É muito esforço em prol do aesthetic rondado por uma trilha sonora invasiva e quase nenhum para a substância. Torna-se uma missão impossível conectar-se com o filme quando não há algo que o sustente. Eu vi um pai surtar, vi um filho totalmente descartável e o Paul Dano – responsável pela direção e roteiro – dizer que pais de família têm algo para além das crianças, mas... tá, e daí? Para quê? Para onde? A história, guiada sem personalidade alguma, não sai do mesmo ponto unidimensional. Não há ousadia, não há olhar humano ou crítico. Não há vida.
Carey Mulligan, no entanto, transforma água em vinho ao extrair de um roteiro ridiculamente pobre uma performance poderosa; ela é o fio vindo diretamente dos anos 60 que sustenta a projeção. Se em Educação (2009) a atriz retrata todas as faces da descoberta e amadurecimento juvenil, neste como Jeanette Brinson ela encontra os pontos perfeitos da mulher feita que não se permite desmoronar. É a maturidade cega. A experiência que logicamente ainda tem muito por ver, mas não assume e acaba cercada por um muro. Chega a ser desrespeitoso ter um desempenho lindo como este nas mãos e não construir um caminho para o mesmo, impedindo-o de crescer ainda mais.
Vida Selvagem é a prova de que de nada adianta partir para as linguagens expressivas se você não tiver bagagem intelectual para lidar com elas. O Paul Dano pode agora autointitular-se diretor de cinema, mas a última coisa que ele faz é arte.
Jerry Grotowsky, famoso diretor e teórico teatral, defende em sua obra o fazer de um teatro de vestimentas, cenários e efeitos escassos, compensando a tal falta numa intensa entrega por parte do ator; ao passo que Bertolt Brecht, também diretor da área, clama o distanciamento surrealista entre teatro e público como trabalho da crítica deste, fazendo questão de constantemente lembrar sua posição.
É notória a influência dos dois supracitados estudiosos em Dogville, de Lars von Trier, que trabalha com a lei grotowskiana segundo a qual o único realmente necessário no teatro é seu elenco – por isso a ausência de paredes ou o uso mínimo de objetos cênicos. Paul Bettany (assim como todo o elenco do filme) entra numa complexa conversação com o próprio corpo quando, por exemplo, sua personagem Tom abre portas inexistentes para o cenário mas que são vívidas para quem assiste ao filme. O teatro pobre está aqui, mostrando toda a vulnerabilidade do ator em carne viva a fim de transmitir tamanha naturalidade; o que é particularmente digno de nota quando considera-se a atenção e estudos que se fizeram necessários durante a fase de preparação.
Mais do que isso, o cenário minimalista reforça a intenção do roteiro de mostrar-nos o quanto fechamos os olhos como mecanismo de defesa – seja da sobrevivência ou do conforto. Durante um dos inúmeros estupros sofridos por Grace (Nicole Kidman), a câmera de von Trier distancia-se a fim de mostrar as "portas escancaradas" enquanto toda a cidade finge não ver, seguindo sua rotina normalmente. Patriarcado ou medo de instabilidade, de conflito? Talvez ambos. Também quando, mesmo tendo subconsciência da maldade das outras personagens, a protagonista consegue convencer a si mesma de que são pessoas 100% boas, vítimas. Ela não apenas teme ser delatada como inicialmente não quer perder a plenitude de suas convicções e filosofias de vida. Vendas nos olhos para o que nos contradiz.
Dogville causa estranhamento através do tratamento frio para com ações repugnantes e cenários incomuns mas, mais importantemente, grita o quão crucial é todo desconforto na construção da vida humana.
Como o sonho capitalista brasileiro é construído em cima do sonho do operário - ou, em outras palavras, como toda a glória da qual os paulistas se orgulham deve-se ao esperançoso nordestino que foi espremido e virou suco - e o quão importante é que este jamais abaixe a cabeça, renegando qualquer submissão política e massacre cultural, tal qual faz Deraldo (José Dumont) tanto através de seus duros poemas quanto de seus gritos literais.
