Eu amo quando uma pessoa autora consegue subverter a lógica sensorial do audiovisual de maneira eficaz, como Derek Jerman fez em 1993 com o filme "Blue" e a temática do HIV, onde o poder da narrativa transforma o produto em obra-prima mesmo com a ausência de imagens. Alice Diop traz em Saint Omer algo semelhante, onde os momentos de ausência de som revelam a opressão silenciosa do assimilacionismo advindo da herança colonialista, enquanto reflete o isolamento feminino que antecede e sucede o período da maternidade. Fazendo um paralelo com a mitologia de Medeia, Diop trouxe pra nossa era uma releitura pungente que destaca a relevância e interseccionalidade abrangente aos assuntos tratados.
"...então vocês abrem os volumes de Direito Penal e a consideram culpada. Mas se fizerem isso, vocês terão proferido um julgamento, mas não terão feito justiça. Vocês terão respondido apenas à pergunta mais fácil, não aquela que vocês deveriam estar se perguntando. Se vocês não conseguem se perguntar essa questão, vocês continuarão na praia, atordoados pelo horror do crime."
Eu costumo passar reto quando a sinopse de um filme descreve o personagem principal como escritor, muito por ter assistido pencas de outros filmes com esse mesmo tema e achar entediante o modo como essa premissa é recontada inúmeras vezes, como se a experiência da escrita fosse universal e super comum entre o público (não é). Dito isso, me peguei apertando o play neste que estava numa lista de "quero ver" sem ler a sinopse que eu já tinha lido e ignorado anteriormente. A viagem foi boa, com um ponto de partida mais "lugar comum" do que a profissão do personagem central, envolvendo o deslocamento do interior pra cidade grande, os anseios dessa mudança e a inabilidade de concentração pra se adaptar e cumprir seu objetivo.
A personagem feminina central não é a típica mulher rasa e indefesa como se costuma ver em terror oitentista de baixo orçamento, aqui a gata é por vezes grossa, direta, poucos papos, fuma o tempo todo e tem mais iniciativa do que o personagem masculino. Esse, por sua vez, é sensível, medroso, vulnerável e tenta se adaptar à agressividade da vida na cidade grande. O uso dessa inversão de papéis de gênero supera as expectativas do senso comum e usa o contraste dessas duas personalidades pra realçar as diferenças entre a criação interiorana e a dureza das metrópoles.
O enredo do filme se desenrola à partir dessa base bem construída e acaba chamando mais atenção pra esse viés humano do que pra seita satanista do vídeo cassete, o que pra mim foi vantagem, já que eu esperava o mesmo hocus-pocus-nonsense-pseudo-satanista-ruim que já foi explorado de maneira preguiçosa durante as décadas anteriores ao lançamento do filme.
Night Vision é um terror mais pessoal do que sobrenatural, mas ainda assim segura o mistério do VCR até o fim fazendo com que o expectador fique apreensivo pra entender como é que o toca fitas amaldiçoado se relaciona com a história.
Eu fui assistir esse filme pensando em encontrar fantasmas sobrenaturais envoltos em misticismo popular e me deparei com um terror psicológico fundado em situações realistas, uma surpresa boa.
O terror que persegue a personagem principal vem do ambiente em que vive e das pessoas ao seu redor. A ambientação do filme em si é facilmente reconhecida por muita gente que cresceu no interior de qualquer país latinoamericano, o que ajuda a fundar uma identificação com os medos da criança ao se deparar com situações opressivas sem lugar de escape. As barreiras que impedem a personagem principal de fugir de todo o tormento que passa são invisíveis, sua limitação é imposta por sua idade e condição como criança, tendo que recorrer à adultos que, por vontade ou falta dela, oferecem apenas uma falsa sensação de proteção que dura pouco tempo.
Com o espaço aberto contrastando com a falta de mobilidade, a trilha sonora macabra indicando perigo iminente quase que o tempo todo, a falta de eletricidade causando o jogo de sombras que alimenta as ansiedades de uma pessoa traumatizada, o filme se empenha em traduzir os medos causados pelo luto e abuso físico e emocional para a linguagem cinematográfica, criando uma experiência quase palpável sem se escorar em sustos rápidos ou superstições tradicionais.
