A menina filha do policial sofreu um abuso pelo velho japonês. É por isso que ela fala, em tom de naturalidade, para o pai, depois de tê-lo visto transar com a mãe: "isso não é novidade pra mim". É por isso que o velho tinha o sapato da menina. A "possessão" que se desenrola depois disso é trauma, histeria. O mesmo a respeito do outro "fantasma" feminino que persegue o velho e aparece sobretudo na parte final do filme. Nós vimos, no começo, como ele abusou de uma mulher enquanto estava pescando. A metáfora do fantasma que "pesca" suas vítimas aleatoriamente é interessante: as mulheres abusadas também foram pescadas, inocentemente, pelo japonês. "Fantasmas" podem ser uma metáfora aqui. É por isso que no final o outro fantasma feminino, quando conversa com o policial na rua, diz que o verdadeiro fantasma está na casa com a menina: a lembrança, o trauma, o ódio e a fantasia são o "fantasma". Esse fantasma sempre estará lá.
A menina que parece voltar ao normal no hospital quando abraça o pai pode estar melhor por estar medicada. Não pelo sucesso de qualquer ritual. Por isso o outro padre, em outro momento do filme disse: "a religião não pode fazer nada. Confie nos médicos". Obviamente o conselho não foi seguido.
O tal xamã, apesar da boa intenção, também estava interessado sobretudo no dinheiro e via nisso seu sustento: "quanto você tem?" ele pergunta para o policial; antes disso a sogra já havia dito: "reserve o dinheiro pra amanhã".
O japonês estrangeiro isolado, vivendo miseravelmente, tendo sua casa invadida, destruída e seu cachorro assassinado, sobretudo quando perseguido pelos locais com enxadas e armas na mão é uma imagem interessante. Alvo de fofocas, de várias especulações, de várias narrativas. Podemos falar aqui de uma xenofobia velada. É por isso que ele diz para o padre no final: "não importa o que eu diga, você já disse que eu sou o Diabo". Supondo que ele fosse inocente (e eu não acho que fosse), seria possível convencê-los de alguma coisa? Com certeza não.
Quanto aos assassinatos que se espalham pela cidade: pode ser uma doença, pode ser consequência dos alucinógenos (os tais cogumelos que mais de uma vez aparecem) ou pode mesmo ter sido proposital, como uma histeria generalizada em efeito bola de neve. Por isso a gritaria constante, o desespero, a loucura. O tom cômico e pastelão no começo do filme não é gratuito: estamos falando de pessoas ignorantes, abobadas, que explicam a realidade a partir dos fantasmas e recorrem aos xamãs. Os fantasmas são deles mesmos, são projeções de vidas ignorantes, miseráveis e de fantasia. São máscaras.
A mãe se nega a aceitar o fato de que o filho está crescendo e, muito provavelmente, se tornando mais parecido com o pai. As cenas em que o garoto aparece sentado na frente da televisão e bebendo remetem a um homem adulto. O mesmo quando ele mata a aranha que antes tinha medo, quando se veste e se arruma sozinho ou deixa de fazer as "brincadeiras" que costumava fazer com a mãe. A cena em que o garoto diz que não quer que a mãe o abandone também remetem a uma experiência "refletida" do pai (percebam também a simbologia dos espelhos que é uma marca do filme). As cenas em que o garoto é supostamente violento com a mãe são ainda mais óbvias. Digo supostamente porque não sabemos se aquilo de fato aconteceu ou se passava na cabeça dela, como a fantasia de que o menino quebrou a mão de alguém em uma queda de braço.
Em mais de um momento ela diz que não poderia viver sem o filho. Como a outra mãe, a "louca", que, segundo o viúvo, dizia a mesma coisa sobre o filho "falecido". Uma das muitas camadas do filme toca esse ponto: o da recusa da mãe em cortar o cordão umbilical do filho enquanto cria[nça].
Kat sofre de psicopatia. Esse é o motivo para os pais terem abandonado-a em um internato? É possível, mas não sabemos. Fato é que ela esperava a visita dos pais, apostava nisso, e se frustrou profundamente por eles não terem ido visitá-la. Ela sonha, na véspera, que eles morreram em um acidente de carro. Mas nunca sabemos o que de fato aconteceu. Fato é que ela fica sozinha quando todas as outras colegas vão embora para passar as férias com os pais. Kat vê no diretor da escola, então, outra figura paterna: pede que ele fique para ver sua apresentação. Visivelmente decepcionada, ela insiste e o diretor reforça que não estará lá. A frase que ele diz mais tarde, em tom de brincadeira, "você não poderá ficar aqui pra sempre", a afeta profundamente. Reforça seu sentimento de rejeição. É a segunda vez.
