Eu acho que a intenção do filme de ser impositivo e julgar alguns comportamentos humanos é proposital. Não é como ele critique fortemente a tecnologia, a beleza, a música que escutamos, etc. Acho que a intenção seria somente "acordar" os seres humanos por estarem almejando viver em apenas um lado extremo. Não que o outro lado seja totalmente certo ou totalmente errado.
Isso fica claro quando ela fala por exemplo sobre não ter música no mundo dela, de preferirem o silêncio, sobre só escutarem música erudita estilo o compositor Bach que enviaram a terra. Não é que eles sejam tão unilaterais a esse ponto, e sim que a calmaria prevalece sobre o comportamento agressivo do qual tanto criticam no filme (como a briga de trânsito, a falta de paciência, etc). Tanto que eles escutam rock e gostam.
O mesmo vale para a questão da beleza e do batom. Não querem dizer para não usar maquiagem, e sim para não viver com base nisso, e entender o quão ilusório algumas coisas são.
Pois não existe seres perfeitos. Tanto que, mesmo sendo seres evoluídos, não conseguiram erradicar o preconceito que possuem com os seres terráqueos. Até porque acho que o preconceito é algo inerente ao ser humano, e a única coisa que podemos fazer contra isso é a plena consciência do que somos e pensamos para controlá-los.
Concluindo: Acho que isso de fazer questionamentos sobre nós mesmos algo legal do filme, lembra bastante o filme indiano PK, que recomendo fortemente.
E por fim, realmente a cena do futebol foi bem engraçada. (Colocaram a bola em cima da maca, hahaha).
Achei engraçado o cara perguntar do nada: "Por que vocês acham que não existem padres loiros?"
hahaha.
Daí eu pensei que o Padre Marcelo é loiro... (Mas Ok, quem se importa...haha)
Sobre o filme, é realmente bem interessante. Adoro esse aspecto amador. A cena final tem uma câmera suspensa que balança demais, haha (mas ficou ótimo o plano com o sol refletindo na janela).
Em alguns momentos eu lembrei do filme Frank, acho que tem a mesma vibe desse filme. (Música, amigos, sucesso, a vida em si)
Destaque para como a música vai comovendo as pessoas em volta, achei isso bem legal. Desde o dono da loja de instrumentos, o cara que vai ajudar eles na gravação e por fim o pai.
Aquela cena do trem com o alce/veado/cervo ou seja lá como se chama é bem surreal, assim como o sexo na cabine.
Fora isso, é bem chato esse sentimento de procurar um culpado, pois muitas vezes a vida que é frágil mesmo, e acho que é essa a mensagem que o filme quis passar, que não existe um culpado. E ficar remoendo esse sentimento não é bom, seja no adultério ou na morte, como o filme retrata.
Não sei se foi só comigo, mas senti uma pontada de crítica a religião. Me pareceu que a mudança na filha culminou somente quando ela foi para o retiro religioso lá, quando esse sentimento passou a ser extremista. (Daí ela só foi aprender que nem tudo podemos controlar quando o filho morreu afogado). Também é bastante exagero ela brigar com Bea, pois era a que menos tinha culpa pela morte do pai. Daí fiquei pensando se não era porque o retiro religioso ensinou que ser lésbica era errado (embora também não tenha ficado claro que ela era). O que acham?
Enfim, o livro que a Julieta lia sobre tragédia grega já diz sobre o que é o filme, uma tragédia, e acho que seria bem legal se essa teoria que o Guilherme postou fosse verdade:
https://filmow.com/comentarios/6451816/
Claro, ia ser bem mais triste do que já é, imagina a culpa que a filha ia sentir por suas decisões e nunca mais poder ver a mãe? Mas como toda a tragédia grega, a catarse também pode nos fazer bem, como reflexão, haha.
Ivone Daré Rabello1 1Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da FFLCH da Universidade de São Paulo. Em suas sete primeiras semanas de exibição,em 2012,O som ao redor(2012), primeiro longa-metragem de ficção do roteirista e diretor Kleber Mendonça Filho, alcançou um público superior a 70 mil espectadores,
o que dá o que pensar em se tratando de cinema brasileiro. Em janeiro de 2014, também devido à boa recepção internacional e à indicação para o Oscar, foram lançados no mercado dois DVDs, com tudo a que tem direito um empreendimento com previsão de bons resultados: filme, versão comentada pelo diretor, making of, cenas não utilizadas, entrevistas concedidas pelo cineasta,gravação de debates e exibição de alguns de seus curtas,como Vinil verde, Recife frio, Eletrodoméstica.