Não amei o final, que parecia querer consertar uma ponta solta no enredo mas isso não atrapalhou a experiência total do filme. Um belo exemplar de terror colombiano que eu não fazia ideia que existia.
É interessante ver a reinterpretação de clássicos do terror adaptadas ao público juvenil atual, como tem acontecido com títulos como "Chucky", "I Know What You Did Last Summer", "Slumber Party Massacre" e "From Dusk till Dawn", entre tantos outros, tendo em mente à qual público eles são destinados, e observar as mudanças com o objetivo de aproximar o público ao gênero do horror usando as ferramentas atuais como fonte de comunicação.
Pra mim, este exemplar deixou à desejar em comparação às adaptações mencionadas anteriormente, muito pela sutileza das modificações no modo de contar uma história já conhecida. As irmãs Soska se apoiaram em manter o típico conto de apocalipse zumbi num roteiro batido, sem desviar muito do que já foi feito inúmeras vezes em centenas de filmes após os revivals do gênero zumbigeorgeromeriano. Eu desconfio que parte dessa decisão é imposta pelos produtores, visto que é uma coisa comum nos filmes produzidos pelo Tubi essa característica de contar histórias de maneira superficial e completamente mastigada pra fácil digestão do expectador. O fato das irmãs Soska já terem feito filmes mais originais e de isso se repetir com outras diretoras contratadas pela empresa de streaming reforça essa ideia sobre a limitação de tomada de decisões em torno da direção que os filmes podem tomar.
O que faltou pra deixar o filme interessante foi algum tipo de crítica social, visto que a trilogia do Romero que originou a explosão de filmes sobre zumbis contém em todas as obras um paralelo à realidade atual com críticas óbvias à questões sociais vividas em cada tempo. Mais uma vez, esse é um requisito pessoal de uma pessoa que entende o cinema de maneira específica à partir das experiências pessoais vividas ao longo de 30 anos, o que significa que eu não sou o público-alvo dessa adaptação e isso não desvalida o empenho aplicado na obra.
P.S.: A única coisa "woke" desse filme é a sobrancelha definida dos personagens masculinos.
- Cara Melle vestida de Xuxa durante o filme todo ✔ - Transfem e transmasc não-binaries lutando e matando vampiros cis ✔ - Cardi B e Doja Cat na trilha sonora ✔ - Vampiros ursos (as in daddy/bear) ✔ - Piadas que não se escoram apenas em cunho sexual o tempo todo (é uma aqui e outra ali) ✔
Esse é o melhor "Tubi Originals" que eu assisti até o momento, o que é irônico já que a plataforma pertence ao conglomerado da Fox (é que o pink money fala mais alto). Melhor pra gente, o Tubi segue contratando diretoras que já criaram filmes interessantes no passado e aqui as atuações estão melhores do que nos desafios de Drag Race, o que contribui pra que esse seja o primeiro filme com as ex participantes que realmente vale a pena a assistida, na minha opinião.
Não é um filme pros machudo que dá chilique quando ouve pronome neutro e tem saudade do tempo em que o único personagem negro morria nos 10 primeiros minutos. Aqui isso vira piada e a gente pode tirar um sarro enquanto os marmanjo esperneia e vira glitter com um stiletto atravessando o peito.
Eu acho incrível a capacidade do cidadão médio com sua educação judaico-cristã em criar situações absurdamente fantasiosas pra justificar e fugir da causa real dos seus problemas. O "satanic panic", que atingiu níveis mundiais, afetando até o Brasil, é repetido até hoje com suas roupagens diferentes pra continuar mudando o foco dos meios estruturais que o patricarcado e o capitalismo usam pra manter a ordem social da exploração dos indivíduos. Cinquenta anos atrás a fantasia da vez foi o satanismo, passando pela música, pelos filmes de terror, pelos videogames e hoje chega com sua mais recente skin nas discussões sobre gênero e sexualidade.
Enquanto o ~senso comum~ usa dos mesmos mecanismos de manipulação emocional unida à distorção da lógica sem respaldo científico e predições infundadas, se escorando na ignorânica do seu público, o abuso de mulheres e crianças continua sendo cometido majoritariamente por homens cisgêneros heterossexuais e sua posição de privilégio na sociedade patriarcal que é diretamente responsável pela permissão e repetição desses padrões.
