Três horas da tarde de um sábado de verão na França e vinte metros separam os pilotos de seus carros. É dada a largada e primeira competição tem início; quem irá entrar no carro e arrancar primeiro. É claro que se você está em um Porsche você tem vantagem ao ligar o carro, mas o que você mais deseja neste momento é estar em uma Ferrari, campeã das últimas cinco edições desta corrida lendária. Você arranca com o carro em direção a Ponte Dunlop na maior velocidade que consegue e, com a soma de sua habilidade e um pouco de sorte, você passa por este trecho da pista sem bater e ultrapassando alguns carros. Diminui para passar pelos “Esses” e reduz para primeira marcha para contornar a “Tertre Rouge” (Monte Vermelho) e carregar o que for possível de velocidade para atravessar a “Reta Mulsanne” (Hunaudières para os franceses); uma reta de 6 quilômetros que termina na “curva Mulsanne” com uma freada forte e redução para segunda ou primeira marcha e seguir - pelo trecho que os franceses chamam de “Mulsanne” - até as curvas “Indianapolis”, “Arnage” e “Maison Blanche” (Casa Branca), chegando a reta dos boxes e completando a primeira de 345 voltas - em média.
“Ford v Ferrari” não é o tipo de filme apenas para “quem gosta de carros”. É um filme completo que transmite emoção através de sua parte técnica e possui alguns detalhes para quem conhece a história real. A começar pelo método de atuação de Christian Bale, que já é bem conhecido, e nos faz entender facilmente quem é Ken Miles e como era um excelente piloto. Com facilidade, também, entendemos como é estar em um carro de competição a mais de 300 quilômetros por hora lidando com a situação de competição na pista e sentindo e controlando o carro.
Sentimos por Ken Miles quando a politicagem do esporte o impede de competir em 1964 e lhe toma a vitória de 1966, mas não o vemos desistir e sim continuar a desenvolver o carro. Ele prova que é um excelente piloto ao fazer três voltas perfeitas colocando o melhor tempo de volta e levando o carro ao limite sem destrui-lo. E no final, quando sua vitoria é tomada covardemente ele diz a Shelby; “você prometeu que eu iria correr, não que iria vencer” e já começa a falar sobre como melhorar o próximo carro. Há algo que fica claro no filme para quem conhece e para quem não conhece a história do esporte a motor; há um respeito entre os pilotos. Enzo Ferrari retira o chapéu para Miles no final da corrida o cumprimentando. E este é o tipo de honra que Ford II jamais entenderia, afinal ele era herdeiro de um império construído por seu avô. Diferente de Enzo Ferrari, Ford II nunca competiu, apenas queria saber de números e não eram os números de peso e potência de seus carros e nem de quantos décimos mais rápidos ou mais lentos eles eram de seus competidores. Mas o GT 40 de Shelby e Miles provou ser um belíssimo projeto vencendo a prova de 66 e as próximas três edições colocando a Ford no cenário competitivo com louvor.
Testemunhamos Ken Miles e saudamos o piloto que corre brilhante e cromado nas estradas de Valhalla!
Um filme com um ritmo próprio, simples em sua complexidade e muito cativante. Você conhece - e entende - as personagens sem nenhum clichê de desenvolvimento e sem nenhuma explicação - tão comuns nos filmes mais recentes. Sutileza é a melhor palavra para o que faz este filme funcionar tão bem.
A confrontação dos jurados nos apresentam diferentes opiniões, personalidades e origens. Eles não são identificados pelos nomes, mas por números e profissões, o que contribui para a criação de tipos sociais bem definidos, que fora utilizado no tribunal não mostrado no filme. Enquanto o oitavo jurado apresenta o beneficio da duvida, os outros querem condenar logo o rapaz, para que assim se livrem de mais um fardo, ignorando que o que fora dito e apresentado pode não ser verdade. Alguns jurados passam a dividir da culpa também, ao passo que alguns se mantem firmes em suas decisões de culpar o rapaz. A sala em que estão confinados está quente e o único ventilador não funciona. As janelas abertas não ventilam o suficiente, transformando aquela sala em uma espécie de inferno. Os jurados começam a suar e os que estão em dúvida apresentam suor em seus rostos, mas não em suas roupas, enquanto os que mantem suas opiniões não apresentam tais características.
Algo a se analisar é a diferença do Juri americano face ao brasileiro: no norte americano os jurados se reunem para discutir tudo o que fora apresentado, dando assim oportunidade para uma eventual mudança de opinião, para bem ou para mal, como apresentado no filme. O Juri brasileiro não tem esta conversa final, o que pode não ser encarado como justo, já que podemos presumir que muitos dos jurados votam com base em preconceitos ou apenas pela obrigação - ônus - da função a este incumbida, sem ao menos analisar a situação da maneira que deveria ser analisada.