O sucesso, ainda que relativo se comparado aos índices de bilheteria do cinema internacional, pode ser explicado por vários fatores, entre os quais os sagazes flashes da vida contemporânea numa grande cidade, em chave do que Kleber Mendonça chama de “realismo mundano”1, aos quais se combina uma narrativa de suspense em que expectativas angustiantes não se resolvem. A esses elementos associam-se a qualidade técnica das imagens e da montagem (do diretor e de João Maria) e a sonoplastia, que, ao funcionar como comentário autoral ao enredo, dá novos significados a ele. Já o público cinéfilo se compraz com referências a outras obras do cinema nacional e a thrillers conhecidos2, com autocitações e aproveitamento de curtas do diretor, como Eletrodoméstica (2005).
Mais decisivo para o sucesso de crítica, porém, é o fato de O som ao redor ter capturado traços que constituem expressiva parcela da experiência social do Brasil contemporâneo3. As personagens da classe média recifense – que,com suas particularidades,não difere substancialmente das de outras grandes cidades brasileiras – orbitam em torno de seus anseios de consumo e necessidade de segurança, bem como se entorpecem em desprazeres e tédio. Já os trabalhadores desempenham papéis em que irrompem as figuras do servilismo e do ressentimento social. Também se põe à mostra a permanência de traços da estrutura patriarcal brasileira, no núcleo presidido por Francisco (Waldemar José Solha), proprietário de mais da metade dos imóveis da rua Setúbal e velho senhor de engenho de fogo morto.
O esforço do filme em apreender a experiência social recente dá prova de sua qualidade e contribui para o interesse por ele. Mas ainda não se levou na devida conta, penso eu, o que O som ao redor anuncia como diagnóstico do futuro, na investigação artística sobre as razões pelas quais o Brasil urbano do século XXI convive com formas de mando (ainda que decadentes) do velho Brasil agrário, bem como as consequências dessa mescla num momento em que perspectivas de transformação pareciam rifadas – ao menos até junho de 2013.
1. A RUA É UM PAÍS
Quase toda a ação se concentra na rua Setúbal, no bairro do mesmo nome. Os dados do ambiente são incorporados à fatura da forma cinematográfica, nas locações reais que tingem com estatuto de realidade o que é ficção:prédios altos,uniformidade de classe de seus moradores e tranquilidade apenas relativa da região, já que, além do ruído dos aviões, com rota sobre o bairro, há sinais ostensivos do temor de assaltos, com a profusão de grades de segurança. Tudo, à primeira vista, compõe o cenário urbano do país atual. Mas apenas em aparência a vida na rua Setúbal desconectou-se das pesadas heranças do passado agrário. Os arranha-céus não soterraram os modos de exploração que os ergueram, nem a sociabilidade que dominara em outros tempos. A ficção dará conta de dar visibilidade à mescla entre o antigo (será arcaico?) e o contemporâneo.
A novidade do contemporâneo está à mostra: no ambiente urbano, o espaço público não tem presença viva. A rua é um lugar deserto, ou quase: só raras vezes alguém transita por ela, e, quando o faz, trata-se de equívoco ou de urgência, como na cena em que uma mulher desce do carro para vomitar. O asfalto se presta a comunicações sem interlocução direta, com mensagens de amor escritas para ser lidas pelas janelas ou varandas.
Nos espaços privados da classe média urbana, a presença de bens de consumo,reiteradamente expostos pela câmera,é índice da posição social ascendente. O aumento do patrimônio pessoal engaiola aqueles que, sem laços comunitários ou políticos, são governados por interesses regulados pela mercadoria e vivem sob a tensão permanente de algo ameaçador que estaria por vir. As grades que se multiplicam, do apartamento térreo ao de cobertura, protegem do medo e o atiçam.
