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Malu
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Na cena que representa o ponto culminante na transição do protagonista Reza (Reza Akhlaghirad), o homem íntegro do título do filme, ele retorna para sua casa em meio a uma disputa feroz em torno do local onde mora, uma quinta que tem sido objeto de cobiça por uma empresa que atua na região e usa métodos corruptos para fazer valer seus interesses. Nessa cena fundamental do filme, sabemos pelo olhar alucinado de Reza que algo terrível aconteceu, até que, então, a câmera se volta para a casa em chamas e o resultado é desolador. Há algo mais a perder? Na dimensão material, aparentemente não.
Em uma das cenas iniciais do filme, a esposa de Reza e o irmão dela unem esforços para tirar o protagonista da cadeia, onde este foi parar no contexto desigual das disputas pela terra. Os dois conversam no carro, após o cunhado de Reza dizer que resolveu tudo e realmente resolveu tudo rapidamente porque ofereceu propina no interior do circuito administrativo do poder local. A esposa de Reza diz que o marido nunca faria aquilo e seu irmão lhe diz que ele aprenderá. Existem aqueles que aprendem cedo, existem aqueles que aprendem mais tarde, mas ele aprenderá.
O "homem íntegro", que no início do filme se recusa a pagar propina para quitar sua dívida junto aos agentes do banco com o qual contraiu empréstimo, o que diminuiria bastante o total ser pago, aprende tarde, mas realmente aprende. Após sentir toda a injustiça praticada contra si por instituições corruptas, ele se rende. O seu cunhado, plenamente adaptado a esse mundo venal, contemporiza, diz que os funcionários são mal pagos, por isso entende que as coisas sejam como são. Ou você se adapta ou fenece.
Desde Rousseau, a tese de que o homem é bom e as instituições o corrompem serve como uma das narrativas poderosas no campo da luta política. Rasoulof, diretor de Um homem íntegro, aborda uma região no norte do Irã em que não é possível acreditar na redenção. A corrupção está nas instituições, mas é patrocinada por um sistema empresarial que tem lastro financeiro em meio a uma sociedade carente e que aceita a corrupção como um dado da natureza.
Reza incita no espectador dois sentimentos bastante profundos. O 1º sentimento é de alteridade com a sua luta e a de sua família pela sobrevivência. É uma luta que ocupa toda a existência dele e da sua esposa e lamentamos não haver mais espaço para carinho, admiração e companheirismo. O 2º sentimento é o de indignação com a desigualdade de forças a que é submetido em decorrência do poderio econômico dos seus adversários.
Na mensagem final do filme, podemos nos sentir vingados por tudo o que acontece, mas seu recado é completamente pessimista. Não há espaço para a integridade em um mundo em que a maioria das pessoas escarnece das regras, as instituições são frágeis e o poder econômico não encontra limite para fazer valer sua vontade.
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Em um momento do filme, Parinaz Izadyar (Somayeh) sugere ao irmão, Payman Maadi (Morteza), que dê um presente ao caçula da família Mehdi Ghorbani (Navid), devido ao desempenho muito acima da média que comprova o boletim escolar do garoto, que ela lhe mostra. Morteza chama o menino para lhe dar um dinheiro, mas só o faz se ele dançar; este o faz, mas sem jeito, desengonçado. Não importa, a essa altura todos os irmãos já entraram na dança e essa cena comovente parece mostrar uma luz no final do túnel para essa tumultuada família iraniana.
A cena é uma ilusão ou talvez remeta a um desejo muito profundo que todos eles têm ali. Afinal, ninguém gosta de estar chafurdando em conflitos familiares, especialmente aqueles que são provocados pela falta de dinheiro, que, no fim das contas, representa também completa falta de autonomia. Eles agem de acordo com necessidades vitais e não com o desejo moral ou vontade própria, é o que vemos ao longo das discussões que todos eles travam em torno casamento de Somayeh.
Há uma seiva karamazoviana nesse filme, que se dá especialmente pela interpretação de Navid Mohammadzadeh (Mohsen), o irmão que é desajustado, vende drogas, é viciado, mas tem um senso moral que vemos em alguns personagens de Dostoiévski. Apesar das dificuldades financeiras da família, ele não aceita que a irmã se case por dinheiro, contrapondo-se à Morteza nesse assunto. Cabe a ele, o melhor ator em ação nesse filme, alguns dos momentos dramáticos que produzem a força emocional e revelam o quão distante essa família está da quase idílica cena da dança, já descrita.
