Você é o seu trabalho, seu nome é o seu trabalho. Então faça seu trabalho. Suprima sua ansiedade com fones de ouvido e crie uma série de manias e processos que acabam por despersonalizar a si e todos em volta.
Tudo isso na esperança de um dia chegar lá: no papel de quem paga, não quem executa.
No fim, o "assassino" é só mais uma engrenagem, um cara tentando não ser engolido pela máquina de moer gente que é o capitalismo.
A ideia de ambientar uma história sobre o início do crime organizado em um cenário de velho oeste é ousada por si só, mas o Scorsese não só se aproveita dos artifícios desses dois subgêneros (faroeste e filme de máfia), como subverte suas convenções ao deslocar o homem branco do centro da narrativa.
É muito impactante a violência aqui: é crua, rápida, seca e frontal. Porque o que ele busca não é a estilização, os grandes embates e tiroteios do velho oeste, mas justamente um abandono desse aspecto idealizado do passado, dando luz à um mundo onde os tiros são dados pelas costas do oponente e onde o homem branco não cansa, não para e não é responsabilizado pela violência histórico-cultural contra minorias que buscam apagar em nome do capital.
Ele é quase todo filmado com um sadismo, uma crueldade que te deixa impotente e faz você se sentir como cúmplice do complô contra a Carrie. Mas o que dói de verdade é quando ele opta pela inocência e filma tudo como se fosse um romance maravilhoso, que te faz acreditar em um final feliz. Simplesmente cruel.
Se Lynch, quando filma Cidade dos Sonhos, entende o cinema como uma ferramenta capaz de materializar nosso subconsciente, as irmãs Wachowski enxergam no cinema a capacidade de materializar... bem, praticamente tudo.
Não tem como desprezar todo o subtexto filosófico e social do filme, mas, caralho, pra mim Matrix fala justamente sobre o cinema: a imersão da narrativa, o poder da imagem.
"O que é real?", pergunta Morpheus em determinado momento do filme. Ali, a resposta é “nada”. A Matrix é uma mentira, bem como o cinema. E é por isso que a encenação do filme é uma maluquice - no bom sentido: passa pelo sci-fi, horror, filme policial, de kung Fu e até faroeste. Porque em Matrix - ou NA Matrix - tudo é possível.
Quem diz que o filme envelheceu mal não entendeu porra nenhuma.
É um filme que não só conta uma história, mas entende o cinema como uma ferramenta capaz de materializar tudo quanto é elemento e símbolo presente no nosso (sub)consciente. Não só no sentido da resignificação da imagem em si, mas também na fragmentação e estruturação da nossa mente. Experimenta uma porrada de coisas narrativamente, sem esquecer do desenvolvimento dramático.
É um documentário que não se interessa só em apresentar os fatos, mas que utiliza a linguagem cinematográfica pra demonstrar a opressão que sofrem os protagonistas. Indivíduos que, a priori, parecem não estar cientes da própria relevância política - e a maneira que trabalham isso no filme, através do protagonismo, é fascinante -, mas que, pelo olhar, transmitem todo peso dessa resistência silenciosa. Filmaço
Vou bancar o advogado do diabo aqui: o filme é tão autoconsciente que reconhece o quão vagabunda é toda a trama e seu desenvolvimento dramático, por isso vai por um caminho mais exagerado e maneirista possível. Tudo é tão over e sem vergonha, que no fim a experiência é muito mais rica do que se o Joe Wright tivesse optado por uma direção mais formal tentando emular um suspense sóbrio a la David Fincher, por exemplo
Diretor dos dois filmes que encerram a recente trilogia do Planeta dos Macacos, Reeves é um autor que claramente prefere abordar a grandiosidade do blockbuster sob uma perspectiva mais intimista: se em “Planeta dos Macacos — A Guerra”, o diretor renega o confronto mais direto ao transformar seu filme em uma espécie de faroeste moderno — que está mais interessado na batalha espiritual, do que física, de seus personagens -, em The Batman ele renega a ação e aventura implícita no blockbuster super-heróico contemporâneo e o transforma em um neo-noir que parece ter saído diretamente do final dos anos 90.
É fascinante perceber como Reeves encaixa os personagens clássicos, e alguns artifícios dos quadrinhos, em arquétipos pré-estabelecidos do noir: o protagonista desiludido, frio e moralmente questionável, a femme fatale que o conquista e o manipula, e a narração em off. Tais elementos funcionam não só como iconografias do gênero, enriquecendo a experiência estética do filme, mas complementam a narrativa de maneira orgânica. É mérito dos realizadores, também, a concepção de um enredo que não está muito interessado na identidade secreta do assassino: pouco importa o alter ego do Charada, o que interessa ao filme é justamente mostrar como o passado e, principalmente, o ecossistema de Gotham age como gatilho para figuras quebradas e guiadas pela violência.
Mas, no cinema, de nada adianta uma boa narrativa se não há uma visão autoral e específica para traduzi-la imageticamente. E é justamente no “olhar” que The Batman brilha. O cinema, no geral, é concebido por três tipos de olhares: do diretor para o que é filmado, do personagem para trama, e o nosso, como espectador. O prazer do espectador — ou escopofilia — está em observar sem ser observado: um voyeur numa posição de segurança. E, segundo a teórica Laura Mulvey, esse prazer, historicamente, é construído para o olhar masculino. Com esses conceitos em mente, o que Matt Reeves propõe, para mim, é uma desconstrução do Batman através da subversão dessa dinâmica: o protagonista olha para o todo de uma posição segura, privilegiada e norteada pelo fetiche masculino. A começar pela câmera (o olhar do autor para o que é filmado), que raramente enquadra o Batman de um ângulo mais baixo, uma convenção que serve para engrandecer a figura em tela. Pelo contrário: em uma de suas primeiras aparições, logo após ver o Batsinal pela primeira vez, Batman é filmado de cima para baixo, diminuído pelo peso que seu legado representa. A escolha do diretor em utilizar majoritariamente lentes teleobjetivas, com uma profundidade de campo reduzida, também reforça a opressão do protagonista e funciona como a representação de sua visão limitada: seja ela na investigação dentro da trama, ou sua percepção social daquele mundo.