O diretor insiste que ela seja cuidada pela outra colega, Rose. Rose ignora a recomendação do diretor e sai para encontrar um garoto. Kat demonstra sua insatisfação quanto a isso e Rose ignora a menina. É a terceira rejeição de Kat. Mais tarde, depois que Rose volta do encontro e tenta dar atenção para Kat, ela responde "você já teve sua chance".
Rose conta uma história a respeito das irmãs do internato adorarem o Diabo. Kat elabora no Diabo outra fantasia: ele é uma projeção de outra paternidade. Por isso o Diabo fala para Kat "você ficará aqui comigo para sempre". Nessa fantasia, o culto ao Diabo (que se faz na frente de uma espécie de fogareiro, responsável pelo aquecimento da escola) se mistura com o desejo de Kat de ser acolhida, protegida. Lembre-se que lá fora neva (nas duas temporalidades em que o filme se passa) e é por isso que ela chora, no futuro, enquanto Joan (é a mesma pessoa) quando encosta no forno e ele está apagado, frio.
É por ver no Diabo um pai que nunca teve, que Kat diz "por favor não vá embora" quando o diretor do internato faz um exorcismo e expulsa-o do seu corpo.
A fantasia do Diabo também está relacionada à educação religiosa do internato que faz Kat reprimir suas pulsões. Rose, que fuma, usa maquiagem e sai com garotos desperta em Kat um ódio e/ou desejo recalcado que pode ter motivado o seu assassinato.
Kat é internada e no futuro, 9 anos depois, consegue fugir. É por isso que ela arranca, em certo momento do filme, essas pulseiras que internados usam em hospitais.
Enquanto Joan, por ironia do destino, encontra os pais de Rose. Mata-os e guarda suas cabeças porque, simbolicamente, era queria ter um pai e uma mãe consigo.
A tragédia dos diálogos (alguns monólogos) deste filme é que eles terminam. Alguns rápido demais e são substituídos por outros e esses por outros mais e a gente fica com aquela sensação de "está passando rápido demais e eu não estou tendo tempo de pensar sobre isso". Mas penso que esse era mesmo a ideia.
Filmaço. A fotografia é linda, o roteiro te prende do início ao fim, historicamente acurado, pontual e com referências certeiras. A trilha sonora te deixa sem fôlego. O filme, como um todo, é arrebatador. O único ponto negativo, ao meu ver, são as atuações que são bem ruins e convencem pouco. O que não pesa se pensarmos na obra como um todo.
Não é um filme pra muitos. Várias pessoas saíram do cinema decepcionadas e reclamando que tinham perdido dinheiro. Já vi gente reclamando nas redes sociais também também. Não espere um filme de monstros, sustos e sangue (tem tudo isso, mas não somente isso). Quem quiser assisti-lo tem que ter em mente que trata da bruxaria histórica, daquela que por séculos é retratada nas artes, na literatura, na pintura, seja na música clássica ou em canções populares. Não é sobre a bruxaria no sentido neopagão da palavra.
É preciso dizer que antes de ser um filme sobre bruxaria, é um filme sobre a natureza humana, sobre aquela linha tênue que existe entre a sanidade e a loucura, entre o divino e o maldito, entre o real e o ilusório. Porque, em essência, bruxaria é isso.
Como eu disse, filmaço. Ao meu ver, é o equivalente contemporâneo do clássico Häxan de 1922.
Um filme sobre o poder da empatia: sobre como através do reconhecimento do outro (através do amor ou da amizade) podemos condenarmo-nos tanto à prisão perpétua quanto à liberdade. Tudo é uma questão de coragem: coragem pra amar os outros, coragem pra prender-se aos outros ou coragem pra libertar-se dos outros.
“A Ascensão” é um filme historicamente localizado no tempo e no espaço, e por isso, profundamente ideologizado. Mas seu sentido vai para além disso: é uma história sobre como os homens, como indivíduos, são governados pelo mundo construído ao seu redor – como são governados pelas suas ideias, suas crenças, seu senso de justiça, etc. E mais do que isso, sobre como a própria vida humana, sua existência – limitada e efêmera –, é colocada em jogo em função desses valores construídos por eles próprios. O final catártico faz jus ao nome do filme. Genial.