Triste, solitário e com a sequela de uma lesão cerebral que o faz soltar uma gargalhada sem controle algum quando suas emoções explodem, mas não niilista ou o tão mencionado “incel”. Este Coringa é uma personificação do pensamento rousseauniano: fruto da sociedade em que vive. Uma sociedade desamparada, uma sociedade imersa em caos onde os poderosos da cidade, em suas vidas confortáveis, se lançam como os únicos salvadores valendo-se de promessas que jamais cogitaram cumprir, mas que ganha uma parcela da população - qualquer semelhança com o atual cenário nacional não é mera coincidência.
“Você me pergunta se eu tenho pensamentos negativos… tudo o que eu tenho são pensamentos negativos.”
Numa das conversas com a assistente social Arthur menciona que durante muito tempo ‘não sabia se ele realmente existia, mas que agora as pessoas o estão notando’. Neste inicio, ainda distante do “agente do caos” que tanto conhecemos, nos deparamos com uma transição; Arthur mata os três “rapazes de família” no metrô e aquilo desperta algo nele, mas ainda há dúvida que se esvai no momento em que Murray Franklin(Robert De Niro) apresenta seu vídeo na televisão o expondo ao ridículo. Somando com os problemas psicológicos, histórico de maus tratos e a relação com a mãe - e Thomas Wayne -, faz com que os sentimentos se misturem ainda mais dando uma certa ordem ao caos… É neste momento em que ele dança e se veste de vermelho, em contraposição ao tom sóbrio de todo o resto do filme. Não há ali niilismo, mas uma vontade de agir contra o sistema que o criou, algo que sempre será fascinante.
“Eu achava que minha vida era uma tragédia, mas agora eu entendi que ela é uma comédia.”
Falam em violência e neste momento me lembro do discurso final de “Monsieur Verdoux” do magistral Charles Chaplin; “(…) Por mais descuidado que o senhor promotor tenha sido, ao menos reconheceu que eu sou inteligente. Obrigado, monsieur, eu sou. E durante 35 anos usei a inteligência honestamente. Depois disso, ninguém a quis… Vi-me obrigado a trabalhar por conta própria. Quanto a ser um assassino em massa, o mundo não o encoraja? Não fabricam armas de destruição com o propósito de matar em massa? Não mandam mulheres e crianças indefesas pelos ares e fazem-no de forma muito científica? Por comparação, sou um assassino em massa amador…”
A “moral, os bons costumes e a familia” - seja lá qual significado seja atribuído a cada item - só interessam na exposição midiática, só tem papel na sociedade do espetáculo e nada mais. Um Estado que permite que os necessitados morram em favor de uma economia estável não pode falar moral. Então, atrás das cortinas deste imenso e sombrio palco as pessoas são massacradas, mas precisam aceitar, porque é ‘injusto acusar aqueles que tiveram sorte por você estar nesta situação miserável’. Um Estado que permite que os necessitados morram em favor de uma economia estável não pode falar em “moral”…
Assim criamos uma empatia perigosa para com Arthur. O vemos apanhar física e moralmente. Estamos, a princípio, de seu lado como espectadores, afinal, quem nunca teve um dia ruim e quis dar um fim em tudo? Então, o agora, Coringa tem seu “momento final de criação” no palco daquele que ele sempre admirou. Ali, admitindo ter cometido os três assassinatos o Coringa finalmente nasce, sem niilismo algum e com muita opinião política - apesar de negar -, assim nos sentimos vingados, aliviados graças a empatia gerada no primeiro ato. Neste ato de violência alguns riem da situação, outros ficam chocados e em alguns outros um gatilho é disparado liberando um sentimento de vontade de agir tal como a personagem em tela. Mas antes de culpar o filme pelos atos destas pessoas precisamos entender o que as levou a despertar esta persona monstruosa. Compreendemos o Coringa, mas não as pessoas no nosso mundo…
Uma obra artística é fruto do momento em que ela é gerada e neste ponto o Coringa de Joaquin Phoenix é um límpido espelho do nosso cotidiano.
