Um Bill Murray cinquentão vagando pelas noites de Tóquio ao lado de uma novinha Scarlett Johansson, ao som de My Bloody Valentine e Jesus and Mary Chain.
Não sei quem teve essa ideia inusitada, mas o resultado é irresistível.
É uma espécie de filme irmão de First Reformed do Paul Schneider (que feito seis anos depois). Ambos são filmes com ritmo cadenciado, introspectivo, possuem temática ambientalista e apresentam uma trajetória de despertar e libertação do protagonista. Assim como o reverendo vivido por Ethan Hawke, no filme de Schneider, o personagem de Willem Dafoe é um homem que irá se rebelar contra o sistema ao descobrir segredos nefastos de uma grande e poderosa empresa, ao mesmo tempo que se envolve com a esposa de um ambientalista. Enquanto que em First Reformed tínhamos fortes influencias de Bresson, aqui o diretor australiano Daniel Nettheim apresenta uma vibe mais Herzogiana. Um ponto a favor de The Hunter é que o desenvolvimento e mudança de comportamento do protagonista aqui é mais bem trabalhada e crível que no filme do Schneider, que considero um tanto abrupta. No fim das contas, é um drama que consegue ser ecológico sem ser panfletário e lento sem ser chato.
A década de 70 foi marcada em levar o gênero do terror a níveis mais explícitos e extremos, diferente do estilo mais sugestivo que era característico desses filmes até o fim dos anos 60. A Sentinela dos Malditos é um trabalho autoral do diretor Michael Winner (ele assina o roteiro, produz e dirige) e como toda obra pessoal é um filme que merece ser visto, independentemente de o resultado ser bem-sucedido ou não, pois um trabalho autoral sem êxito ainda é mais interessante que um produto meramente comercial sem alma, como é o caso da maioria das obras atuais, além de conter todos os elementos barrocos que marcaram os filmes desse gênero na época. A obra de Winner se enquadra no subgênero do horror cristão, que tem como maiores pontífices O Bebê de Rosemary e O Exorcista. Assim como essas duas referências, há a presença de uma figura feminina instável e frágil como protagonista; e que precisa encarar um fardo sobrenatural para se reencontrar e pagar seus pecados. Tendo como noivo um advogado bem-sucedido e uma carreira de modelo em ascensão, ela busca sua independência, “ter o seu próprio espaço” nas palavras da mesma. Ela então passa a morar sozinha, mesmo a contragosto do seu noivo, e nesse novo lar terá que enfrentar os seus demônios e traumas interiores, materializados na figura de seu falecido pai e de seus vizinhos estranhos e inconvenientes, que escondem um macabro segredo. Assim como a maioria dos filmes desse subgênero, o filme carrega um moralismo exacerbado, a protagonista é longe de ser uma moça recatada, tendo um histórico marcado por tentativas de suicídio e adultério; e logo vai pagar por essas atitudes da maneira mais dolorosa possível, assim como o seu noivo que não tem escrúpulos para alcançar seus objetivos. O filme tem um estilo cadenciado característico da época, onde tudo é orquestrado para a grande revelação no final. Pode não ser um filme brilhante, mas é um trabalho competente de Winner, que vivia sua melhor fase nos anos 70.
Um filme que propõe ser um conto alegórico ou fábula tem como principal requisito apresentar camadas de sentidos e funcionar em todas elas, uma mais literal (superficial) e outra em níveis mais subjetivos que vão convergir para a visão particular de cada espectador, abrindo um leque de significados. Em O poço, o nível mais superficial da narrativa, aquele mais literal, carece de coerência, principalmente no que se refere a construção de personagens
(protagonista idealista que momentos depois se torna um assassino canibal para logo em seguida voltar a ser um idealista, por pura conveniência de roteiro)
. Todavia, como em todas as fábulas, haveria pelo menos mais uma camada para apreciar a história, aquela mais subjetiva e submersa na literalidade da trama. Mas, até mesmo essa camada apresenta problemas, pois tudo aquilo que não era para ser literal e explícito é jogado na cara do espectador de forma mastigada, e até mesmo verbalizada, da forma mais didática possível, não abrindo espaço para reflexões mais aprofundadas. Divisão de classes, desigualdades sociais, falta de empatia e solidariedade, todos temas importantes, mas abordados com a superficialidade de um pires. Portanto, como conto alegórico, o filme não funcionou sob nenhuma perspectiva para mim. No fim das contas, o último recurso foi assistir O poço como um trash gore e nisso ele funciona relativamente bem, com mortes criativas, sangue e nojeira aos borbotões. Se o filme não se levasse tão a sério com sua crítica social rasteira e abraçasse sua identidade de terror B, talvez fosse uma experiência mais divertida. No fim das costas, você compra gato por lebre, pois vai assistir esperando algo como Buñuel mas acaba ganhando um Eli Roth.
A carreira de David Lynch se divide em duas fases. A primeira fase, com exceção de seu primeiro longa, Eraserhead (1977), é composta de filmes que possuem uma estrutura narrativa clássica, onde os elementos oníricos (marca registrada do cineasta) estão presentes de forma mais pontual dentro da trama. Neste período estão os meus filmes preferidos de Lynch: Homem Elefante, Veludo Azul e Coração Selvagem. O filme divisor de águas trata-se de Estrada Perdida (1997) e é uma ruptura que apresentou os elementos que iriam caracterizar a segunda fase do cineasta. Se antes a narrativa tinha um padrão linear, com fragmentos de surrealismo, nesta nova fase o que vai ser determinante na narrativa é a criação de um ambiente de sonhos como prioridade, o que vai levar a uma quebra na linearidade da história. Cidade dos Sonhos é o segundo filme desse último período e apresenta todos os elementos que o caracterizam. É como se todos os fetiches da primeira fase de Lynch fossem potencializados a enésima potência.
O núcleo da trama é bastante simples: aspirante a atriz chega em Hollywood e após ser abandonada por sua namorada e ver seu sonho de se tornar uma grande estrela ir por agua abaixo, resolve contratar um assassino profissional para dar cabo de sua amante, que consegue escapar mas perde a memória no processo.
Porém, Lynch conta essa história da maneira mais labiríntica possível, de forma a confundir o espectador ao máximo, onde personagens e eventos que ocorrem nunca são o que aparentam ser, alguns possuindo significado puramente simbolista dentro da narrativa. Como ponto positivo fica a construção atmosférica, algo que Lynch é mestre em fazer. Ele consegue fazer o espectador mergulhar de cabeça nos enigmas de seus filmes, mesmo que este esteja entendendo absolutamente nada do que está se passando na tela. Não é um filme para todos os gostos e continuo preferindo muito mais a primeira fase do diretor. Acho que uma narrativa clássica pontuada por elementos oníricos torna a experiência cinematográfica mais imersiva do que uma trama majoritariamente sensorial, com sentido obscuro. Mas para quem aprecia quebra-cabeças e ser desafiado a solucionar enigmas ou simplesmente embarcar num devaneio lisérgico é um prato cheio. Acredito que este ainda seja o melhor trabalho desse segundo ciclo de Lynch.