"— I want the fairytale. — Impossible relationships."
As notas da trilha sonora, a ópera, o piano... Eu tenho uma história de amor com esse filme. É absurdo como, ainda que não seja da maior perfeição ou originalidade, absolutamente tudo no romance funciona comigo de forma pessoal - e cada microscópico detalhe preenche partes específicas do meu coração de menina que chorou por clássicos da Disney durante a infância. 'Uma Linda Mulher' não carrega uma única ponta que não ande ao lado das minhas expectativas para um conto de fadas.
O fascínio mútuo entre Edward Lewis e Vivian Ward não chega perto do meu entusiasmo pela chama dos dois. Welcome to Hollywood.
Pouco antes de sua prisão, o petista Lula da Silva afirmou, em seu discurso no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, ser "mais do que um ser humano, uma ideia" e que "todos vão virar Lula". Em 'Peões', vemos que a veracidade da recíproca vem de longa data: o povo não apenas é Lula como este é o povo; o lulismo está difundido pelo Brasil trabalhador da mesma forma que este é concentrado na figura do ex-presidente como um expoente máximo. Temos, assim, o porquê d'os entrevistados falarem do metalúrgico com tamanha pessoalidade, quase como uma íntima amizade - pois, quando três diaristas sentam para tomar um café e comentar o cenário político do país, são os mesmos ideais defendidos por ele que dominam fervorosamente a conversa. Quase 40 anos após 79.
Mas o documentário jamais se limita à imagem de Lula, pelo contrário: está mais interessado naqueles que gritaram anonimamente e nas pequenas lutas pessoais que, ao entrelaçarem-se em coincidências que na verdade formam um padrão, deram vida a uma voz muito mais forte e unida. Não é esta a base de toda revolução?
Nada mais bonito que pessoas que lutam. Sem o medo opressor, independentemente do âmbito da vida - seja numa greve marcada em livros de História e intensamente analisada no meio acadêmico, seja na mudança do nordeste para o sudeste brasileiro em busca da alimentação básica para crianças ou, mais impressionante ainda, numa conciliação dos dois tópicos. E nada mais bonito que tudo isso sob a sensível ótica de Coutinho.
"When I think of her, of Elisa, all that comes to mind is a poem, made of just a few truthful words, whispered by someone in love, hundreds of years ago."
Elisa leva uma vida pacata - a rotina detalhada se repete dia após dia e ela parece não notar o espaço em branco reservado para aquele quê a mais. É o que deixa tudo deprimente ao nosso ver, desde que estamos do outro lado da tela: entre uma masturbação um tanto quanto automática e outra, a protagonista não enxerga a necessidade de algo extraordinário porque não sentimos falta daquilo que não temos ciência. Ela é órfã de experiências. Interpretada com maestria por Sally Hawkins (que, vale comentar, deu uma das minhas performances favoritas dos últimos anos), a mulher mostra em cada olhar que, apesar de tudo, está confortável ali; não faz questão de mudar como não despreza o que tem. Ela guarda a beleza de situações simples e corriqueiras e transforma em combustível para caminhar. É uma otimista, ainda que permaneça em sua introversão, melancolia e resguarda.
Até a entrada daquele inconveniente que a gente adora odiar: o amor. É quando ela se dá conta de que é capaz de sentir o coração batendo um pouquinho mais rápido que a situação toma rumos inesperados. Se somos merecedores dessa beleza, por que não correr por ela? A construção de ideais pelos quais lutar, do nosso poder, da nossa voz (mesmo que nem todos saibam apreciá-la). Como a vida, o diretor e roteirista Guillermo Del Toro nos presenteia com uma magia arrebatadora, capaz de nos fascinar nas cenas em que enxergamos a silenciosa conexão entre o monstro e a princesa ou de fazer com que prendamos a respiração por alguns longos segundos enquanto Elisa Esposito expressa ardentemente aquilo que por anos se impediu de sentir.
'A Forma da Água' usa do gênero para ultrapassá-lo e torna-se um conto sobre a descoberta da vida na gente - ainda que jamais possa ser resumido a isto.