É interessante observar, também, como todas as interações entre o Batman e o Charada são mediadas por uma superfície fina e transparente: primeiro a tela do celular, depois a vidraça de uma cafeteria e então o vidro blindado de uma sala de visitação. Isso aproxima os personagens, mas nunca os situa no mesmo espaço, em par de igualdade. Já na visão do personagem, o maior exemplo dessa desmonte do Batman consiste em toda sua dinâmica com a Mulher Gato: da primeira aparição de Selina, enquadrada por uma câmera que primeiro se interessa por suas pernas, até a sequência em que é utilizada como isca — e que Matt Reeves constrói de maneira brilhante ao nunca apresentar o ponto de vista da personagem, apenas a imagem mediada pela câmera do dispositivo colocado em seus olhos — o que sempre vemos é a visão de Batman, em um local seguro e privilegiado, numa visão distorcida de justiça. Todo esse conceito —presente principalmente nessa sequência — acaba por violentar a nossa relação com o protagonista e, consequentemente, com o próprio filme, nos fazendo questionar a moralidade desse voyeurismo e nos convidando a abandonar essa posição segura de espectador para imergir na sujeira de Gotham City.
E se, ao longo do filme, somos constantemente lembrados do caráter dúbio do Homem Morcego, Reeves é perspicaz ao trazer a redenção do protagonista através de um simbólico batismo: quem desce às águas, literalmente, é a figura que busca um legado de medo, violência e principalmente vingança, mas quem retorna é outra, que entende sua posição de poder e se interessa por uma abordagem mais empática de justiça.
The Batman é um filme que, por ser guiado pela subjetividade, integra o espectador de maneira ímpar em uma Gotham City dominada por uma visão masculina e fetichista que, através das lentes de Reeves, oprime, isola, escrutina, desorienta e rompe a posição segura do observador (audiência ou protagonista), ao mesmo tempo que questiona a conduta e a moralidade de um dos heróis mais aclamados da cultura pop.
É uma velha estratégia de criação de roteiros – e histórias, no geral – a implementação de uma condição física como metáfora para uma deficiência emocional, ou de caráter, de um personagem. Em Chinatown, por exemplo, criminosos cortam o nariz de Jack Nicholson pois o personagem está realizando uma investigação e “metendo o nariz” onde não deve. Portanto, quando o protagonista d’O Som do Silêncio começa a perder a audição, isso pode significar muito mais que um simples estímulo inicial da trama.
O filme conta a história de Ruben, um baterista e ex-usuário de drogas que descobre estar perdendo a audição e precisa lidar com o fato de que sua rotina passará a ser preenchida pelo completo silêncio. Encorajado pela namorada, Lou, Ruben entra para uma comunidade de surdos, no intuito de aprender um pouco mais sobre sua nova condição.
No texto sobre Os 7 de Chicago, comentei sobre como muitas vezes valorizamos mais os aspectos literários de um filme do que seus aspectos cinematográficos, mas é impossível falar d’O Som do Silêncio sem comentar a qualidade de seu texto. Escrito pelo diretor Darius Marder e seu irmão Abraham Marder, o roteiro não procura reinventar a roda, buscando concisão e um desenvolvimento linear para o personagem que, conforme sua condição, está em constante mutação. A trama do filme não é composta por acontecimentos extremamente dramáticos ou conflitos inevitáveis, que fogem do controle do protagonista. Muito pelo contrário, todos os dilemas de Ruben são independentes dos indivíduos ou situações que o cercam, são conflitos internos que, apesar do protagonista não acreditar, já estavam lá muito antes da perda de sua audição. Ela é apenas um agravante, simbolizando sua dificuldade de sociabilidade, busca constante por pertencimento e, principalmente, sua autoaceitação.
Mas todas essas qualidades não valeriam de nada se Darius Marder não soubesse traduzi-las para a tela. Em sua estreia na direção, ele se utiliza da mesma máxima que guia seu desenvolvimento dramático e opta por uma abordagem mais naturalista. Não há uma hiperestilização de espaços, ou uma dramatização excessiva por parte das personagens, as coisas simplesmente são como são. As atuações são marcantes – e minhas favoritas nas categorias que concorrem – justamente por não apelarem para composições excessivas, como choros exagerados, gritos e discussões acaloradas – e o último diálogo entre Ruben e Joe é brilhante nesse aspecto. Também é louvável a maneira com que o background dos personagens é apresentado, através de sugestões que, mesmo não tão sutis, deixam as lacunas certas a serem preenchidas pelo espectador, como as marcas de cortes nos braços de Lou, ou a tatuagem nas costas de uma das personagens que cruza o caminho do protagonista.
Há, sim, uma sensação de lugar comum que permeia a obra. Este não é um filme que conta com uma trama, personagem ou direção atípicos. O que talvez o diferencie do restante dos filmes da temporada, por exemplo, seja a imersão que ele propõe. A câmera é um instrumento que, ao mesmo tempo, oprime e liberta o personagem, nunca se desvencilhando de Ruben. Estamos sempre colados em seu rosto ou observando por trás de seus ombros, e quanto mais perto estamos, melhor entendemos sua nova realidade — a comunidade, a priori, é um ambiente intimidador e a dificuldade que Ruben tem para se comunicar é passada para o espectador através da falta de legendas nos diálogos compostos pela ASL (linguagem de sinais americana). Mas é só quando o som desaparece – suprimido por um ruído constante, incômodo e grave – que somos inundados com uma carga de empatia avassaladora. O ruído representa não só a progressão da surdez de Ruben, mas também sua inquietude emocional, e é muito interessante observar como ela gradualmente diminui quando o protagonista passa a se integrar na comunidade, mas volta mais forte depois da virada do segundo para o terceiro ato.
