Há dois modos de se falar, ou encarar, a Viagem no Tempo no entretenimento: a fácil, ela os paradoxos são secundários, a viagem serve apenas como argumento narrativo e os personagens podem executá-la sem grandes problemas; e a difícil, os paradoxos geram questões fundamentais, cada detalhe precisa de justificação necessária e a viagem em si alimenta seu roteiro. A opção fácil fica rapidamente batida e o produto em questão perde a relevância, afinal, como bater “De Volta para o Futuro” sem percorrer o mesmo caminho? A alternativa difícil é igualmente problemática, pois complicar demais o cenário afasta o público comercial e é mal visto pelos estúdios, mesmo ganhando status cult, como, por exemplo, “Donnie Darko”. Antes que alguém surte, não estou comparando filmes, nem mesmo medindo sua efetividade, são apenas exemplos. Logo, abordar a Viagem no Tempo exige, no mínimo, coragem e uma ideia suficientemente forte para superar esses dois extremos; “Looper”, de Rian Johnson, parece cumprir os pré-requisitos.
O papo vai ficar maluco por um parágrafo, mas resista, vai fazer sentido. A maior realização de “Looper” é reconhecer a natureza múltipla, sobrepositora e fluída da Viagem no Tempo. Ou seja, o filme olha o viajante do tempo como uma versão alternativa do indivíduo do presente, não necessariamente sua evolução e isso, felizmente, funciona a favor do gênero e da trama, pois as duas versões co-existem num mesmo tempo e suas ações são diretamente ligadas, ou seja, os atos do mais novo, sobrepõe as realizações do mais velho, por conta de um presente sempre em movimento. O resultado disso são três linhas do tempo: o presente, resultante das ações do sujeito atual; o futuro do pretérito, que foi a vida vivida pela versão mais velha; e a realidade, mescla das ações integradas dos dois personagens. Os conflitos gerados por essa dinâmica vão muito além do “paradoxo do avô” e geram o verdadeiro dramático de “Looper”: qual dessas histórias vai prevalecer?
Com uma premissa dessas, seria impossível o filme errar ou tropeçar na longa história do gênero. Ele cria seu próprio universo, e suas regras, daí para a frente é só manter tudo organizado. Claro, nem tudo é 100% original, e nem poderia ser, mas o filme é efetivo. Joseph Gordon-Levitt faz a versão presente, enquanto Bruce Willis é o futuro de um mesmo personagem. Essas duas vidas estão unidas por um fator: a morte. Cada personagem a vê de um modo, provocando um outro conceito fundamental em Viagens no Tempo: embora sejam a mesma pessoa, no momento da união das histórias, tudo que o mais velho acha que sabe sobre si mesmo muda, justamente por encontrar um “eu” com outras convicções e desprovido da mesma carga emocional e experiência. Por definição, e obrigação, eles se transformam em duas pessoas diferentes instantaneamente.
Muito disso é simples aplicação de lógica, mas muito também é resultado da aposta em soluções engenhosas para driblar alguns obstáculos desse gênero. Como Doc Brown disse: “se nossas versões se encontrarem, podemos causar uma ruptura no espaço-contínuo” (ou algo assim). [Nota: estou apenas considerando filmes comerciais como referência, se entrasse na literatura, aí esse texto se transformaria em tese e teria um capítulo INTEIRO para a Policia do Tempo Brasileira, a Intempol, concebida por Octavio Aragão!] “Looper” ignora os conselhos do Doc, mistura as linhas do tempo e revitaliza alguns conceitos, como o da comunicação física mostrada em “Alta Frequência”, com Dennis Quaid, e brinca até mesmo com telecinese e uma sociedade em rumo ao caos social, dando uma dica descarada do desfecho do filme logo nos primeiros minutos de exibição (não se preocupe, só dá para perceber quando o roteiro junta as pontas). Quem estiver disposto a achar referências vai se divertir demais! Só algumas dicas: “Minority Report”, “X-Men”, “Star Wars” e “TimeCop”.
O longa-metragem de Rian Johnson, até agora só conhecido pelo rito de passagem “Brick”, também com Joseph Gordon-Levitt, caiu nas graças da crítica e do público – façanha rara ultimamente –, mas, talvez, o tenha feito pelas razões erradas. A chamada “reinvenção do gênero” é exagerada e a grande realização dessa obra (além do óbvio, e bacana, conceito do uso da Viagem no Tempo) é o duelo mental, baseado em ação relevante e diálogos certeiros e bem-humorados. Retire os rostos dos personagens (extremamente similares por conta da maquiagem aplicada em Lewitt) e perceba apenas o embate para perceber que se trata da mesma pessoa, lutando contra dois instintos opostos, dois desejos contraditórios, tentando conciliar algo que já foi real, se transformou em lembrança e se concretiza como pesadelo. Esse duelo é mais visceral e próximo, ainda mais com o ótimo trabalho da dupla de atores, especialmente Bruce Willis, trocando a loucura e esquizofrenia do viajante do tempo de “Os 12 Macacos” pela paixão e devoção desse assassino temporal. Falando em elenco, o ponto fraco é Emily Blunt, mal escalada (ok, muita gente vai discordar, mas paciência. Gosto dela e não combinou, só isso).
Os antagonismos são claros e a história flui bem até um terceiro elemento entrar em cena, algo diretamente ligado ao futuro e à motivação de todo o roteiro (assista ao filme!). Nesse ponto, a velocidade desaparece e a faceta independente de Johnson surge, construindo personagens sem muito estardalhaço e transformando armas em meras ferramentas de apoio para seus donos. Essa transição do segundo para o terceiro ato é um tanto monótona e repleta de novos dogmas. É um risco, pois há uma geração disposta a odiar qualquer filme incapaz de suprir suas mentezinhas carentes por obviedades. Dogmas devem ser aceitos, ou a narrativa vai para o beleléu, por isso, sempre são arriscados. Nada que me incomode, deixo claro. Gosto de preencher essas lacunas e fico feliz quando tenho a oportunidade de montar meu próprio quebra-cabeça com as peças fornecidas até aquele momento. De qualquer forma, confesso ter ficado um pouco entediado, mas aí o ritmo volta e a correria da conclusão recupera a boa impressão da primeira metade do filme.
Gostei dos questionamentos morais, das escolhas difíceis feitas por ambos os personagens e também achei curiosa a construção dos dois futuros apresentados. Como o personagem de Jeff Daniels (quase um Flynn versão gangster… ou seja, ficou com a cara do Jeff Bridges) bem coloca: “são os detalhes que te pegam”. Há muitos detalhes ali, mais do que uma simples assistida pode dar conta, mas foi o suficiente para me deixar à vontade e cheio de curiosidade. Estou fazendo um pouco disso no meu segundo romance, que aborda a Viagem no Tempo, e fiquei feliz a notar que outros acreditam no mesmo conceito de pequenas mudanças representarem grandes transformações sociais. Somos seres cheios de manias e demora para algumas delas mudarem, mas quando o fazem, muitas possibilidades se abrem.
“Looper” nasceu como referência, deve ser visto e ainda vai gerar muito debate, pois suas escolhas são arrojadas para o circuito comercial. Rian Johnson só comprovou ter capacidade para comandar um filme grande, mas ainda está muito atrás de Duncan Jones na corrida pela inovação do gênero. “Lunar” é mais filme, tem mais impacto e é mais marcante que “Looper”, se uma comparação é necessária. E “Source Code” é igualmente arrojado. Jones milita no gênero, Johnson ainda não mostrou tanta devoção. Espero que o faça, pois o cara entende o modo como histórias devem ser contadas no cinema. Ele me deixou angustiado e dividido entre dois desejos de um mesmo personagem. Torcer pela morte parecia extremo, esperar pela vida soava clichê, e queria mais e mais tempo para escolher meu time. A sensação foi boa, a troca de ideias entre a obra de Johnson e minha própria vai render bons frutos e fico feliz ao ver a Ficção Científica que tanto amo marcar mais pontos com o público em geral. Como já disse em outras ocasiões, vencemos a guerra e agora só precisamos firmar nossas alianças para afastar, de uma vez por todas, o preconceito contra o gênero mais transformador do cinema.
Ainda estamos em setembro, um mês agourento para os norte-americanos. As feridas do 11/9 não fecharam e estão muito longe disso. Por isso, a escolha do segundo 366 Flicks vem a calhar. O principal filme da HBO nesse período é “Tão Forte e Tão Perto” (Extremely Loud and Incredibly Close), com Tom Hanks, Sandra Bullock e um moleque chato ao extremo! Estava ansioso para assistir. Fiquei emocionado com o trailer. Queria saber da história, queria acompanhar essa jornada de descoberta e cura familiar. E encontrei algo um pouco diferente do que esperava. Compreender totalmente as nuances dessa trama é impossível. Estava no Brasil quando as Torres Gêmeas caíram, vi tudo pela TV durante o almoço e depois da redação; nem sonhava em vir morar aqui. Hoje entendo um pouco melhor quem são essas pessoas e as razões de seus sentimentos, entretanto, não ouso emular suas sensações e perdas. Tenho minhas próprias.
E é sobre isso que “Tão Forte e Tão Perto” aborda. Claro, é mais uma catarse coletiva em torno da agressão sofrida nos ataques de 2001. Sigourney Weaver e Anthony LaPaglia foram mais rápidos no gatilho e entraram na leva inicial de primeiros socorros com o intenso e contundente “The Guys”, de 2002. Tom Hanks, Sandra Bullock e Max Von Sydon tiveram sua chance com mais perspectiva, longe da lembrança da nuvem de poeira e da comoção nacional. Não li o romance que inspirou o longa, logo, só posso avaliar o filme e ele acerta ao oferecer opções para enfrentar a dor. Nada de soluções ou momentos gloriosos. Apenas pessoas comuns tomando decisões, ousadas ou puramente exageradas por conta da incapacidade de se aceitar a perda, e bastante egoístas, no sentido estrito da palavra. Houve um sentido de união, do orgulho ferido, mas as vítimas diretas da queda do World Trade Center passaram pela pior das provações: continuar a viver com as imagens do fim da Era Moderna, da nossa Queda da Bastilha. Com um pano de fundo tão pesado, fica difícil não se envolver com a trama.