Já os pobres surgem nas figuras de trabalhadores informais ou empregados e subempregados domésticos. Nas cenas de rua, flagram-se guardadores de carros, vendedores de CDs piratas, o entregador de água que ganha graninha extra passando droga para enfastiados moradores dos apartamentos ou motoristas que conhecem a boca de fumo itinerante. Não se pode mais falar que esses trabalhadores, muitos dos quais deixaram o campo movidos pela ilusão de ascensão social na cidade, não estejam integrados ao país ou a comportamentos e valores urbanos. Só que sua integração implica e reforça a manutenção da velha estrutura de iniquidades originada do país agrário, acrescentando-lhe novas pitadas. Sem os vínculos da dependência da família patriarcal, deixados de lado há muito, ficam ao deus-dará e exploram as potencialidades do mercado onde elas aparecem, lícita ou ilicitamente. O vendedor de CDs piratas que põe o volume no máximo para espalhar os sons da música em que o sexo rola solto não dá a mínima para o policial que se aproxima, pois sabe que o objetivo do milico não é confiscar as mercadorias, e sim comprá-las por um precinho mais em conta. Mesmo sem aqueles vínculos diretos de dependência, porém, esses trabalhadores informais temem os poderes que emanam de Francisco, o dono da rua, versão contemporânea do senhor da casa-grande, a quem devem preito incondicional, pois provavelmente depende dele a sua permanência naquele lugar. O Estado não coíbe a informalidade, mas o rei da rua pode expulsar quem quiser. Numa cena significativa, os guardadores de carro não denunciam Dinho, o neto de Francisco, embora saibam que ele assaltara o carro de Sofia (Irma Brown), namorada de João (Gustavo Jahn), também neto do patriarca.
Outros atores sociais emblematizam formas atuais da divisão social instalada com naturalidade nos ambientes privados. Em todos os apartamentos, há empregadas: negras, mulatas, quase brancas. São as “domésticas”, função que atualiza a das antigas “crias” da casa, gente lançada à subalternidade aviltante e à ausência de direitos. Num dos esquetes, espécie de contraponto perverso da cena em que a menina de classe média passeia com seus patins pelas dependências do prédio em que mora, a trabalhadora limpa o chão, deslizando os pés sobre um trapo: os velhos tempos, sem eletrodomésticos, ainda vigoram para os que vendem sua força de trabalho a preço de banana. Mas os novos tempos também trouxeram conquistas. Nos prédios de construção recente, já há minijanelas nos cubículos destinados às empregadas; algumas “domésticas” têm direitos trabalhistas, como Mariá, a empregada de João, que, registrada, está prestes a se aposentar; não faltam sequer as hierarquias na carreira, como se vê nos flashes na residência de Francisco, quando uma das empregadas,cuja ascendência fica assinalada pelo fato de morar no apartamento do patrão (o quartinho com banheiro em um canto escondido da cobertura), organiza as outras, gerenciando tarefas e atendendo à porta.
Nesse conjunto social, o servilismo dos trabalhadores mostra sua contraface em pequenos atos vingativos, sem objeto ou alcance precisos. São estratégias de revanches veladas, como resposta a ressentimentos acumulados. A empregada de Francisco quer dormir com o amante na cama branca de outros patrões; sua vingança pelas pequenas humilhações cotidianas não supõe nem implica (e como poderia?) projeto algum. A diarista de João responde com obediência silenciosa e cheia de rancor aos cuidados paternalistas do patrão, que não quer que ela passe roupas com os pés descalços. O guardador de carro humilhado não hesita em riscar o carro da mulher que o maltratou, desde que o faça às costas da madame. Não há enfrentamento de classe, até porque cada um dos trabalhadores está isolado, sem sombra de alguma organização que lhe permita juntar-se aos seus para criar estratégias de transformação. Sobram a desforra simbolicamente compensatória ou a revolta surda4.
Na relação entre empregadores e empregados, é exemplar a cena em que o síndico do condomínio traz à pauta da reunião o caso do zelador que, tendo ele próprio escolhido o turno da noite por lhe render ganho adicional, não faz mais que espiar, por prazer voyeurista, o que ocorre nos elevadores equipados com câmeras de segurança e dormir quanto pode. Dorme, e sem disfarçar, como revela o filme feito pelo garotinho, herdeiro promissor, armado com suas câmeras de celular e computador. Uma queixa leva à outra, e a moradora suscetível reclama de ter recebido sua Veja sem o plástico de proteção. Tudo que se passa antes da votação – palavras de descontentamento e irritação, caras e bocas – aponta para a aprovação da demissão por justa causa. Mas, com voz mansa, João, espécie de condômino esclarecido, advoga a causa do trabalhador e pretende praticar a ética do bom patrão, propondo a demissão com direito a indenização. Só comove um gringo, mas não a ponto de este não se informar sobre quanto lhe custaria a boa ação. O valor de trezentos reais para cada condômino (como se isso depauperasse os proprietários) elimina qualquer veleidade. Com provas documentais, a demissão por justa causa é a vitória da lei, para a qual se apela quando está em jogo dispêndio de dinheiro. Vínculos pessoais são coisa do passado.