E que no futuro parem de contar às crianças a história da fera que precisa ser consertada e foquem no quão errados estão aqueles que insistem em dizer que um conserto faz-se necessário.
"I don't think that today a fashion magazine can only show you the clothes and that's it. Fashion magazine is connected with art, with cinema, with everything."
Curioso como, no início do documentário, Franca Sozzani e Anna Wintour são taxadas de "some of the interesting editors-in-chief" quando são exatamente o oposto uma da outra. Elas se encontram na habilidade para os negócios, claro - mas, enquanto Wintour lidera a Vogue estadunidense com uma mão de ferro quase que saudosista (quebrada em alguns momentos pelo vanguardismo da ex-diretora criativa Grace Coddington), Sozzani tinha seus olhos voltados àquilo que faz a diferença: o que nunca fez-se questão de ressaltar neste campo. O patriarcado, problemas ambientais, a intersecção entre a moda e outras expressões artísticas - o cinema, a dança...
Um singelo exemplo de sua influência é o fato de roupas hoje sendo, mais do que nunca, apontadas como portadoras de uma ideia. São tempos em que literalmente estampamos nossos posicionamentos políticos em t-shirts e postamos no Instagram. E, ainda que não saibamos, devemos muito disto às imagens conceituais de Franca e seus fotógrafos. Se existiram personalidades com uma espécie de espírito de Nouvelle Vague no mundo da moda, personalidades que jogaram qualquer manual aos quatro ventos a fim de desenvolver o caráter desafiador da arte, ela certamente foi um de seus expoentes máximos, ao lado de sua colega de profissão Diana Vreeland e estilistas como Yves Saint-Laurent e Hubert Givenchy.
'Franca: Chaos and Creation' é também uma linda homenagem de um filho para sua musa, a própria mãe. Que mente linda, a dessa mulher! Tanta sede em viver e um carisma enriquecedor.
Sobre perder-se e então encontrar-se em outrem e então, bem... perder essa pessoa. E perder-se de novo. E (re)construir-se devagar. Nos mais variados sentidos possíveis.
'Like Crazy' é real e encantador e desesperador. A história de um amor descomplicado num labirinto. Quantas vezes a gente já não viveu um destes, cada qual com suas sutis particularidades? Mais do que a cadeira do caso: um olhar, as mãos dançantes que moram com a gente para a eternidade. Eu espero sempre, sempre ter paciência para dar a estes detalhes a devida atenção. E para ouvir a cada vez que alguém se sentir confortável o suficiente para contar-me do seu Jacob ou da sua Anna. Desde a leveza dos primeiros encontros, passando pelo esfriar e em especial do que fica independentemente da forma que nossos sentimentos tomam.
Ah, e o final, Dios mio, o final. Como poderia ser mais honesto?
O Al Pacino, ele é realmente um monstro atuando. Quando entra em cena, parece até que ninguém mais existe (ok, talvez a Chastain - ela está incrível).
Eu ponderei por um tempo se o fato d'este filme ser praticamente um teatro filmado é um ponto positivo ou não, se é válido ou não, mas quer saber? A intensidade e o deslumbre, a bela destruição que senti aqui vão além de qualquer barreira que tentemos colocar na arte. Ela provou - e constantemente o faz - que tem vida própria e, mais que isso, uma paixão ardente corre em suas veias sem precisar de muito, numa forma pura. Só tenho a agradecer pelo texto interpretado com tanta verdade, pela câmera simples que suga tudo com tanta perspicácia e por pessoas que notavelmente amam o que fazem.
'Salomé' é o tipo de filme que me faz literalmente chorar pensando em como a arte é linda.
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Vida Selvagem
3.4 156 Assista AgoraÉ muito esforço em prol do aesthetic rondado por uma trilha sonora invasiva e quase nenhum para a substância. Torna-se uma missão impossível conectar-se com o filme quando não há algo que o sustente. Eu vi um pai surtar, vi um filho totalmente descartável e o Paul Dano – responsável pela direção e roteiro – dizer que pais de família têm algo para além das crianças, mas... tá, e daí? Para quê? Para onde? A história, guiada sem personalidade alguma, não sai do mesmo ponto unidimensional. Não há ousadia, não há olhar humano ou crítico. Não há vida.