Especialmente se você já perdeu alguém. Especialmente se você ainda chora sozinho quando tenta se lembrar e vasculhar a memória em busca dos momentos de alegria, de vida. Mesmo assim, o filme desafia o espectador a apresentar elementos problemáticos: um pai carinhoso e querido, Tom Hanks; uma mãe aparentemente ausente e perdida, Sandra Bullock; e um garoto com fixações e medos tão agudos por conta de uma clara disfunção social e comportamental (o filme não declara, mas o personagem tem algum nível notável de autismo), que seus surtos verborrágicos são profundamente irritantes. Ele carrega a história ao iniciar uma missão, cujo objetivo é carregar o legado do pai, mas, no fim das contas, vai tirá-lo de seu ostracismo sentimental. A história é pesada nesse sentido. Mas a entonação de voz de Thomas Horn – concorrente forte a superar a pentelhação em tela causada por Dakota Fanning em “Guerra dos Mundos” – incomoda, quebra a dramaticidade e impede a criação de verdadeira empatia por sua jornada. Por conta disso, não é surpresa notar que as coisas só ficam interessante quando surge um personagem que não fala, se comunica por meio de bilhetes e sinais e oferece à matraca ambulante uma chance de, veja só, pensar!
Outro grande risco do longa-metragem de Stephen Daldry é relegar a personagem de Sandra Bullock à coadjuvante extrema e mãe omissa. Ele fica distante pela recusa do garoto, claramente fixado pelo pai, ou está tão destruída que se tornou incapaz de amar? Tudo isso é resolvido, porém, todo esse distanciamento torna impossível torcer por aquela família. Alias, fica nítida a ausência de um núcleo familiar. Eles são como pedaços de um vaso quebrado, esperando alguém, ou alguma coisa, aparecer para colar tudo. Como na realidade, pedaços isolados por muito tempo tornam-se incapazes de voltar a fazer parte do todo. E, talvez, a daí venha a maior porrada de “Tão Forte e Tão Perto”, analisar o distanciamento das famílias, os elementos capazes de transformar o amor em algo secundário, de apagar a lembrança e substituir tudo pelo ódio ou pelo rancor. Pessoas hábeis com palavras machucam tanto quanto aquelas cuja única linguagem é a da simples representação vocal dos sentimentos. O poema mais forte pode ser facilmente esmagado pela sensação mais esmagadora. “Queria que você morresse”… “te odeio”… “falhei”. Ideias simples, emoções fortes. Basta uma palavra e o estrago está feito.
Sempre lutamos pelo balanceamento de nossas vidas, pela medida certa de amor, paixão, respeito e sucesso. Poucos conseguem. A busca em si é ideal e a jornada propõe novos formatos para o equilíbrio desejado originalmente. Aceitar é realmente difícil. É o coração da busca. Tolo é aquele incapaz de perceber e avaliar – aceitar não é obrigatório, diga-se de passagem – as perspectivas trazidas pelo simples ato de se trilhar o caminho. Mas seria igualmente tolice esperar por uma situação mais agradável? Por um momento melhor? Insistir em sonhar com o equilíbrio perfeito? Cada um deve encontrar sua própria resposta.
“Tão Forte e Tão Perto” mostra o caminho da cura, da descoberta e do perdão. Retire o pano de fundo do 11/9 e a história aplica-se a qualquer família problemática, a qualquer situação contraditória, a qualquer mudança traumática. Ou seja, uma mensagem forte e necessária. Entretanto, o filme é longo e se arrasta com uma interpretação exagerada de um ator-mirim novato, incapaz de fazer frente a monstros como John Goodman, Sandra Bullock e Tom Hanks. Horn se sai melhor em cena com Max Von Sydon, sem dúvida. Seu único momento forte. Sozinho se apaga. Uma pena. E o filme sofre com isso.
Transportando essas dificuldades familiares às minhas próprias, fiquei emocionado. Sempre esperei por uma ligação que nunca veio. No filme, ela acontece. Eu teria me lançado ao telefone, o personagem fictício entra e pane e nunca atende. Dizer adeus é difícil, viver o resto da vida sabendo que perdeu a chance e sem ter dito, uma última vez, “eu te amo” é a maior das punições.
A vida pode imitar a arte, mas quando a arte opta por não seguir o coração em troca da função dramática, a arte se identifica como manifestação consciente e a magia se quebra. Precisamos da magia, do mergulho na ficção e da identificação com as emoções. Quando isso falha, tanto dor quanto alegria se esvaziam e começa o reinado dos arquétipos. A impressão é de tanta emoção ser despejada na tela, que a maioria se perde.
Enfim, encontrei razões para me emocionar (muito baseado na minha própria experiência) e também para me desinteressar por algumas das subtramas. O filme dividiu opiniões por aqui, mas tudo isso depende da relação de cada um com o 11/9 e, infelizmente, não pelo mérito do filme em si. Parece faltar algo. E pode ser uma dor que não senti. Meu orgulho não foi ferido e, embora tivesse um colega entre as vítimas, ainda assim vi tudo pelo nosso ponto de vista. Por conta disso, seria injusto massacrar o filme. Pode estar faltando algo apenas para mim. Boa edição, som bem trabalhado, ótimas soluções na fotografia e a cena final é emocionante.
Testar os limites humanos é um tema recorrente na Ficção Científica. Sempre temos essa curiosidade para descobrir até onde podemos chegar, como vamos reagir em situações extremas e quais os efeitos do distanciamento completo da sociedade num indivíduo ou numa coletividade isolada. Esse normalmente é o motivo que gera tantas missões aos confins da galáxia, o confronto máximo ao desconhecido e cujo resultado, invariavelmente, vai exaltar as qualidades humanas ou perecer pateticamente por conta de suas falhas. Enigma do Horizonte (Event Horizon, 1997) faz um pouco disso tudo ao misturar religião, arrojo tecnológico, distúrbios mentais e um mistério tão terrível que lhe explicar se tornaria vazio ou dramaticamente desinteressante. O filme é incômodo, tem bom ritmo, não nega a influência de grandes clássicos do gênero e mostra que, de fato, devemos ter medo de nós mesmos. O desconhecido é um mero catalisador emocional capaz de abrir um portal para outra dimensão, que, na verdade, pode estar escondida dentro de cada um de nós.
Gosto muito desse filme. É um dos meios favoritos nessa subdivisão do Terror Espacial. “Enigma do Horizonte” foi um dos primeiros projetos decentes de Paul W.S. Anderson e ele, de fato, provou entender do assunto e também foi criativo em suas escolhas. Mas, diga-se de passagem, isso não lhe dá o direito e perder a estribeira na série “Resident Evil!”. Claro, fica fácil trabalhar quando Sam Neill, Lawrence Fishburne, Jason Isaacs e Joely Richardson estão no elenco principal, mas fica difícil encontrar falhas; especialmente quando se aceita o fato de o diretor ter seguido as normas estabelecidas por Ridley Scott, em “Alien – O Oitavo Passageiro”, feito as devidas homenagens e pulado de cabeça na sua análise social e religiosa. Sim, religiosa. O encontro das naves Louis & Clarke (referencia aos exploradores que desbravaram os Estados Unidos, não ao seriado do Superman com Dean Cain) e Event Horizon cria um verdadeiro purgatório mental para a tripulação. O quebra-cabeça é construído aos poucos, mas, logo de cara, a mensagem é clara: vai dar merda!
Yoda já dizia: dentro da caverna você vai enfrentar apenas o que levar consigo. Ok, ele teria dito tudo invertido, mas você entendeu o recado. Bem, nossos medos são sempre nossos maiores algozes. Por mais que uma sala vazia e escura possa ser essencialmente uma sala vazia e escura, os temores e ideias podem transforma-la na área mais temida e macabra do Universo. Inteligência não é defesa suficiente, afinal, emoção sempre supera a razão, não importa seu nível de preparação. Quando a situação aperta, a lógica voa pela janela e tudo fica mais íntimo, os instintos vêm à tona e os conflitos se tornam mais brutos e viscerais.
Esses elementos são tratados com primazia pelo clássico literário “Solaris”, de Stanislaw Lem, cuja montagem mais recente foi dirigida por Steven Soderberg e estrelada por George Clooney, Viola Davis e Natascha McElhone. Se em termos visuais e de tensão, Anderson seguiu os passos de Ridley Scott, a trajetória dos personagens, seus conflitos internos e as artimanhas utilizadas pela nave consciente – e possuída pelo Mal Supremo – saíram daí, não há dúvidas. Também há referências a Stanley Kubrick, mas não por “2001”, e sim com “O Iluminado”. Tudo isso, somado a uma direção de arte consistente e convincente, transforma “Enigma no Horizonte” num bom representante do gênero. Por se tratar de um filme que mistura terror e ação, mergulhos profundos e sem volta como o de “Lunar”, de Duncan Jones, ou “Sunshine”, de Danny Boyle – ambos podem ter bebido um pouco tanto nos clássicos quanto no filme de Anderson –, a tensão acaba sendo mais importante que as subtramas. É uma corrida contra o tempo e contra um inimigo que, de fato, se manifesta apenas quando o fim está próximo.
Voltando a falar dos limites, temos dois pilares principais nesse longa-metragem: a fixação do Dr. Weir (Sam Neill), um cientista corrompido tão rapidamente quanto Smeagol ao ver o Um Anel; e a devoção e responsabilidade do Capitão Miller (Lawrence Fishburne), que, dois anos depois, marcaria o gênero para sempre no comando de outra nave, a Nabucodonosor. Sempre me lembro dos cientistas arrogantes de “The Thing from Outer Space”, o original, não o remake com Kurt Russel, nem a abominação do ano passado com Mary Elizabeth Winstead. Tanto eles, quanto Ash e Weir optaram por arriscar tudo em prol da descoberta, do maravilhamento inerente à conquista científica ou ao prêmio entregue àqueles capazes de se doar, de corpo e alma, para se tornarem imortais, especiais ou simplesmente engrandecer seus próprios egos. Pensando bem, o Weiland the “Prometheus” entra nesse perfil também.
Olhando de longe fica fácil torcer pelo mocinho, entretanto, a tentação sofrida pelos vilões é imensa. Resistir, muitas vezes, é inútil. Danny Boyle acabou brincando melhor com essa dinânica em “Sunshine” ao, de fato, explorar a insanidade, a solidão e o confronto com Deus ao apresentar o capitão maluco da primeira expedição. Como é o ditado? “Cabeça vazia é a oficina do diabo”? Então, é fácil definir que “cabeça vazia, na solidão do espaço e distante da Humanidade, é o verdadeiro portal para o Inferno”.