Essas pequenas incursões dentro da vivência de Ruben exploram a linguagem cinematográfica dando equilíbrio para uma obra que, sem muitas pretensões, deseja contar uma boa história sem apelar para o excesso. Encerrando o filme em uma sequência memorável, Darius Marder faz uma escolha simples e poética, que traduz perfeitamente a evolução de seu protagonista e faz uma rima de sensibilidade ímpar com a cena de abertura do longa.
Há tempos que Bela Vingança – indicado ao prêmio de melhor roteiro original no OSCAR 2021 – figurava na lista de roteiros promissores nunca comprados por Hollywood. A situação só mudou quando Margot Robbie, a Arlequina de Aves de Rapina, ficou sabendo da cena de abertura do filme e decidiu produzi-lo. Não é de se admirar que ele tenha chamado a atenção da atriz e produtora que, extremamente engajada em causas sociais, viu na trama uma protagonista forte que bota em cheque e se vinga da misoginia velada no dia a dia.
O filme conta a história de Cassie, uma jovem que após um acontecimento traumático, largou a faculdade de medicina e voltou para a casa dos pais. Agora, perto dos 30 anos, ela decide se vingar de predadores sexuais que se aproveitam das mulheres bêbadas em baladas.
Uma das maiores qualidades do filme é a subversão proposta por Fennell. Apesar de possuir em mãos um arco dramático que discute uma pauta séria e pesada, a diretora prefere banhar o filme com uma visão ironicamente adorável e caricata: os espaços ocupados por Cassie são aconchegantes, bem iluminados e banhados de tons pastéis que dão uma sensação acolhedora. Seu figurino é moderno e sexy, mas que estranhamente flerta com uma estética infantilizada, e os personagens são, em sua maioria, maniqueístas.
Fennell veste sua história trágica com uma estética adorável (Foto: reprodução) A própria protagonista remete ao fetiche masculino de uma mulher pós-moderna forte, que transita entre ser uma menina encantadora e uma mulher mal-humorada. Carey Mulligan, uma das favoritas ao prêmio de melhor atriz, está excelente e se diverte no papel de Cassie. A atriz abraça a caricatura quando precisa capturar e punir seus algozes – e é divertido observar a facilidade com que ela se transforma apenas com a mudança do timbre de voz ou um sorriso de canto de boca – mas é eficiente ao demonstrar a fragilidade emocional da personagem com seus olhares perdidos e explosões de raiva.
Toda essa extravagância e cinismo funcionam, no fim, quase como escolhas sutis, visto que a visão mais genérica e evidente possível seria, justamente, escancarar de maneira exageradamente dramática os absurdos de tais construções sociais. Portanto, nessa ótica ambígua, quando Fennell faz Cassie se apoiar no balcão da cafeteria em que trabalha e cuspir no café de um cliente que flerta com ela, a diretora está não apenas satirizando o arquétipo masculino de mulher forte, mas também desconstruindo-o em prol do desenvolvimento de sua protagonista.
E isso nos leva ao principal problema do filme.
Apesar de Bela Vingança operar sob essa lógica irônica e satírica, ele nunca suja realmente as mãos. É até incoerente que um filme que opta por se utilizar de estímulos cinematográficos tão imediatos – a trilha sonora pop, a montagem rápida, os diálogos incisivos filmados em enquadramentos expressivos banhados de cores intensas – nunca se entregue plenamente à sua violência temática. A iminência presente em todas as sequências envolvendo os episódios com predadores sexuais nunca é concretizada. E por mais que o clímax envolva uma situação cruel e desesperançosa, o fim do terceiro ato quebra essa construção niilista e reforça a ingenuidade do roteiro, que se entrega à uma resolução tola e previsível.
A ambiguidade proposta por Emerald Fenell é excepcional. Sua visão lúdica aposta em uma estética pop mordaz sem deixar de lado o potencial crítico de seu texto. O problema é que toda essa “sutileza” do exagero presente na narrativa soa meio vazia quando comparada ao desfecho inocente de seu arco dramático.
No cinema, há o conceito de “decupagem”. Ela consiste na divisão do roteiro em planos, ou seja, é na decupagem que se define como o filme será filmado: enquadramentos, lentes, movimentos de câmera, etc. Não existem regras de decupagem. Há diretores que optam por algo mais formalista – planos mais fixos, câmera mais estável, enquadramentos e movimentação mais tradicionais -, e outros que escolhem uma abordagem espontânea – câmera mais livre, sem uma movimentação pré-definida, subversiva ao deslocalizar o espectador na cena – . Portanto, é interessante como Chloé Zhao é talentosa ao se utilizar de certo formalismo como norte para sua abordagem mais naturalista e espontânea.
O filme conta a história de Fern (Frances McDormand, uma das únicas atrizes profissionais filme), uma mulher de 60 anos que, após um colapso econômico de uma cidade na zona rural de Nevada, reúne seus pertences em uma van e passa a viajar pelos Estados Unidos, trabalhando em empregos temporários, como uma nômade dos tempos modernos.
Zhao é uma autora que conhece o material que tem em mãos, já que sua narrativa é um reflexo da jornada da protagonista: a busca da desconstrução sem abrir mão da tradição. Ao longo de sua jornada, Fern constantemente pratica o desapego, seja de empregos, espaços, objetos ou pessoas. Em determinado momento, sua prática é relacionada aos tradicionais pioneiros do país. Portanto, para ilustrar a história, Zhao opta também por um desapego ao filmar o material, “desconstruindo” continuamente algumas convenções do cinema de ficção, mas sem abandonar por completo alguns de seus artifícios mais tradicionais.
