The Fall é uma dessas séries que não vejo tantas pessoas comentarem e pela qual não daria nada não tivesse eu mesmo assistido pelo mais absoluto acaso. Embora possua um ritmo menos acelerado do que o costumeiro para o gênero policial em TV ou cinema, o roteiro e desenvolvimento de personagens conseguiu me fisgar relativamente rápido, e acredito que depois do episódio piloto, quando a série supera um pouco sua inércia aparente, as coisas ficam bem interessantes, afinal o ritmo se torna constante e se desenvolve de forma impecável.
Para começar a elencar os pontos positivos de The Fall, é um enorme acerto da série não ter recorrido aos estereótipos fáceis. Afinal, é preciso combater o conceito errado que o senso comum possui sobre psicopatas e assassinos sádicos de uma forma geral, pois se tratam de pessoas aparentemente comuns, muito bem integradas à sociedade e quase sempre empregadas e com família. Não se tratam de “monstros solitários” que vêm à superfície tão somente procurar suas vítimas, e sim de sacros “pais de família trabalhadores” ou “pilares da comunidade” do qual o senso comum jamais ousaria suspeitar.
É interessante observar também como se desenvolvem outras nuances do personagem de Jamie Dornan. É muito bem trabalhada, por exemplo, a forma como Spector se adapta a cada pessoa com que lida, funcionando como espelho para estas e assim manipulando-as através de seus desejos – o que fica mais do que claro no relacionamento do personagem com a adolescente Katie -. A série também demonstra muito bem que Paul Spector, como bom sociopata que é, possui alta capacidade de elaborar mentiras rápidas em situações de tensão, sem se enrolar ou ceder ao nervosismo, como poderia acontecer aos indivíduos “normais”.
E o que dizer de Stella Gibson? Talvez um dos pontos mais interessantes, na minha opinião, é que a despeito de ser uma personagem altamente inteligente ela não é trabalhada com os maneirismos ficcionais típicos do gênero quando lida com seus “heróis” que resolvem mistérios. Stella é acima de tudo humana, e talvez justo por isso, mais interessante do que suas contrapartes masculinas mais famosas.
Gillian Anderson, que já está acostumada a interpretar personagens femininas fortes e marcantes, entrega em cada uma delas uma sutileza que consegue diferenciá-las de forma absoluta sem necessitar para isso cair em excessos de atuação. Stella Gibson é sem dúvida mais uma destas excelentes personagens interpretadas pela atriz.
Por fim, e talvez mais importante, a série também acerta ao criticar as políticas sexistas por trás do trabalho midiático e policial – reflexos, é claro, dos desvios de nossas sociedades -. Afinal, é aterrador o número de vítimas desacreditadas em suas denúncias pelo simples fato de serem mulheres. Já a mídia trabalha com frequência reforçando estereótipos de gênero que contribuem para manter o status quo machista da sociedade. Como a própria Stella exemplificou muito bem já na primeira temporada:
“E se a próxima vítima for uma prostituta? Ou uma mulher bêbada com uma saia curta de noite? Seriam elas, de alguma forma, menos inocentes, e portanto, menos merecedoras? Culpáveis? A mídia adora dividir mulheres entre virgens e sedutoras,anjos ou prostitutas. Não vamos encorajá-los.”
Além de tudo isto, The Fall possui diálogos primorosos. Pensemos bem, quantas séries podem sustentar um diálogo tão longo e bem escrito quanto aquele que acontece entre Stella Gibson e Paul Spector no último episódio desta temporada? Nenhuma série atual, que eu me lembre, mantém o público com a respiração suspensa valendo-se apenas de um diálogo. Não é necessário banho de sangue ou qualquer outro tipo gráfico e escandaloso de violência. É necessária apenas a oposição dialética e intensa entre estes dois personagens.
Por sinal, a série trabalha de forma maravilhosa contrapontos. Muitos episódios começam desta forma. Vemos desde a oposição entre o ato sexual e o prazer do assassinato, entre a beleza artística e sua versão distorcida nas mãos de Spector, ou mesmo a similaridade entre uma mãe que se conecta ao filho que acaba de nascer e um pai que se despede da filha morta.