Esse filme me fez pensar que se a vida é como um mar, existem se diferentes correntezas que por vezes se chocam, outras vezes elas confluem em uma mesma direção. Algumas duram muito tempo, outras são efêmeras. Essas "correntes" são as tradições: existem as do nosso mundo ao redor e existem as que nos são naturais - que nesse caso não são necessariamente tradições, mas sim instintos. Em alguns momentos você pode escolher, se quer navegar a favor ou direção na direção contrária desas correntezas. Se você escolhe a segunda opção, pode tentar por algum tempo, mas não por muito. Existem certas coisas que são inevitáveis: como a própria finitude da vida ou o aquele pedaço de eternidade do amor que não dura pra sempre. Você não pode evitar nada disso.
Mais do que falar sobre a influência da tecnologia no mundo contemporâneo e, particularmente, no individualismo que ela acarreta e representa no nosso cotidiano, esse filme trata não só do mergulho que o homem moderno faz em si mesmo, mas de como nesse percurso ele pode encontrar a si mesmo, não de forma rasa ou superficial que isole-o do resto da comunidade humana, mas levando-o a uma trajetória em que conhece e assume os seus defeitos e suas falhas, lembrando-o que ele não é uma máquina. Essa história pode servir-nos de lembrete, de que não somos perfeitos, e que talvez a partir dessa tomada de consciência, talvez possamos relembrar ou reaprender a olhar pra fora de nós mesmos.
Um documentário muito pedagógico e extremamente didático, ao mesmo tempo em que consegue ser profundo e provocador de uma série de reflexões. Ele consegue ser esclarecedor tanto pra estudantes de humanas/sociais por tratar e aprofundar conceitos, como também o é para "leigos" no assunto, jogando na cara do expectador a monstruosidade e a insanidade da nossa sociedade. Favoritei e passarei adiante em sala de aula.
O filme que tinha tudo pra dar certo, mas que além das pequenas falhas de roteiro, pecou depositando demasiada importância em um romance relativamente sem graça, e até cansativo em certo momento, com tanta coisa interessante pra se explorar em um universo tão extraordinário. Pouco conteúdo, mas uma forma muito bonita.
Pode ser uma interessante metáfora sobre a relação do artista com sua inspiração. As cenas da porta, por exemplo, foram interessantes. O filme podia ter mais elementos desse tipo.
A proposta foi boa, e talvez como literatura o autor tenha alcançado sucesso, mas no formato de cinema, ficou devendo...
Um filme que não é sobre tortura, e muito menos só sobre vingança. Trata-se uma história muito bem dirigida, de certa forma até poética, sobre a resignação, a aceitação e a inexorabilidade da vida e da morte. Um filme que contrasta cenas de horror e beleza, lembrando-nos que uma gota d'água já pode ser o suficiente para fazer trasbordar um poço. Um filme a ser apreciado com uma certa dose de paciência. Se tivesse mais cenas de tortura explícita, seria perfeito.
O sr. John (ou Joseph) Merrick é uma interessante metáfora onde atrás do monstro, do terrível e do marginal existe um ser humano, e como qualquer outro, está a espera de uma mão estendida de um semelhante. O filme propõe uma reflexão sobre quem é mais animal: o marginalizado ou o marginalizador? Penso que em tempos onde se fala muito sobre a redução da maioridade penal, criminalização do aborto, políticas assistencialistas e tantas outras questões, essa reflexão é mais do que necessária.
Um filme que de forma muito gentil e educada tira o espectador da sua zona de conforto estética e intelectual. Faz render muita discussão: até onde vai a tolerância ou o perdão para com a "natureza" ou a "sociedade" humana?
Penso que "Persona" dialoga com um assunto frequente de toda a obra do Bergman, pelo menos presente em todos os filmes dele que vi até então: os conflitos que advém da ilusão da realidade. Um filme difícil de ser pensado racionalmente, ao mesmo tempo em que nos provoca através de uma beleza técnica impecável: esse filme é um exemplo da minha paixão por filmes preto-e-branco. Nunca poderia ser colorido. Aqui a "escala de cinza" nada mais é do que uma expressão do intenso jogo de luz e sombras presente na natureza humana. As cenas de "contraste" não teriam como não ser assustadoras. Genial, como sempre.