A câmera da diretora é, na maioria do tempo, mais despojada e flui livremente em torno de Fern. Porém, mesmo que abrace uma decupagem mais espontânea e documental – principalmente ao filmar diálogos -, as cenas onde a protagonista se encontra sozinha, por exemplo, são filmadas sob um código visual muito tradicional: a câmera se afasta em um plano geral e centraliza-a no quadro, isolando-a do resto do mundo.
A maioria dos personagens são pessoas reais e boa parte do desenvolvimento dramático do filme é formado por diálogos improvisados, mas também há encenações, com atores profissionais, que contribuem para a construção da protagonista. A montagem opera sob a mesma lógica, se utilizando desse material de caráter quase documental para compor uma poesia mais mais “artificial” e contemplativa, o que remete muito ao cinema de Terrence Malick.
É através desses pequenos lampejos de “simulação” que ela nos lembra que ainda estamos diante de um filme de ficção, enriquecendo a experiência e reforçando o poder da linguagem cinematográfica na contação de histórias. Ou seja, essa transição natural entre as duas modalidades (formalista tradicional e espontânea documental) demonstra que, mesmo soando despretensiosa, a visão criativa da diretora é fundamentalmente rigorosa.
McDormand está gigante. Nos trejeitos, constrói uma mulher real, tímida, insegura, e extremamente carinhosa. Toda essa técnica é trazida para suas interações, que nunca soam encenadas, mas também não carregam traços fortes de improviso, de modo que não sabemos onde começa Fern e onde termina Frances.
Em Nomadland, Chloé Zhao é inteligente ao se desprender da ficção para, justamente, potencializar uma história ficcional. Essa abstração da barreira que divide encenação e realidade funciona tanto como fragmentos documentais daquele estilo de vida, quanto como artifícios de criação de uma empatia poderosa no espectador. No fim, o que nos resta é assimilar a experiência poética, libertadora, inevitavelmente trágica e solitária inerente ao novo estilo de vida que foi incumbido à Fern.
Com elementos de comédia, thriller, sci-fi e terror, Bacurau é um híbrido.
É um filme que assimila em sua encenação a nossa pluralidade cultural.
É um filme que constantemente se reinventa e ressignifica sua (aparente) ingenuidade em prol de uma experiência catártica, que busca o expurgo de um povo subvalorizado e extremamente estereotipado.
É um filme que, em suma, mostra que o brasileiro não é bagunça.
É tão foda como ele começa satírico e bem humorado, com uma trilha divertidinha e atuações caricatas, mas ao desenrolar da narrativa, com o aprofundamento da análise sobre o período, as esquetes mais inofensivas dão lugar à situações sombrias e soturnas.
É doido perceber como os efeitos especiais e toda aquela construção visual carregada e macabra vai se ressignificando conforme o objeto de estudo do filme é destrinchado. O que de início funciona como uma crítica à hipérbole católica, logo se revela como uma potencialização do desejo de absolvição das vítimas: as histórias se tornam tão absurdas e escatológicas quanto os instrumentos de tortura dos inquisidores as exigem.
É um filme que não só documenta e dramatiza seu assunto, mas também o incorpora. Além de aproveitar pra escancarar a misoginia e o viés político de um dos maiores absurdos da história humana.
Em Drive tudo é muito minucioso. A trilha de sintetizadores e a decupagem de enquadramentos milimetricamente compostos - com uma iluminação hiper-estilizada - criam uma artificialidade que pode parecer vazia e pretensiosa, mas que aqui cai como uma luva. Isso porque é um filme sobre aparências.
Ele esconde, sob a câmera austera e sob essa roupagem cool oitentista, uma urgência violenta que traduz perfeitamente a necessidade do protagonista de viver sob as aparências, um “real hero” que esconde sua verdadeira natureza. Não bastasse a estrutura do filme, que começa lento, romântico e gradualmente ganha um senso de iminência mais frenético e sanguinário, isso fica evidente na cena que ele conversa com Benício sobre a existência de “bons tubarões”. E nem preciso mencionar o escorpião da jaqueta, né? Essa artificialidade estética, aliada ao maneirismo do Refn, consegue traduzir muito bem o subtexto do roteiro ao mesmo tempo que cria cenas emblemáticas - e a do elevador é, talvez, minha cena favorita do cinema moderno.
Drive é um filme muito mais interessado em demonstrar a força de suas imagens à qualidade de seu texto. É um dos meus filmes favoritos porque me lembra o motivo da direção ser considerada a alma de um filme.
O Assassino
3.3 514Você é o seu trabalho, seu nome é o seu trabalho. Então faça seu trabalho. Suprima sua ansiedade com fones de ouvido e crie uma série de manias e processos que acabam por despersonalizar a si e todos em volta.
Tudo isso na esperança de um dia chegar lá: no papel de quem paga, não quem
executa.
No fim, o "assassino" é só mais uma engrenagem, um cara tentando não ser engolido pela máquina de moer gente que é o capitalismo.
Filmaço
Assassinos da Lua das Flores
4.1 607 Assista AgoraA ideia de ambientar uma história sobre o início do crime organizado em um cenário de velho oeste é ousada por si só, mas o Scorsese não só se aproveita dos artifícios desses dois subgêneros (faroeste e filme de máfia), como subverte suas convenções ao deslocar o homem branco do centro da narrativa.
É muito impactante a violência aqui: é crua, rápida, seca e frontal. Porque o que ele busca não é a estilização, os grandes embates e tiroteios do velho oeste, mas justamente um abandono desse aspecto idealizado do passado, dando luz à um mundo onde os tiros são dados pelas costas do oponente e onde o homem branco não cansa, não para e não é responsabilizado pela violência histórico-cultural contra minorias que buscam apagar em nome do capital.