Em música, o contraponto opõe som e silêncio, diferentes vozes e durações musicais, para criar efeitos melódicos e rítmicos. Em The Fall, o belo e o distorcido, o moral e o amoral, se opõem em uma polifonia de significados, cujo ápice ocorre no diálogo entre Stella e Paul Spector, uma oposição que poderia muito bem ser entre poder feminino e misoginia, mas que vai muito além disso em suas implicações gerais.
Ainda por cima o season finale dessa temporada é praticamente levar um tiro dentro de casa.
The Fall é uma das poucas séries que posso dizer que aguardo ansiosamente a próxima temporada.
Olha, esta temporada merece de fato todos os elogios que recebe por aí. Mas acho que seus méritos vão além do enredo cheio de reviravoltas e do alto valor de produção.
Minha análise é a seguinte: Sempre achei interessante como O Silêncio dos inocentes mostra sem nenhuma obviedade a boa e velha jornada do herói disfarçada de drama policial. Está tudo lá, Clarice, nossa heroína que parte de seu mundo comum para uma jornada que irá transformá-la de forma irreparável, que se confronta com seus medos e a morte para encontrar um caminho único para seu desenvolvimento individual. Jack Crawford, o mentor que inicia a heroína na aventura, e que é em parte a projeção daquilo que a protagonista gostaria de ser. Muito de acordo com seu papel inclusive, é no seu erro quando tenta capturar Buffalo Bill pessoalmente, que termina por permitir à Clarice ir de encontro ao desconhecido, ou seja, permite que a agente adentre o verdadeiro covil do assassino. Por fim temos Doutor Lecter, que no auge de sua complexidade é tanto camaleão, quanto sombra e pícaro, ou seja, o imprevisível, o antagonismo e a denúncia do hipócrita e do ridículo na trama.
Mas é evidente que n’O Silêncio dos Inocentes os papéis são mais claros, talvez um reflexo da época em que foi realizado o filme. A série parece renovar esta construção arquetípica. O que importa dizer é que inegavelmente nossa sociedade mergulha em ambiguidades mais profundas e de resolução que nos parecem cada vez mais improváveis. Daí enfraquecerem-se os papéis dos mentores, que se antes já eram humanos, e portanto, falíveis, agora possuem uma autoridade, que embora reconhecível, mostra-se muito mais vacilante. O Jack Crawford do filme de 1991 é quase tão astuto quanto Lecter, se pensarmos que se tratava da mente que arquitetou usá-lo, que percebeu a capacidade de Clarice para participar com igual força no jogo manipulativo do psicopata – podemos inclusive resumir esta relação na seguinte fórmula: Crawford domina Clarice, que domina Lecter, que se deixa dominar, ou se percebe dominado, para então fugir à relação -. Na série, embora ainda fundamental, Jack já não é tanto o mentor idealizado, o sábio por traz de todos os planos, pois que sua visão é mais limitada, e é por isto que Will acaba tendo Lecter como um torpe mentor durante a primeira temporada. Nisto há outro sintoma de nossos tempos: Voltamo-nos cada vez mais às pessoas erradas em busca de orientação. O niilismo que domina a geração atual faz com que se busque no cinismo, na falsa certeza, uma estrela guia, que não pode levar a nenhum caminho que não seja de vazio e tormento.
Um parêntese à registrar: O Hannibal de Mads apresenta uma melhora significativa em comparação à temporada anterior.
Quanto a seu personagem, aqui Lecter é de todo o Mefistófeles para um Fausto atormentado – Will Graham -. Então o conto iniciático tem oportunidade de elevar-se acima do que já foi exibido no icônico Silêncio dos Inocentes, pois na história de Goethe o sábio médico atormentado por sua finitude vende a alma ao diabo para tornar-se jovem novamente, mas não apenas com o intuito de viver por mais tempo, como também para alargar ainda mais aquilo que ainda não havia alargado de sua sabedoria. O que de início parece proveitoso torna-se progressivamente em logro e amargor e não é sem antes viver uma verdadeira via-crucis digna de Dante em seu passeio pelos círculos do inferno – outra história de caráter inicático – que o doutor encontra sua redenção na morte. Outro reforço à este paralelo se encontra no seguinte fato: Fausto é conhecido como “o homem que enganou o diabo”, pois salvou sua alma mesmo tendo-a vendido em um pacto. Fato equiparável ao que já se sabe sobre Will Graham dos livros e filmes: Trata-se da pessoa que conseguiu desmascarar e prender Hannibal.