Os filmes do Bergman ecoam na minha mente por muito tempo depois que eu termino de assisti-los. Com "A Hora do Lobo" não foi diferente. Pra mim, o filme fala da relação do indivíduo com a sociedade que o cerca. Ele pode tentar se inserir a ela, modelar-se, mas muitas vezes não consegue. E aqui vai um spoiler: no caso de Johann, ele tentou fazê-lo através da sua arte. Se refugia do mundo e dos seus traumas, mas continua a desenhar. E essa arte pôde refletir, como um espelho quebrado, as diversas experiências e facetas, ou expressões, da natureza do artista. Mas não penso que Johann tenha conseguido, pois não consegue adaptar-se e acaba sendo devorado e destruído pela mesma sociedade que o cria. O casamento de Johann foi o seu fim, pois castrou-o e liberou os seus fantasmas. A referência à "Flauta Mágica" de Mozart foi certeira. "Tanta coisa pra se pensar, tantas perguntas...".
Um dos romances mais lindos e tristes que conheci. Um filme realmente tocante, “The Reader” fala sobre como o ser humano é como uma ostra, que esconde dentro de si a beleza de uma pérola, que poucas vezes consegue se abrir, e o poder que faz esse movimento de abertura é a arte. Mas na maior parte do tempo nos fechamos, nos enclausuramos em função das outras pessoas, em função do medo, da moral ou do nosso “superego”. Uma história lindíssima, como poucas.
O filme rende muita discussão e se tornou um dos meus preferidos a ser trabalhado em sala de aula. A "onda" aqui pode ser entendida como uma metáfora sobre como as ações do professor se alastram para além da sala de aula repercutindo em uma cadeia quase sem controle e sem rumo, como peças de um jogo de dominó que vão derrubando umas as outras. Sobre como o "conteúdo" pode não só ser ensinado e aprendido, mas vivido na prática também. Sobre a necessidade crítica do professor de repensar sua forma de ensinar, mas também sobre a necessidade de reflexão por parte dos alunos de saber saborear certos conhecimentos antes de engoli-los. Favoritado!
São poucos os filmes que conseguem oscilar entre os acontecimentos do macro ao microcosmo com beleza e profundidade. “Sombras de Goya” algumas vezes insiste que, paradoxalmente, ainda que sejam os homens que fazem a história com as próprias mãos, tornam-se ao mesmo tempo vítimas do punho do destino ao qual construíram. Quanto à arte, ela segue a dança da insanidade, da vida e da morte, e isso fica claro com a cena final. E falando em final, foi a primeira vez que assisti até o fim a apresentação dos créditos em um filme, quem assistiu entenderá. Natalie Portman, brilhante como sempre.
Assistir esse filme é como que meditar por quase duas horas. Uma história sobre como a vida humana é somente uma extensão dos ciclos da natureza, argumentando que o que faz a Roda girar é a aceitação e o desapego. Genial.
Ao longo do filme vemos pianos sendo tocados sozinhos, coros cantando sem destaque para os cantores e, quando os musicistas são filmados individualmente, pouco mostram o rosto. Muita música e pouco diálogo. Algumas pessoas reclamam que o filme não falou sobre a pessoa de Bach, mas não penso que a proposta do filme tenha sido biográfica. A obra fala do poder da música e a da arte, bem como do seu papel atemporal nas vidas humanas, uma a uma, século após século. O ser humano aqui não é o protagonista, mas sim a sua "criação", se é que podemos usar essa palavra. Um filme delicioso de ver e ouvir.
O Lamento
3.9 431 Assista AgoraO que eu entendi:
A menina filha do policial sofreu um abuso pelo velho japonês. É por isso que ela fala, em tom de naturalidade, para o pai, depois de tê-lo visto transar com a mãe: "isso não é novidade pra mim". É por isso que o velho tinha o sapato da menina. A "possessão" que se desenrola depois disso é trauma, histeria. O mesmo a respeito do outro "fantasma" feminino que persegue o velho e aparece sobretudo na parte final do filme. Nós vimos, no começo, como ele abusou de uma mulher enquanto estava pescando. A metáfora do fantasma que "pesca" suas vítimas aleatoriamente é interessante: as mulheres abusadas também foram pescadas, inocentemente, pelo japonês. "Fantasmas" podem ser uma metáfora aqui. É por isso que no final o outro fantasma feminino, quando conversa com o policial na rua, diz que o verdadeiro fantasma está na casa com a menina: a lembrança, o trauma, o ódio e a fantasia são o "fantasma". Esse fantasma sempre estará lá.