É fato notório que a opinião de Stephen King para com a adaptação de Stanley Kubrick de “O Iluminado” para o cinema não é uma das melhores - talvez deva dizer que é uma das piores. Tendo isto em mente, e sendo um grande admirador de todas as obras de Kubrick, sempre tive curiosidade em ler o livro de King, entretanto, não acho que seria justo comparar uma adaptação ao cinema com a obra original. Assim decidi utilizar este filme para TV, com duração de 4h30 e dividido em três partes, dirigido por Mick Garris e com roteiro e produção do próprio Stephen King para tal comparação. Não compararei a qualidade técnica ou de atuações, já que a ideia aqui é comparar as diferenças da história, do roteiro.
King nos apresenta um plano de fundo para a história contada no Hotel Overlook, já impregnada em nosso imaginário, desenvolvendo, assim, as motivações de suas personagens. Mostra o que levou aquela familia até aquela situação; de passar o inverno isolada em um hotel no meio das montanhas. Nos apresenta Jack e seu problema com o alcoolismo, o sobrenatural dom de Danny e a esposa e mãe Wendy, uma mulher forte que se mantém firme na realidade ao tentar entender e enfrentar a situação bizarra. Kubrick não nos mostra o que aconteceu com a família, apenas expõe em alguns diálogos rápidos que Jack não bebe há alguns meses. Não sabemos do dom de Danny até o encontro com Dick Hallorann, quando estão conhecendo as dependências do hotel, e Wendy, que aqui é submissa as vontades do marido e é conduzida pela estranha situação sem nenhum tipo de controle. Mas, apesar destas diferenças, o problema não está no filme de Kubrick e sim no de King. O problema está no fato de Stephen King querer transpor seu livro para a tela. Assim ele desenvolve bem, até o ponto de deixar a narrativa cansativa. Você passa tanto tempo naquela história acompanhado detalhes que não fazem diferença para o filme que você se acostuma e assim a tensão deixa de existir.
Por Kubrick não nos mostrar os detalhes ficamos acuados, à espreita por não saber o que irá acontecer assim que Danny entrar em um novo corredor. Ficamos encarando a tela tensos desde o início do filme com aquela música macabra enquanto a família se dirige ao hotel. Analisamos o que é dito para captar algum detalhe e entender quem são aquelas pessoas. Os diálogos de Jack no bar, no banheiro e quando preso na dispensa nos mostra, de uma forma sutil, o que filme de Stephen King deixa explícito. Não que seja ruim, mas no meu ponto de vista isto ajuda a diminuir a tensão.
E então os “erros de continuísmo” de Stanley Kubrick. Basta uma rápida pesquisa para saber o quão metódico Kubrick era com seus filmes e que tais “erros” servem para nos mostrar que este não é um filme de terror qualquer. A cadeira que desaparece entre um plano e outro da conversa de Jack e Wendy nos diz “você está olhando atentamente?”. E não, não estamos olhando atentamente porque estamos horrorizados. Mesmo tendo assistido o filme de Kubrick diversas vezes você ainda se pega acuado quando Danny vê as gêmeas na sala de jogos e com o silêncio daquele hotel.
As páginas de um livro recepcionam bem a história de Stephen King, por isso é um dos maiores escritores. As tela do cinema recepcionam bem a história de Stanley Kubrick, por isso é um dos maiores cineastas. Assistir o filme escrito por Stephen King foi uma experiência muito gratificante e que os fãs do filme de Stanley Kubrick deveriam fazer ao menos uma vez.
No final fica um gosto de que o filme de Kubrick é um resumo com algumas alterações do livro, mas como dito pelo próprio Stanley Kubrick; é apenas a história da familia de um homem enlouquecendo silenciosamente. youtu.be/dv8KroxoAhk?t=544
Não acho que "Suspiria" de Luca Guadagnino não deve ser comparado ao "Suspiria" de Dario Argento, a proposta dos filmes são diferentes. Argento nos apresentou uma experiência sensorial através das luzes e cores em um ambiente misterioso enquanto o filme de Luca Guadagnino é sóbrio e sabemos desde o início onde estamos e o que estamos vendo.
Há algumas referências visuais ao "Suspiria" de Argento, como objetos vermelhos e verdes em determinadas cenas, assim com os “fantasmas” de luz.
O que torna o filme especial é saber para onde a história te levará e mesmo assim ser surpreendido. A primeira vez em que vemos Susie dançar em um teste e vemos a reação de Madame Blanc, que sente algo acontecendo - mesmo estando em outra parte da escola. Há uma magia sutil, uma magia de movimentos, olhares e palavras que nos apontam a transformação da protagonista desde o começo.
A cena em que Olga se desespera e diz que vai embora, mas acaba ficando presa em outro local da escola foi a que mais me chamou atenção. Susie volta a dançar - após uma ato mágico de Madame Blanc - e esperemos por um cena sanguinolenta como as de Argento, mas não. O corpo de Olga é arremessado pela sala e seus membros torcidos e quebrados a cada movimento de Susie.