Boa surpresa. Se vc superar a barreira inicial chamada Vin Diesel (se ele tiver 3 expressões faciais ao longo do filme é muito) e não for algum nerd cricri que exija uma adaptação 100% fiel ao material original, irá encontrar um sci-fi competente, cheio de elementos que remetem Philip K. Dick, com boas cenas de ação. É um filme simples e direto, que não cai na armadilha de tentar ser mais inteligente do que realmente é (maior erro de blockbusters atuais), apesar de ter uma trama bem mais intrincada que a maioria das películas de ação/super-heróis recentes, envolvendo memórias e realidades fabricadas, como já visto em Total Recall e Blade Runner, por exemplo. O ponto mais fraco acaba sendo o que deveria ser o maior chamariz do filme, seu protagonista vivido por um Vin Diesel mais inexpressivo do que nunca. Mas enfim, nada mal pra quem foi ver sem expectativa alguma e esperava uma bomba!
Direção madura de um Clint Eastwood super confortável, vivendo numa fase em que não deve absolutamente nada a ninguém. Azar do Governo e da mídia que são duramente criticados pelo diretor no caso do rapaz pacato que vira herói da noite para o dia e em seguida é transformado em vilão quase que na mesma velocidade por essas duas instituições que, como diz o personagem de Sam Rockwell em determinado momento do filme, são as forças mais poderosas do mundo hoje. As atuações fortes e seguras são a cereja do bolo desse bonito trabalho do Clint. Tudo está tão em sintonia que até mesmo os clichês e estereótipos atuam em favor da narrativa. É o cinemão no estilo clássico, simples e direto, de alto nível. Filmaço.
nenhuma pessoa morre e o encosto se limita apenas em ficar abrindo portas e passando trote por telefone!
Mas, porém, todavia, a atmosfera e o climão agourento são construídos com tanto zelo que fizeram eu deixar esse preconceito inicial de lado e embarcar nesse terrorzão psicológico. No início é quase impossível não sentir antipatia pelo comportamento do garoto (garoto não! Samuel!); mas, ao longo do filme, quando a barra começa a pesar, sentimos pena e torcemos para o pivete conseguir sair da situação de merda em que se meteu kkk.
Vale destacar a atuação soberba da Essie Davis, a transição de mãe protetora para psicótica assassina convence e é digna dos melhores momentos de Jack Nicholson em O Iluminado.
se você captar os simbolismos envolvendo luto e depressão, o filme melhora consideravelmente e sim (2); ainda vou levar um tempo para superar a morte do cachorro.
A retomada do cinema de terror tem sido uns dos movimentos cinematográficos mais interessantes a surgirem pelas nossas bandas nos últimos tempos. Em resumo, durante as três últimas décadas, desde o fim da famigerada boca do lixo, o cinema nacional se polarizou em duas vertentes; os filmes ditos “sérios”, com forte abordagem e crítica social, mostrando as mazelas do país e com interesse secundário em chegar ao grande público, restrito a uma audiência mais especializada ou interessada no assunto. A outra vertente é o cinema comercial produzido para as massas, com foco principalmente em comédia, com estética pasteurizada televisiva e sem nenhuma pretensão artística. Nesse cenário, o cinema de gênero, principalmente o de terror, uma das nossas vocações cinematográficas, sempre acabou relegado ao underground, sendo muito mais celebrado fora do país em circuitos alternativos do que na nossa própria terra. Mal Nosso pertence tanto a esse cinema de terror nacional marginalizado (estreando primeiramente no exterior, recebendo diversos elogios, para então, depois de dois anos, tentar a sorte por aqui), quanto ao revival surgido nos últimos anos, se juntando a ótimos filmes como As boas maneiras e Animal cordial. É interessante observar que esse novo movimento apresenta características em comum. São abertamente filmes de gênero, feitos para entreter, sem a tola preocupação de serem enquadrados nos filmes considerados sérios, da mesma maneira que não têm receios de utilizar influencias do cinema americano (como de David Lynch e John Carpenter) e europeu (principalmente da Itália de Mario Bava e Dario Argento) e apresentam narrativas relativamente convencionais, com elementos subversivos encaixados no meio. Mal Nosso contém tudo isso, mas talvez o seu maior mérito seja de, mesmo com pouquíssimos recursos e atores amadores, em nenhum momento se entregar ao caminho mais fácil do trash e do “terrir”, mantendo a todo momento aquela atmosfera pesada e de medo. Os destaques ficam por conta dos efeitos práticos do mestre Rodrigo Aragão; e o roteiro objetivo e seguro do próprio Samuel Galli, mantendo o espectador “no escuro” até o meio do filme, com um primeiro ato com a violência e mal estritamente mundano, real, para então apresentar os elementos sobrenaturais apenas no segundo ato, de forma econômica, porém sempre impactante. É um daqueles filmes que consolidam o talento natural que temos de contar uma boa história de terror e que nos deixa ansiosos pelos próximos trabalhos de Galli.
Halloween de John Carpenter é uma pequena obra prima de 1978 e possivelmente o melhor filme de Hitchcock jamais dirigido pelo dito cujo. Pioneiro do subgênero slasher (uma adaptação americana do giallo italiano), o filme tinha a premissa mais simples possível: maníaco foge do sanatório e começar a matar aleatoriamente quem vê pela frente na noite de Dia das bruxas. Esse fiapo de trama nada mais era uma desculpa para Carpenter fazer um exercício cinematográfico de como criar tensão e medo no público, bem aos moldes de como o seu mestre Hitchcock adorava fazer. Um marco do gênero terror, sem dúvidas. Com o sucesso, vieram as famigeradas sequências, remakes e reboots (10 no total), quase todos de qualidade questionável. A maneira encontrada para trazer dignidade a uma nova sequência foi jogar na lixeira todas essas continuações, contar uma história ligada diretamente ao original de 1978 e envolver Carpenter de alguma maneira no projeto. Funcionou, pois houve todo um burburinho e os trailers e matérias de divulgação indicavam que o filme teria aquele climão do filme original. No entanto, o diretor encarregado para a missão, o eclético David Gordon Green, de obras tão dispares como Joe e Segurando as pontas, não tem a elegância de John Carpenter e a consequência disso é um filme bem mais bruto, sem a classe na composição de cenas e atmosfera que o original tinha. Talvez ciente dessa limitação, Green não arrisca e faz um filme protocolar, seguindo à risca a estrutura ensinada por Carpenter, como um aluno disciplinado seguindo a orientação de seu professor. Graças a isso, o filme atinge seu objetivo de criar tensão, o que comprova que aquele velho template de 1978 ainda funciona e continuará funcionando toda vez que bem utilizado. De brinde, há uma série de referências ao filme original, como a personagem de Jamie Lee Curtis sendo trocada de lugar com Michael Myers em vários momentos e uma cena bastante inspirada para deleite dos fãs
(um quase plano sequência com Michael invadindo duas casas e fazendo uma vítima em cada, com a clássica música tema tocando ao fundo).