A menina que parece voltar ao normal no hospital quando abraça o pai pode estar melhor por estar medicada. Não pelo sucesso de qualquer ritual. Por isso o outro padre, em outro momento do filme disse: "a religião não pode fazer nada. Confie nos médicos". Obviamente o conselho não foi seguido.
O tal xamã, apesar da boa intenção, também estava interessado sobretudo no dinheiro e via nisso seu sustento: "quanto você tem?" ele pergunta para o policial; antes disso a sogra já havia dito: "reserve o dinheiro pra amanhã".
O japonês estrangeiro isolado, vivendo miseravelmente, tendo sua casa invadida, destruída e seu cachorro assassinado, sobretudo quando perseguido pelos locais com enxadas e armas na mão é uma imagem interessante. Alvo de fofocas, de várias especulações, de várias narrativas. Podemos falar aqui de uma xenofobia velada. É por isso que ele diz para o padre no final: "não importa o que eu diga, você já disse que eu sou o Diabo". Supondo que ele fosse inocente (e eu não acho que fosse), seria possível convencê-los de alguma coisa? Com certeza não.
Quanto aos assassinatos que se espalham pela cidade: pode ser uma doença, pode ser consequência dos alucinógenos (os tais cogumelos que mais de uma vez aparecem) ou pode mesmo ter sido proposital, como uma histeria generalizada em efeito bola de neve. Por isso a gritaria constante, o desespero, a loucura. O tom cômico e pastelão no começo do filme não é gratuito: estamos falando de pessoas ignorantes, abobadas, que explicam a realidade a partir dos fantasmas e recorrem aos xamãs. Os fantasmas são deles mesmos, são projeções de vidas ignorantes, miseráveis e de fantasia. São máscaras.
The Hole in the Ground
2.8 103Eu entendi o seguinte:
A mãe se nega a aceitar o fato de que o filho está crescendo e, muito provavelmente, se tornando mais parecido com o pai. As cenas em que o garoto aparece sentado na frente da televisão e bebendo remetem a um homem adulto. O mesmo quando ele mata a aranha que antes tinha medo, quando se veste e se arruma sozinho ou deixa de fazer as "brincadeiras" que costumava fazer com a mãe. A cena em que o garoto diz que não quer que a mãe o abandone também remetem a uma experiência "refletida" do pai (percebam também a simbologia dos espelhos que é uma marca do filme). As cenas em que o garoto é supostamente violento com a mãe são ainda mais óbvias. Digo supostamente porque não sabemos se aquilo de fato aconteceu ou se passava na cabeça dela, como a fantasia de que o menino quebrou a mão de alguém em uma queda de braço.
Em mais de um momento ela diz que não poderia viver sem o filho. Como a outra mãe, a "louca", que, segundo o viúvo, dizia a mesma coisa sobre o filho "falecido". Uma das muitas camadas do filme toca esse ponto: o da recusa da mãe em cortar o cordão umbilical do filho enquanto cria[nça].
A Enviada do Mal
3.0 284 Assista AgoraO que eu entendi do filme:
Kat sofre de psicopatia. Esse é o motivo para os pais terem abandonado-a em um internato? É possível, mas não sabemos. Fato é que ela esperava a visita dos pais, apostava nisso, e se frustrou profundamente por eles não terem ido visitá-la. Ela sonha, na véspera, que eles morreram em um acidente de carro. Mas nunca sabemos o que de fato aconteceu. Fato é que ela fica sozinha quando todas as outras colegas vão embora para passar as férias com os pais. Kat vê no diretor da escola, então, outra figura paterna: pede que ele fique para ver sua apresentação. Visivelmente decepcionada, ela insiste e o diretor reforça que não estará lá. A frase que ele diz mais tarde, em tom de brincadeira, "você não poderá ficar aqui pra sempre", a afeta profundamente. Reforça seu sentimento de rejeição. É a segunda vez.