Em certa parte Madame Blanc diz; “Uma parte do problema é sempre não poder ver o seu corpo no espaço. Um ângulo, um espelho ou mesmo um filme não são suficientes. O movimento nunca é mudo, é uma linguagem. É uma série de formas energéticas escritas no ar como palavras formando frases. Como poemas. Como orações.”
A câmera de Guadagnino começa com movimentos semelhantes ao do filme de Argento até que se estabiliza e passa a ser uma testemunha do que está acontecendo. Em uma cena marcante no final do filme, a câmera não nos mostra tudo. E é assim que Guadagnino deseja construir seu poema. É assim que ele quer este filme; diferente. Não é para substituir o filme de Argento, longe disso, mas apreciar a obra através de outro espelho, de um outro ângulo.
Com base em uma ideia de Orson Welles - baseado em um caso real - e na vida conturbada que Chaplin levava a época, "Monsieur Verdoux" nos apresenta um assassino em série que ataca viúvas ricas para ficar com suas fortunas. Mas ver Chaplin neste papel é um tanto estranho e, a primeira vista, você não consegue assimilar a gravidade da história apresentada.
Ao final, no julgamento, Chaplin - aqui Verdoux - faz um discurso rápido e que muitas vezes é criticado por não condizer com o 1º e 2º atos do filme, mas discordo. Sabendo o que este filme representa na vida de Chaplin, faz todo sentido o final ser "corrido". Ele não queria estar naquela situação - o que é apresentado em seu discurso final -, agora que está, espera que acabe rápido para sair desta situação hipócrita de todos os que o acusaram são pessoas que cometem crimes semelhantes, ou piores (em seu ponto de vista).
Um filme que me tocou profundamente. Em parte por mostrar a parte primitiva, animalesca (que assim como boa parte das pessoas civilizadas, tento reprimir) do subconsciente que está ligado ao fascínio pela morte e fragilidade da vida. A outra parte está ligada a obra máxima de Dante Alighieri, “A Divina Comédia”, um de meus livros favoritos.
O modo como Lars von Trier nos apresenta o inferno dantesco em uma representação visual surpreendentemente bela nos dá um tempo para digerir o que aconteceu nos dois primeiros atos do filme. Jack não é um ser exótico como interpretamos no inicio do filme. Jack é um homem comum, com pensamentos e atitudes - infelizmente - comuns em nossa sociedade. A diferença - e o que mais chamou minha atenção - é a evolução de sua imoralidade ante ao seu desenvolvimento e de suas atitudes reprováveis, atitudes grotescas, atitudes… humanas. A plateia também acompanha Jack neste desenvolvimento. A princípio muitos riem da violência (explícita) mostrada na tela. Um, dois, três assassinatos brutais e as risadas diminuem. Eis que Jack decide empalhar uma de suas vítimas; uma criança, então uma pessoa solta uma gargalhada como se aquilo a extasiasse, o que me fez pensar até que ponto conseguimos nos manter éticos perante a sociedade.
Lars von Trier nos diz através de Jack; “Alguns afirmam que as atrocidades que cometemos na ficção são desejos internos que não podemos revelar em nossa civilização controlada. Então nos expressamos através de nossa arte. Não concordo. Acredito que o Céu e o Inferno são uma coisa só. A alma pertence ao Céu e o corpo ao Inferno.”
Jack discorda por se identificar. Jack busca uma explicação celestial e infernal para poder se consolar. No fundo todos nós somos como Jack e sua “casa”. Tentamos construir o alicerce de nossas casas com os familiares por acreditarmos cegamente que temos uma estrutura sólida, então construímos o resto com os relacionamentos ao longo de nossa vida. Queremos ser felizes o tempo todo, mas não conseguimos e assim, ao notar que agimos de uma forma animalesca, tentamos esconder nossas frustrações e tristezas ao forjar memórias de uma vida feliz, assim como Jack que ao não construir sua casa. Alteramos os detalhes que nos incomodam até que passamos a achar normal algumas de nossas atitudes.
Em seu último ato egóico, Jack (agora Dante), depois de atravessar alguns círculos do Inferno, dispensa a ajuda de Virgílio e tenta escapar do Inferno.