Carrie, a Estranha
3.7 1,4K Assista AgoraEle é quase todo filmado com um sadismo, uma crueldade que te deixa impotente e faz você se sentir como cúmplice do complô contra a Carrie. Mas o que dói de verdade é quando ele opta pela inocência e filma tudo como se fosse um romance maravilhoso, que te faz acreditar em um final feliz. Simplesmente cruel.
Matrix
4.3 2,5K Assista AgoraSe Lynch, quando filma Cidade dos Sonhos, entende o cinema como uma ferramenta capaz de materializar nosso subconsciente, as irmãs Wachowski enxergam no cinema a capacidade de materializar... bem, praticamente tudo.
Não tem como desprezar todo o subtexto filosófico e social do filme, mas, caralho, pra mim Matrix fala justamente sobre o cinema: a imersão da narrativa, o poder da imagem.
"O que é real?", pergunta Morpheus em determinado momento do filme. Ali, a resposta é “nada”. A Matrix é uma mentira, bem como o cinema. E é por isso que a encenação do filme é uma maluquice - no bom sentido: passa pelo sci-fi, horror, filme policial, de kung Fu e até faroeste. Porque em Matrix - ou NA Matrix - tudo é possível.
Quem diz que o filme envelheceu mal não entendeu porra nenhuma.
Cidade dos Sonhos
4.2 1,7K Assista AgoraÉ um filme que não só conta uma história, mas entende o cinema como uma ferramenta capaz de materializar tudo quanto é elemento e símbolo presente no nosso (sub)consciente. Não só no sentido da resignificação da imagem em si, mas também na fragmentação e estruturação da nossa mente. Experimenta uma porrada de coisas narrativamente, sem esquecer do desenvolvimento dramático.
Dos maiores filmes da história do cinema.
Piripkura
4.4 23É um documentário que não se interessa só em apresentar os fatos, mas que utiliza a linguagem cinematográfica pra demonstrar a opressão que sofrem os protagonistas. Indivíduos que, a priori, parecem não estar cientes da própria relevância política - e a maneira que trabalham isso no filme, através do protagonismo, é fascinante -, mas que, pelo olhar, transmitem todo peso dessa resistência silenciosa. Filmaço
A Mulher na Janela
3.0 1,1K Assista AgoraVou bancar o advogado do diabo aqui: o filme é tão autoconsciente que reconhece o quão vagabunda é toda a trama e seu desenvolvimento dramático, por isso vai por um caminho mais exagerado e maneirista possível. Tudo é tão over e sem vergonha, que no fim a experiência é muito mais rica do que se o Joe Wright tivesse optado por uma direção mais formal tentando emular um suspense sóbrio a la David Fincher, por exemplo
Batman
4.0 1,9K Assista AgoraDiretor dos dois filmes que encerram a recente trilogia do Planeta dos Macacos, Reeves é um autor que claramente prefere abordar a grandiosidade do blockbuster sob uma perspectiva mais intimista: se em “Planeta dos Macacos — A Guerra”, o diretor renega o confronto mais direto ao transformar seu filme em uma espécie de faroeste moderno — que está mais interessado na batalha espiritual, do que física, de seus personagens -, em The Batman ele renega a ação e aventura implícita no blockbuster super-heróico contemporâneo e o transforma em um neo-noir que parece ter saído diretamente do final dos anos 90.
É fascinante perceber como Reeves encaixa os personagens clássicos, e alguns artifícios dos quadrinhos, em arquétipos pré-estabelecidos do noir: o protagonista desiludido, frio e moralmente questionável, a femme fatale que o conquista e o manipula, e a narração em off. Tais elementos funcionam não só como iconografias do gênero, enriquecendo a experiência estética do filme, mas complementam a narrativa de maneira orgânica. É mérito dos realizadores, também, a concepção de um enredo que não está muito interessado na identidade secreta do assassino: pouco importa o alter ego do Charada, o que interessa ao filme é justamente mostrar como o passado e, principalmente, o ecossistema de Gotham age como gatilho para figuras quebradas e guiadas pela violência.
Mas, no cinema, de nada adianta uma boa narrativa se não há uma visão autoral e específica para traduzi-la imageticamente. E é justamente no “olhar” que The Batman brilha.
O cinema, no geral, é concebido por três tipos de olhares: do diretor para o que é filmado, do personagem para trama, e o nosso, como espectador. O prazer do espectador — ou escopofilia — está em observar sem ser observado: um voyeur numa posição de segurança. E, segundo a teórica Laura Mulvey, esse prazer, historicamente, é construído para o olhar masculino. Com esses conceitos em mente, o que Matt Reeves propõe, para mim, é uma desconstrução do Batman através da subversão dessa dinâmica: o protagonista olha para o todo de uma posição segura, privilegiada e norteada pelo fetiche masculino.
A começar pela câmera (o olhar do autor para o que é filmado), que raramente enquadra o Batman de um ângulo mais baixo, uma convenção que serve para engrandecer a figura em tela. Pelo contrário: em uma de suas primeiras aparições, logo após ver o Batsinal pela primeira vez, Batman é filmado de cima para baixo, diminuído pelo peso que seu legado representa. A escolha do diretor em utilizar majoritariamente lentes teleobjetivas, com uma profundidade de campo reduzida, também reforça a opressão do protagonista e funciona como a representação de sua visão limitada: seja ela na investigação dentro da trama, ou sua percepção social daquele mundo.
É interessante observar, também, como todas as interações entre o Batman e o Charada são mediadas por uma superfície fina e transparente: primeiro a tela do celular, depois a vidraça de uma cafeteria e então o vidro blindado de uma sala de visitação. Isso aproxima os personagens, mas nunca os situa no mesmo espaço, em par de igualdade.