Carey Mulligan, no entanto, transforma água em vinho ao extrair de um roteiro ridiculamente pobre uma performance poderosa; ela é o fio vindo diretamente dos anos 60 que sustenta a projeção. Se em Educação (2009) a atriz retrata todas as faces da descoberta e amadurecimento juvenil, neste como Jeanette Brinson ela encontra os pontos perfeitos da mulher feita que não se permite desmoronar. É a maturidade cega. A experiência que logicamente ainda tem muito por ver, mas não assume e acaba cercada por um muro. Chega a ser desrespeitoso ter um desempenho lindo como este nas mãos e não construir um caminho para o mesmo, impedindo-o de crescer ainda mais.
Vida Selvagem é a prova de que de nada adianta partir para as linguagens expressivas se você não tiver bagagem intelectual para lidar com elas. O Paul Dano pode agora autointitular-se diretor de cinema, mas a última coisa que ele faz é arte.
Dogville
4.3 2,0K Assista AgoraJerry Grotowsky, famoso diretor e teórico teatral, defende em sua obra o fazer de um teatro de vestimentas, cenários e efeitos escassos, compensando a tal falta numa intensa entrega por parte do ator; ao passo que Bertolt Brecht, também diretor da área, clama o distanciamento surrealista entre teatro e público como trabalho da crítica deste, fazendo questão de constantemente lembrar sua posição.
É notória a influência dos dois supracitados estudiosos em Dogville, de Lars von Trier, que trabalha com a lei grotowskiana segundo a qual o único realmente necessário no teatro é seu elenco – por isso a ausência de paredes ou o uso mínimo de objetos cênicos. Paul Bettany (assim como todo o elenco do filme) entra numa complexa conversação com o próprio corpo quando, por exemplo, sua personagem Tom abre portas inexistentes para o cenário mas que são vívidas para quem assiste ao filme. O teatro pobre está aqui, mostrando toda a vulnerabilidade do ator em carne viva a fim de transmitir tamanha naturalidade; o que é particularmente digno de nota quando considera-se a atenção e estudos que se fizeram necessários durante a fase de preparação.
Mais do que isso, o cenário minimalista reforça a intenção do roteiro de mostrar-nos o quanto fechamos os olhos como mecanismo de defesa – seja da sobrevivência ou do conforto. Durante um dos inúmeros estupros sofridos por Grace (Nicole Kidman), a câmera de von Trier distancia-se a fim de mostrar as "portas escancaradas" enquanto toda a cidade finge não ver, seguindo sua rotina normalmente. Patriarcado ou medo de instabilidade, de conflito? Talvez ambos. Também quando, mesmo tendo subconsciência da maldade das outras personagens, a protagonista consegue convencer a si mesma de que são pessoas 100% boas, vítimas. Ela não apenas teme ser delatada como inicialmente não quer perder a plenitude de suas convicções e filosofias de vida. Vendas nos olhos para o que nos contradiz.
Dogville causa estranhamento através do tratamento frio para com ações repugnantes e cenários incomuns mas, mais importantemente, grita o quão crucial é todo desconforto na construção da vida humana.
O Homem que Virou Suco
4.1 183 Assista Agora"— Isso aqui é São Paulo!
— Grande bosta!"
Como o sonho capitalista brasileiro é construído em cima do sonho do operário - ou, em outras palavras, como toda a glória da qual os paulistas se orgulham deve-se ao esperançoso nordestino que foi espremido e virou suco - e o quão importante é que este jamais abaixe a cabeça, renegando qualquer submissão política e massacre cultural, tal qual faz Deraldo (José Dumont) tanto através de seus duros poemas quanto de seus gritos literais.
Uma Linda Mulher
3.8 1,6K Assista Agora"— I want the fairytale.