Assim a analogia é das mais claras: Lecter deseja a alma de Will, que se redimirá sendo o responsável pela prisão deste, não sem antes sofrer a sua crucificação, sendo assim uma das poucas vítimas que sobreviveu a um ataque direto de Hannibal.
Acredito assim que do mesmo modo que acontece nos filmes, isto aqui não é mero drama policial e psicológico, mas uma reflexão sobre nossas capacidades para o bem e para o mal. Ou em outros termos, sobre este velho e eterno embate entre duas forças, que mais do que se oporem, compõem um todo. É, portanto, uma batalha que não está votada a um fim, pois se anunciamos o apocalipse da moral, da sociedade, dos costumes, ou do que quer que inventemos, não extinguimos com isso todos os nossos demônios, pois enquanto houver vida humana, haverá o conflito moral.
No final e afinal, De Te Fabula Narratur: A história é a respeito de ti.
Por muito tempo tive receio de assistir a esta série, visto que o pouco com que tinha travado contato não havia me agradado ou impressionado muito. Um parêntese aliás: Curioso como nesta época teria dado de ombros ao cancelamento da série, enquanto hoje me parece algo estapafúrdio – ainda que eu não acredite de todo que isto signifique um fim, porque outro canal deve seguramente dar continuidade ao que já foi feito -.
Retomando: Passado um tempo razoável acabei esbarrando novamente com Hannibal, tanto na TV a cabo, quanto no Netflix, e decidi finalmente dar uma segunda chance e analisar a série sine ira et studio – ou seja, sem raiva, nem preconceito -. Em alguns aspectos de fato eu estava errado, sobretudo quando analiso a série à luz da recente leitura que fiz de Dragão Vermelho, livro em que se baseia esta adaptação.
Em primeiro lugar, a marca de Bryan Fuller é clara em toda a série, desde a direção de arte, à atenção dada aos pequenos detalhes, ou mesmo no cuidado que há com as cores. De uma forma um tanto macabra é até possível comparar Hannibal à outra série do produtor: Pushing Daisies. Desde que pensemos no aspecto arquetípico somente, Jack Crawford tem lá suas similaridades com Emerson Cod – o policial “mentor” -, Will Graham com Ned “Piemaker” – O rapaz desajustado com um dom estranho ligado à morte – e até Chuck reaparece como Abigail Hobbs – A guria que “voltou” da morte -. O grande mérito da série, no entanto, é que Bryan Fuller torna personagens majoritária, excessiva e sufocantemente masculinas, em algo mais variado, fazendo com que coadjuvantes como a doutora Alana Bloom ou Freedie Lounds tornem-se infinitamente mais interessantes do que suas contrapartes XY nos livros e adaptações cinematográficas.
O elenco é, por sinal, muito bem escolhido. Já não é possível desvincular a imagem de Jack Crawford de Laurence Fishburne, por exemplo, que parece ter sido feito sob medida para o papel.
A meu ver parece indiscutível que a grande atuação da série fica por conta de Hugh Dancy, que parece genuinamente à beira de um colapso nervoso em algumas cenas. Por isso acho difícil entender certas críticas que surgem ao rapaz de vez em quando. Mas quando penso melhor a respeito e lembro que vivemos em uma geração que premiou Jennifer Lawrence com o Oscar, compreendo também que já não se entende muito bem o que significa ATUAR.
Quanto à Mads Mikkelsen, com toda sinceridade, está apenas funcional e nada mais. Vamos lembrar, em primeiro lugar, que este é o Hannibal Lecter que ainda NÃO FOI DESCOBERTO como assassino serial e psicopata, portanto, alguém acima de suspeita. Embora entenda que se quisesse deixar o personagem “misterioso” aqui, o resultado poderia sem duvida nenhuma ter sido mais expressivo. Afinal, e em segundo lugar, psicopatas são pessoas com grande trato social e que passam despercebidas, ou seja, muito bem camufladas onde quer que vivam, causando um mínimo de suspeita – de onde se tornam tão perigosos e difíceis de capturar.
Mas enfim, ainda estou aberto à surpresas, e não posso negar que a série é realmente viciante e muito bem elaborada/produzida/roteirizada.
Ao contrário do que muita gente vem dizendo por aqui, - e acrescento, desarrazoadamente - , esta é de longe a melhor temporada da série. Às vezes me parece que as críticas se resumem à sintoma da falta que alguns sentem do personagem Moriarty – perdoável, mas injusto.