E tá tudo justificado se o fio condutor das caças às bruxas é a fantasiosa imagem divina. Afinal, tudo posso quando chamo minha própria vontade de "deus".
uma professora racista que ela teve na vida real, além de pesquisas sobre um movimento ultra-conservador e de direita - na qual as mulheres têm um papel particular, que inclui servir em empregos onde se possa formar mentes, como professora de crianças/adolescentes, até procriarem o máximo que conseguirem para então se dedicar ao papel de mãe dos futuros racistinhas - e que se espalha pelas redes sociais através da "suavidade e quietude" de suas aparências (de barbie fascista a Karen dona-de-casa) e discursos supremacistas disfarçados de "liberdade de expressão".
Além da inspiração da vida real pra criação da obra, o primeiro dia de gravações coincidiu com o dia em que houve um massacre nos EUA onde a maioria das vítimas eram mulheres de ascendência asiática, o que potencializou a atmosfera e o estado mental dos envolvidos no nascimento deste relato ficcionalizado de uma verdade incontestável.
Alguns não encontram sentido no filme ou julgam superficialmente o conteúdo explorado, mas entendendo o pano de fundo da criadora dá pra perceber alguns aspectos do motivo da obra, que escancara as brutalidades consequentes de uma cadeia de acontecimentos agravantes mas que começa em doses pequenas muitas vezes vistas como "inofensivas", como os discursos "all lives matter" ou os papos dos autointitulados "cidadãos de bem", traduzindo pro português-br.
A diretora consegue ainda racionalizar o estado emocional das personagens, apontando a responsabilidade das mesmas por seus atos e contrariando o discurso geral que se escora na "insanidade" ou "desequilíbrio mental", escusando a culpabilidade deles.
Incluindo um longo e significativo shot que revelará o que você pode esperar da história, cabendo a você prosseguir ou não, Soft & Quiet possui identidade própria, sendo inegável a expressão da vivência da diretora transformada em um estudo sociológico sobre civilidade, violência, patriarcalismo e muitos outros assuntos.
Ao invés da hipersexualização feminina esse terror 80tista conta com personagens masculinos usando regata com os mamilo de fora, calça moletom marcando a mala e a bunda, cueca branca molhada ou suado sem camisa. Quem assiste procurando a fórmula batida de adorno sexista pra enfeitar roteiro ruim fica perdido nesse filme. Produção e trilha sonora boa até pra quem não é roquista. A construção decente dos (no mínimo dez) personagens, em pouco tempo, consegue ligar todos os pontos pra um fechamento conciso (quase) sem furos na história.
Se caprichasse mais no gore daria um ótimo filme que não enrola ao dar sentido logo nos primeiros minutos pro massacre vingativo que está por vir.
O filme se desenrola à partir das perspectivas distintas vividas pelas personagens centrais, mostrando como a relação de classe influencia a construção de todos os relacionamentos desde a infância. Além dos conflitos naturais que surgem enquanto você tenta descobrir como agir e reagir diante das pessoas, o longa segue desvendando como o ambiente em que uma pessoa cresce molda seu comportamento, refletindo os mesmos mecanismos de opressão que um grupo cria para se sentir validado e confortável. O olhar humano lançado sobre as vivências infantis escancara outra realidade que passa despercebida, a completa subestimação das crianças como seres complexos, humanos e capazes que o adulto insiste em continuar ignorando.
É indiscutível a importância das entrevistas de Kemper ao FBI, que ajudaram a definir termos conhecidos hoje, como a separação entre serial, spree e mass murderers, além dos "motivos" para seus crimes. Porém, apesar da produção decente, o documentário em si toma rumos no mínimo bizarros. Quem conhece a história do assassino em questão sabe que ele era o camarada dos policiais, se enturmava com eles e queria até se tornar um. Aqui, esse parece ser o foco.