— Impossible relationships."
As notas da trilha sonora, a ópera, o piano...
Eu tenho uma história de amor com esse filme. É absurdo como, ainda que não seja da maior perfeição ou originalidade, absolutamente tudo no romance funciona comigo de forma pessoal - e cada microscópico detalhe preenche partes específicas do meu coração de menina que chorou por clássicos da Disney durante a infância. 'Uma Linda Mulher' não carrega uma única ponta que não ande ao lado das minhas expectativas para um conto de fadas.
O fascínio mútuo entre Edward Lewis e Vivian Ward não chega perto do meu entusiasmo pela chama dos dois. Welcome to Hollywood.
Peões
4.1 55 Assista AgoraPouco antes de sua prisão, o petista Lula da Silva afirmou, em seu discurso no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, ser "mais do que um ser humano, uma ideia" e que "todos vão virar Lula". Em 'Peões', vemos que a veracidade da recíproca vem de longa data: o povo não apenas é Lula como este é o povo; o lulismo está difundido pelo Brasil trabalhador da mesma forma que este é concentrado na figura do ex-presidente como um expoente máximo. Temos, assim, o porquê d'os entrevistados falarem do metalúrgico com tamanha pessoalidade, quase como uma íntima amizade - pois, quando três diaristas sentam para tomar um café e comentar o cenário político do país, são os mesmos ideais defendidos por ele que dominam fervorosamente a conversa. Quase 40 anos após 79.
Mas o documentário jamais se limita à imagem de Lula, pelo contrário: está mais interessado naqueles que gritaram anonimamente e nas pequenas lutas pessoais que, ao entrelaçarem-se em coincidências que na verdade formam um padrão, deram vida a uma voz muito mais forte e unida. Não é esta a base de toda revolução?
Nada mais bonito que pessoas que lutam. Sem o medo opressor, independentemente do âmbito da vida - seja numa greve marcada em livros de História e intensamente analisada no meio acadêmico, seja na mudança do nordeste para o sudeste brasileiro em busca da alimentação básica para crianças ou, mais impressionante ainda, numa conciliação dos dois tópicos. E nada mais bonito que tudo isso sob a sensível ótica de Coutinho.
A Forma da Água
3.9 2,7K"When I think of her, of Elisa, all that comes to mind is a poem, made of just a few truthful words, whispered by someone in love, hundreds of years ago."
Elisa leva uma vida pacata - a rotina detalhada se repete dia após dia e ela parece não notar o espaço em branco reservado para aquele quê a mais. É o que deixa tudo deprimente ao nosso ver, desde que estamos do outro lado da tela: entre uma masturbação um tanto quanto automática e outra, a protagonista não enxerga a necessidade de algo extraordinário porque não sentimos falta daquilo que não temos ciência. Ela é órfã de experiências. Interpretada com maestria por Sally Hawkins (que, vale comentar, deu uma das minhas performances favoritas dos últimos anos), a mulher mostra em cada olhar que, apesar de tudo, está confortável ali; não faz questão de mudar como não despreza o que tem. Ela guarda a beleza de situações simples e corriqueiras e transforma em combustível para caminhar. É uma otimista, ainda que permaneça em sua introversão, melancolia e resguarda.
Até a entrada daquele inconveniente que a gente adora odiar: o amor. É quando ela se dá conta de que é capaz de sentir o coração batendo um pouquinho mais rápido que a situação toma rumos inesperados. Se somos merecedores dessa beleza, por que não correr por ela? A construção de ideais pelos quais lutar, do nosso poder, da nossa voz (mesmo que nem todos saibam apreciá-la). Como a vida, o diretor e roteirista Guillermo Del Toro nos presenteia com uma magia arrebatadora, capaz de nos fascinar nas cenas em que enxergamos a silenciosa conexão entre o monstro e a princesa ou de fazer com que prendamos a respiração por alguns longos segundos enquanto Elisa Esposito expressa ardentemente aquilo que por anos se impediu de sentir.