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Ford vs Ferrari
3.9 712 Assista AgoraTrês horas da tarde de um sábado de verão na França e vinte metros separam os pilotos de seus carros. É dada a largada e primeira competição tem início; quem irá entrar no carro e arrancar primeiro. É claro que se você está em um Porsche você tem vantagem ao ligar o carro, mas o que você mais deseja neste momento é estar em uma Ferrari, campeã das últimas cinco edições desta corrida lendária. Você arranca com o carro em direção a Ponte Dunlop na maior velocidade que consegue e, com a soma de sua habilidade e um pouco de sorte, você passa por este trecho da pista sem bater e ultrapassando alguns carros. Diminui para passar pelos “Esses” e reduz para primeira marcha para contornar a “Tertre Rouge” (Monte Vermelho) e carregar o que for possível de velocidade para atravessar a “Reta Mulsanne” (Hunaudières para os franceses); uma reta de 6 quilômetros que termina na “curva Mulsanne” com uma freada forte e redução para segunda ou primeira marcha e seguir - pelo trecho que os franceses chamam de “Mulsanne” - até as curvas “Indianapolis”, “Arnage” e “Maison Blanche” (Casa Branca), chegando a reta dos boxes e completando a primeira de 345 voltas - em média.
“Ford v Ferrari” não é o tipo de filme apenas para “quem gosta de carros”. É um filme completo que transmite emoção através de sua parte técnica e possui alguns detalhes para quem conhece a história real.
A começar pelo método de atuação de Christian Bale, que já é bem conhecido, e nos faz entender facilmente quem é Ken Miles e como era um excelente piloto. Com facilidade, também, entendemos como é estar em um carro de competição a mais de 300 quilômetros por hora lidando com a situação de competição na pista e sentindo e controlando o carro.
Sentimos por Ken Miles quando a politicagem do esporte o impede de competir em 1964 e lhe toma a vitória de 1966, mas não o vemos desistir e sim continuar a desenvolver o carro. Ele prova que é um excelente piloto ao fazer três voltas perfeitas colocando o melhor tempo de volta e levando o carro ao limite sem destrui-lo. E no final, quando sua vitoria é tomada covardemente ele diz a Shelby; “você prometeu que eu iria correr, não que iria vencer” e já começa a falar sobre como melhorar o próximo carro.
Há algo que fica claro no filme para quem conhece e para quem não conhece a história do esporte a motor; há um respeito entre os pilotos. Enzo Ferrari retira o chapéu para Miles no final da corrida o cumprimentando. E este é o tipo de honra que Ford II jamais entenderia, afinal ele era herdeiro de um império construído por seu avô. Diferente de Enzo Ferrari, Ford II nunca competiu, apenas queria saber de números e não eram os números de peso e potência de seus carros e nem de quantos décimos mais rápidos ou mais lentos eles eram de seus competidores. Mas o GT 40 de Shelby e Miles provou ser um belíssimo projeto vencendo a prova de 66 e as próximas três edições colocando a Ford no cenário competitivo com louvor.
Testemunhamos Ken Miles e saudamos o piloto que corre brilhante e cromado nas estradas de Valhalla!
Agora Estamos Sozinhos
2.7 127 Assista AgoraUm filme com um ritmo próprio, simples em sua complexidade e muito cativante. Você conhece - e entende - as personagens sem nenhum clichê de desenvolvimento e sem nenhuma explicação - tão comuns nos filmes mais recentes. Sutileza é a melhor palavra para o que faz este filme funcionar tão bem.
12 Homens e Uma Sentença
4.6 1,2K Assista AgoraA confrontação dos jurados nos apresentam diferentes opiniões, personalidades e origens. Eles não são identificados pelos nomes, mas por números e profissões, o que contribui para a criação de tipos sociais bem definidos, que fora utilizado no tribunal não mostrado no filme.
Enquanto o oitavo jurado apresenta o beneficio da duvida, os outros querem condenar logo o rapaz, para que assim se livrem de mais um fardo, ignorando que o que fora dito e apresentado pode não ser verdade. Alguns jurados passam a dividir da culpa também, ao passo que alguns se mantem firmes em suas decisões de culpar o rapaz. A sala em que estão confinados está quente e o único ventilador não funciona. As janelas abertas não ventilam o suficiente, transformando aquela sala em uma espécie de inferno. Os jurados começam a suar e os que estão em dúvida apresentam suor em seus rostos, mas não em suas roupas, enquanto os que mantem suas opiniões não apresentam tais características.
Algo a se analisar é a diferença do Juri americano face ao brasileiro: no norte americano os jurados se reunem para discutir tudo o que fora apresentado, dando assim oportunidade para uma eventual mudança de opinião, para bem ou para mal, como apresentado no filme. O Juri brasileiro não tem esta conversa final, o que pode não ser encarado como justo, já que podemos presumir que muitos dos jurados votam com base em preconceitos ou apenas pela obrigação - ônus - da função a este incumbida, sem ao menos analisar a situação da maneira que deveria ser analisada.