A incompetência policial é abafada pela incessante afirmação do quão Kemper era inteligente. Mostram seu QI, contam como ele conseguiu sair do hospital psiquiátrico, e repetem a cada 10 minutos que, pra não esquecerem, ele era muito inteligente. O cara foi parado por um policial por dirigir com uma lanterna traseira quebrada, e, ao sair do carro, pergunta se o policial quer checar o porta-malas (onde tinha um cadáver), no que o policial responde que não precisa e vai embora. Mas esse episódio, além das dicas que Kemper dava enquanto bebia com policiais, são tratados apenas como detalhes, o importante mesmo é relembrar que ele era inteligente. O próprio assassinato das garotas caronistas é contado entre descrições do quão gentil ele era.
Humanizar a imagem de serial killers é uma parte importante para o estudo dos motivos e eventualmente a descoberta de soluções para prevenção do mesmo, mas aqui vemos esse caso elevado à "n" potência. Chega a ter o depoimento de um ex agente da lei descrevendo como Kemper (depois de preso) curou seu torcicolo em 5 minutos, e de como se sentia protegido ao lado dele, ao invés de temeroso.
O toque final é a repetida citação de como sua mãe é responsável pela matança (sim, o famoso John Douglas afirma isso no documentário), e aí mora a principal característica que busca sustentar a benevolência de Kemper. Sua incapacidade de comunicação com as mulheres que sentia atração nunca é linkada com o fato de ele passar os anos mais importantes de desenvolvimento (15-21) num hospital psiquiátrico, depois de matar os avós. Em vez disso, é relembrado constantemente o relacionamento conturbado com a mãe ao longo da vida, e até o fato de ela não querer arrumar encontros para ele com estudantes da faculdade onde ela trabalhava.
Acho essa abordagem curiosa quando comparada à casos como o de Aileen Wuornos. Na maioria esmagadora das análises sobre sua vida, o fato de ser abusada repetidas vezes até pelo avô é passado como detalhe, e não fator principal, enquanto o foco é ressaltar quantas vidas preciosas de pais de família ela tirou. Exatamente o tratamento contrário do camarada Kemper.
No geral, o documentário basicamente insinua como Kemper era legal, gentil, inteligente, prestativo, e, mesmo depois de matar, continuou sendo tudo isso. Um verdadeiro "parça".
"The wishes, the fantasies you have, this can never ever be fulfilled. And everything that you dreamed about will only ever remain a dream." ---- Canibal Niilista.
Um documentário sério disfarçado de exploitation. Tem pencas de termos errados por ser de 40 anos atrás e cenas explícitas mas revela o que o cidadão comum de hoje (que não consegue ver além do próprio umbigo) não procura saber, como a relação familiar, o suicídio, a falta de emprego, a diferença entre homo e trans e até a religião. Legal a protagonista falar sobre a biografia da Christine Jorgensen ter salvo a vida dela, faz lembrar da importância de termos um João W. Nery por aqui.
"...and the group of transvestites call themselves S.T.A.R - Street Transvestite Action Revolutionaries - which make a lot of sense and I thought it was kind of hilarious, 'cause they're all stars anyway."
Saint Omer
3.7 16 Assista AgoraEu amo quando uma pessoa autora consegue subverter a lógica sensorial do audiovisual de maneira eficaz, como Derek Jerman fez em 1993 com o filme "Blue" e a temática do HIV, onde o poder da narrativa transforma o produto em obra-prima mesmo com a ausência de imagens. Alice Diop traz em Saint Omer algo semelhante, onde os momentos de ausência de som revelam a opressão silenciosa do assimilacionismo advindo da herança colonialista, enquanto reflete o isolamento feminino que antecede e sucede o período da maternidade. Fazendo um paralelo com a mitologia de Medeia, Diop trouxe pra nossa era uma releitura pungente que destaca a relevância e interseccionalidade abrangente aos assuntos tratados.
"...então vocês abrem os volumes de Direito Penal e a consideram culpada. Mas se fizerem isso, vocês terão proferido um julgamento, mas não terão feito justiça. Vocês terão respondido apenas à pergunta mais fácil, não aquela que vocês deveriam estar se perguntando. Se vocês não conseguem se perguntar essa questão, vocês continuarão na praia, atordoados pelo horror do crime."
Que lindo esse filme de terror.
