nas tintas quanto ao resultado final do seu filme. Ele deve ter olhado para o mau argumento da Barbara Curry (se é que ele sabe ver o que isso é) e ter dito: "Que se lixe. Os números do salário obrigam-me a aceitar".
Como se não bastasse o enredo ser um constante déjà vu, a execução é péssima. E já que estamos a falar de uma trama que consiste numa obsessão sexual, Rob Cohen, para não deixar este seu triste projeto demasiado curto, abusa na duração das cenas de sexo. Ainda mais, estas soam absolutamente desnecessárias. A história seria a mesma se os responsáveis pela edição tivessem cortado todas essas cenas, mostrando apenas os dois a se deitarem e a acordarem no dia seguinte. Mas não! Alguém tinha que fazer concorrência com Fifty Shades of Grey, afinal! E ninguém pode negar que ver estes episódios com os nossos pais é uma sensação terrivelmente embaraçosa. Em compensação, tinha a desculpa de que não fui eu que escolhi o filme.
Mesmo assim, aqui vai um elogio ao velho ator Jack Wallace que interpreta de forma sincera o seu insignificante e descartável personagem (que só foi posto na história para dizer: "Ei, nós queremos que vocês acreditem que o mau da fita não é "mau" de todo, OK? Quero dizer, ele cuida do seu tio doente! Sim, esta é a nossa justificação para a mudança de residência do psicopata! Não queríamos que ele fosse um mero jovem rico que comprou uma grande casa. Não seria credível! Temos de usar os clichés mais podres nisto! Yah."). Já agora, o susto do velhote é a melhor cena do filme.
(Apesar de tudo, querida mãe, mesmo que escolha a obra cinematográfica mais enfadonha, desastrosa e detestável, adoro ver cinema consigo. A presença da família justifica todos os crimes cometidos por um cineasta.)
As Pontes de Madison
4.2 839 Assista AgoraQuando pensamos no Clint Eastwood, que imagem nos vem à memória? Quais foram os papeis mais marcantes deste ícone do cinema? Particularmente, os primeiros filmes que vi com ele foram os imortais Spaguetti westerns do Sergio Leone, nomeadamente a trilogia dos dólares realizada nos anos 1960. Na minha cabeça, Eastwood logo se afirmou como uma figura máxima do estatuto macho man. Fiquei a pensar que se encontrasse alguma vez o indivíduo na rua, começava a tremer como um camelo na Antártida. Afinal, estamos a falar do homem sem nome, e com ele não se brinca!
Jamais imaginei que tal exemplar fosse capaz alguma vez na vida de fazer, sei lá, uma história de amor, e se um dia fizesse uma, onde estaria a credibilidade para desempenhar tal coisa? Quero dizer, estamos a falar do mestre do Bang Bang à italiana, estamos a falar do Dirty Harry! Mas, se "mergulharmos" agora na sua filmografia, vemos coisas completamente incompatíveis e inimagináveis se o compararmos com aquela personalidade que estabeleceu na História do Cinema - o de cowboy a ser temido caso marque presença.
A verdade é que Clint Eastwood sabe contar histórias emocionantes (A Perfect World, Million Dollar Baby, onde ele esteve muito bem). Porém, há sempre um receio quando este não se limita apenas a ficar atrás das câmeras, pretendo também atuar como um dos protagonistas destes dramas ou romances. A questão quando ele se aventura nisto é: saberá ele assumir este tipo de personagens? Não será embaraçoso vê-lo desta forma?
The Bridges of Madison County marca o provável ápice desse desafio consideravelmente arriscado. Aqui, o Clint Eastwood interpreta Robert Kincaid, um fotógrafo que trabalha para a National Geographic, que, perdido em Illinois no verão de 1965, para na residência de Francesca Johnson (Meryl Streep) para pedir direções para a Roseman Bridge. Esta mulher é uma dona de casa que se depara sozinha durante quatro dias, enquanto o seu marido (Jim Haynie) e os seus dois filhos (Sarah Kathryn Schmitt e Christopher Kroon) estão fora. A partir daí, a relação entre ambos se desenvolve, a ponto de que no quarto dia o desespero instala-se (é uma coincidência dos diabos que o Richard Linklater tenha elaborado, no mesmo ano, um enredo parecido com o excelente Before Sunrise, tendo também como protagonistas um americano e uma europeia).
Inesperadamente, o Eastwood aclama uma versatilidade absolutamente credível. Ele soube encarnar sem problemas o viajante apaixonado sem parecer demasiado forçado. A Meryl Streep, inegavelmente, ajudou nesse processo. Para além de fazer, como de habitual, uma interpretação soberba, sabendo viver perfeitamente a personalidade da doméstica através de pequenos gestos, expressões faciais e tom de voz, a atriz tem uma química bastante verossímil com o Eastwood. Com os seus olhares, ambos convencem perfeitamente como um casal apaixonado.
Na realização, o Eastwood não está muito chamativo - isso porque a história nem o exigia. Porque aqui o que verdadeiramente compensa é o ótimo argumento do Richard LaGravenese, onde cada diálogo se mostra um passo à frente na história, e as performances sinceras dos atores principais, que jamais deixam o filme cair num sentimentalismo barato e difícil de ser digerido. Por estes motivos, The Bridges of Madison County assume-se como um dos melhores trabalhos da filmografia de Eastwood.