O diretor insiste que ela seja cuidada pela outra colega, Rose. Rose ignora a recomendação do diretor e sai para encontrar um garoto. Kat demonstra sua insatisfação quanto a isso e Rose ignora a menina. É a terceira rejeição de Kat. Mais tarde, depois que Rose volta do encontro e tenta dar atenção para Kat, ela responde "você já teve sua chance".
Rose conta uma história a respeito das irmãs do internato adorarem o Diabo. Kat elabora no Diabo outra fantasia: ele é uma projeção de outra paternidade. Por isso o Diabo fala para Kat "você ficará aqui comigo para sempre". Nessa fantasia, o culto ao Diabo (que se faz na frente de uma espécie de fogareiro, responsável pelo aquecimento da escola) se mistura com o desejo de Kat de ser acolhida, protegida. Lembre-se que lá fora neva (nas duas temporalidades em que o filme se passa) e é por isso que ela chora, no futuro, enquanto Joan (é a mesma pessoa) quando encosta no forno e ele está apagado, frio.
É por ver no Diabo um pai que nunca teve, que Kat diz "por favor não vá embora" quando o diretor do internato faz um exorcismo e expulsa-o do seu corpo.
A fantasia do Diabo também está relacionada à educação religiosa do internato que faz Kat reprimir suas pulsões. Rose, que fuma, usa maquiagem e sai com garotos desperta em Kat um ódio e/ou desejo recalcado que pode ter motivado o seu assassinato.
Kat é internada e no futuro, 9 anos depois, consegue fugir. É por isso que ela arranca, em certo momento do filme, essas pulseiras que internados usam em hospitais.
Enquanto Joan, por ironia do destino, encontra os pais de Rose. Mata-os e guarda suas cabeças porque, simbolicamente, era queria ter um pai e uma mãe consigo.
Aquaman
3.7 1,7K Assista AgoraFoi golpe!
Acordar para a Vida
4.3 789A tragédia dos diálogos (alguns monólogos) deste filme é que eles terminam. Alguns rápido demais e são substituídos por outros e esses por outros mais e a gente fica com aquela sensação de "está passando rápido demais e eu não estou tendo tempo de pensar sobre isso". Mas penso que esse era mesmo a ideia.
A Bruxa
3.6 3,4K Assista AgoraFilmaço. A fotografia é linda, o roteiro te prende do início ao fim, historicamente acurado, pontual e com referências certeiras. A trilha sonora te deixa sem fôlego. O filme, como um todo, é arrebatador. O único ponto negativo, ao meu ver, são as atuações que são bem ruins e convencem pouco. O que não pesa se pensarmos na obra como um todo.
Não é um filme pra muitos. Várias pessoas saíram do cinema decepcionadas e reclamando que tinham perdido dinheiro. Já vi gente reclamando nas redes sociais também também. Não espere um filme de monstros, sustos e sangue (tem tudo isso, mas não somente isso). Quem quiser assisti-lo tem que ter em mente que trata da bruxaria histórica, daquela que por séculos é retratada nas artes, na literatura, na pintura, seja na música clássica ou em canções populares. Não é sobre a bruxaria no sentido neopagão da palavra.
É preciso dizer que antes de ser um filme sobre bruxaria, é um filme sobre a natureza humana, sobre aquela linha tênue que existe entre a sanidade e a loucura, entre o divino e o maldito, entre o real e o ilusório. Porque, em essência, bruxaria é isso.
Como eu disse, filmaço. Ao meu ver, é o equivalente contemporâneo do clássico Häxan de 1922.
O Segredo dos Seus Olhos
4.3 2,1K Assista AgoraUm filme sobre o poder da empatia: sobre como através do reconhecimento do outro (através do amor ou da amizade) podemos condenarmo-nos tanto à prisão perpétua quanto à liberdade. Tudo é uma questão de coragem: coragem pra amar os outros, coragem pra prender-se aos outros ou coragem pra libertar-se dos outros.
Sombras
3.3 9A maior ironia do filme foi o "suspiro" no final: aquela doce ilusão, quase confortável, de que a arte não tem nada a ver com a vida "real".
A Ascensão
4.3 61“A Ascensão” é um filme historicamente localizado no tempo e no espaço, e por isso, profundamente ideologizado. Mas seu sentido vai para além disso: é uma história sobre como os homens, como indivíduos, são governados pelo mundo construído ao seu redor – como são governados pelas suas ideias, suas crenças, seu senso de justiça, etc. E mais do que isso, sobre como a própria vida humana, sua existência – limitada e efêmera –, é colocada em jogo em função desses valores construídos por eles próprios. O final catártico faz jus ao nome do filme. Genial.