E explica porque o season finale foi unanimidade em termos de aprovação (E sim, foi um ótimo season finale).
O que eu observo com relação as três temporadas feitas até o momento, é que existe, para fazer uma analogia, um crescendo - uma dinâmica comum à musica e de fácil compreensão -: Cada temporada se mostra mais afiada que a anterior. Ou, para continuar com a figura de linguagem, a primeira temporada se apresenta como Mezzo-Forte, seguida por um Forte da segunda temporada e um Fortíssimo da terceira. Claro, que aqui não há toda a agitação causada por uma nêmese carismática para o personagem Sherlock, mas não creio que precisasse, dada a evolução em que a série se encontra.
Ainda assim, me pergunto o que aguarda os espectadores na quarta temporada.
Confesso que me causa uma enorme estranheza ver alguns sujeitos se queixando da série por falta de sexo e sangue. Vou ignorar a questão da violência, por ser excessivamente óbvia a resposta, ainda que deva deixar claro que não me pareça nem de longe que Vikings tenha estado no quesito “brutalidade”, em falta com a cultura nórdica, devido à representação de sacrifícios humanos, tortura, pela amostra da tão famigerada parede de escudos descrita por Bernard Cornwell nas crônicas saxônicas, dentre tantas outras coisas. Agora, em uma série onde temos diálogos sexualizados, um convite para sexo à três e a representação constante de uma sociedade não-monogamica... Adoraria saber onde, que isso não constituiria uma expressão de sexualidade. O povo viking foi sim, mostrado como um povo sexual – e brutal! -. O que não houve, foi uma exibição vã dessa sexualidade. Não houve a pornografização gratuita – tão comum nas séries atuais – desta característica. Está tudo lá, seja sexo ou violência, claro e discernível, mas não explícito em seus detalhes mais mórbidos. Motivo pelo qual a série me parece mais adulta que muita coisa que tem sido produzida hoje em dia.
The Fall (2ª Temporada)
4.3 149The Fall é uma dessas séries que não vejo tantas pessoas comentarem e pela qual não daria nada não tivesse eu mesmo assistido pelo mais absoluto acaso. Embora possua um ritmo menos acelerado do que o costumeiro para o gênero policial em TV ou cinema, o roteiro e desenvolvimento de personagens conseguiu me fisgar relativamente rápido, e acredito que depois do episódio piloto, quando a série supera um pouco sua inércia aparente, as coisas ficam bem interessantes, afinal o ritmo se torna constante e se desenvolve de forma impecável.
Para começar a elencar os pontos positivos de The Fall, é um enorme acerto da série não ter recorrido aos estereótipos fáceis. Afinal, é preciso combater o conceito errado que o senso comum possui sobre psicopatas e assassinos sádicos de uma forma geral, pois se tratam de pessoas aparentemente comuns, muito bem integradas à sociedade e quase sempre empregadas e com família. Não se tratam de “monstros solitários” que vêm à superfície tão somente procurar suas vítimas, e sim de sacros “pais de família trabalhadores” ou “pilares da comunidade” do qual o senso comum jamais ousaria suspeitar.
É interessante observar também como se desenvolvem outras nuances do personagem de Jamie Dornan. É muito bem trabalhada, por exemplo, a forma como Spector se adapta a cada pessoa com que lida, funcionando como espelho para estas e assim manipulando-as através de seus desejos – o que fica mais do que claro no relacionamento do personagem com a adolescente Katie -. A série também demonstra muito bem que Paul Spector, como bom sociopata que é, possui alta capacidade de elaborar mentiras rápidas em situações de tensão, sem se enrolar ou ceder ao nervosismo, como poderia acontecer aos indivíduos “normais”.
E o que dizer de Stella Gibson? Talvez um dos pontos mais interessantes, na minha opinião, é que a despeito de ser uma personagem altamente inteligente ela não é trabalhada com os maneirismos ficcionais típicos do gênero quando lida com seus “heróis” que resolvem mistérios. Stella é acima de tudo humana, e talvez justo por isso, mais interessante do que suas contrapartes masculinas mais famosas.