Já na visão do personagem, o maior exemplo dessa desmonte do Batman consiste em toda sua dinâmica com a Mulher Gato: da primeira aparição de Selina, enquadrada por uma câmera que primeiro se interessa por suas pernas, até a sequência em que é utilizada como isca — e que Matt Reeves constrói de maneira brilhante ao nunca apresentar o ponto de vista da personagem, apenas a imagem mediada pela câmera do dispositivo colocado em seus olhos — o que sempre vemos é a visão de Batman, em um local seguro e privilegiado, numa visão distorcida de justiça. Todo esse conceito —presente principalmente nessa sequência — acaba por violentar a nossa relação com o protagonista e, consequentemente, com o próprio filme, nos fazendo questionar a moralidade desse voyeurismo e nos convidando a abandonar essa posição segura de espectador para imergir na sujeira de Gotham City.
E se, ao longo do filme, somos constantemente lembrados do caráter dúbio do Homem Morcego, Reeves é perspicaz ao trazer a redenção do protagonista através de um simbólico batismo: quem desce às águas, literalmente, é a figura que busca um legado de medo, violência e principalmente vingança, mas quem retorna é outra, que entende sua posição de poder e se interessa por uma abordagem mais empática de justiça.
The Batman é um filme que, por ser guiado pela subjetividade, integra o espectador de maneira ímpar em uma Gotham City dominada por uma visão masculina e fetichista que, através das lentes de Reeves, oprime, isola, escrutina, desorienta e rompe a posição segura do observador (audiência ou protagonista), ao mesmo tempo que questiona a conduta e a moralidade de um dos heróis mais aclamados da cultura pop.
O Som do Silêncio
4.1 986 Assista AgoraÉ uma velha estratégia de criação de roteiros – e histórias, no geral – a implementação de uma condição física como metáfora para uma deficiência emocional, ou de caráter, de um personagem. Em Chinatown, por exemplo, criminosos cortam o nariz de Jack Nicholson pois o personagem está realizando uma investigação e “metendo o nariz” onde não deve. Portanto, quando o protagonista d’O Som do Silêncio começa a perder a audição, isso pode significar muito mais que um simples estímulo inicial da trama.
O filme conta a história de Ruben, um baterista e ex-usuário de drogas que descobre estar perdendo a audição e precisa lidar com o fato de que sua rotina passará a ser preenchida pelo completo silêncio. Encorajado pela namorada, Lou, Ruben entra para uma comunidade de surdos, no intuito de aprender um pouco mais sobre sua nova condição.
No texto sobre Os 7 de Chicago, comentei sobre como muitas vezes valorizamos mais os aspectos literários de um filme do que seus aspectos cinematográficos, mas é impossível falar d’O Som do Silêncio sem comentar a qualidade de seu texto. Escrito pelo diretor Darius Marder e seu irmão Abraham Marder, o roteiro não procura reinventar a roda, buscando concisão e um desenvolvimento linear para o personagem que, conforme sua condição, está em constante mutação. A trama do filme não é composta por acontecimentos extremamente dramáticos ou conflitos inevitáveis, que fogem do controle do protagonista. Muito pelo contrário, todos os dilemas de Ruben são independentes dos indivíduos ou situações que o cercam, são conflitos internos que, apesar do protagonista não acreditar, já estavam lá muito antes da perda de sua audição. Ela é apenas um agravante, simbolizando sua dificuldade de sociabilidade, busca constante por pertencimento e, principalmente, sua autoaceitação.
Mas todas essas qualidades não valeriam de nada se Darius Marder não soubesse traduzi-las para a tela. Em sua estreia na direção, ele se utiliza da mesma máxima que guia seu desenvolvimento dramático e opta por uma abordagem mais naturalista. Não há uma hiperestilização de espaços, ou uma dramatização excessiva por parte das personagens, as coisas simplesmente são como são. As atuações são marcantes – e minhas favoritas nas categorias que concorrem – justamente por não apelarem para composições excessivas, como choros exagerados, gritos e discussões acaloradas – e o último diálogo entre Ruben e Joe é brilhante nesse aspecto. Também é louvável a maneira com que o background dos personagens é apresentado, através de sugestões que, mesmo não tão sutis, deixam as lacunas certas a serem preenchidas pelo espectador, como as marcas de cortes nos braços de Lou, ou a tatuagem nas costas de uma das personagens que cruza o caminho do protagonista.
Há, sim, uma sensação de lugar comum que permeia a obra. Este não é um filme que conta com uma trama, personagem ou direção atípicos. O que talvez o diferencie do restante dos filmes da temporada, por exemplo, seja a imersão que ele propõe. A câmera é um instrumento que, ao mesmo tempo, oprime e liberta o personagem, nunca se desvencilhando de Ruben. Estamos sempre colados em seu rosto ou observando por trás de seus ombros, e quanto mais perto estamos, melhor entendemos sua nova realidade — a comunidade, a priori, é um ambiente intimidador e a dificuldade que Ruben tem para se comunicar é passada para o espectador através da falta de legendas nos diálogos compostos pela ASL (linguagem de sinais americana). Mas é só quando o som desaparece – suprimido por um ruído constante, incômodo e grave – que somos inundados com uma carga de empatia avassaladora. O ruído representa não só a progressão da surdez de Ruben, mas também sua inquietude emocional, e é muito interessante observar como ela gradualmente diminui quando o protagonista passa a se integrar na comunidade, mas volta mais forte depois da virada do segundo para o terceiro ato.