A Última Sessão
2.5 2 Assista AgoraEu costumo passar reto quando a sinopse de um filme descreve o personagem principal como escritor, muito por ter assistido pencas de outros filmes com esse mesmo tema e achar entediante o modo como essa premissa é recontada inúmeras vezes, como se a experiência da escrita fosse universal e super comum entre o público (não é). Dito isso, me peguei apertando o play neste que estava numa lista de "quero ver" sem ler a sinopse que eu já tinha lido e ignorado anteriormente. A viagem foi boa, com um ponto de partida mais "lugar comum" do que a profissão do personagem central, envolvendo o deslocamento do interior pra cidade grande, os anseios dessa mudança e a inabilidade de concentração pra se adaptar e cumprir seu objetivo.
A personagem feminina central não é a típica mulher rasa e indefesa como se costuma ver em terror oitentista de baixo orçamento, aqui a gata é por vezes grossa, direta, poucos papos, fuma o tempo todo e tem mais iniciativa do que o personagem masculino. Esse, por sua vez, é sensível, medroso, vulnerável e tenta se adaptar à agressividade da vida na cidade grande. O uso dessa inversão de papéis de gênero supera as expectativas do senso comum e usa o contraste dessas duas personalidades pra realçar as diferenças entre a criação interiorana e a dureza das metrópoles.
O enredo do filme se desenrola à partir dessa base bem construída e acaba chamando mais atenção pra esse viés humano do que pra seita satanista do vídeo cassete, o que pra mim foi vantagem, já que eu esperava o mesmo hocus-pocus-nonsense-pseudo-satanista-ruim que já foi explorado de maneira preguiçosa durante as décadas anteriores ao lançamento do filme.
Night Vision é um terror mais pessoal do que sobrenatural, mas ainda assim segura o mistério do VCR até o fim fazendo com que o expectador fique apreensivo pra entender como é que o toca fitas amaldiçoado se relaciona com a história.
O Funeral Sinistro
4.0 1Miniresenha que eu não considero spoiler mas está marcado como spoiler porque alguém pode considerar como spoiler:
Eu fui assistir esse filme pensando em encontrar fantasmas sobrenaturais envoltos em misticismo popular e me deparei com um terror psicológico fundado em situações realistas, uma surpresa boa.
O terror que persegue a personagem principal vem do ambiente em que vive e das pessoas ao seu redor. A ambientação do filme em si é facilmente reconhecida por muita gente que cresceu no interior de qualquer país latinoamericano, o que ajuda a fundar uma identificação com os medos da criança ao se deparar com situações opressivas sem lugar de escape. As barreiras que impedem a personagem principal de fugir de todo o tormento que passa são invisíveis, sua limitação é imposta por sua idade e condição como criança, tendo que recorrer à adultos que, por vontade ou falta dela, oferecem apenas uma falsa sensação de proteção que dura pouco tempo.
Com o espaço aberto contrastando com a falta de mobilidade, a trilha sonora macabra indicando perigo iminente quase que o tempo todo, a falta de eletricidade causando o jogo de sombras que alimenta as ansiedades de uma pessoa traumatizada, o filme se empenha em traduzir os medos causados pelo luto e abuso físico e emocional para a linguagem cinematográfica, criando uma experiência quase palpável sem se escorar em sustos rápidos ou superstições tradicionais.
Não amei o final, que parecia querer consertar uma ponta solta no enredo mas isso não atrapalhou a experiência total do filme. Um belo exemplar de terror colombiano que eu não fazia ideia que existia.
Festival of the Living Dead
0.8 2É interessante ver a reinterpretação de clássicos do terror adaptadas ao público juvenil atual, como tem acontecido com títulos como "Chucky", "I Know What You Did Last Summer", "Slumber Party Massacre" e "From Dusk till Dawn", entre tantos outros, tendo em mente à qual público eles são destinados, e observar as mudanças com o objetivo de aproximar o público ao gênero do horror usando as ferramentas atuais como fonte de comunicação.