Soa bastante pessimista, não? Mas é assim que a FC opera. Postulando dificuldades e, na maioria dos casos, entregando soluções muito distantes dos finais felizes dos outros gêneros. Provocar é preciso e arriscar não é uma opção, é obrigação. Mesmo quando o personagem bondoso sobrevive, o preço é inimaginável e os traumas duram para sempre. Ainda estamos muito distantes do tipo de homem capaz de olhar para o abismo e resistir ao terror causado quando ele olhar de volta. “Enigma do Horizonte” mostra uma dessas versões, de modo cru e direto. Não há certo ou errado. Há apenas vida e morte. E, mesmo na vida, pode se encontrar o tormento eterno. Às vezes, basta uma simples olhadela e o terror vence.
Extremamente recomendado. Cópias em Blu-Ray disponíveis.
Finalmente tirei o atraso e assisti “RED”. Adorei o trailer por causa de John Malkovich, mas perdi no cinema. O disco chegou pelo Netflix há uma semana e conseguimos ver ontem. Ri demais. A Lu, minha digníssima esposa, não achou tão engraçado. Até entendo, tem aquele clima de bobagem semi-surreal masculina, ou seja, pirações que só a gente entende. Ou será algo errado comigo? Bem, a diversão foi boa e terminei o filme com a sensação de alivio que sinto toda vez que assisto minha comédia sem-noção predileta dos últimos anos: “Esquadrão Classe A”.
Curiosamente, o começo de “RED” é muito parecido com o celebrado “Drive”. O personagem de Bruce Willis é definido em poucos minutos sem precisar falar nada. Já notaram como o simples ato de acordar ou sair de casa define um sujeito? É só lembrar Marty McFly ou o Marv de “Melhor Impossível”. Esse detalhe em si já é sinal de bom roteiro e a história se desenvolve bem, aproveitando alguns elementos gráficos emprestados do quadrinho que lhe deu origem – não li, mas vi umas páginas – e o ritmo é bem conduzido. Nada demais. Os bons momentos estavam mesmo no trailer, mas a interação entre Bruce Willis, John Malkovich, Deus.. oops, Morgan Freeman e a sempre charmosa Helen Mirren, a quem tive o prazer de entrevistar em minha breve visita a Londres, garante boas risadas.
Ao ver esse grupo de veteranos atuando, lembrei de quando jogava futebol nas férias num sitio de antigos amigos. Sempre rolava o Pais x Filhos. Claro que a gente sempre levava um vareio de bola, afinal, os coroas tocavam bola, lançavam, chutavam de longe e colocavam os moleques na roda, enquanto acreditávamos piamente na correria e na força de vontade para marcar. “RED” tem dois ritmos: um dos personagens principais, mais cadenciado, sempre efetivo e quase sem nenhum esforço; do outro, Karl Urban – Rohirimmm! – usando todos os cacarecos modernos e recursos da CIA para dar conta de quatro velhinhos e uma telefonista da central de aposentadoria. Aliás, finalmente, Mary-Louise Parker passou a existir para mim. Nunca vi “Weeds” e o único filme dela que tive a oportunidade de assistir, consciente de que ela estava no elenco, foi “As Crônicas de Spiderwick”. Gostei dela e foi impossível não pensar na dinâmica de Willis com Madeleine Stowe em “Doze Macacos”.
Nota sentimental: fiquei emocionado ao ver Ernest Bornigne, falecido recentemente. Santini, de “Águia de Fogo”, foi importantíssimo na minha criação televisiva e sempre lembro de seus filmes, especialmente “O Destino de Posseidon” – o original, que continua muito bom com Gene Hackman dando um show! –, o remake de “Sem Novidade no Front”, que sacramentou meu interesse pela Segunda Guerra Mundial; “Os Doze Condenados”, e, recentemente, aquela pontinha em “Gattaca – Experiência Genética” (aliás, esse subtítulo nunca fez sentido, concorda?). Bons atores são assim, precisam de pouco, marcam do mesmo jeito e te fazem sentir. Nesse caso foi saudade.
De resto, “RED” só me fez rir. Malkovich tem as melhores sacadas. Willis ainda faz bem o papel de herói romântico e o casal Brian Cox (bancando um agente russo) e Helen Mirren merece menção honrosa. É sempre bom ver personagens cativantes sem forçar a barra, apostando em detalhes construídos no roteiro e conseguindo ótimos resultados com pouco esforço.
O trabalho do diretor Robert Schwentke é eficiente. Ainda não vi “FlighPlan”, com a Jodie Foster, mas assisti “The Time Traveler’s Wife” e tive boa impressão lá, mesmo sem saber quem era o sujeito. Conseguiu se diferenciar bastante entre um projeto e outro. Se isso é influência de Lorenzo DiBonaventura, o produtor, ou versatilidade do diretor, não sei. Só sei que funcionou e é isso que importa. Recomendo!
Momentos de insegurança podem forçar o ser humano a procurar respostas, razões e significados, mesmo sabendo da improbabilidade de se encontrar uma resposta. Mais que limitação psicológica, tal padrão pode representar, puro e simplesmente, um mecanismo de defesa que, de fato, nos impede de sofrer revés maior: encarar uma verdade assustadora e enlouquecedora. Esse tipo de questão é levantado com primazia por Jeff Nichols no perturbador “O Abrigo” (Take Shelter), com Michael Shannon e Jessica Chastain. Essa metáfora autobiográfica do diretor e roteirista vai além do debate pessoal ao provocar uma leitura interessante sobre nossos atos, nossas razões e, sem envolver religião, nossa fé.
Estruturalmente, Jeff Nichols pega um trem perfeitamente alinhado em seus trilhos, joga óleo na ferrovia até que o volume se torna grande demais, provoca um descarrilamento mais assombroso que o de J.J. Abrams em “Super 8”, para, em seguida, justificar cada segundo da tragédia com um final desconcertante. Uma clara conquista da autoria sobrepondo demandas comerciais, por razões óbvias, “O Abrigo” transpira elementos de filme independente – incluindo algumas escorregadelas – a despeito do grande elenco, efeitos especiais utilizados de forma cirúrgica nas horas certas (destaque para uma casa inteira criada com manipulação de móveis e peças do set pela empresa de computação gráfica que decidiu entrar no barco como produtora do filme) e ótimo som mixado no Rancho Skywalker.
É um trabalho efetivo, que conquista pela honestidade da história e se constrói por conta de uma interpretação poderosíssima de Michael Shannon, um cometa emocional e cativante. Seu Curtis LaForche funciona como versão altamente energizada e exagerada do próprio ator, apaixonado confesso pela atuação e sempre cheio de vida em suas interpretações. É impossível tirar os olhos dele, mesmo quando Jessica Chastain entra em cena, mostrando por que é tão celebrada pelos diretores ultimamente. Efetivamente, Shannon contracena com seus próprios demônios e Jessica soube como executar sua função de apoio constante de forma belíssima. Ela realça o trabalho de Shannon e permite que ele brilhe dentro dos limites impostos por Samantha – a esposa firme e aliada constante.
Mesmo colocados em extremos, Curtis e Samantha (Jessica Chastain) desejam a mesma coisa: proteger a família. Seus caminhos são diferentes, assim como as motivações apresentadas pelo roteiro de Nichols, entretanto há uma mecânica subliminar em operação capaz de manter o interesse pelo casal sem esbarrar em obviedades de dramas sobre relacionamentos. Discute-se lealdade em vez de infidelidade; dedicação extrema, em vez de abandono; limites em prol do casal, em vez de rompantes de individualidade. São diferentes sensibilidades em jogo, num mundo levemente diferente mesmo repleto da crueldade social da vida real.
Fica a indecisão se estamos diante de um sonho ou de um pesadelo. Curtis acredita em seus devaneios e encontra a coragem, ou irresponsabilidade aparente, de agir por conta de sua fé, de suas próprias certezas. Talvez como simples reação ao medo de estar condenado a uma doença incurável e a incapacidade a ela atrelada, ele age. É apenas o começo do tormento, ao se deparar com uma sociedade hostil a perspectivas desconhecidas ou além de sua compreensão. Ele passa de Davi digno de dó a Golias ensandecido ao ser julgado pela opinião pública, algo um pouco mais complicado quando se trata de uma cidade no cinturão rural dos Estados Unidos. Mesmo assim, os dramas e escolhas são relacionáveis fora do contexto local, especialmente por sua natureza essencialmente primitiva.
Longe do realismo primordial da escola de Dogma, há algo maior acontecendo em cena e uma nova realidade, plenamente aceitável, é desenvolvida. O filme incomoda, especialmente numa segunda passada, mas isso não é um elemento negativo. Ele incomoda por aumentar a angústia e a aflição em relação ao sofrimento de Curtis, a agressividade de seus amigos perante suas escolhas e a ampliação do desespero do personagem, especialmente quando se sabe como a história vai terminar. Poucas vezes senti isso… esse crescimento do envolvimento, a torcida por uma estrada menos turbulenta, pela compreensão e por mais apoio ao personagem. Nada muda, apenas meu nível de envolvimento. Isso, em si, já representa um grande trabalho cinematográfico, constantemente envolvente e emocionante.
Diferente de muitos filmes com poder transformador (de bate pronto, “A Fonte da Vida” surge como comparativo; falarei sobre ele em breve), normalmente apoiados na jornada da redenção, no aprendizado das lições do guru, na superação de dificuldades, “O Abrigo” ensina pela dor e esse é o pior jeito. Entretanto, é o mais marcante e, portanto, mais efetivo. Lições positivistas fazem bastante diferença no momento de aprendizado, mas, como Neil Gaiman pontua brilhantemente no livro “Deuses Americanos”, “é sempre uma pena que momentos de grande iluminação, descoberta ou transformação percam a força com o passar do tempo e a maioria das lições seja esquecida” (a citação não é exatamente essa, mas o sentido é!). Sofrer um pouco torna tudo isso mais marcante, algo que lembramos conscientemente para afastar um novo momento de dor. Por conta disso, Jeff Nichols é quase agressivo e, em momento algum, facilita a vida de suas criaturas.