Gillian Anderson, que já está acostumada a interpretar personagens femininas fortes e marcantes, entrega em cada uma delas uma sutileza que consegue diferenciá-las de forma absoluta sem necessitar para isso cair em excessos de atuação. Stella Gibson é sem dúvida mais uma destas excelentes personagens interpretadas pela atriz.
Por fim, e talvez mais importante, a série também acerta ao criticar as políticas sexistas por trás do trabalho midiático e policial – reflexos, é claro, dos desvios de nossas sociedades -. Afinal, é aterrador o número de vítimas desacreditadas em suas denúncias pelo simples fato de serem mulheres. Já a mídia trabalha com frequência reforçando estereótipos de gênero que contribuem para manter o status quo machista da sociedade. Como a própria Stella exemplificou muito bem já na primeira temporada:
“E se a próxima vítima for uma prostituta? Ou uma mulher bêbada com uma saia curta de noite? Seriam elas, de alguma forma, menos inocentes, e portanto, menos merecedoras? Culpáveis? A mídia adora dividir mulheres entre virgens e sedutoras,anjos ou prostitutas. Não vamos encorajá-los.”
Além de tudo isto, The Fall possui diálogos primorosos. Pensemos bem, quantas séries podem sustentar um diálogo tão longo e bem escrito quanto aquele que acontece entre Stella Gibson e Paul Spector no último episódio desta temporada? Nenhuma série atual, que eu me lembre, mantém o público com a respiração suspensa valendo-se apenas de um diálogo. Não é necessário banho de sangue ou qualquer outro tipo gráfico e escandaloso de violência. É necessária apenas a oposição dialética e intensa entre estes dois personagens.
Por sinal, a série trabalha de forma maravilhosa contrapontos. Muitos episódios começam desta forma. Vemos desde a oposição entre o ato sexual e o prazer do assassinato, entre a beleza artística e sua versão distorcida nas mãos de Spector, ou mesmo a similaridade entre uma mãe que se conecta ao filho que acaba de nascer e um pai que se despede da filha morta.
Em música, o contraponto opõe som e silêncio, diferentes vozes e durações musicais, para criar efeitos melódicos e rítmicos. Em The Fall, o belo e o distorcido, o moral e o amoral, se opõem em uma polifonia de significados, cujo ápice ocorre no diálogo entre Stella e Paul Spector, uma oposição que poderia muito bem ser entre poder feminino e misoginia, mas que vai muito além disso em suas implicações gerais.
Ainda por cima o season finale dessa temporada é praticamente levar um tiro dentro de casa.
The Fall é uma das poucas séries que posso dizer que aguardo ansiosamente a próxima temporada.
Hannibal (2ª Temporada)
4.5 802Olha, esta temporada merece de fato todos os elogios que recebe por aí. Mas acho que seus méritos vão além do enredo cheio de reviravoltas e do alto valor de produção.
Minha análise é a seguinte: Sempre achei interessante como O Silêncio dos inocentes mostra sem nenhuma obviedade a boa e velha jornada do herói disfarçada de drama policial. Está tudo lá, Clarice, nossa heroína que parte de seu mundo comum para uma jornada que irá transformá-la de forma irreparável, que se confronta com seus medos e a morte para encontrar um caminho único para seu desenvolvimento individual. Jack Crawford, o mentor que inicia a heroína na aventura, e que é em parte a projeção daquilo que a protagonista gostaria de ser. Muito de acordo com seu papel inclusive, é no seu erro quando tenta capturar Buffalo Bill pessoalmente, que termina por permitir à Clarice ir de encontro ao desconhecido, ou seja, permite que a agente adentre o verdadeiro covil do assassino. Por fim temos Doutor Lecter, que no auge de sua complexidade é tanto camaleão, quanto sombra e pícaro, ou seja, o imprevisível, o antagonismo e a denúncia do hipócrita e do ridículo na trama.