Pra mim, este exemplar deixou à desejar em comparação às adaptações mencionadas anteriormente, muito pela sutileza das modificações no modo de contar uma história já conhecida. As irmãs Soska se apoiaram em manter o típico conto de apocalipse zumbi num roteiro batido, sem desviar muito do que já foi feito inúmeras vezes em centenas de filmes após os revivals do gênero zumbigeorgeromeriano. Eu desconfio que parte dessa decisão é imposta pelos produtores, visto que é uma coisa comum nos filmes produzidos pelo Tubi essa característica de contar histórias de maneira superficial e completamente mastigada pra fácil digestão do expectador. O fato das irmãs Soska já terem feito filmes mais originais e de isso se repetir com outras diretoras contratadas pela empresa de streaming reforça essa ideia sobre a limitação de tomada de decisões em torno da direção que os filmes podem tomar.
O que faltou pra deixar o filme interessante foi algum tipo de crítica social, visto que a trilogia do Romero que originou a explosão de filmes sobre zumbis contém em todas as obras um paralelo à realidade atual com críticas óbvias à questões sociais vividas em cada tempo. Mais uma vez, esse é um requisito pessoal de uma pessoa que entende o cinema de maneira específica à partir das experiências pessoais vividas ao longo de 30 anos, o que significa que eu não sou o público-alvo dessa adaptação e isso não desvalida o empenho aplicado na obra.
P.S.: A única coisa "woke" desse filme é a sobrancelha definida dos personagens masculinos.
Slay
3.2 3- Cara Melle vestida de Xuxa durante o filme todo ✔
- Transfem e transmasc não-binaries lutando e matando vampiros cis ✔
- Cardi B e Doja Cat na trilha sonora ✔
- Vampiros ursos (as in daddy/bear) ✔
- Piadas que não se escoram apenas em cunho sexual o tempo todo (é uma aqui e outra ali) ✔
Esse é o melhor "Tubi Originals" que eu assisti até o momento, o que é irônico já que a plataforma pertence ao conglomerado da Fox (é que o pink money fala mais alto). Melhor pra gente, o Tubi segue contratando diretoras que já criaram filmes interessantes no passado e aqui as atuações estão melhores do que nos desafios de Drag Race, o que contribui pra que esse seja o primeiro filme com as ex participantes que realmente vale a pena a assistida, na minha opinião.
Não é um filme pros machudo que dá chilique quando ouve pronome neutro e tem saudade do tempo em que o único personagem negro morria nos 10 primeiros minutos. Aqui isso vira piada e a gente pode tirar um sarro enquanto os marmanjo esperneia e vira glitter com um stiletto atravessando o peito.
Satan Wants You
3.1 3Eu acho incrível a capacidade do cidadão médio com sua educação judaico-cristã em criar situações absurdamente fantasiosas pra justificar e fugir da causa real dos seus problemas. O "satanic panic", que atingiu níveis mundiais, afetando até o Brasil, é repetido até hoje com suas roupagens diferentes pra continuar mudando o foco dos meios estruturais que o patricarcado e o capitalismo usam pra manter a ordem social da exploração dos indivíduos. Cinquenta anos atrás a fantasia da vez foi o satanismo, passando pela música, pelos filmes de terror, pelos videogames e hoje chega com sua mais recente skin nas discussões sobre gênero e sexualidade.
Enquanto o ~senso comum~ usa dos mesmos mecanismos de manipulação emocional unida à distorção da lógica sem respaldo científico e predições infundadas, se escorando na ignorânica do seu público, o abuso de mulheres e crianças continua sendo cometido majoritariamente por homens cisgêneros heterossexuais e sua posição de privilégio na sociedade patriarcal que é diretamente responsável pela permissão e repetição desses padrões.
E tá tudo justificado se o fio condutor das caças às bruxas é a fantasiosa imagem divina. Afinal, tudo posso quando chamo minha própria vontade de "deus".
Soft & Quiet
3.5 244A diretora e roteirista Beth de Araújo é uma estadunidense-brasileira de ascendência chinesa que usou para inspiração do filme
uma professora racista que ela teve na vida real, além de pesquisas sobre um movimento ultra-conservador e de direita - na qual as mulheres têm um papel particular, que inclui servir em empregos onde se possa formar mentes, como professora de crianças/adolescentes, até procriarem o máximo que conseguirem para então se dedicar ao papel de mãe dos futuros racistinhas - e que se espalha pelas redes sociais através da "suavidade e quietude" de suas aparências (de barbie fascista a Karen dona-de-casa) e discursos supremacistas disfarçados de "liberdade de expressão".