Ele também cria um ambiente propício a acontecimentos sobrenaturais. Uma tempestade se aproxima. Os sinais catastróficos chegam durante os pesadelos de Curtis, um vidente dos tempos modernos, tomado por louco assim como os oráculos do passado, entretanto, sem a idolatria a eles agregada. Tudo é estabelecido de forma visualmente provocativa e de simples execução. Uma chuva oleosa, violência a toda volta, tensão com aqueles que Curtis mais ama, diversos elementos inseridos para benefício dramático e sem obviedade. A cada noite, “O Abrigo” prepara o público para um novo nível de paranóia e resposta extrema do personagem, cada vez mais mergulhado na toca do coelho povoada apenas por monstros. Não há guias espirituais ou paralelos fantásticos. Tudo acontece por conta da emoção pura e bruta.
“O Abrigo” já atraiu atenção dos festivais de Cannes, Sundance e Toronto. Michael Shannon fez um trabalho digno de memória num dos melhores filmes do ano. É um filme raro e transformador. Digo, sem pensar duas vezes, mudou meu modo de ver o mundo e do que almejar para meus filmes. Entrou para minha lista de filmes obrigatórios, mesmo tendo dificuldades de continuar vendo todo o sofrimento do personagem principal – tamanha é a identificação –, e já virou referência. Recomendado é pouco!
O primeiro contato com “Falcão Negro em Perigo” (Black Hawk Down) aconteceu sem querer. Estava na Disney lá da Florida e resolvemos ir ao cinema. Pirei no filme; a Dona Lu dormiu (!?). Desde então, tive uma boa relação com essa obra e tudo só melhorou quando ganhei esse filme como meu primeiro DVD de Natal – que tocou no então recém-adquirido DVD drive. Seguindo tradição pessoal, de sempre curtir o presente na noite em que o recebi, assisti ao drama de guerra de Ridley Scott madrugada a dentro. Quando o filme terminou, o Sol já iluminava a Zona Leste de São Paulo e eu pensei seriamente se aguentaria ver tudo de novo. Esse filme tem quase tudo que gosto num longa-metragem relevante: mensagem política, companheirismo (militar, no caso), visual marcante, boa edição e som de fazer inveja, de quebra, o elenco é impressionante e empolga.
Tenho uma teoria sobre filmes de Guerra: eles são o maior revelador de talentos e, muitas vezes, a prova de fogo para atores masculinos. Sem precisar mencionar clássicos como “O Mais Longo dos Dias” ou “Uma Ponte Longe Demais”, falemos de títulos mais recentes. “O Resgate do Soldado Ryan” revelou gente como Vin Diesel; “Circulo de Fogo” confirmou Jude Law; a série “Over There”, colocou Alexander Skarsgard no mapa; e metade do elenco de “Band of Brothers” está liderando séries e filmes. A razão é simples: como os elencos sempre são numerosos, invariavelmente, os melhores atores da geração ideal vão acabar sendo selecionados e, com tanta concorrência, os futuros astros vão se diferenciar. E o que “Falcão Negro em Perigo” tem a ver com tudo isso? Bem, embora não tenha o caráter de “revelador” – afinal, muitos na lista a seguir são veteranos –, basta mencionar nomes mais que relevantes e bem-sucedidos tanto no cinema quanto na TV atuando como soldados: Tom Hardy (Inception e Batman), Jason Isaacs (Zona Verde e Harry Potter), Orlando Bloom (Legolas), Ewan McGregor (Obi-Wan), Eric Bana (Hanna), Nikolaj Coster-Waldau (Jamie Lannister, de Game of Thrones), Jeremy Piven (Entourage), Ty Burrell (Modern Family), William Fichtner (trocentos filmes… Mar em Fúria é uma boa referência), Tom Sizemore (O Resgate do Soldado Ryan e Pearl Harbor) e, claro, o “mocinho do filme”, Josh Hartnett.
Então você junta um monte de gente boa e adivinha o resultado? Filme bom. Muita gente acha que Ridley Scott perdeu o Oscar de Melhor Diretor por “Gladiador” por causa da critica sócio-política de “Falcão Negro em Perigo”, mas ele não liga. Quando o entrevistei pela primeira vez, por “Robin Hood”, falei sobre isso e ele não se importou. Falou do bom desempenho do filme e do fato de ter orgulho sobre seu trabalho. Se isso basta para o Ridley, com todo o respeito, basta para mim. É fundamental haver diretores dispostos a fazer esse tipo de crítica, a mostrar as derrotas e reforçar as lições aprendidas a duras penas. Os americanos resolveram bancar os xerifes na Somália e levaram uma surra em 1993. Mas também era preciso exaltar os conceitos inerentes aos soldados, à sua conduta e heroísmo. Toda vez que penso num herói militar, a imagem de Sean Penn, em “Além da Linha Vermelha” vem à mente; ele faz algo difícil, mas necessário, e o oficial superior diz que ele merece uma medalha; o personagem fica irado e rejeita a honraria da maneira mais dramática que já vi. Não vou dar detalhes, assista. De qualquer forma, o exemplo vale para mostrar que as realizações em combate podem soar fantástica quando relatadas, mas não passam de atos necessários e, muitas vezes, as únicas opções disponíveis em face ao desespero. Ridley Scott mostrou muito disso e montou bem um diálogo obrigatório entre Eric Bana (um membro da Delta Force) e Josh Hartnett (um líder de pelotão dos Rangers). “Você acha que não devemos estar aqui?”, pergunta Hartnett. “O que eu penso não importa; pois quando a primeira bala passa raspando, política, missão e razões desaparecem e tudo que importa é o cara ao seu lado”, responde Bana. Fantástico! Ainda mais depois de morar por aqui há tanto tempo, essas implicações militares ganham novos tons, novas razões subliminares. Esse filme sempre me faz pensar no que leva uma pessoa a entrar no serviço militar (sem ser a grana da faculdade ou os $20 mil de pagamento, claro) e a permanecer em atividade por anos a fio. Você pode ter o poder de matar, mas cada passo pode ser o último seja pelo resultado de um plano inimigo ou da ação de um simples radical com uma arma e muita sorte. A vida se torna mais frágil ainda numa situação dessas. Talvez por isso me interesse tanto por guerra, para, quem sabe um dia, descobrir se conseguiremos realizar o sonho de Gene Rodenberry e viver sem esse desejo de violência inerente à lei do mais forte.
“Falcão Negro em Perigo” tem um visual muito agradável, começando pelo tratamento de imagem responsável por transformar Mogadisco, capital da Somália, num mundo quase alienígena, quente e hostil aos soldados norte-americanos. Assim como tudo que Ridley Scott faz, ali tudo acontece em grande escala, o poderio militar é valorizado para afastar qualquer sombra de dúvida sobre quem tem mais equipamento, organização e efetividade; entretanto, quando o combate começa, Scott faz uma transição linda para um estilo mais íntimo, dentro da linha de frente, valorizando cada soldado. Por falar nisso, e referenciando Robert Heinlein, autor de “Tropas Estelares”, uma coisa fica clara nesse filme: um soldado norte-americano é uma arma letal, efetiva e algo a ser temido. Os Rangers e Deltas são considerados tropas de elite e o desempenho deles nessa missão que terminou em retirada e semi-tragédia foi assustador. Um pequeno contingente lutou contra a milícia de uma cidade inteira e, mesmo assim, sustentou poucas baixas e aplicou danos gigantescos a seus inimigos. A Infantaria Móvel de Heinlein tem muito disso, com seu treinamento intenso e definitivo, cada um de seus homens se transformava numa máquina de matar mesmo sem perceber.
Levando em conta os filmes de guerra mais recentes, “Falcão Negro em Perigo” é comparável a “O Resgate do Soldado Ryan”. Ambos deixam uma campanha macro de lado e focam em pequenas unidades, ambos tem uma missão questionável como objetivo e envolve grande sacrifício, ambos testam os limites do espírito norte-americano. Isso sem contar o fato de que Tom Sizemore está no elenco dos dois filmes! Uma diferença importante, porém, é a escala. “Ryan” precisa de mais espaço, é amplo e usa a paisagem com efetividade por conta da natureza de sua missão, enquanto “Falcão Negro” é mais claustrofóbico e apertado, com personagens enclausurados em veículos, vielas estreitas ou pequenas barricadas. Logo, tipos diferentes de dramas e personagens surgem.
Gosto do ritmo de “Falcão Negro em Perigo”, vejo valor em sua mensagem e, como disse, adoro o jeito como o filme funciona. As cenas com os helicópteros – sempre regadas a muito rock ‘n roll, com Elvis Presley, Faith No More e Jimmy Hendrix – são magníficas e envolventes. Mesmo podendo narrar o filme, cena a cena (é, isso me dá medo! Hehe. Na maioria das vezes, preciso ver um filme uma vez só e, se gostar, nunca mais esqueço), reassisti ao longa hoje e todas as impressões permanecem. É um grande filme para quem gosta do gênero e está entre os melhores do assunto, ficando ao lado de “O Resgate do Soldado Ryan”, “Circulo de Fogo”, “Além da Linha Vermelha” e “Cartas de Iwo Jima”. Se comparado aos filmes sobre os conflitos pós-Segunda Guerra, “Falcão Negro em Perigo” reina soberano, pois “Zona Verde”, de Paul Greengrass, perde tempo demais querendo ser político e não dá muito espaço aos dramas dos soldados.
Recomendo! E assista com o som bem alto, vale a pena!
Hemingway & Martha
3.5 121 Assista AgoraFiz uma análise sobre o filme e a influência de Hemingway lá no Brainstorm9.
Espero que gostem. :)
Os Miseráveis
4.1 4,2K Assista AgoraMeus dois centavos sobre o filme:
Espero que gostem!
O Hobbit: Uma Jornada Inesperada
4.1 4,7K Assista AgoraFalei um pouco sobre o filme no Brains9:
Detona Ralph
3.9 2,6K Assista AgoraMeus centavos sobre o filme:
Frankenweenie
3.8 1,5K Assista AgoraAssisti Frankenweenie semana passada, aqui em Los Angeles.
Leia (spoilers leves):
:)
O Mestre
3.7 1,0K Assista AgoraPronto, aqui está o texto, sem spoilers, sobre The Master.