Contra Corrente
4.0 408Esse filme me fez pensar que se a vida é como um mar, existem se diferentes correntezas que por vezes se chocam, outras vezes elas confluem em uma mesma direção. Algumas duram muito tempo, outras são efêmeras. Essas "correntes" são as tradições: existem as do nosso mundo ao redor e existem as que nos são naturais - que nesse caso não são necessariamente tradições, mas sim instintos. Em alguns momentos você pode escolher, se quer navegar a favor ou direção na direção contrária desas correntezas. Se você escolhe a segunda opção, pode tentar por algum tempo, mas não por muito. Existem certas coisas que são inevitáveis: como a própria finitude da vida ou o aquele pedaço de eternidade do amor que não dura pra sempre. Você não pode evitar nada disso.
Ela
4.2 5,8K Assista AgoraMais do que falar sobre a influência da tecnologia no mundo contemporâneo e, particularmente, no individualismo que ela acarreta e representa no nosso cotidiano, esse filme trata não só do mergulho que o homem moderno faz em si mesmo, mas de como nesse percurso ele pode encontrar a si mesmo, não de forma rasa ou superficial que isole-o do resto da comunidade humana, mas levando-o a uma trajetória em que conhece e assume os seus defeitos e suas falhas, lembrando-o que ele não é uma máquina. Essa história pode servir-nos de lembrete, de que não somos perfeitos, e que talvez a partir dessa tomada de consciência, talvez possamos relembrar ou reaprender a olhar pra fora de nós mesmos.
Da Servidão Moderna
4.2 114 Assista AgoraUm documentário muito pedagógico e extremamente didático, ao mesmo tempo em que consegue ser profundo e provocador de uma série de reflexões. Ele consegue ser esclarecedor tanto pra estudantes de humanas/sociais por tratar e aprofundar conceitos, como também o é para "leigos" no assunto, jogando na cara do expectador a monstruosidade e a insanidade da nossa sociedade. Favoritei e passarei adiante em sala de aula.
Mundos Opostos
3.4 611 Assista AgoraO filme que tinha tudo pra dar certo, mas que além das pequenas falhas de roteiro, pecou depositando demasiada importância em um romance relativamente sem graça, e até cansativo em certo momento, com tanta coisa interessante pra se explorar em um universo tão extraordinário. Pouco conteúdo, mas uma forma muito bonita.
Kimera - Estranha Sedução
3.5 8A história faz algumas releituras de mitos gregos como o de Pigmaleão e a estátua, Orfeu e Eurídice e o de Perseu e Medusa.
Pode ser uma interessante metáfora sobre a relação do artista com sua inspiração. As cenas da porta, por exemplo, foram interessantes. O filme podia ter mais elementos desse tipo.
A proposta foi boa, e talvez como literatura o autor tenha alcançado sucesso, mas no formato de cinema, ficou devendo...
7 Dias
3.5 76Um filme que não é sobre tortura, e muito menos só sobre vingança. Trata-se uma história muito bem dirigida, de certa forma até poética, sobre a resignação, a aceitação e a inexorabilidade da vida e da morte. Um filme que contrasta cenas de horror e beleza, lembrando-nos que uma gota d'água já pode ser o suficiente para fazer trasbordar um poço. Um filme a ser apreciado com uma certa dose de paciência. Se tivesse mais cenas de tortura explícita, seria perfeito.
O Homem Elefante
4.4 1,0K Assista AgoraO sr. John (ou Joseph) Merrick é uma interessante metáfora onde atrás do monstro, do terrível e do marginal existe um ser humano, e como qualquer outro, está a espera de uma mão estendida de um semelhante. O filme propõe uma reflexão sobre quem é mais animal: o marginalizado ou o marginalizador? Penso que em tempos onde se fala muito sobre a redução da maioridade penal, criminalização do aborto, políticas assistencialistas e tantas outras questões, essa reflexão é mais do que necessária.
Dogville
4.3 2,0K Assista AgoraUm filme que de forma muito gentil e educada tira o espectador da sua zona de conforto estética e intelectual. Faz render muita discussão: até onde vai a tolerância ou o perdão para com a "natureza" ou a "sociedade" humana?