No polo oposto do espectro social dos trabalhadores pouco qualificados, surgem os “donos da rua”, espécie de máfia à brasileira. Francisco, o senhor do engenho desativado, é, no presente da narrativa, o latifundiário urbano: proprietário de quase todo o terreno da rua Setúbal, agora é dono de mais da metade dos edifícios, muito altos, e também de uma imobiliária; na rua, restam poucas casas, uma das quais ocupadas por seu filho Anco (Lula Terra). A família não faz mais do que administrar os bens do patriarca, por meio dos empregos (melhor seria dizer sinecuras) na empresa do avô, e dar sobrevida à mentalidade patriarcal, tingindo-a, como revelam as ações de João, com algumas modalidades esclarecidas da sociabilidade, devidas à hora histórica que a põe em risco. Só até certo ponto, claro.
Originário da exploração colonial e do escravismo (especialmente nas regiões de exploração de cana-de-açúcar, como Pernambuco), e edificado nas relações de parentela, familismo, cordialidade, o mando patriarcal,que não se esgotou com o fim da escravidão,está sob ameaça: precisa mudar para tentar permanecer, em circunscrição apequenada. A exploração da grande propriedade não tem mais vez, ao menos nos mesmos termos; os domínios do “coronel” Francisco são agora o reino da exploração imobiliária, na locação e administração dos apartamentos. Já não há, na cidade, nem a casa-grande nem o sobrado que congregue agregados à sua volta e confirme a superioridade do patriarca, o que não impede, porém, que a dominação e a prepotência persistam com permanências e alterações.
As derivações do patriarcalismo se corporificam nos netos de Francisco. João é a personagem em que o argumento se detém. Após viver sete anos na Alemanha – com alguma ingênua intenção de autonomia, pois, embora decerto recebesse mesada, atuava como garçom em bares noturnos –, retorna ao lar e, mesmo detestando o que faz, trabalha. Mas não se cansa: como neto herdeiro e corretor dos imóveis da família, na imobiliária do avô, pode dispor de seu tempo com bastante folga; as visitas agendadas não o impedem de perambular, conversar, namorar durante o dia. Em seu apartamento, as relações entre ele e Mariá, a velha empregada da casa, estão e não estão subordinadas ao trato moderno: ela não é a “cria” da casa, pois está submetida ao regime das leis trabalhistas; no trato entre eles, porém, a regra é a cordialidade do patrão, na mescla de impessoalidade e pessoalidade regida a rompantes instáveis de simpatia ou antipatia, sempre comandados pela volubilidade astuta. Assim, por exemplo, quando as netas de Mariá ficam em sua casa e perambulam à vontade, João as abraça, conversa com elas, dá-lhes livre trânsito. Mas, quando o proprietário chega em casa e vê o filho da empregada cochilando em seu sofá, não fica nada satisfeito, e é Mariá quem, percebendo o agastamento do proprietário, age por ele, exigindo que o filho acorde. Embora não censure o garoto, João amavelmente lhe dá trancos formidáveis, dizendo que era assim que seu “velho” o acordava; desse modo, dá um jeitinho de agredir esse agregado indesejado, ao mesmo tempo em que se equipara a ele. Levando-o à área de serviço, comenta as similaridades de suas experiências de trabalho; nas dependências pouco nobres do apartamento, João o trata como um igual, pois, segundo o herdeiro rico, ambos conhecem a dureza do expediente noturno e aprenderam que o trabalho dignifica. O cinismo sincero não contradiz o bom-mocismo, assim como as atitudes esclarecidas não entram em curto-circuito com aquelas cordialmente paternalistas. Tudo pode ser conciliado. Órfão de pai e mãe, João constrói sua vida certo de sua origem – “sou um homem rico”, diz à namorada –, mas tem esperteza e capacidade para modificar e atualizar as condutas patriarcais do avô. Por que faria algo diferente disso?
Já Dinho, apresentado como personagem plano, é o “marginalzinho” que causa desgostos à família, que, não obstante, o protege de qualquer punição impessoal. Versão degradada do poder patriarcal, seu destino histórico beira a perpetuação da criminalidade impune. Cioso da posição de herdeiro, não se cansa de mostrar sua desfaçatez de classe: ele pode tudo, os pequenos furtos servem-lhe como diversão. Desde que, claro, conte com a proteção do avô. Ele parece estar seguro da sobrevida poderosa do que pode estar agonizante.