O Mestre
3.7 1,0K Assista AgoraAcabei de ver. Agora é organizar as ideias e escrever a respeito. Vai ser uma tarefa bem difícil. Ainda hoje publico no
Looper: Assassinos do Futuro
3.6 2,1KMeus centavos a respeito:
Há dois modos de se falar, ou encarar, a Viagem no Tempo no entretenimento: a fácil, ela os paradoxos são secundários, a viagem serve apenas como argumento narrativo e os personagens podem executá-la sem grandes problemas; e a difícil, os paradoxos geram questões fundamentais, cada detalhe precisa de justificação necessária e a viagem em si alimenta seu roteiro. A opção fácil fica rapidamente batida e o produto em questão perde a relevância, afinal, como bater “De Volta para o Futuro” sem percorrer o mesmo caminho? A alternativa difícil é igualmente problemática, pois complicar demais o cenário afasta o público comercial e é mal visto pelos estúdios, mesmo ganhando status cult, como, por exemplo, “Donnie Darko”. Antes que alguém surte, não estou comparando filmes, nem mesmo medindo sua efetividade, são apenas exemplos. Logo, abordar a Viagem no Tempo exige, no mínimo, coragem e uma ideia suficientemente forte para superar esses dois extremos; “Looper”, de Rian Johnson, parece cumprir os pré-requisitos.
O papo vai ficar maluco por um parágrafo, mas resista, vai fazer sentido. A maior realização de “Looper” é reconhecer a natureza múltipla, sobrepositora e fluída da Viagem no Tempo. Ou seja, o filme olha o viajante do tempo como uma versão alternativa do indivíduo do presente, não necessariamente sua evolução e isso, felizmente, funciona a favor do gênero e da trama, pois as duas versões co-existem num mesmo tempo e suas ações são diretamente ligadas, ou seja, os atos do mais novo, sobrepõe as realizações do mais velho, por conta de um presente sempre em movimento. O resultado disso são três linhas do tempo: o presente, resultante das ações do sujeito atual; o futuro do pretérito, que foi a vida vivida pela versão mais velha; e a realidade, mescla das ações integradas dos dois personagens. Os conflitos gerados por essa dinâmica vão muito além do “paradoxo do avô” e geram o verdadeiro dramático de “Looper”: qual dessas histórias vai prevalecer?
Com uma premissa dessas, seria impossível o filme errar ou tropeçar na longa história do gênero. Ele cria seu próprio universo, e suas regras, daí para a frente é só manter tudo organizado. Claro, nem tudo é 100% original, e nem poderia ser, mas o filme é efetivo. Joseph Gordon-Levitt faz a versão presente, enquanto Bruce Willis é o futuro de um mesmo personagem. Essas duas vidas estão unidas por um fator: a morte. Cada personagem a vê de um modo, provocando um outro conceito fundamental em Viagens no Tempo: embora sejam a mesma pessoa, no momento da união das histórias, tudo que o mais velho acha que sabe sobre si mesmo muda, justamente por encontrar um “eu” com outras convicções e desprovido da mesma carga emocional e experiência. Por definição, e obrigação, eles se transformam em duas pessoas diferentes instantaneamente.
Muito disso é simples aplicação de lógica, mas muito também é resultado da aposta em soluções engenhosas para driblar alguns obstáculos desse gênero. Como Doc Brown disse: “se nossas versões se encontrarem, podemos causar uma ruptura no espaço-contínuo” (ou algo assim). [Nota: estou apenas considerando filmes comerciais como referência, se entrasse na literatura, aí esse texto se transformaria em tese e teria um capítulo INTEIRO para a Policia do Tempo Brasileira, a Intempol, concebida por Octavio Aragão!] “Looper” ignora os conselhos do Doc, mistura as linhas do tempo e revitaliza alguns conceitos, como o da comunicação física mostrada em “Alta Frequência”, com Dennis Quaid, e brinca até mesmo com telecinese e uma sociedade em rumo ao caos social, dando uma dica descarada do desfecho do filme logo nos primeiros minutos de exibição (não se preocupe, só dá para perceber quando o roteiro junta as pontas). Quem estiver disposto a achar referências vai se divertir demais! Só algumas dicas: “Minority Report”, “X-Men”, “Star Wars” e “TimeCop”.
O longa-metragem de Rian Johnson, até agora só conhecido pelo rito de passagem “Brick”, também com Joseph Gordon-Levitt, caiu nas graças da crítica e do público – façanha rara ultimamente –, mas, talvez, o tenha feito pelas razões erradas. A chamada “reinvenção do gênero” é exagerada e a grande realização dessa obra (além do óbvio, e bacana, conceito do uso da Viagem no Tempo) é o duelo mental, baseado em ação relevante e diálogos certeiros e bem-humorados. Retire os rostos dos personagens (extremamente similares por conta da maquiagem aplicada em Lewitt) e perceba apenas o embate para perceber que se trata da mesma pessoa, lutando contra dois instintos opostos, dois desejos contraditórios, tentando conciliar algo que já foi real, se transformou em lembrança e se concretiza como pesadelo. Esse duelo é mais visceral e próximo, ainda mais com o ótimo trabalho da dupla de atores, especialmente Bruce Willis, trocando a loucura e esquizofrenia do viajante do tempo de “Os 12 Macacos” pela paixão e devoção desse assassino temporal. Falando em elenco, o ponto fraco é Emily Blunt, mal escalada (ok, muita gente vai discordar, mas paciência. Gosto dela e não combinou, só isso).
Os antagonismos são claros e a história flui bem até um terceiro elemento entrar em cena, algo diretamente ligado ao futuro e à motivação de todo o roteiro (assista ao filme!). Nesse ponto, a velocidade desaparece e a faceta independente de Johnson surge, construindo personagens sem muito estardalhaço e transformando armas em meras ferramentas de apoio para seus donos. Essa transição do segundo para o terceiro ato é um tanto monótona e repleta de novos dogmas. É um risco, pois há uma geração disposta a odiar qualquer filme incapaz de suprir suas mentezinhas carentes por obviedades. Dogmas devem ser aceitos, ou a narrativa vai para o beleléu, por isso, sempre são arriscados. Nada que me incomode, deixo claro. Gosto de preencher essas lacunas e fico feliz quando tenho a oportunidade de montar meu próprio quebra-cabeça com as peças fornecidas até aquele momento. De qualquer forma, confesso ter ficado um pouco entediado, mas aí o ritmo volta e a correria da conclusão recupera a boa impressão da primeira metade do filme.
Gostei dos questionamentos morais, das escolhas difíceis feitas por ambos os personagens e também achei curiosa a construção dos dois futuros apresentados. Como o personagem de Jeff Daniels (quase um Flynn versão gangster… ou seja, ficou com a cara do Jeff Bridges) bem coloca: “são os detalhes que te pegam”. Há muitos detalhes ali, mais do que uma simples assistida pode dar conta, mas foi o suficiente para me deixar à vontade e cheio de curiosidade. Estou fazendo um pouco disso no meu segundo romance, que aborda a Viagem no Tempo, e fiquei feliz a notar que outros acreditam no mesmo conceito de pequenas mudanças representarem grandes transformações sociais. Somos seres cheios de manias e demora para algumas delas mudarem, mas quando o fazem, muitas possibilidades se abrem.
“Looper” nasceu como referência, deve ser visto e ainda vai gerar muito debate, pois suas escolhas são arrojadas para o circuito comercial. Rian Johnson só comprovou ter capacidade para comandar um filme grande, mas ainda está muito atrás de Duncan Jones na corrida pela inovação do gênero. “Lunar” é mais filme, tem mais impacto e é mais marcante que “Looper”, se uma comparação é necessária. E “Source Code” é igualmente arrojado. Jones milita no gênero, Johnson ainda não mostrou tanta devoção. Espero que o faça, pois o cara entende o modo como histórias devem ser contadas no cinema. Ele me deixou angustiado e dividido entre dois desejos de um mesmo personagem. Torcer pela morte parecia extremo, esperar pela vida soava clichê, e queria mais e mais tempo para escolher meu time. A sensação foi boa, a troca de ideias entre a obra de Johnson e minha própria vai render bons frutos e fico feliz ao ver a Ficção Científica que tanto amo marcar mais pontos com o público em geral. Como já disse em outras ocasiões, vencemos a guerra e agora só precisamos firmar nossas alianças para afastar, de uma vez por todas, o preconceito contra o gênero mais transformador do cinema.
Anônimo
3.8 365 Assista AgoraComo nunca escrevi a respeito desse filme, resolvi rever para fazer mais um texto para o 366Flicks. O resultado está aí.
A Partida
4.3 523 Assista AgoraFinalmente consegui assistir no NetFlix, publiquei minha opinião no meu novo site. Estou vendo e comentando um filme por dia! :D
Frankenweenie
3.8 1,5K Assista AgoraAssisti Frankenweenie hoje, aqui em Los Angeles.
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Tão Forte e Tão Perto
4.0 2,0K Assista AgoraAinda estamos em setembro, um mês agourento para os norte-americanos. As feridas do 11/9 não fecharam e estão muito longe disso. Por isso, a escolha do segundo 366 Flicks vem a calhar. O principal filme da HBO nesse período é “Tão Forte e Tão Perto” (Extremely Loud and Incredibly Close), com Tom Hanks, Sandra Bullock e um moleque chato ao extremo! Estava ansioso para assistir. Fiquei emocionado com o trailer. Queria saber da história, queria acompanhar essa jornada de descoberta e cura familiar. E encontrei algo um pouco diferente do que esperava. Compreender totalmente as nuances dessa trama é impossível. Estava no Brasil quando as Torres Gêmeas caíram, vi tudo pela TV durante o almoço e depois da redação; nem sonhava em vir morar aqui. Hoje entendo um pouco melhor quem são essas pessoas e as razões de seus sentimentos, entretanto, não ouso emular suas sensações e perdas. Tenho minhas próprias.
E é sobre isso que “Tão Forte e Tão Perto” aborda. Claro, é mais uma catarse coletiva em torno da agressão sofrida nos ataques de 2001. Sigourney Weaver e Anthony LaPaglia foram mais rápidos no gatilho e entraram na leva inicial de primeiros socorros com o intenso e contundente “The Guys”, de 2002. Tom Hanks, Sandra Bullock e Max Von Sydon tiveram sua chance com mais perspectiva, longe da lembrança da nuvem de poeira e da comoção nacional. Não li o romance que inspirou o longa, logo, só posso avaliar o filme e ele acerta ao oferecer opções para enfrentar a dor. Nada de soluções ou momentos gloriosos. Apenas pessoas comuns tomando decisões, ousadas ou puramente exageradas por conta da incapacidade de se aceitar a perda, e bastante egoístas, no sentido estrito da palavra. Houve um sentido de união, do orgulho ferido, mas as vítimas diretas da queda do World Trade Center passaram pela pior das provações: continuar a viver com as imagens do fim da Era Moderna, da nossa Queda da Bastilha. Com um pano de fundo tão pesado, fica difícil não se envolver com a trama.