Quando Duas Mulheres Pecam
4.4 1,1K Assista AgoraPenso que "Persona" dialoga com um assunto frequente de toda a obra do Bergman, pelo menos presente em todos os filmes dele que vi até então: os conflitos que advém da ilusão da realidade. Um filme difícil de ser pensado racionalmente, ao mesmo tempo em que nos provoca através de uma beleza técnica impecável: esse filme é um exemplo da minha paixão por filmes preto-e-branco. Nunca poderia ser colorido. Aqui a "escala de cinza" nada mais é do que uma expressão do intenso jogo de luz e sombras presente na natureza humana. As cenas de "contraste" não teriam como não ser assustadoras. Genial, como sempre.
A Hora do Lobo
4.2 308Os filmes do Bergman ecoam na minha mente por muito tempo depois que eu termino de assisti-los. Com "A Hora do Lobo" não foi diferente. Pra mim, o filme fala da relação do indivíduo com a sociedade que o cerca. Ele pode tentar se inserir a ela, modelar-se, mas muitas vezes não consegue. E aqui vai um spoiler: no caso de Johann, ele tentou fazê-lo através da sua arte. Se refugia do mundo e dos seus traumas, mas continua a desenhar. E essa arte pôde refletir, como um espelho quebrado, as diversas experiências e facetas, ou expressões, da natureza do artista. Mas não penso que Johann tenha conseguido, pois não consegue adaptar-se e acaba sendo devorado e destruído pela mesma sociedade que o cria. O casamento de Johann foi o seu fim, pois castrou-o e liberou os seus fantasmas. A referência à "Flauta Mágica" de Mozart foi certeira. "Tanta coisa pra se pensar, tantas perguntas...".
O Leitor
4.1 1,8K Assista AgoraUm dos romances mais lindos e tristes que conheci. Um filme realmente tocante, “The Reader” fala sobre como o ser humano é como uma ostra, que esconde dentro de si a beleza de uma pérola, que poucas vezes consegue se abrir, e o poder que faz esse movimento de abertura é a arte. Mas na maior parte do tempo nos fechamos, nos enclausuramos em função das outras pessoas, em função do medo, da moral ou do nosso “superego”. Uma história lindíssima, como poucas.
A Onda
4.2 1,9KO filme rende muita discussão e se tornou um dos meus preferidos a ser trabalhado em sala de aula. A "onda" aqui pode ser entendida como uma metáfora sobre como as ações do professor se alastram para além da sala de aula repercutindo em uma cadeia quase sem controle e sem rumo, como peças de um jogo de dominó que vão derrubando umas as outras. Sobre como o "conteúdo" pode não só ser ensinado e aprendido, mas vivido na prática também. Sobre a necessidade crítica do professor de repensar sua forma de ensinar, mas também sobre a necessidade de reflexão por parte dos alunos de saber saborear certos conhecimentos antes de engoli-los. Favoritado!
Sombras de Goya
3.8 204São poucos os filmes que conseguem oscilar entre os acontecimentos do macro ao microcosmo com beleza e profundidade. “Sombras de Goya” algumas vezes insiste que, paradoxalmente, ainda que sejam os homens que fazem a história com as próprias mãos, tornam-se ao mesmo tempo vítimas do punho do destino ao qual construíram. Quanto à arte, ela segue a dança da insanidade, da vida e da morte, e isso fica claro com a cena final. E falando em final, foi a primeira vez que assisti até o fim a apresentação dos créditos em um filme, quem assistiu entenderá. Natalie Portman, brilhante como sempre.
Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera
4.3 377Assistir esse filme é como que meditar por quase duas horas. Uma história sobre como a vida humana é somente uma extensão dos ciclos da natureza, argumentando que o que faz a Roda girar é a aceitação e o desapego. Genial.
O Silêncio Antes De Bach
3.5 8Ao longo do filme vemos pianos sendo tocados sozinhos, coros cantando sem destaque para os cantores e, quando os musicistas são filmados individualmente, pouco mostram o rosto. Muita música e pouco diálogo. Algumas pessoas reclamam que o filme não falou sobre a pessoa de Bach, mas não penso que a proposta do filme tenha sido biográfica. A obra fala do poder da música e a da arte, bem como do seu papel atemporal nas vidas humanas, uma a uma, século após século. O ser humano aqui não é o protagonista, mas sim a sua "criação", se é que podemos usar essa palavra. Um filme delicioso de ver e ouvir.