Coringa
4.4 4,1K Assista AgoraTriste, solitário e com a sequela de uma lesão cerebral que o faz soltar uma gargalhada sem controle algum quando suas emoções explodem, mas não niilista ou o tão mencionado “incel”. Este Coringa é uma personificação do pensamento rousseauniano: fruto da sociedade em que vive. Uma sociedade desamparada, uma sociedade imersa em caos onde os poderosos da cidade, em suas vidas confortáveis, se lançam como os únicos salvadores valendo-se de promessas que jamais cogitaram cumprir, mas que ganha uma parcela da população - qualquer semelhança com o atual cenário nacional não é mera coincidência.
“Você me pergunta se eu tenho pensamentos negativos… tudo o que eu tenho são pensamentos negativos.”
Numa das conversas com a assistente social Arthur menciona que durante muito tempo ‘não sabia se ele realmente existia, mas que agora as pessoas o estão notando’. Neste inicio, ainda distante do “agente do caos” que tanto conhecemos, nos deparamos com uma transição; Arthur mata os três “rapazes de família” no metrô e aquilo desperta algo nele, mas ainda há dúvida que se esvai no momento em que Murray Franklin(Robert De Niro) apresenta seu vídeo na televisão o expondo ao ridículo.
Somando com os problemas psicológicos, histórico de maus tratos e a relação com a mãe - e Thomas Wayne -, faz com que os sentimentos se misturem ainda mais dando uma certa ordem ao caos…
É neste momento em que ele dança e se veste de vermelho, em contraposição ao tom sóbrio de todo o resto do filme. Não há ali niilismo, mas uma vontade de agir contra o sistema que o criou, algo que sempre será fascinante.
“Eu achava que minha vida era uma tragédia, mas agora eu entendi que ela é uma comédia.”
Falam em violência e neste momento me lembro do discurso final de “Monsieur Verdoux” do magistral Charles Chaplin;
“(…) Por mais descuidado que o senhor promotor tenha sido, ao menos reconheceu que eu sou inteligente. Obrigado, monsieur, eu sou. E durante 35 anos usei a inteligência honestamente. Depois disso, ninguém a quis… Vi-me obrigado a trabalhar por conta própria. Quanto a ser um assassino em massa, o mundo não o encoraja? Não fabricam armas de destruição com o propósito de matar em massa? Não mandam mulheres e crianças indefesas pelos ares e fazem-no de forma muito científica? Por comparação, sou um assassino em massa amador…”
A “moral, os bons costumes e a familia” - seja lá qual significado seja atribuído a cada item - só interessam na exposição midiática, só tem papel na sociedade do espetáculo e nada mais. Um Estado que permite que os necessitados morram em favor de uma economia estável não pode falar moral. Então, atrás das cortinas deste imenso e sombrio palco as pessoas são massacradas, mas precisam aceitar, porque é ‘injusto acusar aqueles que tiveram sorte por você estar nesta situação miserável’. Um Estado que permite que os necessitados morram em favor de uma economia estável não pode falar em “moral”…
Assim criamos uma empatia perigosa para com Arthur. O vemos apanhar física e moralmente. Estamos, a princípio, de seu lado como espectadores, afinal, quem nunca teve um dia ruim e quis dar um fim em tudo? Então, o agora, Coringa tem seu “momento final de criação” no palco daquele que ele sempre admirou. Ali, admitindo ter cometido os três assassinatos o Coringa finalmente nasce, sem niilismo algum e com muita opinião política - apesar de negar -, assim nos sentimos vingados, aliviados graças a empatia gerada no primeiro ato. Neste ato de violência alguns riem da situação, outros ficam chocados e em alguns outros um gatilho é disparado liberando um sentimento de vontade de agir tal como a personagem em tela. Mas antes de culpar o filme pelos atos destas pessoas precisamos entender o que as levou a despertar esta persona monstruosa. Compreendemos o Coringa, mas não as pessoas no nosso mundo…
Uma obra artística é fruto do momento em que ela é gerada e neste ponto o Coringa de Joaquin Phoenix é um límpido espelho do nosso cotidiano.
O Iluminado
3.6 317É fato notório que a opinião de Stephen King para com a adaptação de Stanley Kubrick de “O Iluminado” para o cinema não é uma das melhores - talvez deva dizer que é uma das piores. Tendo isto em mente, e sendo um grande admirador de todas as obras de Kubrick, sempre tive curiosidade em ler o livro de King, entretanto, não acho que seria justo comparar uma adaptação ao cinema com a obra original. Assim decidi utilizar este filme para TV, com duração de 4h30 e dividido em três partes, dirigido por Mick Garris e com roteiro e produção do próprio Stephen King para tal comparação.