Especialmente se você já perdeu alguém. Especialmente se você ainda chora sozinho quando tenta se lembrar e vasculhar a memória em busca dos momentos de alegria, de vida. Mesmo assim, o filme desafia o espectador a apresentar elementos problemáticos: um pai carinhoso e querido, Tom Hanks; uma mãe aparentemente ausente e perdida, Sandra Bullock; e um garoto com fixações e medos tão agudos por conta de uma clara disfunção social e comportamental (o filme não declara, mas o personagem tem algum nível notável de autismo), que seus surtos verborrágicos são profundamente irritantes. Ele carrega a história ao iniciar uma missão, cujo objetivo é carregar o legado do pai, mas, no fim das contas, vai tirá-lo de seu ostracismo sentimental. A história é pesada nesse sentido. Mas a entonação de voz de Thomas Horn – concorrente forte a superar a pentelhação em tela causada por Dakota Fanning em “Guerra dos Mundos” – incomoda, quebra a dramaticidade e impede a criação de verdadeira empatia por sua jornada. Por conta disso, não é surpresa notar que as coisas só ficam interessante quando surge um personagem que não fala, se comunica por meio de bilhetes e sinais e oferece à matraca ambulante uma chance de, veja só, pensar!
Outro grande risco do longa-metragem de Stephen Daldry é relegar a personagem de Sandra Bullock à coadjuvante extrema e mãe omissa. Ele fica distante pela recusa do garoto, claramente fixado pelo pai, ou está tão destruída que se tornou incapaz de amar? Tudo isso é resolvido, porém, todo esse distanciamento torna impossível torcer por aquela família. Alias, fica nítida a ausência de um núcleo familiar. Eles são como pedaços de um vaso quebrado, esperando alguém, ou alguma coisa, aparecer para colar tudo. Como na realidade, pedaços isolados por muito tempo tornam-se incapazes de voltar a fazer parte do todo. E, talvez, a daí venha a maior porrada de “Tão Forte e Tão Perto”, analisar o distanciamento das famílias, os elementos capazes de transformar o amor em algo secundário, de apagar a lembrança e substituir tudo pelo ódio ou pelo rancor. Pessoas hábeis com palavras machucam tanto quanto aquelas cuja única linguagem é a da simples representação vocal dos sentimentos. O poema mais forte pode ser facilmente esmagado pela sensação mais esmagadora. “Queria que você morresse”… “te odeio”… “falhei”. Ideias simples, emoções fortes. Basta uma palavra e o estrago está feito.
Sempre lutamos pelo balanceamento de nossas vidas, pela medida certa de amor, paixão, respeito e sucesso. Poucos conseguem. A busca em si é ideal e a jornada propõe novos formatos para o equilíbrio desejado originalmente. Aceitar é realmente difícil. É o coração da busca. Tolo é aquele incapaz de perceber e avaliar – aceitar não é obrigatório, diga-se de passagem – as perspectivas trazidas pelo simples ato de se trilhar o caminho. Mas seria igualmente tolice esperar por uma situação mais agradável? Por um momento melhor? Insistir em sonhar com o equilíbrio perfeito? Cada um deve encontrar sua própria resposta.
“Tão Forte e Tão Perto” mostra o caminho da cura, da descoberta e do perdão. Retire o pano de fundo do 11/9 e a história aplica-se a qualquer família problemática, a qualquer situação contraditória, a qualquer mudança traumática. Ou seja, uma mensagem forte e necessária. Entretanto, o filme é longo e se arrasta com uma interpretação exagerada de um ator-mirim novato, incapaz de fazer frente a monstros como John Goodman, Sandra Bullock e Tom Hanks. Horn se sai melhor em cena com Max Von Sydon, sem dúvida. Seu único momento forte. Sozinho se apaga. Uma pena. E o filme sofre com isso.
Transportando essas dificuldades familiares às minhas próprias, fiquei emocionado. Sempre esperei por uma ligação que nunca veio. No filme, ela acontece. Eu teria me lançado ao telefone, o personagem fictício entra e pane e nunca atende. Dizer adeus é difícil, viver o resto da vida sabendo que perdeu a chance e sem ter dito, uma última vez, “eu te amo” é a maior das punições.
A vida pode imitar a arte, mas quando a arte opta por não seguir o coração em troca da função dramática, a arte se identifica como manifestação consciente e a magia se quebra. Precisamos da magia, do mergulho na ficção e da identificação com as emoções. Quando isso falha, tanto dor quanto alegria se esvaziam e começa o reinado dos arquétipos. A impressão é de tanta emoção ser despejada na tela, que a maioria se perde.
Enfim, encontrei razões para me emocionar (muito baseado na minha própria experiência) e também para me desinteressar por algumas das subtramas. O filme dividiu opiniões por aqui, mas tudo isso depende da relação de cada um com o 11/9 e, infelizmente, não pelo mérito do filme em si. Parece faltar algo. E pode ser uma dor que não senti. Meu orgulho não foi ferido e, embora tivesse um colega entre as vítimas, ainda assim vi tudo pelo nosso ponto de vista. Por conta disso, seria injusto massacrar o filme. Pode estar faltando algo apenas para mim. Boa edição, som bem trabalhado, ótimas soluções na fotografia e a cena final é emocionante.
O Enigma do Horizonte
3.2 310 Assista AgoraTestar os limites humanos é um tema recorrente na Ficção Científica. Sempre temos essa curiosidade para descobrir até onde podemos chegar, como vamos reagir em situações extremas e quais os efeitos do distanciamento completo da sociedade num indivíduo ou numa coletividade isolada. Esse normalmente é o motivo que gera tantas missões aos confins da galáxia, o confronto máximo ao desconhecido e cujo resultado, invariavelmente, vai exaltar as qualidades humanas ou perecer pateticamente por conta de suas falhas. Enigma do Horizonte (Event Horizon, 1997) faz um pouco disso tudo ao misturar religião, arrojo tecnológico, distúrbios mentais e um mistério tão terrível que lhe explicar se tornaria vazio ou dramaticamente desinteressante. O filme é incômodo, tem bom ritmo, não nega a influência de grandes clássicos do gênero e mostra que, de fato, devemos ter medo de nós mesmos. O desconhecido é um mero catalisador emocional capaz de abrir um portal para outra dimensão, que, na verdade, pode estar escondida dentro de cada um de nós.
Gosto muito desse filme. É um dos meios favoritos nessa subdivisão do Terror Espacial. “Enigma do Horizonte” foi um dos primeiros projetos decentes de Paul W.S. Anderson e ele, de fato, provou entender do assunto e também foi criativo em suas escolhas. Mas, diga-se de passagem, isso não lhe dá o direito e perder a estribeira na série “Resident Evil!”. Claro, fica fácil trabalhar quando Sam Neill, Lawrence Fishburne, Jason Isaacs e Joely Richardson estão no elenco principal, mas fica difícil encontrar falhas; especialmente quando se aceita o fato de o diretor ter seguido as normas estabelecidas por Ridley Scott, em “Alien – O Oitavo Passageiro”, feito as devidas homenagens e pulado de cabeça na sua análise social e religiosa. Sim, religiosa. O encontro das naves Louis & Clarke (referencia aos exploradores que desbravaram os Estados Unidos, não ao seriado do Superman com Dean Cain) e Event Horizon cria um verdadeiro purgatório mental para a tripulação. O quebra-cabeça é construído aos poucos, mas, logo de cara, a mensagem é clara: vai dar merda!
Yoda já dizia: dentro da caverna você vai enfrentar apenas o que levar consigo. Ok, ele teria dito tudo invertido, mas você entendeu o recado. Bem, nossos medos são sempre nossos maiores algozes. Por mais que uma sala vazia e escura possa ser essencialmente uma sala vazia e escura, os temores e ideias podem transforma-la na área mais temida e macabra do Universo. Inteligência não é defesa suficiente, afinal, emoção sempre supera a razão, não importa seu nível de preparação. Quando a situação aperta, a lógica voa pela janela e tudo fica mais íntimo, os instintos vêm à tona e os conflitos se tornam mais brutos e viscerais.
Esses elementos são tratados com primazia pelo clássico literário “Solaris”, de Stanislaw Lem, cuja montagem mais recente foi dirigida por Steven Soderberg e estrelada por George Clooney, Viola Davis e Natascha McElhone. Se em termos visuais e de tensão, Anderson seguiu os passos de Ridley Scott, a trajetória dos personagens, seus conflitos internos e as artimanhas utilizadas pela nave consciente – e possuída pelo Mal Supremo – saíram daí, não há dúvidas. Também há referências a Stanley Kubrick, mas não por “2001”, e sim com “O Iluminado”. Tudo isso, somado a uma direção de arte consistente e convincente, transforma “Enigma no Horizonte” num bom representante do gênero. Por se tratar de um filme que mistura terror e ação, mergulhos profundos e sem volta como o de “Lunar”, de Duncan Jones, ou “Sunshine”, de Danny Boyle – ambos podem ter bebido um pouco tanto nos clássicos quanto no filme de Anderson –, a tensão acaba sendo mais importante que as subtramas. É uma corrida contra o tempo e contra um inimigo que, de fato, se manifesta apenas quando o fim está próximo.
Voltando a falar dos limites, temos dois pilares principais nesse longa-metragem: a fixação do Dr. Weir (Sam Neill), um cientista corrompido tão rapidamente quanto Smeagol ao ver o Um Anel; e a devoção e responsabilidade do Capitão Miller (Lawrence Fishburne), que, dois anos depois, marcaria o gênero para sempre no comando de outra nave, a Nabucodonosor. Sempre me lembro dos cientistas arrogantes de “The Thing from Outer Space”, o original, não o remake com Kurt Russel, nem a abominação do ano passado com Mary Elizabeth Winstead. Tanto eles, quanto Ash e Weir optaram por arriscar tudo em prol da descoberta, do maravilhamento inerente à conquista científica ou ao prêmio entregue àqueles capazes de se doar, de corpo e alma, para se tornarem imortais, especiais ou simplesmente engrandecer seus próprios egos. Pensando bem, o Weiland the “Prometheus” entra nesse perfil também.