Além da inspiração da vida real pra criação da obra, o primeiro dia de gravações coincidiu com o dia em que houve um massacre nos EUA onde a maioria das vítimas eram mulheres de ascendência asiática, o que potencializou a atmosfera e o estado mental dos envolvidos no nascimento deste relato ficcionalizado de uma verdade incontestável.
Alguns não encontram sentido no filme ou julgam superficialmente o conteúdo explorado, mas entendendo o pano de fundo da criadora dá pra perceber alguns aspectos do motivo da obra, que escancara as brutalidades consequentes de uma cadeia de acontecimentos agravantes mas que começa em doses pequenas muitas vezes vistas como "inofensivas", como os discursos "all lives matter" ou os papos dos autointitulados "cidadãos de bem", traduzindo pro português-br.
A diretora consegue ainda racionalizar o estado emocional das personagens, apontando a responsabilidade das mesmas por seus atos e contrariando o discurso geral que se escora na "insanidade" ou "desequilíbrio mental", escusando a culpabilidade deles.
Incluindo um longo e significativo shot que revelará o que você pode esperar da história, cabendo a você prosseguir ou não, Soft & Quiet possui identidade própria, sendo inegável a expressão da vivência da diretora transformada em um estudo sociológico sobre civilidade, violência, patriarcalismo e muitos outros assuntos.
Zombie Nightmare
2.8 8Ao invés da hipersexualização feminina esse terror 80tista conta com personagens masculinos usando regata com os mamilo de fora, calça moletom marcando a mala e a bunda, cueca branca molhada ou suado sem camisa. Quem assiste procurando a fórmula batida de adorno sexista pra enfeitar roteiro ruim fica perdido nesse filme. Produção e trilha sonora boa até pra quem não é roquista. A construção decente dos (no mínimo dez) personagens, em pouco tempo, consegue ligar todos os pontos pra um fechamento conciso (quase) sem furos na história.
Se caprichasse mais no gore daria um ótimo filme que não enrola ao dar sentido logo nos primeiros minutos pro massacre vingativo que está por vir.
The World of Us
4.3 4O filme se desenrola à partir das perspectivas distintas vividas pelas personagens centrais, mostrando como a relação de classe influencia a construção de todos os relacionamentos desde a infância. Além dos conflitos naturais que surgem enquanto você tenta descobrir como agir e reagir diante das pessoas, o longa segue desvendando como o ambiente em que uma pessoa cresce molda seu comportamento, refletindo os mesmos mecanismos de opressão que um grupo cria para se sentir validado e confortável. O olhar humano lançado sobre as vivências infantis escancara outra realidade que passa despercebida, a completa subestimação das crianças como seres complexos, humanos e capazes que o adulto insiste em continuar ignorando.
Kemper on Kemper: Dentro da Mente de um Serial Killer
2.9 3É indiscutível a importância das entrevistas de Kemper ao FBI, que ajudaram a definir termos conhecidos hoje, como a separação entre serial, spree e mass murderers, além dos "motivos" para seus crimes. Porém, apesar da produção decente, o documentário em si toma rumos no mínimo bizarros. Quem conhece a história do assassino em questão sabe que ele era o camarada dos policiais, se enturmava com eles e queria até se tornar um. Aqui, esse parece ser o foco.
A incompetência policial é abafada pela incessante afirmação do quão Kemper era inteligente. Mostram seu QI, contam como ele conseguiu sair do hospital psiquiátrico, e repetem a cada 10 minutos que, pra não esquecerem, ele era muito inteligente. O cara foi parado por um policial por dirigir com uma lanterna traseira quebrada, e, ao sair do carro, pergunta se o policial quer checar o porta-malas (onde tinha um cadáver), no que o policial responde que não precisa e vai embora. Mas esse episódio, além das dicas que Kemper dava enquanto bebia com policiais, são tratados apenas como detalhes, o importante mesmo é relembrar que ele era inteligente. O próprio assassinato das garotas caronistas é contado entre descrições do quão gentil ele era.