No conjunto de O som ao redor, gravitam trabalhadores informais, empregados domésticos, classe média e herdeiros da classe dominante. A escolha do cineasta exclui os setores proletários e os verdadeiros donos da riqueza5, o que não necessariamente limita a realização artística6. Na análise da obra, interessa saber qual a função exercida pela estruturação artística dessa realidade historicamente restrita e qual a interpretação dada ao material.
Na rua Setúbal ninguém fala com ninguém, sabe-se o suficiente sobre a vida dos outros, e tudo se integra na rotina do trabalho e da acumulação e defesa dos bens7. Em cenas fragmentárias que indicam não haver coesão de agentes sociais, o que se impõe é o isolamento do conjunto dos moradores, todos eles enjaulados em seus apartamentos, e a vida ao deus-dará dos trabalhadores. Não há, também, nenhuma perspectiva de transformação, pois os núcleos narrativos repõem o mesmo, em idas e vindas que não atingem a consecução das pequenas finalidades desejadas (o namoro entre João e Sofia mal começa e já termina, o latido do cão que perturba Bia não se resolve, a rotina dos dias repõe e alimenta os mesmos medos). Fragmentação, isolamento e repetição, que mapeiam a sociedade urbana contemporânea aos olhos do roteirista diretor, indicam que os conflitos, anódinos, não se desenvolvem senão nas esferas privadas da ordem social. Esse o momento novo que o filme captura e interpreta, assinalando a inexistência da dimensão política transformadora.
Nesse sentido, os conhecimentos revelados pela chamada “tradição da formação”, especialmente os estudos de Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Celso Furtado e Gilberto Freire, e que hoje fazem parte do repertório esclarecido que Kleber Mendonça reconhece como seu, estão longe de dar conta das questões que descrevem o presente, embora também prossigam existindo as formas da sociabilidade por ela descritas e categorizadas. No andamento contemporâneo – para o qual derrotas históricas e equívocos interpretativos contam bastante – o país periférico perdeu a corrida para alcançar as nações centrais, para usar os termos com que se pensava certo modelo de desenvolvimento e de integração do país.
Aliás, desde muito antes dos anos em que a via do desenvolvimento da indústria e da integração dos setores inorgânicos da população pautava as perspectivas de transformação do lugar do Brasil no concerto das nações, a economia e a vida material e simbólica dos países periféricos estavam articuladas ao desenvolvimento do capitalismo mundializado. No entanto, nos anos do nacional-desenvolvimentismo, havia (ou se avaliava que houvesse) um horizonte aberto,e se acreditava que as lutas políticas tornariam possível a superação do atraso. Desde os anos 1980, e sem mais dúvidas de que o país está plenamente inserido na nova ordem do desenvolvimento capitalista, o horizonte de expectativas desaparece, ou quase. Avanço da modernização e degradação das condições de vida (não só na periferia) se reafirmam como unidade contraditória indiscutível na ordem capitalista mundial, e, nas novas condições tecnológicas, se tornaram inalcançáveis para o país os recursos necessários para completar a industrialização e a integração social8. Em tempo de brasilianização do mundo9, o Brasil devolve ao centro a imagem de seu próprio futuro10.
Apreendendo esse momento decisivo e estilizando-o, trata-se, para o artista, de interpretá-lo com as armas e os pontos de vista de que dispõe. Para Kleber Mendonça Filho, em nosso presente híbrido, aparentemente eterno, em que velhas formas de mando agonizam mas não morrem, e em que o verdadeiro poder permanece fora da cena (onde os detentores da riqueza financeira?; onde o Estado?),parece ter desaparecido tudo que move à superação.
2. UM PAÍS BLOQUEADO
A rua de classe média do Recife figura uma interpretação do Brasil contemporâneo. Não resta nenhuma ilusão mítica ou pitoresca11: mal se vê o “belo mar selvagem”, enfrentado com coragem e orgulho apenas por Francisco, o representante do velho e ainda atuante poder. Na trama das relações sociais,as estruturas de iniquidades decorrentes do passado histórico, bem como suas consequências destrutivas, associam-se, sem perturbações, aos novos dinamismos sociais impostos pelo processo em curso do capitalismo atual. Mas a desconexão aparente entre as tramas soltas das diferentes personagens, que constitui boa parte da composição, intriga e faz pensar.