Não compararei a qualidade técnica ou de atuações, já que a ideia aqui é comparar as diferenças da história, do roteiro.
King nos apresenta um plano de fundo para a história contada no Hotel Overlook, já impregnada em nosso imaginário, desenvolvendo, assim, as motivações de suas personagens. Mostra o que levou aquela familia até aquela situação; de passar o inverno isolada em um hotel no meio das montanhas. Nos apresenta Jack e seu problema com o alcoolismo, o sobrenatural dom de Danny e a esposa e mãe Wendy, uma mulher forte que se mantém firme na realidade ao tentar entender e enfrentar a situação bizarra.
Kubrick não nos mostra o que aconteceu com a família, apenas expõe em alguns diálogos rápidos que Jack não bebe há alguns meses. Não sabemos do dom de Danny até o encontro com Dick Hallorann, quando estão conhecendo as dependências do hotel, e Wendy, que aqui é submissa as vontades do marido e é conduzida pela estranha situação sem nenhum tipo de controle. Mas, apesar destas diferenças, o problema não está no filme de Kubrick e sim no de King.
O problema está no fato de Stephen King querer transpor seu livro para a tela. Assim ele desenvolve bem, até o ponto de deixar a narrativa cansativa. Você passa tanto tempo naquela história acompanhado detalhes que não fazem diferença para o filme que você se acostuma e assim a tensão deixa de existir.
Por Kubrick não nos mostrar os detalhes ficamos acuados, à espreita por não saber o que irá acontecer assim que Danny entrar em um novo corredor. Ficamos encarando a tela tensos desde o início do filme com aquela música macabra enquanto a família se dirige ao hotel.
Analisamos o que é dito para captar algum detalhe e entender quem são aquelas pessoas. Os diálogos de Jack no bar, no banheiro e quando preso na dispensa nos mostra, de uma forma sutil, o que filme de Stephen King deixa explícito. Não que seja ruim, mas no meu ponto de vista isto ajuda a diminuir a tensão.
E então os “erros de continuísmo” de Stanley Kubrick. Basta uma rápida pesquisa para saber o quão metódico Kubrick era com seus filmes e que tais “erros” servem para nos mostrar que este não é um filme de terror qualquer. A cadeira que desaparece entre um plano e outro da conversa de Jack e Wendy nos diz “você está olhando atentamente?”. E não, não estamos olhando atentamente porque estamos horrorizados.
Mesmo tendo assistido o filme de Kubrick diversas vezes você ainda se pega acuado quando Danny vê as gêmeas na sala de jogos e com o silêncio daquele hotel.
As páginas de um livro recepcionam bem a história de Stephen King, por isso é um dos maiores escritores.
As tela do cinema recepcionam bem a história de Stanley Kubrick, por isso é um dos maiores cineastas.
Assistir o filme escrito por Stephen King foi uma experiência muito gratificante e que os fãs do filme de Stanley Kubrick deveriam fazer ao menos uma vez.
No final fica um gosto de que o filme de Kubrick é um resumo com algumas alterações do livro, mas como dito pelo próprio Stanley Kubrick; é apenas a história da familia de um homem enlouquecendo silenciosamente.
youtu.be/dv8KroxoAhk?t=544
Suspíria: A Dança do Medo
3.7 1,2K Assista AgoraNão acho que "Suspiria" de Luca Guadagnino não deve ser comparado ao "Suspiria" de Dario Argento, a proposta dos filmes são diferentes.
Argento nos apresentou uma experiência sensorial através das luzes e cores em um ambiente misterioso enquanto o filme de Luca Guadagnino é sóbrio e sabemos desde o início onde estamos e o que estamos vendo.
Há algumas referências visuais ao "Suspiria" de Argento, como objetos vermelhos e verdes em determinadas cenas, assim com os “fantasmas” de luz.
O que torna o filme especial é saber para onde a história te levará e mesmo assim ser surpreendido. A primeira vez em que vemos Susie dançar em um teste e vemos a reação de Madame Blanc, que sente algo acontecendo - mesmo estando em outra parte da escola. Há uma magia sutil, uma magia de movimentos, olhares e palavras que nos apontam a transformação da protagonista desde o começo.
A cena em que Olga se desespera e diz que vai embora, mas acaba ficando presa em outro local da escola foi a que mais me chamou atenção.