'A Forma da Água' usa do gênero para ultrapassá-lo e torna-se um conto sobre a descoberta da vida na gente - ainda que jamais possa ser resumido a isto.
E que no futuro parem de contar às crianças a história da fera que precisa ser consertada e foquem no quão errados estão aqueles que insistem em dizer que um conserto faz-se necessário.
Franca: Chaos and Creation
4.4 13"I don't think that today a fashion magazine can only show you the clothes and that's it. Fashion magazine is connected with art, with cinema, with everything."
Curioso como, no início do documentário, Franca Sozzani e Anna Wintour são taxadas de "some of the interesting editors-in-chief" quando são exatamente o oposto uma da outra. Elas se encontram na habilidade para os negócios, claro - mas, enquanto Wintour lidera a Vogue estadunidense com uma mão de ferro quase que saudosista (quebrada em alguns momentos pelo vanguardismo da ex-diretora criativa Grace Coddington), Sozzani tinha seus olhos voltados àquilo que faz a diferença: o que nunca fez-se questão de ressaltar neste campo. O patriarcado, problemas ambientais, a intersecção entre a moda e outras expressões artísticas - o cinema, a dança...
Um singelo exemplo de sua influência é o fato de roupas hoje sendo, mais do que nunca, apontadas como portadoras de uma ideia. São tempos em que literalmente estampamos nossos posicionamentos políticos em t-shirts e postamos no Instagram. E, ainda que não saibamos, devemos muito disto às imagens conceituais de Franca e seus fotógrafos. Se existiram personalidades com uma espécie de espírito de Nouvelle Vague no mundo da moda, personalidades que jogaram qualquer manual aos quatro ventos a fim de desenvolver o caráter desafiador da arte, ela certamente foi um de seus expoentes máximos, ao lado de sua colega de profissão Diana Vreeland e estilistas como Yves Saint-Laurent e Hubert Givenchy.
'Franca: Chaos and Creation' é também uma linda homenagem de um filho para sua musa, a própria mãe. Que mente linda, a dessa mulher! Tanta sede em viver e um carisma enriquecedor.
Loucamente Apaixonados
3.5 1,2K Assista Agora"Because it's the halves that halve you in half."
Sobre perder-se e então encontrar-se em outrem e então, bem... perder essa pessoa. E perder-se de novo. E (re)construir-se devagar. Nos mais variados sentidos possíveis.
'Like Crazy' é real e encantador e desesperador. A história de um amor descomplicado num labirinto. Quantas vezes a gente já não viveu um destes, cada qual com suas sutis particularidades? Mais do que a cadeira do caso: um olhar, as mãos dançantes que moram com a gente para a eternidade. Eu espero sempre, sempre ter paciência para dar a estes detalhes a devida atenção. E para ouvir a cada vez que alguém se sentir confortável o suficiente para contar-me do seu Jacob ou da sua Anna. Desde a leveza dos primeiros encontros, passando pelo esfriar e em especial do que fica independentemente da forma que nossos sentimentos tomam.
Ah, e o final, Dios mio, o final.
Como poderia ser mais honesto?
Um Homem que Dorme
4.4 196Meu Deus Do Céu Que Filme Verborrágico Do Caralho
Salomé
3.8 26O Al Pacino, ele é realmente um monstro atuando. Quando entra em cena, parece até que ninguém mais existe (ok, talvez a Chastain - ela está incrível).
Eu ponderei por um tempo se o fato d'este filme ser praticamente um teatro filmado é um ponto positivo ou não, se é válido ou não, mas quer saber? A intensidade e o deslumbre, a bela destruição que senti aqui vão além de qualquer barreira que tentemos colocar na arte. Ela provou - e constantemente o faz - que tem vida própria e, mais que isso, uma paixão ardente corre em suas veias sem precisar de muito, numa forma pura. Só tenho a agradecer pelo texto interpretado com tanta verdade, pela câmera simples que suga tudo com tanta perspicácia e por pessoas que notavelmente amam o que fazem.
'Salomé' é o tipo de filme que me faz literalmente chorar pensando em como a arte é linda.