A começar pelas duas sequências iniciais do filme. Elas se compõem de um jogo técnico de oposições: branco e preto/cor; fotos/ação em curso; passado documental sem localização precisa/ficcionalização da vida contemporânea com o uso de locações reais.
A primeira sequência apresenta, uma a uma, um conjunto de dez fotografias em preto e branco que retratam eventos históricos e fatos culturais. Algumas delas, senão todas, parecem ter como referente a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), criada por Celso Furtado em 1959,a pedido de Juscelino Kubitscheck.O economista, como se sabe, foi um dos intérpretes da “tradição da formação”, que considerava indispensável integrar os setores atrasados do país ao modelo avançado, no esforço por superar o que se considerava tanto o dualismo interno do país quanto sua condição periférica no concerto das nações. O latifúndio e seus coronéis, a quem interessava a mão de obra superexplorada, teriam de ser enfrentados por meio de novas formas de desenvolvimento, implementado por incentivos fiscais, e a indústria deveria ser implantada também na região agrária, “atrasada”. Os setores que se juntaram para a criação da Sudene, como as Ligas Camponesas e segmentos progressistas da Igreja Católica, articulavam-se para contribuir na luta por direitos dos trabalhadores rurais e distribuição de terras.No horizonte entrevisto e desejado pela esquerda, os combates por reformas e a combinação de desenvolvimento agrário e industrial poderiam fazer avançar o ritmo para permitir o salto revolucionário.
É esse conjunto de referências que a primeira sequência de O som ao redor documenta. Em poucas palavras: o retrato do momento em que o projeto do nacional-desenvolvimentismo, tal como ocorria no campo, surgia como possibilidade histórica de transformação. Mas, congelado nas imagens sem movimento próprio, na abertura do filme, esse momento surge como testemunho do futuro em país bloqueado. Como se sabe, o golpe militar de 1964 derrotou as esperanças; massacrou lutas e corpos.O progresso do capital e os investimentos maciços das multinacionais, com as vantagens oferecidas pela ditadura, reiteraram e agravaram a desagregação social, num país que efetivou nova etapa de sua modernização sob o comando dos interesses do capital internacional.
O som cinematográfico que acompanha a sequência das fotos, a partir do ângulo do presente, interpreta a ação interrompida ali pressuposta. Sem fonte identificável nas imagens, o som de bumbos em crescendo, numa espécie de marcha guerreira, insinua algo que pode ou poderia vir a ameaçar a todos12. Naquele momento de derrotas, iniciar-se-ia uma marcha de cadáveres ou de uma turba de vingadores. Mas sua vinda à cena histórica não ocorreu nem tem data marcada.Na ambiguidade proposta pela sonoplastia, trata-se de presságio, desejo de futuro ou percepção do que está em andamento no presente?
No entanto, a abertura sugestiva é cortada abruptamente pela nova sequência: o espectador acompanha,pelos olhos da câmera, a cena urbana do presente, em cores; ouvem-se risos e falas entrecortadas de crianças brincando. Uma menina desliza em seus patins, entre vãos da garagem de um edifício cercado por grades de segurança13, e chega ao playground, onde há muitas crianças e babás. O espaço que se anunciava como convite à amplitude se fecha num retângulo pequeno, circundado por muros e mais grades; alguns meninos, curiosos, olham para o que está do lado de fora. O ruído irritante que aos poucos se sobrepunha ao som da meninada encontra seu referente:um trabalhador fixa uma grade novinha na janela de um apartamento do térreo.
O corte das sequências é a forma artística da brusca sugestão de uma continuidade histórica. É como se dissesse que a contemporaneidade, tal como a vemos, nasce da derrota do que se imaginou, ao final da década de 1950, como possibilidade de transformação. No enredo, porém, a derrota das promessas de superação do Brasil inorgânico, tal como ela se impôs a partir do golpe de 1964, parece constituir um fio solto, sem se articular à política contemporânea e à vida nas grandes cidades.