Olhando de longe fica fácil torcer pelo mocinho, entretanto, a tentação sofrida pelos vilões é imensa. Resistir, muitas vezes, é inútil. Danny Boyle acabou brincando melhor com essa dinânica em “Sunshine” ao, de fato, explorar a insanidade, a solidão e o confronto com Deus ao apresentar o capitão maluco da primeira expedição. Como é o ditado? “Cabeça vazia é a oficina do diabo”? Então, é fácil definir que “cabeça vazia, na solidão do espaço e distante da Humanidade, é o verdadeiro portal para o Inferno”.
Soa bastante pessimista, não? Mas é assim que a FC opera. Postulando dificuldades e, na maioria dos casos, entregando soluções muito distantes dos finais felizes dos outros gêneros. Provocar é preciso e arriscar não é uma opção, é obrigação. Mesmo quando o personagem bondoso sobrevive, o preço é inimaginável e os traumas duram para sempre. Ainda estamos muito distantes do tipo de homem capaz de olhar para o abismo e resistir ao terror causado quando ele olhar de volta. “Enigma do Horizonte” mostra uma dessas versões, de modo cru e direto. Não há certo ou errado. Há apenas vida e morte. E, mesmo na vida, pode se encontrar o tormento eterno. Às vezes, basta uma simples olhadela e o terror vence.
Extremamente recomendado. Cópias em Blu-Ray disponíveis.
Red: Aposentados e Perigosos
3.5 1,2K Assista AgoraFinalmente tirei o atraso e assisti “RED”. Adorei o trailer por causa de John Malkovich, mas perdi no cinema. O disco chegou pelo Netflix há uma semana e conseguimos ver ontem. Ri demais. A Lu, minha digníssima esposa, não achou tão engraçado. Até entendo, tem aquele clima de bobagem semi-surreal masculina, ou seja, pirações que só a gente entende. Ou será algo errado comigo? Bem, a diversão foi boa e terminei o filme com a sensação de alivio que sinto toda vez que assisto minha comédia sem-noção predileta dos últimos anos: “Esquadrão Classe A”.
Curiosamente, o começo de “RED” é muito parecido com o celebrado “Drive”. O personagem de Bruce Willis é definido em poucos minutos sem precisar falar nada. Já notaram como o simples ato de acordar ou sair de casa define um sujeito? É só lembrar Marty McFly ou o Marv de “Melhor Impossível”. Esse detalhe em si já é sinal de bom roteiro e a história se desenvolve bem, aproveitando alguns elementos gráficos emprestados do quadrinho que lhe deu origem – não li, mas vi umas páginas – e o ritmo é bem conduzido. Nada demais. Os bons momentos estavam mesmo no trailer, mas a interação entre Bruce Willis, John Malkovich, Deus.. oops, Morgan Freeman e a sempre charmosa Helen Mirren, a quem tive o prazer de entrevistar em minha breve visita a Londres, garante boas risadas.
Ao ver esse grupo de veteranos atuando, lembrei de quando jogava futebol nas férias num sitio de antigos amigos. Sempre rolava o Pais x Filhos. Claro que a gente sempre levava um vareio de bola, afinal, os coroas tocavam bola, lançavam, chutavam de longe e colocavam os moleques na roda, enquanto acreditávamos piamente na correria e na força de vontade para marcar. “RED” tem dois ritmos: um dos personagens principais, mais cadenciado, sempre efetivo e quase sem nenhum esforço; do outro, Karl Urban – Rohirimmm! – usando todos os cacarecos modernos e recursos da CIA para dar conta de quatro velhinhos e uma telefonista da central de aposentadoria. Aliás, finalmente, Mary-Louise Parker passou a existir para mim. Nunca vi “Weeds” e o único filme dela que tive a oportunidade de assistir, consciente de que ela estava no elenco, foi “As Crônicas de Spiderwick”. Gostei dela e foi impossível não pensar na dinâmica de Willis com Madeleine Stowe em “Doze Macacos”.
Nota sentimental: fiquei emocionado ao ver Ernest Bornigne, falecido recentemente. Santini, de “Águia de Fogo”, foi importantíssimo na minha criação televisiva e sempre lembro de seus filmes, especialmente “O Destino de Posseidon” – o original, que continua muito bom com Gene Hackman dando um show! –, o remake de “Sem Novidade no Front”, que sacramentou meu interesse pela Segunda Guerra Mundial; “Os Doze Condenados”, e, recentemente, aquela pontinha em “Gattaca – Experiência Genética” (aliás, esse subtítulo nunca fez sentido, concorda?). Bons atores são assim, precisam de pouco, marcam do mesmo jeito e te fazem sentir. Nesse caso foi saudade.
De resto, “RED” só me fez rir. Malkovich tem as melhores sacadas. Willis ainda faz bem o papel de herói romântico e o casal Brian Cox (bancando um agente russo) e Helen Mirren merece menção honrosa. É sempre bom ver personagens cativantes sem forçar a barra, apostando em detalhes construídos no roteiro e conseguindo ótimos resultados com pouco esforço.
O trabalho do diretor Robert Schwentke é eficiente. Ainda não vi “FlighPlan”, com a Jodie Foster, mas assisti “The Time Traveler’s Wife” e tive boa impressão lá, mesmo sem saber quem era o sujeito. Conseguiu se diferenciar bastante entre um projeto e outro. Se isso é influência de Lorenzo DiBonaventura, o produtor, ou versatilidade do diretor, não sei. Só sei que funcionou e é isso que importa. Recomendo!
O Abrigo
3.6 720 Assista AgoraMomentos de insegurança podem forçar o ser humano a procurar respostas, razões e significados, mesmo sabendo da improbabilidade de se encontrar uma resposta. Mais que limitação psicológica, tal padrão pode representar, puro e simplesmente, um mecanismo de defesa que, de fato, nos impede de sofrer revés maior: encarar uma verdade assustadora e enlouquecedora. Esse tipo de questão é levantado com primazia por Jeff Nichols no perturbador “O Abrigo” (Take Shelter), com Michael Shannon e Jessica Chastain. Essa metáfora autobiográfica do diretor e roteirista vai além do debate pessoal ao provocar uma leitura interessante sobre nossos atos, nossas razões e, sem envolver religião, nossa fé.
Estruturalmente, Jeff Nichols pega um trem perfeitamente alinhado em seus trilhos, joga óleo na ferrovia até que o volume se torna grande demais, provoca um descarrilamento mais assombroso que o de J.J. Abrams em “Super 8”, para, em seguida, justificar cada segundo da tragédia com um final desconcertante. Uma clara conquista da autoria sobrepondo demandas comerciais, por razões óbvias, “O Abrigo” transpira elementos de filme independente – incluindo algumas escorregadelas – a despeito do grande elenco, efeitos especiais utilizados de forma cirúrgica nas horas certas (destaque para uma casa inteira criada com manipulação de móveis e peças do set pela empresa de computação gráfica que decidiu entrar no barco como produtora do filme) e ótimo som mixado no Rancho Skywalker.
É um trabalho efetivo, que conquista pela honestidade da história e se constrói por conta de uma interpretação poderosíssima de Michael Shannon, um cometa emocional e cativante. Seu Curtis LaForche funciona como versão altamente energizada e exagerada do próprio ator, apaixonado confesso pela atuação e sempre cheio de vida em suas interpretações. É impossível tirar os olhos dele, mesmo quando Jessica Chastain entra em cena, mostrando por que é tão celebrada pelos diretores ultimamente. Efetivamente, Shannon contracena com seus próprios demônios e Jessica soube como executar sua função de apoio constante de forma belíssima. Ela realça o trabalho de Shannon e permite que ele brilhe dentro dos limites impostos por Samantha – a esposa firme e aliada constante.
Mesmo colocados em extremos, Curtis e Samantha (Jessica Chastain) desejam a mesma coisa: proteger a família. Seus caminhos são diferentes, assim como as motivações apresentadas pelo roteiro de Nichols, entretanto há uma mecânica subliminar em operação capaz de manter o interesse pelo casal sem esbarrar em obviedades de dramas sobre relacionamentos. Discute-se lealdade em vez de infidelidade; dedicação extrema, em vez de abandono; limites em prol do casal, em vez de rompantes de individualidade. São diferentes sensibilidades em jogo, num mundo levemente diferente mesmo repleto da crueldade social da vida real.
Fica a indecisão se estamos diante de um sonho ou de um pesadelo. Curtis acredita em seus devaneios e encontra a coragem, ou irresponsabilidade aparente, de agir por conta de sua fé, de suas próprias certezas. Talvez como simples reação ao medo de estar condenado a uma doença incurável e a incapacidade a ela atrelada, ele age. É apenas o começo do tormento, ao se deparar com uma sociedade hostil a perspectivas desconhecidas ou além de sua compreensão. Ele passa de Davi digno de dó a Golias ensandecido ao ser julgado pela opinião pública, algo um pouco mais complicado quando se trata de uma cidade no cinturão rural dos Estados Unidos. Mesmo assim, os dramas e escolhas são relacionáveis fora do contexto local, especialmente por sua natureza essencialmente primitiva.
Longe do realismo primordial da escola de Dogma, há algo maior acontecendo em cena e uma nova realidade, plenamente aceitável, é desenvolvida. O filme incomoda, especialmente numa segunda passada, mas isso não é um elemento negativo. Ele incomoda por aumentar a angústia e a aflição em relação ao sofrimento de Curtis, a agressividade de seus amigos perante suas escolhas e a ampliação do desespero do personagem, especialmente quando se sabe como a história vai terminar. Poucas vezes senti isso… esse crescimento do envolvimento, a torcida por uma estrada menos turbulenta, pela compreensão e por mais apoio ao personagem. Nada muda, apenas meu nível de envolvimento. Isso, em si, já representa um grande trabalho cinematográfico, constantemente envolvente e emocionante.