O resultado disso tudo é um filme de terror curto, grosso e eficiente, que entrega aquilo que propõe, sem tentar fazer revisionismos ou descontruir a obra original (como o controverso remake de Rob Zombie fez). Um trabalho de fãs para fãs (dá para ver o respeito e reverência dos envolvidos para com a obra de Carpenter), mas que também funciona muito bem para quem quer apenas curtir um bom filme de terror.
Logo de cara, As boas maneiras já rompe com o padrão do cinema nacional por ser escancaradamente um filme de gênero, além de dispensar aquele naturalismo que parece obrigatório em filmes nacionais independentes com a pretensão de serem levados a sério. Por abraçar o gênero de terror de forma nada velada, este trabalho da dupla Juliana Rojas e Marco Dutra já se coloca fora da gaveta da maior parte do que vem sendo feito na nossa industria cinematográfica e resgata a vocação do cinema nacional para produções de horror. Mas não é só por isso que As boas maneiras é um trabalho notável, com uma narrativa quase clássica que remete a um conto de fadas (porém recheado de elementos subversivos capazes de chocar um público mais conservador), que divide a história em dois atos bastantes diferentes que conduzem a trama para rumos imprevisíveis que desconcertam o espectador, criando uma atmosfera bem particular, com boas doses de sangue, humor e musical (!). Um filme corajoso, cheio de escolhas arrojadas da dupla de cineastas, e que termina como um produto com identidade própria, autoral, e que está na linha de frente representando uma retomada do cinema de gênero de terror, que já conta com o ótimo Animal cordial na lista. Nada mais justo e normal para um país quem tem José Mojica Marins como patrimônio.
De início, O animal cordial parece ser um retrato quase documental sobre o Brasil contemporâneo, nada muito diferente do que vem sendo feito no cinema nacional atualmente, só que dessa vez focado no microcosmo de um restaurante de luxo, onde no salão principal desfila a classe nobre (representado por um empresário e uma socialite) e que são servidos pelas pessoas da cozinha, o que seria a periferia com suas classes minoritárias, representados pela mulher, pelo negro e transexual, segregados pelo proprietário do lugar e sendo responsáveis em lidar com o lixo vindo de cima e fazer a engrenagem do estabelecimento funcionar. As coisas começam a se intensificar com os atritos entre os empregados e o patrão, um homem vaidoso e que não demonstra muita empatia pelos seus funcionários. A gota d’água é quando o lugar é tomado por dois assaltantes e as coisas saem de vez do controle. A partir daí, o filme passa a tomar rumos cada vez mais simbolistas e imprevisíveis, se distanciando daquele aspecto mais cinza, frio e realista do início, remetendo ao cinema onírico de Bava e Argento com crítica social embutida.
No fim, o que observamos é um violento conto alegórico sobre relações de trabalho e a desconstrução do homem clássico (preconceituoso, dominador, violento e que resolve as coisas com as próprias mãos), com seu esquartejamento pela personagem feminina, e o renascimento do novo homem moderno, com a troca do personagem do Benício pelo de Irandhir Santos, num cenário onde sobrevivem as minorias (o trans, a mulher e o negro). Um final que sinaliza para o otimismo, apesar de toda a brutalidade
Uma estreia promissora de uma diretora que demonstra possuir um amplo repertório de referências, cujo trabalho merece ser acompanhado de perto daqui em diante.
Talvez a grande pérola do cinema de terror dos anos 90, essa obra dirigida por Michele Soavi, um dos pupilos de Mario Bava, sintetiza o que há de melhor nesse subgênero do horror feito na Itália, sem deixar de lado toques bem autorais. Baseado num romance de Tiziano Sclavi, criador de Dylan Dog, no qual o protagonista interpretado por Rupert Everett foi inspirado, o filme conta a história de Francesco Dellamorte, um coveiro de um cemitério cujos mortos ali enterrados ressuscitam sem explicações. Ajudado pelo seu amigo mudo Gnaghi (claramente baseado no personagem Curly dos Três Patetas!) Dellamorte trata os mortos levantando de suas tumbas com grande naturalidade, e sua indiferença em comunicar o fantástico acontecimento para as autoridades locais, reflete bem a total apatia do personagem perante sua medíocre vida, que encontra na atividade de matar zumbis com um revólver (que sempre está longe nas horas em que mais precisa) como o seu único lazer, além ler uma lista telefônica (!) e conversar com seu amigo mudo nos intervalos de trabalho. As coisas começam a mudar quando ele se apaixona por uma bela recém-viúva, fazendo-o perceber que talvez a vida proporcione coisas melhores do que folhear uma velha lista telefônica ou atirar na cabeça de zumbis nas horas vagas. Mesmo sendo um dos discípulos de Bava, Soavi tem nitidamente grande influência de um diretor norte-americano, Sam Raimi para ser mais exato, no que se refere a um humor negro demente misturado com sanguinolência e mutilações, além de pegar emprestado uma ironia que remete principalmente ao cinema de Jean-Pierre Jeunet. O primeiro ato do filme, consiste em basicamente num terrir bem semelhante ao cinema de Raimi, porém, em sua segunda metade, Soavi introduz camadas e mais camadas em seu filme, carregando a obra de críticas sociais e relativismo moral entre vivos e os mortos ambulantes, remetendo a Romero em alguns pontos, e surrealismo, reverenciando seu mestre Bava. Enquanto no cinema de Bava havia uma preocupação maior na criação de uma atmosfera onírica, de pesadelo, deixando de lado qualquer vislumbre de desenvolvimento e aprofundamento de personagens, aqui Soavi trata seus personagens com bem mais carinho e esmero, mergulhando a fundo nas perturbações do protagonista no ato final da película. Ao final do filme resta a certeza que tudo ali é muito mais simbólico do que parecia no início, abrindo margens para os mais diversos tipos de interpretações. Outro ponto que faz desta pequena obra um filme diferente de qualquer outra dentro do gênero da qual pertence, são as tiradas ótimas que incluem frases como "eu nunca li mais de dois livros a vida inteira. Um eu nunca terminei e o outro é a lista telefônica" ou então " Em certo momento da vida você percebe que conhece mais pessoas mortas do que vivas". Muitos consideram os anos 90 como uma década decadente no que se refere a terror, porém filmes como Pelo amor e pela morte mostram que essas boas e relevantes obras estão lá, só precisam ser redescobertas.