Humanizar a imagem de serial killers é uma parte importante para o estudo dos motivos e eventualmente a descoberta de soluções para prevenção do mesmo, mas aqui vemos esse caso elevado à "n" potência. Chega a ter o depoimento de um ex agente da lei descrevendo como Kemper (depois de preso) curou seu torcicolo em 5 minutos, e de como se sentia protegido ao lado dele, ao invés de temeroso.
O toque final é a repetida citação de como sua mãe é responsável pela matança (sim, o famoso John Douglas afirma isso no documentário), e aí mora a principal característica que busca sustentar a benevolência de Kemper. Sua incapacidade de comunicação com as mulheres que sentia atração nunca é linkada com o fato de ele passar os anos mais importantes de desenvolvimento (15-21) num hospital psiquiátrico, depois de matar os avós. Em vez disso, é relembrado constantemente o relacionamento conturbado com a mãe ao longo da vida, e até o fato de ela não querer arrumar encontros para ele com estudantes da faculdade onde ela trabalhava.
Acho essa abordagem curiosa quando comparada à casos como o de Aileen Wuornos. Na maioria esmagadora das análises sobre sua vida, o fato de ser abusada repetidas vezes até pelo avô é passado como detalhe, e não fator principal, enquanto o foco é ressaltar quantas vidas preciosas de pais de família ela tirou. Exatamente o tratamento contrário do camarada Kemper.
No geral, o documentário basicamente insinua como Kemper era legal, gentil, inteligente, prestativo, e, mesmo depois de matar, continuou sendo tudo isso. Um verdadeiro "parça".
The Stars Heavenly Home
4.5 1life is a dream inside a dream
youtube.com/watch?v=wqKjrRPJ9Y0
Criminally Insane 2
2.6 3- you gimme those pretzels granny!
- I will not.... (bitch bye)
Sexo, Violência e Bom Humor
4.5 1Teenage Jesus & The Jerks na trilha, que lindo.
Great Poets: In Their Own Words
4.0 1Sexton, Plath e Berryman, tríade suicida, só poema maldito! ♥
Para Sempre Uma Mulher
4.3 6 Assista Agora1) Quero ler a poesia de Fumiko Nakajō pra ontem.
2) Essa maravilha tem que ser restaurada urgentemente!
Entrevista Com Um Canibal
4.5 1"The wishes, the fantasies you have, this can never ever be fulfilled. And everything that you dreamed about will only ever remain a dream."
---- Canibal Niilista.
Demônio de Neon
3.2 1,2K Assista AgoraNecrofilia lésbica
Japanese Girls at the Harbor
3.8 3"Gente demais no mundo".
Fiquei surpreso por não ter nenhum suicídio no filme, só desgraça.
Let Me Die A Woman
3.6 4 Assista AgoraUm documentário sério disfarçado de exploitation. Tem pencas de termos errados por ser de 40 anos atrás e cenas explícitas mas revela o que o cidadão comum de hoje (que não consegue ver além do próprio umbigo) não procura saber, como a relação familiar, o suicídio, a falta de emprego, a diferença entre homo e trans e até a religião. Legal a protagonista falar sobre a biografia da Christine Jorgensen ter salvo a vida dela, faz lembrar da importância de termos um João W. Nery por aqui.
O ABC da Morte 2
2.9 117 Assista AgoraO que foi essa refilmagem sangrenta de Suspense (1913) da Lois Weber? Coisa linda.
Algo Novo
3.8 1Nell Shipman além de dirigir, escrever, atuar e produzir o filme, interpreta uma mulher que
dá tiro, atropela, dá na cara, salva o "mocinho" (que foi tentar salvar ela) e ainda mata uma gangue inteira.
Maravilhosa.
Pay It No Mind: Marsha P. Johnson
4.5 2"...and the group of transvestites call themselves S.T.A.R - Street Transvestite Action Revolutionaries - which make a lot of sense and I thought it was kind of hilarious, 'cause they're all stars anyway."
Medéia, A Feiticeira do Amor
3.7 40Figurino digno de um filme do Parajanov.
Destruir, Disse Ela
3.6 5"Um interesse que você não conseguiu decifrar ao certo... a natureza."