Susie volta a dançar - após uma ato mágico de Madame Blanc - e esperemos por um cena sanguinolenta como as de Argento, mas não. O corpo de Olga é arremessado pela sala e seus membros torcidos e quebrados a cada movimento de Susie.
Em certa parte Madame Blanc diz;
“Uma parte do problema é sempre não poder ver o seu corpo no espaço. Um ângulo, um espelho ou mesmo um filme não são suficientes. O movimento nunca é mudo, é uma linguagem. É uma série de formas energéticas escritas no ar como palavras formando frases. Como poemas. Como orações.”
A câmera de Guadagnino começa com movimentos semelhantes ao do filme de Argento até que se estabiliza e passa a ser uma testemunha do que está acontecendo.
Em uma cena marcante no final do filme, a câmera não nos mostra tudo. E é assim que Guadagnino deseja construir seu poema. É assim que ele quer este filme; diferente. Não é para substituir o filme de Argento, longe disso, mas apreciar a obra através de outro espelho, de um outro ângulo.
Monsieur Verdoux
4.2 126 Assista AgoraCom base em uma ideia de Orson Welles - baseado em um caso real - e na vida conturbada que Chaplin levava a época, "Monsieur Verdoux" nos apresenta um assassino em série que ataca viúvas ricas para ficar com suas fortunas.
Mas ver Chaplin neste papel é um tanto estranho e, a primeira vista, você não consegue assimilar a gravidade da história apresentada.
Ao final, no julgamento, Chaplin - aqui Verdoux - faz um discurso rápido e que muitas vezes é criticado por não condizer com o 1º e 2º atos do filme, mas discordo.
Sabendo o que este filme representa na vida de Chaplin, faz todo sentido o final ser "corrido". Ele não queria estar naquela situação - o que é apresentado em seu discurso final -, agora que está, espera que acabe rápido para sair desta situação hipócrita de todos os que o acusaram são pessoas que cometem crimes semelhantes, ou piores (em seu ponto de vista).
A Casa Que Jack Construiu
3.5 788 Assista AgoraUm filme que me tocou profundamente. Em parte por mostrar a parte primitiva, animalesca (que assim como boa parte das pessoas civilizadas, tento reprimir) do subconsciente que está ligado ao fascínio pela morte e fragilidade da vida. A outra parte está ligada a obra máxima de Dante Alighieri, “A Divina Comédia”, um de meus livros favoritos.
O modo como Lars von Trier nos apresenta o inferno dantesco em uma representação visual surpreendentemente bela nos dá um tempo para digerir o que aconteceu nos dois primeiros atos do filme. Jack não é um ser exótico como interpretamos no inicio do filme. Jack é um homem comum, com pensamentos e atitudes - infelizmente - comuns em nossa sociedade. A diferença - e o que mais chamou minha atenção - é a evolução de sua imoralidade ante ao seu desenvolvimento e de suas atitudes reprováveis, atitudes grotescas, atitudes… humanas. A plateia também acompanha Jack neste desenvolvimento. A princípio muitos riem da violência (explícita) mostrada na tela. Um, dois, três assassinatos brutais e as risadas diminuem. Eis que Jack decide empalhar uma de suas vítimas; uma criança, então uma pessoa solta uma gargalhada como se aquilo a extasiasse, o que me fez pensar até que ponto conseguimos nos manter éticos perante a sociedade.
Lars von Trier nos diz através de Jack;
“Alguns afirmam que as atrocidades que cometemos na ficção são desejos internos que não podemos revelar em nossa civilização controlada. Então nos expressamos através de nossa arte. Não concordo. Acredito que o Céu e o Inferno são uma coisa só. A alma pertence ao Céu e o corpo ao Inferno.”
Jack discorda por se identificar. Jack busca uma explicação celestial e infernal para poder se consolar.
No fundo todos nós somos como Jack e sua “casa”. Tentamos construir o alicerce de nossas casas com os familiares por acreditarmos cegamente que temos uma estrutura sólida, então construímos o resto com os relacionamentos ao longo de nossa vida.
Queremos ser felizes o tempo todo, mas não conseguimos e assim, ao notar que agimos de uma forma animalesca, tentamos esconder nossas frustrações e tristezas ao forjar memórias de uma vida feliz, assim como Jack que ao não construir sua casa. Alteramos os detalhes que nos incomodam até que passamos a achar normal algumas de nossas atitudes.
Em seu último ato egóico, Jack (agora Dante), depois de atravessar alguns círculos do Inferno, dispensa a ajuda de Virgílio e tenta escapar do Inferno.