Mais de 30 anos se passaram e está cada vez mais raro encontrar um filme com cenas de ação tão impressionantes como as vistas em Police Story (The raid talvez seja uma dessas raras exceções). Sem uso de malabarismos digitais e até mesmo de dublês em certas cenas, essa pérola do cinema de ação cria cenas tão reais e malucas que deixa o espectador até preocupado com a situação dos atores em alguns momentos. A cena inicial do filme, com uma perseguição de carros atravessando uma favela e seguindo com uma perseguição a pé de Chan atrás de um ônibus, são momentos que nenhum outro filme de ação hollywoodiano na época fez igual (quase 20 anos depois, Michael Bay fez um ctrl+c ctrl+v em Bad Boys 2 na cara de pau). E a cena derradeira do filme, em um shopping lotado com Chan lutando contra vários capangas em meio a vidraças e sendo arremessado de um piso a outro é de uma insanidade brutal. O filme só não ganha cinco estrelas cheias por algumas cenas de humor estilo pastelão que soam deslocadas (com direito a sequencia de tortas na cara e Chan fazendo moonwalker depois de pisar no cocô?!!), que são mescladas com outras ótimas como a impagável cena do tribunal e da delegacia, onde o personagem de Chan tem que se virar com pelo menos 4 telefones tocando ao mesmo tempo. Portanto, mesmo passado mais de três décadas, Police Story continua um verdadeiro filmaço, superior a qualquer coisa que Chan veio a fazer nos States anos depois e melhor ainda que qualquer filme de ação feito na atualidade. Além de ser uma verdadeira aula para os astros e cineastas de ação de hoje, de como se fazer um filme bruto e insano.
A história de amor mais doentia que assisti há anos. A narrativa me remeteu ao filme Silêncio do Lago, filmaço de 1988 dirigido por George Sluizer, onde acompanhamos a história sob o ponto de vista de um sociopata, aqui o porteiro César, um sujeito aparentemente normal e o tipo de pessoa que poderíamos esbarrar no nosso cotidiano, mas que esconde hábitos doentios e obsessivos em seus momentos de privacidade. É o típico filme que quanto menos você souber a respeito da história, melhor. Vale destacar a direção sóbria do Jaume Balagueró, que conduz a trama sem fazer a história descambar pra cenas de violência desnecessárias. Com exceção de uma única cena, bastante sanguinolenta, o filme é bastante “limpo” e valoriza muito mais a tensão psicológica em detrimento a ultraviolência e escatologia que se tornou padrão dentro do gênero, principalmente quando se trata de Hollywood. Outro ponto de destaque é o final, onde o filme tem o desfecho que a história pede, sem reviravoltas forçadas ou convenientes para agradar ao público, o que pode deixar um gostinho amargo para alguns. Típico filme para se perder a fé na humanidade, e, por isso mesmo, é muito bom rs
Pontos positivos: Dá para ver que o roteirista Rian Johnson tentou dar novos rumos para a história, navegar em águas até então desconhecidas para a mitologia Star Wars. Diferente do episódio 7, que parecia mais um remake de Uma nova esperança, com novos personagens, Os últimos Jedi busca sempre soluções que divergem da narrativa convencional e esperadas pelo público, além de tingir os personagens em tons de cinza como jamais foi feito na saga até então. O lado negro da Força nunca se misturou tanto com o lado da luz. Rian Johnson deu a cara a tapa, remontou a mitologia Star Wars, desconstruiu o seu maior personagem e entregou o filme mais desconcertante da saga, desde O império contra-ataca. A vontade de Johnson em desconstruir conceitos e quebrar expectativas, já é bem evidente logo numa das primeiras cenas do filme, que dá continuidade ao encontro de Luke e Rey, quando o velho Jedi simplesmente joga seu sabre de luz no chão como se aquele objeto não tivesse importância, depois de dois anos de espera dos fãs por esse momento.
Pontos negativos Já se passaram dois filmes, e os personagens ainda não mostraram a que vieram. Os momentos mais marcantes desses novos filmes são todos sustentados pela presença de seus personagens clássicos. Os roteiristas falharam feio na tarefa de criar personagens que fossem tão marcantes quanto Leia, Luke, Han, Darth Vader, entre outros. Enquanto que ao final de O Império contra-ataca, Darth Vader já era considerado um dos maiores vilões da história do cinema; ao final de Os últimos jedis, o “grande vilão” Kyle Ren não passa de um bebê chorão e que não transmite ameaça para a nova protagonista, Rey, que parece que já nasceu pronta, nem precisando de um mestre para usar a Força (inclusive abandonando Luke no meio do treinamento Jedi e indo embora, afinal ela parece ser autodidata, uma baita decepção para quem esperou tanto por esse momento entre ela e Luke). Para piorar, os roteiristas ainda fazem o desserviço de matar os personagens icônicos (de forma desnecessária), sem fazer reposição com personagens à altura. Até mesmo os personagens da famigerada trilogia prequel de George Lucas conseguiram ter mais carisma e brilho que essas novas figuras. É difícil entender o motivo de matarem um personagem como Luke Skywalker e salvar um que não fede nem cheira como Finn. No fim das contas, fica a impressão que Ryan Johnson se preocupou tanto em tratar de desconstrução de conceitos, empoderamento feminino, inclusão de minorias e questões sociais para agradar um novo público mais politizado, que acabou esquecendo de algo básico, que é construir uma mitologia de fantasia com personagens carismáticos que dialogam com o público e o cativam, como foi na trilogia clássica.
A Baleia
4.0 1,0K Assista AgoraAinda bem que não escalaram o Christian Bale para o papel, se não o homem iria querer engordar 200 kg pra viver o Charlie.
Batman
4.0 1,9K Assista AgoraSe tirar atmosfera sombria e a trilha do Nirvana, só sobra um suspense meia boca nível Supercine.
Encontros e Desencontros
3.8 1,7K Assista AgoraUm Bill Murray cinquentão vagando pelas noites de Tóquio ao lado de uma novinha Scarlett Johansson, ao som de My Bloody Valentine e Jesus and Mary Chain.