Mas é evidente que n’O Silêncio dos Inocentes os papéis são mais claros, talvez um reflexo da época em que foi realizado o filme. A série parece renovar esta construção arquetípica. O que importa dizer é que inegavelmente nossa sociedade mergulha em ambiguidades mais profundas e de resolução que nos parecem cada vez mais improváveis. Daí enfraquecerem-se os papéis dos mentores, que se antes já eram humanos, e portanto, falíveis, agora possuem uma autoridade, que embora reconhecível, mostra-se muito mais vacilante. O Jack Crawford do filme de 1991 é quase tão astuto quanto Lecter, se pensarmos que se tratava da mente que arquitetou usá-lo, que percebeu a capacidade de Clarice para participar com igual força no jogo manipulativo do psicopata – podemos inclusive resumir esta relação na seguinte fórmula: Crawford domina Clarice, que domina Lecter, que se deixa dominar, ou se percebe dominado, para então fugir à relação -. Na série, embora ainda fundamental, Jack já não é tanto o mentor idealizado, o sábio por traz de todos os planos, pois que sua visão é mais limitada, e é por isto que Will acaba tendo Lecter como um torpe mentor durante a primeira temporada. Nisto há outro sintoma de nossos tempos: Voltamo-nos cada vez mais às pessoas erradas em busca de orientação. O niilismo que domina a geração atual faz com que se busque no cinismo, na falsa certeza, uma estrela guia, que não pode levar a nenhum caminho que não seja de vazio e tormento.
Um parêntese à registrar: O Hannibal de Mads apresenta uma melhora significativa em comparação à temporada anterior.
Quanto a seu personagem, aqui Lecter é de todo o Mefistófeles para um Fausto atormentado – Will Graham -. Então o conto iniciático tem oportunidade de elevar-se acima do que já foi exibido no icônico Silêncio dos Inocentes, pois na história de Goethe o sábio médico atormentado por sua finitude vende a alma ao diabo para tornar-se jovem novamente, mas não apenas com o intuito de viver por mais tempo, como também para alargar ainda mais aquilo que ainda não havia alargado de sua sabedoria. O que de início parece proveitoso torna-se progressivamente em logro e amargor e não é sem antes viver uma verdadeira via-crucis digna de Dante em seu passeio pelos círculos do inferno – outra história de caráter inicático – que o doutor encontra sua redenção na morte. Outro reforço à este paralelo se encontra no seguinte fato: Fausto é conhecido como “o homem que enganou o diabo”, pois salvou sua alma mesmo tendo-a vendido em um pacto. Fato equiparável ao que já se sabe sobre Will Graham dos livros e filmes: Trata-se da pessoa que conseguiu desmascarar e prender Hannibal.
Assim a analogia é das mais claras: Lecter deseja a alma de Will, que se redimirá sendo o responsável pela prisão deste, não sem antes sofrer a sua crucificação, sendo assim uma das poucas vítimas que sobreviveu a um ataque direto de Hannibal.
Acredito assim que do mesmo modo que acontece nos filmes, isto aqui não é mero drama policial e psicológico, mas uma reflexão sobre nossas capacidades para o bem e para o mal. Ou em outros termos, sobre este velho e eterno embate entre duas forças, que mais do que se oporem, compõem um todo. É, portanto, uma batalha que não está votada a um fim, pois se anunciamos o apocalipse da moral, da sociedade, dos costumes, ou do que quer que inventemos, não extinguimos com isso todos os nossos demônios, pois enquanto houver vida humana, haverá o conflito moral.
No final e afinal, De Te Fabula Narratur: A história é a respeito de ti.
Hannibal (1ª Temporada)
4.4 983 Assista AgoraPor muito tempo tive receio de assistir a esta série, visto que o pouco com que tinha travado contato não havia me agradado ou impressionado muito. Um parêntese aliás: Curioso como nesta época teria dado de ombros ao cancelamento da série, enquanto hoje me parece algo estapafúrdio – ainda que eu não acredite de todo que isto signifique um fim, porque outro canal deve seguramente dar continuidade ao que já foi feito -.
Retomando: Passado um tempo razoável acabei esbarrando novamente com Hannibal, tanto na TV a cabo, quanto no Netflix, e decidi finalmente dar uma segunda chance e analisar a série sine ira et studio – ou seja, sem raiva, nem preconceito -. Em alguns aspectos de fato eu estava errado, sobretudo quando analiso a série à luz da recente leitura que fiz de Dragão Vermelho, livro em que se baseia esta adaptação.
Em primeiro lugar, a marca de Bryan Fuller é clara em toda a série, desde a direção de arte, à atenção dada aos pequenos detalhes, ou mesmo no cuidado que há com as cores. De uma forma um tanto macabra é até possível comparar Hannibal à outra série do produtor: Pushing Daisies. Desde que pensemos no aspecto arquetípico somente, Jack Crawford tem lá suas similaridades com Emerson Cod – o policial “mentor” -, Will Graham com Ned “Piemaker” – O rapaz desajustado com um dom estranho ligado à morte – e até Chuck reaparece como Abigail Hobbs – A guria que “voltou” da morte -.