Diferente de muitos filmes com poder transformador (de bate pronto, “A Fonte da Vida” surge como comparativo; falarei sobre ele em breve), normalmente apoiados na jornada da redenção, no aprendizado das lições do guru, na superação de dificuldades, “O Abrigo” ensina pela dor e esse é o pior jeito. Entretanto, é o mais marcante e, portanto, mais efetivo. Lições positivistas fazem bastante diferença no momento de aprendizado, mas, como Neil Gaiman pontua brilhantemente no livro “Deuses Americanos”, “é sempre uma pena que momentos de grande iluminação, descoberta ou transformação percam a força com o passar do tempo e a maioria das lições seja esquecida” (a citação não é exatamente essa, mas o sentido é!). Sofrer um pouco torna tudo isso mais marcante, algo que lembramos conscientemente para afastar um novo momento de dor. Por conta disso, Jeff Nichols é quase agressivo e, em momento algum, facilita a vida de suas criaturas.
Ele também cria um ambiente propício a acontecimentos sobrenaturais. Uma tempestade se aproxima. Os sinais catastróficos chegam durante os pesadelos de Curtis, um vidente dos tempos modernos, tomado por louco assim como os oráculos do passado, entretanto, sem a idolatria a eles agregada. Tudo é estabelecido de forma visualmente provocativa e de simples execução. Uma chuva oleosa, violência a toda volta, tensão com aqueles que Curtis mais ama, diversos elementos inseridos para benefício dramático e sem obviedade. A cada noite, “O Abrigo” prepara o público para um novo nível de paranóia e resposta extrema do personagem, cada vez mais mergulhado na toca do coelho povoada apenas por monstros. Não há guias espirituais ou paralelos fantásticos. Tudo acontece por conta da emoção pura e bruta.
“O Abrigo” já atraiu atenção dos festivais de Cannes, Sundance e Toronto. Michael Shannon fez um trabalho digno de memória num dos melhores filmes do ano. É um filme raro e transformador. Digo, sem pensar duas vezes, mudou meu modo de ver o mundo e do que almejar para meus filmes. Entrou para minha lista de filmes obrigatórios, mesmo tendo dificuldades de continuar vendo todo o sofrimento do personagem principal – tamanha é a identificação –, e já virou referência. Recomendado é pouco!
Falcão Negro em Perigo
3.8 413 Assista AgoraO primeiro contato com “Falcão Negro em Perigo” (Black Hawk Down) aconteceu sem querer. Estava na Disney lá da Florida e resolvemos ir ao cinema. Pirei no filme; a Dona Lu dormiu (!?). Desde então, tive uma boa relação com essa obra e tudo só melhorou quando ganhei esse filme como meu primeiro DVD de Natal – que tocou no então recém-adquirido DVD drive. Seguindo tradição pessoal, de sempre curtir o presente na noite em que o recebi, assisti ao drama de guerra de Ridley Scott madrugada a dentro. Quando o filme terminou, o Sol já iluminava a Zona Leste de São Paulo e eu pensei seriamente se aguentaria ver tudo de novo. Esse filme tem quase tudo que gosto num longa-metragem relevante: mensagem política, companheirismo (militar, no caso), visual marcante, boa edição e som de fazer inveja, de quebra, o elenco é impressionante e empolga.
Tenho uma teoria sobre filmes de Guerra: eles são o maior revelador de talentos e, muitas vezes, a prova de fogo para atores masculinos. Sem precisar mencionar clássicos como “O Mais Longo dos Dias” ou “Uma Ponte Longe Demais”, falemos de títulos mais recentes. “O Resgate do Soldado Ryan” revelou gente como Vin Diesel; “Circulo de Fogo” confirmou Jude Law; a série “Over There”, colocou Alexander Skarsgard no mapa; e metade do elenco de “Band of Brothers” está liderando séries e filmes. A razão é simples: como os elencos sempre são numerosos, invariavelmente, os melhores atores da geração ideal vão acabar sendo selecionados e, com tanta concorrência, os futuros astros vão se diferenciar. E o que “Falcão Negro em Perigo” tem a ver com tudo isso? Bem, embora não tenha o caráter de “revelador” – afinal, muitos na lista a seguir são veteranos –, basta mencionar nomes mais que relevantes e bem-sucedidos tanto no cinema quanto na TV atuando como soldados: Tom Hardy (Inception e Batman), Jason Isaacs (Zona Verde e Harry Potter), Orlando Bloom (Legolas), Ewan McGregor (Obi-Wan), Eric Bana (Hanna), Nikolaj Coster-Waldau (Jamie Lannister, de Game of Thrones), Jeremy Piven (Entourage), Ty Burrell (Modern Family), William Fichtner (trocentos filmes… Mar em Fúria é uma boa referência), Tom Sizemore (O Resgate do Soldado Ryan e Pearl Harbor) e, claro, o “mocinho do filme”, Josh Hartnett.
Então você junta um monte de gente boa e adivinha o resultado? Filme bom. Muita gente acha que Ridley Scott perdeu o Oscar de Melhor Diretor por “Gladiador” por causa da critica sócio-política de “Falcão Negro em Perigo”, mas ele não liga. Quando o entrevistei pela primeira vez, por “Robin Hood”, falei sobre isso e ele não se importou. Falou do bom desempenho do filme e do fato de ter orgulho sobre seu trabalho. Se isso basta para o Ridley, com todo o respeito, basta para mim. É fundamental haver diretores dispostos a fazer esse tipo de crítica, a mostrar as derrotas e reforçar as lições aprendidas a duras penas. Os americanos resolveram bancar os xerifes na Somália e levaram uma surra em 1993. Mas também era preciso exaltar os conceitos inerentes aos soldados, à sua conduta e heroísmo. Toda vez que penso num herói militar, a imagem de Sean Penn, em “Além da Linha Vermelha” vem à mente; ele faz algo difícil, mas necessário, e o oficial superior diz que ele merece uma medalha; o personagem fica irado e rejeita a honraria da maneira mais dramática que já vi. Não vou dar detalhes, assista. De qualquer forma, o exemplo vale para mostrar que as realizações em combate podem soar fantástica quando relatadas, mas não passam de atos necessários e, muitas vezes, as únicas opções disponíveis em face ao desespero. Ridley Scott mostrou muito disso e montou bem um diálogo obrigatório entre Eric Bana (um membro da Delta Force) e Josh Hartnett (um líder de pelotão dos Rangers). “Você acha que não devemos estar aqui?”, pergunta Hartnett. “O que eu penso não importa; pois quando a primeira bala passa raspando, política, missão e razões desaparecem e tudo que importa é o cara ao seu lado”, responde Bana. Fantástico! Ainda mais depois de morar por aqui há tanto tempo, essas implicações militares ganham novos tons, novas razões subliminares. Esse filme sempre me faz pensar no que leva uma pessoa a entrar no serviço militar (sem ser a grana da faculdade ou os $20 mil de pagamento, claro) e a permanecer em atividade por anos a fio. Você pode ter o poder de matar, mas cada passo pode ser o último seja pelo resultado de um plano inimigo ou da ação de um simples radical com uma arma e muita sorte. A vida se torna mais frágil ainda numa situação dessas. Talvez por isso me interesse tanto por guerra, para, quem sabe um dia, descobrir se conseguiremos realizar o sonho de Gene Rodenberry e viver sem esse desejo de violência inerente à lei do mais forte.
“Falcão Negro em Perigo” tem um visual muito agradável, começando pelo tratamento de imagem responsável por transformar Mogadisco, capital da Somália, num mundo quase alienígena, quente e hostil aos soldados norte-americanos. Assim como tudo que Ridley Scott faz, ali tudo acontece em grande escala, o poderio militar é valorizado para afastar qualquer sombra de dúvida sobre quem tem mais equipamento, organização e efetividade; entretanto, quando o combate começa, Scott faz uma transição linda para um estilo mais íntimo, dentro da linha de frente, valorizando cada soldado.
Por falar nisso, e referenciando Robert Heinlein, autor de “Tropas Estelares”, uma coisa fica clara nesse filme: um soldado norte-americano é uma arma letal, efetiva e algo a ser temido. Os Rangers e Deltas são considerados tropas de elite e o desempenho deles nessa missão que terminou em retirada e semi-tragédia foi assustador. Um pequeno contingente lutou contra a milícia de uma cidade inteira e, mesmo assim, sustentou poucas baixas e aplicou danos gigantescos a seus inimigos. A Infantaria Móvel de Heinlein tem muito disso, com seu treinamento intenso e definitivo, cada um de seus homens se transformava numa máquina de matar mesmo sem perceber.
Levando em conta os filmes de guerra mais recentes, “Falcão Negro em Perigo” é comparável a “O Resgate do Soldado Ryan”. Ambos deixam uma campanha macro de lado e focam em pequenas unidades, ambos tem uma missão questionável como objetivo e envolve grande sacrifício, ambos testam os limites do espírito norte-americano. Isso sem contar o fato de que Tom Sizemore está no elenco dos dois filmes! Uma diferença importante, porém, é a escala. “Ryan” precisa de mais espaço, é amplo e usa a paisagem com efetividade por conta da natureza de sua missão, enquanto “Falcão Negro” é mais claustrofóbico e apertado, com personagens enclausurados em veículos, vielas estreitas ou pequenas barricadas. Logo, tipos diferentes de dramas e personagens surgem.
Gosto do ritmo de “Falcão Negro em Perigo”, vejo valor em sua mensagem e, como disse, adoro o jeito como o filme funciona. As cenas com os helicópteros – sempre regadas a muito rock ‘n roll, com Elvis Presley, Faith No More e Jimmy Hendrix – são magníficas e envolventes. Mesmo podendo narrar o filme, cena a cena (é, isso me dá medo! Hehe. Na maioria das vezes, preciso ver um filme uma vez só e, se gostar, nunca mais esqueço), reassisti ao longa hoje e todas as impressões permanecem. É um grande filme para quem gosta do gênero e está entre os melhores do assunto, ficando ao lado de “O Resgate do Soldado Ryan”, “Circulo de Fogo”, “Além da Linha Vermelha” e “Cartas de Iwo Jima”. Se comparado aos filmes sobre os conflitos pós-Segunda Guerra, “Falcão Negro em Perigo” reina soberano, pois “Zona Verde”, de Paul Greengrass, perde tempo demais querendo ser político e não dá muito espaço aos dramas dos soldados.
Recomendo! E assista com o som bem alto, vale a pena!
WALL·E
4.3 2,8K Assista AgoraPrimeira vez que pude chamar um filme de "perfeito", sem medo de me arrepender depois. :D