Não sei quem teve essa ideia inusitada, mas o resultado é irresistível.
Depois de Horas
4.0 453 Assista AgoraFica em casa.
O Caçador
3.2 195 Assista AgoraÉ uma espécie de filme irmão de First Reformed do Paul Schneider (que feito seis anos depois). Ambos são filmes com ritmo cadenciado, introspectivo, possuem temática ambientalista e apresentam uma trajetória de despertar e libertação do protagonista. Assim como o reverendo vivido por Ethan Hawke, no filme de Schneider, o personagem de Willem Dafoe é um homem que irá se rebelar contra o sistema ao descobrir segredos nefastos de uma grande e poderosa empresa, ao mesmo tempo que se envolve com a esposa de um ambientalista.
Enquanto que em First Reformed tínhamos fortes influencias de Bresson, aqui o diretor australiano Daniel Nettheim apresenta uma vibe mais Herzogiana. Um ponto a favor de The Hunter é que o desenvolvimento e mudança de comportamento do protagonista aqui é mais bem trabalhada e crível que no filme do Schneider, que considero um tanto abrupta. No fim das contas, é um drama que consegue ser ecológico sem ser panfletário e lento sem ser chato.
Fogo Contra Fogo
4.0 660 Assista AgoraAl_Pacino_perseguindo_Robert_De_Niro_ao_som_de_New_Dawn_Fades_do_Joy_Division.mp4
A Sentinela dos Malditos
3.7 131 Assista AgoraA década de 70 foi marcada em levar o gênero do terror a níveis mais explícitos e extremos, diferente do estilo mais sugestivo que era característico desses filmes até o fim dos anos 60. A Sentinela dos Malditos é um trabalho autoral do diretor Michael Winner (ele assina o roteiro, produz e dirige) e como toda obra pessoal é um filme que merece ser visto, independentemente de o resultado ser bem-sucedido ou não, pois um trabalho autoral sem êxito ainda é mais interessante que um produto meramente comercial sem alma, como é o caso da maioria das obras atuais, além de conter todos os elementos barrocos que marcaram os filmes desse gênero na época.
A obra de Winner se enquadra no subgênero do horror cristão, que tem como maiores pontífices O Bebê de Rosemary e O Exorcista. Assim como essas duas referências, há a presença de uma figura feminina instável e frágil como protagonista; e que precisa encarar um fardo sobrenatural para se reencontrar e pagar seus pecados. Tendo como noivo um advogado bem-sucedido e uma carreira de modelo em ascensão, ela busca sua independência, “ter o seu próprio espaço” nas palavras da mesma. Ela então passa a morar sozinha, mesmo a contragosto do seu noivo, e nesse novo lar terá que enfrentar os seus demônios e traumas interiores, materializados na figura de seu falecido pai e de seus vizinhos estranhos e inconvenientes, que escondem um macabro segredo.
Assim como a maioria dos filmes desse subgênero, o filme carrega um moralismo exacerbado, a protagonista é longe de ser uma moça recatada, tendo um histórico marcado por tentativas de suicídio e adultério; e logo vai pagar por essas atitudes da maneira mais dolorosa possível, assim como o seu noivo que não tem escrúpulos para alcançar seus objetivos. O filme tem um estilo cadenciado característico da época, onde tudo é orquestrado para a grande revelação no final. Pode não ser um filme brilhante, mas é um trabalho competente de Winner, que vivia sua melhor fase nos anos 70.
No Tempo das Diligências
4.1 141 Assista AgoraA cena da perseguição à diligencia impressiona ainda hoje.
O Poço
3.7 2,1K Assista AgoraUm filme que propõe ser um conto alegórico ou fábula tem como principal requisito apresentar camadas de sentidos e funcionar em todas elas, uma mais literal (superficial) e outra em níveis mais subjetivos que vão convergir para a visão particular de cada espectador, abrindo um leque de significados.
Em O poço, o nível mais superficial da narrativa, aquele mais literal, carece de coerência, principalmente no que se refere a construção de personagens
(protagonista idealista que momentos depois se torna um assassino canibal para logo em seguida voltar a ser um idealista, por pura conveniência de roteiro)
No fim das contas, o último recurso foi assistir O poço como um trash gore e nisso ele funciona relativamente bem, com mortes criativas, sangue e nojeira aos borbotões. Se o filme não se levasse tão a sério com sua crítica social rasteira e abraçasse sua identidade de terror B, talvez fosse uma experiência mais divertida. No fim das costas, você compra gato por lebre, pois vai assistir esperando algo como Buñuel mas acaba ganhando um Eli Roth.
Cidade dos Sonhos
4.2 1,7K Assista AgoraA carreira de David Lynch se divide em duas fases. A primeira fase, com exceção de seu primeiro longa, Eraserhead (1977), é composta de filmes que possuem uma estrutura narrativa clássica, onde os elementos oníricos (marca registrada do cineasta) estão presentes de forma mais pontual dentro da trama. Neste período estão os meus filmes preferidos de Lynch: Homem Elefante, Veludo Azul e Coração Selvagem. O filme divisor de águas trata-se de Estrada Perdida (1997) e é uma ruptura que apresentou os elementos que iriam caracterizar a segunda fase do cineasta. Se antes a narrativa tinha um padrão linear, com fragmentos de surrealismo, nesta nova fase o que vai ser determinante na narrativa é a criação de um ambiente de sonhos como prioridade, o que vai levar a uma quebra na linearidade da história.
Cidade dos Sonhos é o segundo filme desse último período e apresenta todos os elementos que o caracterizam. É como se todos os fetiches da primeira fase de Lynch fossem potencializados a enésima potência.
O núcleo da trama é bastante simples: aspirante a atriz chega em Hollywood e após ser abandonada por sua namorada e ver seu sonho de se tornar uma grande estrela ir por agua abaixo, resolve contratar um assassino profissional para dar cabo de sua amante, que consegue escapar mas perde a memória no processo.
Porém, Lynch conta essa história da maneira mais labiríntica possível, de forma a confundir o espectador ao máximo, onde personagens e eventos que ocorrem nunca são o que aparentam ser, alguns possuindo significado puramente simbolista dentro da narrativa. Como ponto positivo fica a construção atmosférica, algo que Lynch é mestre em fazer. Ele consegue fazer o espectador mergulhar de cabeça nos enigmas de seus filmes, mesmo que este esteja entendendo absolutamente nada do que está se passando na tela.