O filme não promete nenhuma libertação ou solução para o problema da família. Isso não existe. Amanhã será um outro dia. Há esperança em Mohsen, não tanto por seu significativo desempenho escolar, mas porque não o vemos contaminado pela ruína em seu entorno. Saímos do filme acreditando que nele e na irmã, Somayeh, é possível que essa família aspire a uma felicidade que julgamos merecedora.
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Mths Gonc
Oi Ramon, tudo certinho?
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Gy
Talvez isso soe meio persecutório, mas eu cliquei sem querer no teu perfil e achei os teus favoritos interessantes, hahaha. Posso te adicionar para acompanhá-los? :D
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Filmow
O Oscar 2017 está logo aí e teremos o nosso tradicional BOLÃO DO OSCAR FILMOW!
Serão 3 vencedores no Bolão com prêmios da loja Chico Rei para os três participantes que mais acertarem nas categorias da premiação. (O 1º lugar vai ganhar um kit da Chico Rei com 01 camiseta + 01 caneca + 01 almofada; o 2º lugar 01 camiseta da Chico Rei; e o 3º lugar 01 almofada da Chico Rei.)
Vem participar da brincadeira com a gente, acesse https://filmow.com/bolao-do-oscar/ para votar.
Boa sorte! :)* Lembrando que faremos uma transmissão ao vivo via Facebook e Youtube da Casa Filmow na noite da cerimônia, dia 26 de fevereiro. Confirme presença no evento https://www.facebook.com/events/250416102068445/
[contém spoiler] Rio, anos 1990: Malu (Yara de Novaes), cuja personalidade remete fortemente aos movimentos libertários e politicamente engajados dos anos de contestação ao regime militar, entra na sua casa e vê a mãe, católica, conversando com um padre. Ainda estamos nos adaptando ao filme quando Malu senta-se ao lado do homem, que pouco antes perguntara, sem malícia, o que Malu andava lendo. Malu, então, despeja contra o padre toda sua revolta contra a igreja católica, associando-a à pedofilia, para o horror da mãe, que diz que a filha é drogada. Uma situação estranhamente tragicômica. Se não fosse suficiente todo o destempero verbal, mãe e filha se atracam em uma violência bizarra, sem nenhuma condescendência ao espectador.
Em outra cena, Malu entra em uma nova discussão, dessa vez com sua própria filha. A discussão não tem agressão física, mas não deixa ser tão violenta quanto a anterior, já descrita. Irritada com as críticas da filha, que traz várias amarguras de sua infância para o momento presente, Malu revida e insinua que a filha esteja transando com o próprio pai, uma acusação chocante e feita sob medida para ferir. A única pessoa com quem Malu não briga é o seu amigo Tibira (Átila Bezerra), que mora em uma espécie de barraco no terreno da casa.
Às vezes sentimos asco do comportamento da protagonista, às vezes ela inspira piedade. O filme traz elementos contextuais importantes, como o momento em que a mãe de Malu conta sobre a própria infância (a irmã foi forçada a ser amante do pai). Malu mantém vivas esperanças e fala para todo mundo que construirá um primeiro andar na própria casa, que servirá como teatro. Ela foi atriz e parece viver em um estado dissociativo entre o que foi e o que ela é. Ninguém acredita no empreendimento que ela deseja fazer, mas ninguém quer contrariar o sonho que parece dar alguma vitalidade à protagonista.
Malu é um dos personagens mais complexos do cinema brasileiro nos últimos anos e é interpretado com muito maestria pela atriz Yara de Novaes. Não é fácil entregar as emoções dessa personagem com a força e a autenticidade com que ela o faz nesse filme. Sua explosão com o padre ou com a filha tem pouco a ver com os alvos e muito mais com as suas próprias frustrações: ela não parece se orgulhar dos feitos da própria filha, estabelece monólogos repetitivos e dá importância excessiva às suas experiências.
Nesse sentido, o filme é um ótima narrativa sobre as complexidades humanas, as frustrações e amarguras que carregamos e que terminam explodindo nas nossas atitudes e mostra também o peso que representa para aqueles que, no entorno, precisam lidar com tais comportamentos. Há duas saídas: a que Malu teve com a própria mãe ou que a filha de Malu teve com esta. O filme deixa evidente que nenhuma resposta é simples.