O grande mérito da série, no entanto, é que Bryan Fuller torna personagens majoritária, excessiva e sufocantemente masculinas, em algo mais variado, fazendo com que coadjuvantes como a doutora Alana Bloom ou Freedie Lounds tornem-se infinitamente mais interessantes do que suas contrapartes XY nos livros e adaptações cinematográficas.
O elenco é, por sinal, muito bem escolhido. Já não é possível desvincular a imagem de Jack Crawford de Laurence Fishburne, por exemplo, que parece ter sido feito sob medida para o papel.
A meu ver parece indiscutível que a grande atuação da série fica por conta de Hugh Dancy, que parece genuinamente à beira de um colapso nervoso em algumas cenas. Por isso acho difícil entender certas críticas que surgem ao rapaz de vez em quando. Mas quando penso melhor a respeito e lembro que vivemos em uma geração que premiou Jennifer Lawrence com o Oscar, compreendo também que já não se entende muito bem o que significa ATUAR.
Quanto à Mads Mikkelsen, com toda sinceridade, está apenas funcional e nada mais. Vamos lembrar, em primeiro lugar, que este é o Hannibal Lecter que ainda NÃO FOI DESCOBERTO como assassino serial e psicopata, portanto, alguém acima de suspeita. Embora entenda que se quisesse deixar o personagem “misterioso” aqui, o resultado poderia sem duvida nenhuma ter sido mais expressivo. Afinal, e em segundo lugar, psicopatas são pessoas com grande trato social e que passam despercebidas, ou seja, muito bem camufladas onde quer que vivam, causando um mínimo de suspeita – de onde se tornam tão perigosos e difíceis de capturar.
Mas enfim, ainda estou aberto à surpresas, e não posso negar que a série é realmente viciante e muito bem elaborada/produzida/roteirizada.
Sherlock (3ª Temporada)
4.6 634 Assista AgoraAo contrário do que muita gente vem dizendo por aqui, - e acrescento, desarrazoadamente - , esta é de longe a melhor temporada da série. Às vezes me parece que as críticas se resumem à sintoma da falta que alguns sentem do personagem Moriarty – perdoável, mas injusto.
E explica porque o season finale foi unanimidade em termos de aprovação (E sim, foi um ótimo season finale).
O que eu observo com relação as três temporadas feitas até o momento, é que existe, para fazer uma analogia, um crescendo - uma dinâmica comum à musica e de fácil compreensão -: Cada temporada se mostra mais afiada que a anterior. Ou, para continuar com a figura de linguagem, a primeira temporada se apresenta como Mezzo-Forte, seguida por um Forte da segunda temporada e um Fortíssimo da terceira. Claro, que aqui não há toda a agitação causada por uma nêmese carismática para o personagem Sherlock, mas não creio que precisasse, dada a evolução em que a série se encontra.
Ainda assim, me pergunto o que aguarda os espectadores na quarta temporada.
Vikings (1ª Temporada)
4.3 779 Assista AgoraConfesso que me causa uma enorme estranheza ver alguns sujeitos se queixando da série por falta de sexo e sangue. Vou ignorar a questão da violência, por ser excessivamente óbvia a resposta, ainda que deva deixar claro que não me pareça nem de longe que Vikings tenha estado no quesito “brutalidade”, em falta com a cultura nórdica, devido à representação de sacrifícios humanos, tortura, pela amostra da tão famigerada parede de escudos descrita por Bernard Cornwell nas crônicas saxônicas, dentre tantas outras coisas. Agora, em uma série onde temos diálogos sexualizados, um convite para sexo à três e a representação constante de uma sociedade não-monogamica... Adoraria saber onde, que isso não constituiria uma expressão de sexualidade. O povo viking foi sim, mostrado como um povo sexual – e brutal! -. O que não houve, foi uma exibição vã dessa sexualidade. Não houve a pornografização gratuita – tão comum nas séries atuais – desta característica. Está tudo lá, seja sexo ou violência, claro e discernível, mas não explícito em seus detalhes mais mórbidos. Motivo pelo qual a série me parece mais adulta que muita coisa que tem sido produzida hoje em dia.