Não é um filme para todos os gostos e continuo preferindo muito mais a primeira fase do diretor. Acho que uma narrativa clássica pontuada por elementos oníricos torna a experiência cinematográfica mais imersiva do que uma trama majoritariamente sensorial, com sentido obscuro. Mas para quem aprecia quebra-cabeças e ser desafiado a solucionar enigmas ou simplesmente embarcar num devaneio lisérgico é um prato cheio. Acredito que este ainda seja o melhor trabalho desse segundo ciclo de Lynch.
Bloodshot
2.7 277 Assista AgoraBoa surpresa. Se vc superar a barreira inicial chamada Vin Diesel (se ele tiver 3 expressões faciais ao longo do filme é muito) e não for algum nerd cricri que exija uma adaptação 100% fiel ao material original, irá encontrar um sci-fi competente, cheio de elementos que remetem Philip K. Dick, com boas cenas de ação. É um filme simples e direto, que não cai na armadilha de tentar ser mais inteligente do que realmente é (maior erro de blockbusters atuais), apesar de ter uma trama bem mais intrincada que a maioria das películas de ação/super-heróis recentes, envolvendo memórias e realidades fabricadas, como já visto em Total Recall e Blade Runner, por exemplo. O ponto mais fraco acaba sendo o que deveria ser o maior chamariz do filme, seu protagonista vivido por um Vin Diesel mais inexpressivo do que nunca. Mas enfim, nada mal pra quem foi ver sem expectativa alguma e esperava uma bomba!
O Caso Richard Jewell
3.7 244 Assista AgoraDireção madura de um Clint Eastwood super confortável, vivendo numa fase em que não deve absolutamente nada a ninguém. Azar do Governo e da mídia que são duramente criticados pelo diretor no caso do rapaz pacato que vira herói da noite para o dia e em seguida é transformado em vilão quase que na mesma velocidade por essas duas instituições que, como diz o personagem de Sam Rockwell em determinado momento do filme, são as forças mais poderosas do mundo hoje. As atuações fortes e seguras são a cereja do bolo desse bonito trabalho do Clint. Tudo está tão em sintonia que até mesmo os clichês e estereótipos atuam em favor da narrativa. É o cinemão no estilo clássico, simples e direto, de alto nível. Filmaço.
O Babadook
3.5 2,0KTenho grandes problemas com filmes de terror (especialmente de monstros/assombrações) em que
nenhuma pessoa morre e o encosto se limita apenas em ficar abrindo portas e passando trote por telefone!
Vale destacar a atuação soberba da Essie Davis, a transição de mãe protetora para psicótica assassina convence e é digna dos melhores momentos de Jack Nicholson em O Iluminado.
E sim;
se você captar os simbolismos envolvendo luto e depressão, o filme melhora consideravelmente e sim (2); ainda vou levar um tempo para superar a morte do cachorro.
Voar é com os Pássaros
3.7 17Chato demais. Não consegui passar da metade.
Em Algum Lugar do Passado
3.9 601 Assista AgoraDaqueles filmes que parecem inofensivos, mas quando termina você diz "putz, senti o impacto!"
Mal Nosso
3.0 160A retomada do cinema de terror tem sido uns dos movimentos cinematográficos mais interessantes a surgirem pelas nossas bandas nos últimos tempos. Em resumo, durante as três últimas décadas, desde o fim da famigerada boca do lixo, o cinema nacional se polarizou em duas vertentes; os filmes ditos “sérios”, com forte abordagem e crítica social, mostrando as mazelas do país e com interesse secundário em chegar ao grande público, restrito a uma audiência mais especializada ou interessada no assunto. A outra vertente é o cinema comercial produzido para as massas, com foco principalmente em comédia, com estética pasteurizada televisiva e sem nenhuma pretensão artística. Nesse cenário, o cinema de gênero, principalmente o de terror, uma das nossas vocações cinematográficas, sempre acabou relegado ao underground, sendo muito mais celebrado fora do país em circuitos alternativos do que na nossa própria terra. Mal Nosso pertence tanto a esse cinema de terror nacional marginalizado (estreando primeiramente no exterior, recebendo diversos elogios, para então, depois de dois anos, tentar a sorte por aqui), quanto ao revival surgido nos últimos anos, se juntando a ótimos filmes como As boas maneiras e Animal cordial.
É interessante observar que esse novo movimento apresenta características em comum. São abertamente filmes de gênero, feitos para entreter, sem a tola preocupação de serem enquadrados nos filmes considerados sérios, da mesma maneira que não têm receios de utilizar influencias do cinema americano (como de David Lynch e John Carpenter) e europeu (principalmente da Itália de Mario Bava e Dario Argento) e apresentam narrativas relativamente convencionais, com elementos subversivos encaixados no meio. Mal Nosso contém tudo isso, mas talvez o seu maior mérito seja de, mesmo com pouquíssimos recursos e atores amadores, em nenhum momento se entregar ao caminho mais fácil do trash e do “terrir”, mantendo a todo momento aquela atmosfera pesada e de medo. Os destaques ficam por conta dos efeitos práticos do mestre Rodrigo Aragão; e o roteiro objetivo e seguro do próprio Samuel Galli, mantendo o espectador “no escuro” até o meio do filme, com um primeiro ato com a violência e mal estritamente mundano, real, para então apresentar os elementos sobrenaturais apenas no segundo ato, de forma econômica, porém sempre impactante. É um daqueles filmes que consolidam o talento natural que temos de contar uma boa história de terror e que nos deixa ansiosos pelos próximos trabalhos de Galli.
Aquaman
3.7 1,7K Assista AgoraParecia que eu tava assistindo a um episódio de Os mutantes, só que com orçamento milionário.
Halloween
3.4 1,1KHalloween de John Carpenter é uma pequena obra prima de 1978 e possivelmente o melhor filme de Hitchcock jamais dirigido pelo dito cujo. Pioneiro do subgênero slasher (uma adaptação americana do giallo italiano), o filme tinha a premissa mais simples possível: maníaco foge do sanatório e começar a matar aleatoriamente quem vê pela frente na noite de Dia das bruxas. Esse fiapo de trama nada mais era uma desculpa para Carpenter fazer um exercício cinematográfico de como criar tensão e medo no público, bem aos moldes de como o seu mestre Hitchcock adorava fazer. Um marco do gênero terror, sem dúvidas.
Com o sucesso, vieram as famigeradas sequências, remakes e reboots (10 no total), quase todos de qualidade questionável. A maneira encontrada para trazer dignidade a uma nova sequência foi jogar na lixeira todas essas continuações, contar uma história ligada diretamente ao original de 1978 e envolver Carpenter de alguma maneira no projeto. Funcionou, pois houve todo um burburinho e os trailers e matérias de divulgação indicavam que o filme teria aquele climão do filme original.