Essas pequenas incursões dentro da vivência de Ruben exploram a linguagem cinematográfica dando equilíbrio para uma obra que, sem muitas pretensões, deseja contar uma boa história sem apelar para o excesso. Encerrando o filme em uma sequência memorável, Darius Marder faz uma escolha simples e poética, que traduz perfeitamente a evolução de seu protagonista e faz uma rima de sensibilidade ímpar com a cena de abertura do longa.
Bela Vingança
3.8 1,3K Assista AgoraHá tempos que Bela Vingança – indicado ao prêmio de melhor roteiro original no OSCAR 2021 – figurava na lista de roteiros promissores nunca comprados por Hollywood. A situação só mudou quando Margot Robbie, a Arlequina de Aves de Rapina, ficou sabendo da cena de abertura do filme e decidiu produzi-lo. Não é de se admirar que ele tenha chamado a atenção da atriz e produtora que, extremamente engajada em causas sociais, viu na trama uma protagonista forte que bota em cheque e se vinga da misoginia velada no dia a dia.
O filme conta a história de Cassie, uma jovem que após um acontecimento traumático, largou a faculdade de medicina e voltou para a casa dos pais. Agora, perto dos 30 anos, ela decide se vingar de predadores sexuais que se aproveitam das mulheres bêbadas em baladas.
Uma das maiores qualidades do filme é a subversão proposta por Fennell. Apesar de possuir em mãos um arco dramático que discute uma pauta séria e pesada, a diretora prefere banhar o filme com uma visão ironicamente adorável e caricata: os espaços ocupados por Cassie são aconchegantes, bem iluminados e banhados de tons pastéis que dão uma sensação acolhedora. Seu figurino é moderno e sexy, mas que estranhamente flerta com uma estética infantilizada, e os personagens são, em sua maioria, maniqueístas.
Fennell veste sua história trágica com uma estética adorável (Foto: reprodução)
A própria protagonista remete ao fetiche masculino de uma mulher pós-moderna forte, que transita entre ser uma menina encantadora e uma mulher mal-humorada. Carey Mulligan, uma das favoritas ao prêmio de melhor atriz, está excelente e se diverte no papel de Cassie. A atriz abraça a caricatura quando precisa capturar e punir seus algozes – e é divertido observar a facilidade com que ela se transforma apenas com a mudança do timbre de voz ou um sorriso de canto de boca – mas é eficiente ao demonstrar a fragilidade emocional da personagem com seus olhares perdidos e explosões de raiva.
Toda essa extravagância e cinismo funcionam, no fim, quase como escolhas sutis, visto que a visão mais genérica e evidente possível seria, justamente, escancarar de maneira exageradamente dramática os absurdos de tais construções sociais. Portanto, nessa ótica ambígua, quando Fennell faz Cassie se apoiar no balcão da cafeteria em que trabalha e cuspir no café de um cliente que flerta com ela, a diretora está não apenas satirizando o arquétipo masculino de mulher forte, mas também desconstruindo-o em prol do desenvolvimento de sua protagonista.
E isso nos leva ao principal problema do filme.
Apesar de Bela Vingança operar sob essa lógica irônica e satírica, ele nunca suja realmente as mãos. É até incoerente que um filme que opta por se utilizar de estímulos cinematográficos tão imediatos – a trilha sonora pop, a montagem rápida, os diálogos incisivos filmados em enquadramentos expressivos banhados de cores intensas – nunca se entregue plenamente à sua violência temática. A iminência presente em todas as sequências envolvendo os episódios com predadores sexuais nunca é concretizada. E por mais que o clímax envolva uma situação cruel e desesperançosa, o fim do terceiro ato quebra essa construção niilista e reforça a ingenuidade do roteiro, que se entrega à uma resolução tola e previsível.
A ambiguidade proposta por Emerald Fenell é excepcional. Sua visão lúdica aposta em uma estética pop mordaz sem deixar de lado o potencial crítico de seu texto. O problema é que toda essa “sutileza” do exagero presente na narrativa soa meio vazia quando comparada ao desfecho inocente de seu arco dramático.
Nomadland
3.9 896 Assista AgoraNo cinema, há o conceito de “decupagem”. Ela consiste na divisão do roteiro em planos, ou seja, é na decupagem que se define como o filme será filmado: enquadramentos, lentes, movimentos de câmera, etc. Não existem regras de decupagem. Há diretores que optam por algo mais formalista – planos mais fixos, câmera mais estável, enquadramentos e movimentação mais tradicionais -, e outros que escolhem uma abordagem espontânea – câmera mais livre, sem uma movimentação pré-definida, subversiva ao deslocalizar o espectador na cena – . Portanto, é interessante como Chloé Zhao é talentosa ao se utilizar de certo formalismo como norte para sua abordagem mais naturalista e espontânea.
O filme conta a história de Fern (Frances McDormand, uma das únicas atrizes profissionais filme), uma mulher de 60 anos que, após um colapso econômico de uma cidade na zona rural de Nevada, reúne seus pertences em uma van e passa a viajar pelos Estados Unidos, trabalhando em empregos temporários, como uma nômade dos tempos modernos.
Zhao é uma autora que conhece o material que tem em mãos, já que sua narrativa é um reflexo da jornada da protagonista: a busca da desconstrução sem abrir mão da tradição. Ao longo de sua jornada, Fern constantemente pratica o desapego, seja de empregos, espaços, objetos ou pessoas. Em determinado momento, sua prática é relacionada aos tradicionais pioneiros do país. Portanto, para ilustrar a história, Zhao opta também por um desapego ao filmar o material, “desconstruindo” continuamente algumas convenções do cinema de ficção, mas sem abandonar por completo alguns de seus artifícios mais tradicionais.
A câmera da diretora é, na maioria do tempo, mais despojada e flui livremente em torno de Fern. Porém, mesmo que abrace uma decupagem mais espontânea e documental – principalmente ao filmar diálogos -, as cenas onde a protagonista se encontra sozinha, por exemplo, são filmadas sob um código visual muito tradicional: a câmera se afasta em um plano geral e centraliza-a no quadro, isolando-a do resto do mundo.