No entanto, o diretor encarregado para a missão, o eclético David Gordon Green, de obras tão dispares como Joe e Segurando as pontas, não tem a elegância de John Carpenter e a consequência disso é um filme bem mais bruto, sem a classe na composição de cenas e atmosfera que o original tinha. Talvez ciente dessa limitação, Green não arrisca e faz um filme protocolar, seguindo à risca a estrutura ensinada por Carpenter, como um aluno disciplinado seguindo a orientação de seu professor. Graças a isso, o filme atinge seu objetivo de criar tensão, o que comprova que aquele velho template de 1978 ainda funciona e continuará funcionando toda vez que bem utilizado.
De brinde, há uma série de referências ao filme original, como a personagem de Jamie Lee Curtis sendo trocada de lugar com Michael Myers em vários momentos e uma cena bastante inspirada para deleite dos fãs
(um quase plano sequência com Michael invadindo duas casas e fazendo uma vítima em cada, com a clássica música tema tocando ao fundo).
O resultado disso tudo é um filme de terror curto, grosso e eficiente, que entrega aquilo que propõe, sem tentar fazer revisionismos ou descontruir a obra original (como o controverso remake de Rob Zombie fez). Um trabalho de fãs para fãs (dá para ver o respeito e reverência dos envolvidos para com a obra de Carpenter), mas que também funciona muito bem para quem quer apenas curtir um bom filme de terror.
As Boas Maneiras
3.5 647 Assista AgoraLogo de cara, As boas maneiras já rompe com o padrão do cinema nacional por ser escancaradamente um filme de gênero, além de dispensar aquele naturalismo que parece obrigatório em filmes nacionais independentes com a pretensão de serem levados a sério.
Por abraçar o gênero de terror de forma nada velada, este trabalho da dupla Juliana Rojas e Marco Dutra já se coloca fora da gaveta da maior parte do que vem sendo feito na nossa industria cinematográfica e resgata a vocação do cinema nacional para produções de horror. Mas não é só por isso que As boas maneiras é um trabalho notável, com uma narrativa quase clássica que remete a um conto de fadas (porém recheado de elementos subversivos capazes de chocar um público mais conservador), que divide a história em dois atos bastantes diferentes que conduzem a trama para rumos imprevisíveis que desconcertam o espectador, criando uma atmosfera bem particular, com boas doses de sangue, humor e musical (!).
Um filme corajoso, cheio de escolhas arrojadas da dupla de cineastas, e que termina como um produto com identidade própria, autoral, e que está na linha de frente representando uma retomada do cinema de gênero de terror, que já conta com o ótimo Animal cordial na lista. Nada mais justo e normal para um país quem tem José Mojica Marins como patrimônio.
O Animal Cordial
3.4 618 Assista AgoraDe início, O animal cordial parece ser um retrato quase documental sobre o Brasil contemporâneo, nada muito diferente do que vem sendo feito no cinema nacional atualmente, só que dessa vez focado no microcosmo de um restaurante de luxo, onde no salão principal desfila a classe nobre (representado por um empresário e uma socialite) e que são servidos pelas pessoas da cozinha, o que seria a periferia com suas classes minoritárias, representados pela mulher, pelo negro e transexual, segregados pelo proprietário do lugar e sendo responsáveis em lidar com o lixo vindo de cima e fazer a engrenagem do estabelecimento funcionar. As coisas começam a se intensificar com os atritos entre os empregados e o patrão, um homem vaidoso e que não demonstra muita empatia pelos seus funcionários. A gota d’água é quando o lugar é tomado por dois assaltantes e as coisas saem de vez do controle. A partir daí, o filme passa a tomar rumos cada vez mais simbolistas e imprevisíveis, se distanciando daquele aspecto mais cinza, frio e realista do início, remetendo ao cinema onírico de Bava e Argento com crítica social embutida.
No fim, o que observamos é um violento conto alegórico sobre relações de trabalho e a desconstrução do homem clássico (preconceituoso, dominador, violento e que resolve as coisas com as próprias mãos), com seu esquartejamento pela personagem feminina, e o renascimento do novo homem moderno, com a troca do personagem do Benício pelo de Irandhir Santos, num cenário onde sobrevivem as minorias (o trans, a mulher e o negro). Um final que sinaliza para o otimismo, apesar de toda a brutalidade
Uma estreia promissora de uma diretora que demonstra possuir um amplo repertório de referências, cujo trabalho merece ser acompanhado de perto daqui em diante.
Pelo Amor e Pela Morte
3.9 131Talvez a grande pérola do cinema de terror dos anos 90, essa obra dirigida por Michele Soavi, um dos pupilos de Mario Bava, sintetiza o que há de melhor nesse subgênero do horror feito na Itália, sem deixar de lado toques bem autorais. Baseado num romance de Tiziano Sclavi, criador de Dylan Dog, no qual o protagonista interpretado por Rupert Everett foi inspirado, o filme conta a história de Francesco Dellamorte, um coveiro de um cemitério cujos mortos ali enterrados ressuscitam sem explicações. Ajudado pelo seu amigo mudo Gnaghi (claramente baseado no personagem Curly dos Três Patetas!) Dellamorte trata os mortos levantando de suas tumbas com grande naturalidade, e sua indiferença em comunicar o fantástico acontecimento para as autoridades locais, reflete bem a total apatia do personagem perante sua medíocre vida, que encontra na atividade de matar zumbis com um revólver (que sempre está longe nas horas em que mais precisa) como o seu único lazer, além ler uma lista telefônica (!) e conversar com seu amigo mudo nos intervalos de trabalho. As coisas começam a mudar quando ele se apaixona por uma bela recém-viúva, fazendo-o perceber que talvez a vida proporcione coisas melhores do que folhear uma velha lista telefônica ou atirar na cabeça de zumbis nas horas vagas.
Mesmo sendo um dos discípulos de Bava, Soavi tem nitidamente grande influência de um diretor norte-americano, Sam Raimi para ser mais exato, no que se refere a um humor negro demente misturado com sanguinolência e mutilações, além de pegar emprestado uma ironia que remete principalmente ao cinema de Jean-Pierre Jeunet. O primeiro ato do filme, consiste em basicamente num terrir bem semelhante ao cinema de Raimi, porém, em sua segunda metade, Soavi introduz camadas e mais camadas em seu filme, carregando a obra de críticas sociais e relativismo moral entre vivos e os mortos ambulantes, remetendo a Romero em alguns pontos, e surrealismo, reverenciando seu mestre Bava. Enquanto no cinema de Bava havia uma preocupação maior na criação de uma atmosfera onírica, de pesadelo, deixando de lado qualquer vislumbre de desenvolvimento e aprofundamento de personagens, aqui Soavi trata seus personagens com bem mais carinho e esmero, mergulhando a fundo nas perturbações do protagonista no ato final da película.