A maioria dos personagens são pessoas reais e boa parte do desenvolvimento dramático do filme é formado por diálogos improvisados, mas também há encenações, com atores profissionais, que contribuem para a construção da protagonista. A montagem opera sob a mesma lógica, se utilizando desse material de caráter quase documental para compor uma poesia mais mais “artificial” e contemplativa, o que remete muito ao cinema de Terrence Malick.
É através desses pequenos lampejos de “simulação” que ela nos lembra que ainda estamos diante de um filme de ficção, enriquecendo a experiência e reforçando o poder da linguagem cinematográfica na contação de histórias. Ou seja, essa transição natural entre as duas modalidades (formalista tradicional e espontânea documental) demonstra que, mesmo soando despretensiosa, a visão criativa da diretora é fundamentalmente rigorosa.
McDormand está gigante. Nos trejeitos, constrói uma mulher real, tímida, insegura, e extremamente carinhosa. Toda essa técnica é trazida para suas interações, que nunca soam encenadas, mas também não carregam traços fortes de improviso, de modo que não sabemos onde começa Fern e onde termina Frances.
Em Nomadland, Chloé Zhao é inteligente ao se desprender da ficção para, justamente, potencializar uma história ficcional. Essa abstração da barreira que divide encenação e realidade funciona tanto como fragmentos documentais daquele estilo de vida, quanto como artifícios de criação de uma empatia poderosa no espectador. No fim, o que nos resta é assimilar a experiência poética, libertadora, inevitavelmente trágica e solitária inerente ao novo estilo de vida que foi incumbido à Fern.
Bacurau
4.3 2,7K Assista AgoraCom elementos de comédia, thriller, sci-fi e terror, Bacurau é um híbrido.
É um filme que assimila em sua encenação a nossa pluralidade cultural.
É um filme que constantemente se reinventa e ressignifica sua (aparente) ingenuidade em prol de uma experiência catártica, que busca o expurgo de um povo subvalorizado e extremamente estereotipado.
É um filme que, em suma, mostra que o brasileiro não é bagunça.
Haxan: A Feitiçaria Através dos Tempos
4.2 182 Assista AgoraMaluco, esse filme é impressionante.
É tão foda como ele começa satírico e bem humorado, com uma trilha divertidinha e atuações caricatas, mas ao desenrolar da narrativa, com o aprofundamento da análise sobre o período, as esquetes mais inofensivas dão lugar à situações sombrias e soturnas.
É doido perceber como os efeitos especiais e toda aquela construção visual carregada e macabra vai se ressignificando conforme o objeto de estudo do filme é destrinchado. O que de início funciona como uma crítica à hipérbole católica, logo se revela como uma potencialização do desejo de absolvição das vítimas: as histórias se tornam tão absurdas e escatológicas quanto os instrumentos de tortura dos inquisidores as exigem.
É um filme que não só documenta e dramatiza seu assunto, mas também o incorpora. Além de aproveitar pra escancarar a misoginia e o viés político de um dos maiores absurdos da história humana.
Drive
3.9 3,5K Assista AgoraEm Drive tudo é muito minucioso. A trilha de sintetizadores e a decupagem de enquadramentos milimetricamente compostos - com uma iluminação hiper-estilizada - criam uma artificialidade que pode parecer vazia e pretensiosa, mas que aqui cai como uma luva. Isso porque é um filme sobre aparências.
Ele esconde, sob a câmera austera e sob essa roupagem cool oitentista, uma urgência violenta que traduz perfeitamente a necessidade do protagonista de viver sob as aparências, um “real hero” que esconde sua verdadeira natureza. Não bastasse a estrutura do filme, que começa lento, romântico e gradualmente ganha um senso de iminência mais frenético e sanguinário, isso fica evidente na cena que ele conversa com Benício sobre a existência de “bons tubarões”. E nem preciso mencionar o escorpião da jaqueta, né?
Essa artificialidade estética, aliada ao maneirismo do Refn, consegue traduzir muito bem o subtexto do roteiro ao mesmo tempo que cria cenas emblemáticas - e a do elevador é, talvez, minha cena favorita do cinema moderno.
Drive é um filme muito mais interessado em demonstrar a força de suas imagens à qualidade de seu texto. É um dos meus filmes favoritos porque me lembra o motivo da direção ser considerada a alma de um filme.
Green Book: O Guia
4.1 1,5K Assista AgoraQue filmeco, minha nossa senhora
Anos 90
3.9 502Impossível não se identificar com essa sensação de fazer parte de algo. Sensível pra caralho.
Animais Fantásticos - Os Crimes de Grindelwald
3.5 1,1K Assista AgoraNão tem história, não tem personagem, não tem ritmo, não tem clímax. Amo tanto HP, mas esse filme não dá pra defender.
Hereditário
3.8 3,0K Assista AgoraFazia tempo que eu não sentia um medo tão fodido no cinema. Filmaço!
Você Nunca Esteve Realmente Aqui
3.6 521 Assista AgoraEra o filme que a gente tava procurando depois de Drive.
Você Nunca Esteve Realmente Aqui
3.6 521 Assista AgoraGente, cadê?
It: Capítulo Dois
3.4 1,5K Assista AgoraPoder vir, monstro.
Akira
4.3 868 Assista AgoraQuando falavam desse filme, eu não imaginava que ele discutia umas questões filosóficas e metafísicas TÃO FODIDAS. Filmaço do caralho!
Atômica
3.6 1,1K Assista AgoraMano, que trailerzão da porra
Branquinha
2.5 180 Assista AgoraBebeu muito da trilogia Pusher