Ao final do filme resta a certeza que tudo ali é muito mais simbólico do que parecia no início, abrindo margens para os mais diversos tipos de interpretações. Outro ponto que faz desta pequena obra um filme diferente de qualquer outra dentro do gênero da qual pertence, são as tiradas ótimas que incluem frases como "eu nunca li mais de dois livros a vida inteira. Um eu nunca terminei e o outro é a lista telefônica" ou então " Em certo momento da vida você percebe que conhece mais pessoas mortas do que vivas".
Muitos consideram os anos 90 como uma década decadente no que se refere a terror, porém filmes como Pelo amor e pela morte mostram que essas boas e relevantes obras estão lá, só precisam ser redescobertas.
Police Story: A Guerra das Drogas
3.8 129 Assista AgoraMais de 30 anos se passaram e está cada vez mais raro encontrar um filme com cenas de ação tão impressionantes como as vistas em Police Story (The raid talvez seja uma dessas raras exceções). Sem uso de malabarismos digitais e até mesmo de dublês em certas cenas, essa pérola do cinema de ação cria cenas tão reais e malucas que deixa o espectador até preocupado com a situação dos atores em alguns momentos. A cena inicial do filme, com uma perseguição de carros atravessando uma favela e seguindo com uma perseguição a pé de Chan atrás de um ônibus, são momentos que nenhum outro filme de ação hollywoodiano na época fez igual (quase 20 anos depois, Michael Bay fez um ctrl+c ctrl+v em Bad Boys 2 na cara de pau). E a cena derradeira do filme, em um shopping lotado com Chan lutando contra vários capangas em meio a vidraças e sendo arremessado de um piso a outro é de uma insanidade brutal. O filme só não ganha cinco estrelas cheias por algumas cenas de humor estilo pastelão que soam deslocadas (com direito a sequencia de tortas na cara e Chan fazendo moonwalker depois de pisar no cocô?!!), que são mescladas com outras ótimas como a impagável cena do tribunal e da delegacia, onde o personagem de Chan tem que se virar com pelo menos 4 telefones tocando ao mesmo tempo. Portanto, mesmo passado mais de três décadas, Police Story continua um verdadeiro filmaço, superior a qualquer coisa que Chan veio a fazer nos States anos depois e melhor ainda que qualquer filme de ação feito na atualidade. Além de ser uma verdadeira aula para os astros e cineastas de ação de hoje, de como se fazer um filme bruto e insano.
Enquanto Você Dorme
3.6 372A história de amor mais doentia que assisti há anos. A narrativa me remeteu ao filme Silêncio do Lago, filmaço de 1988 dirigido por George Sluizer, onde acompanhamos a história sob o ponto de vista de um sociopata, aqui o porteiro César, um sujeito aparentemente normal e o tipo de pessoa que poderíamos esbarrar no nosso cotidiano, mas que esconde hábitos doentios e obsessivos em seus momentos de privacidade. É o típico filme que quanto menos você souber a respeito da história, melhor. Vale destacar a direção sóbria do Jaume Balagueró, que conduz a trama sem fazer a história descambar pra cenas de violência desnecessárias. Com exceção de uma única cena, bastante sanguinolenta, o filme é bastante “limpo” e valoriza muito mais a tensão psicológica em detrimento a ultraviolência e escatologia que se tornou padrão dentro do gênero, principalmente quando se trata de Hollywood. Outro ponto de destaque é o final, onde o filme tem o desfecho que a história pede, sem reviravoltas forçadas ou convenientes para agradar ao público, o que pode deixar um gostinho amargo para alguns. Típico filme para se perder a fé na humanidade, e, por isso mesmo, é muito bom rs
Star Wars, Episódio VIII: Os Últimos Jedi
4.1 1,6K Assista AgoraVamos lá:
Pontos positivos:
Dá para ver que o roteirista Rian Johnson tentou dar novos rumos para a história, navegar em águas até então desconhecidas para a mitologia Star Wars. Diferente do episódio 7, que parecia mais um remake de Uma nova esperança, com novos personagens, Os últimos Jedi busca sempre soluções que divergem da narrativa convencional e esperadas pelo público, além de tingir os personagens em tons de cinza como jamais foi feito na saga até então. O lado negro da Força nunca se misturou tanto com o lado da luz. Rian Johnson deu a cara a tapa, remontou a mitologia Star Wars, desconstruiu o seu maior personagem e entregou o filme mais desconcertante da saga, desde O império contra-ataca. A vontade de Johnson em desconstruir conceitos e quebrar expectativas, já é bem evidente logo numa das primeiras cenas do filme, que dá continuidade ao encontro de Luke e Rey, quando o velho Jedi simplesmente joga seu sabre de luz no chão como se aquele objeto não tivesse importância, depois de dois anos de espera dos fãs por esse momento.
Pontos negativos
Já se passaram dois filmes, e os personagens ainda não mostraram a que vieram. Os momentos mais marcantes desses novos filmes são todos sustentados pela presença de seus personagens clássicos. Os roteiristas falharam feio na tarefa de criar personagens que fossem tão marcantes quanto Leia, Luke, Han, Darth Vader, entre outros. Enquanto que ao final de O Império contra-ataca, Darth Vader já era considerado um dos maiores vilões da história do cinema; ao final de Os últimos jedis, o “grande vilão” Kyle Ren não passa de um bebê chorão e que não transmite ameaça para a nova protagonista, Rey, que parece que já nasceu pronta, nem precisando de um mestre para usar a Força (inclusive abandonando Luke no meio do treinamento Jedi e indo embora, afinal ela parece ser autodidata, uma baita decepção para quem esperou tanto por esse momento entre ela e Luke). Para piorar, os roteiristas ainda fazem o desserviço de matar os personagens icônicos (de forma desnecessária), sem fazer reposição com personagens à altura. Até mesmo os personagens da famigerada trilogia prequel de George Lucas conseguiram ter mais carisma e brilho que essas novas figuras. É difícil entender o motivo de matarem um personagem como Luke Skywalker e salvar um que não fede nem cheira como Finn. No fim das contas, fica a impressão que Ryan Johnson se preocupou tanto em tratar de desconstrução de conceitos, empoderamento feminino, inclusão de minorias e questões sociais para agradar um novo público mais politizado, que acabou esquecendo de algo básico, que é construir uma mitologia de fantasia com personagens carismáticos que dialogam com o público e o cativam, como foi na trilogia clássica.