Até que se retome o fio e se explicite a causalidade entre dois momentos históricos, a composição se organiza apresentando cenas breves que, acumulando pequenas narrativas sobre moradores da rua Setúbal,captam aquilo que se tornou a vida governada pela mercadoria e suas consequências na vida psíquica das classes médias. É o caso das sequências com Bia, que, com enfado, e cercada por eletrodomésticos, cuida da casa, administra e controla a vida dos filhos, já grandinhos. Com o marido, pretende assegurar o futuro deles, investindo em seu capital imaterial (com aulas de inglês e mandarim, suprassumo do acesso ao futuro em tempo de BRIC). Seus olhares, porém, em closes reiterados, traem a insatisfação que preside às relações mediadas pela mercadoria. A cena da agressão repentina de sua vizinha contra ela, motivada pelo tamanho maior do novo aparelho de TV, dá a medida da disputa pelos pequenos poderes14. Bia oscila entre orgulho e tédio, medo e ansiedade. Para aliviar-se dos desprazeres, não resiste nem às trepidações da máquina de lavar nem à “brisa” trazida pela maconha que, no entanto, expira no bocal do aspirador, de maneira a que nada recenda prazeres ilícitos15.
As tramas sem articulação entre elas, montadas em sessões descontínuas, se concentram na vida privada das personagens, sem comunicação entre si. Mas a chegada de uma equipe de segurança privada que quer vender seus serviços reunirá vizinhos, promoverá discussões e irá atar o fio descontínuo do enredo.
Organizando o desenvolvimento da trama, as rubricas anunciam o conjunto dividido em três capítulos: “Cães de guarda”, “Guardas noturnos” e “Guarda-costas”. Os títulos, com as diferenças de agentes (cães, homens e capangas), assinalam não apenas um mesmo fenômeno, mas sobretudo sua intensificação: a necessidade de defender a propriedade privada é diretamente proporcional à ameaça (fantasmática ou não) que paira sobre as coisas e os corpos.O crescendo da narrativa,insinuado na sequência das rubricas, sugere que o cão de uma casa não serve para nada quando se trata do medo coletivo dos habitantes dos edifícios, que, já acostumados com furtos constantes de aparelhos de CD nos carros parados nas ruas, precisam proteger-se com grades e cadeados. A ilusão da segurança, para a classe média, compõe-se do consumo da parafernália moderna que torna obsoleto o animal de guarda e seus incômodos latidos. Como, porém, os acessórios não bastam, as empresas privadas de segurança têm sua chance de empreendedorismo, ao vender a imagem de que guardarão as costas e os bens materiais dos moradores sem rosto. Essa forma da proteção, moderna e em certa medida impessoal, traz consigo reminiscências da capangagem. Por isso mesmo, não surpreende que Francisco, como bom latifundiário, ao perceber sinais de que há inimigos pessoais à solta, proponha aos guardas noturnos que se tornem seus guarda-costas, prática que remonta aos abusos das elites patriarcais e se mantém como norma.
De todo modo, a defesa do território e a violência, que estão na origem da existência de cães de guarda e de guarda-costas, se naturalizam na venda da segurança, a qual, porém, não engana ninguém. Como percebem Bia e Anco, a coerção cordial a que os moradores ficam sujeitados quando recebem o convite para usufruir dos novos serviços da rua, traz novos perigos: quem não pagar pode se tornar vítima. Feitas as contas, a mercadoria segurança é um bem indispensável porque protege especialmente de novos fantasmas do medo. Furto, roubo,latrocínio, invasão da propriedade, morte, vingança, turba revoltada são os temores,manifestos ou latentes.
A empresa que apresenta seus serviços de modo afável é comandada por aquele que se apresenta como Clodoaldo Pereira dos Santos (Irandhir Santos), mas para que ela vingue é necessária a “bênção” do dono da rua, sr. Francisco Oliveira16. A condição para que consinta nas atividades dos seguranças é que eles não mexam com seu neto, Dinho – membro do território familiar sobre o qual ele imagina ainda exercer domínio inquestionável.
A infraestrutura do trabalho da empresa que vende a mercadoria segurança alia a precária tendinha de praia aos modernos celulares. Os aparelhos permitem o controle de toda a rua e a intercomunicação entre os pares; também servem como uma espécie de “educação policial”: exibindo aos membros de sua equipe um filme com as tomadas da morte de um segurança da rua, guardado na memória do celular, Clodoaldo ensina-lhes como é preciso estar alerta. Assim, para a segurança da empresa, os aparelhos são instrumentos que agilizam a comunicação e são também uma arma. Os fatos, pressupõe-se, precisam estar documentados, para que possa haver cobrança de justiça. De algum modo, torto, reverberam, em continuidade alusiva, as fotos da primeira sequência do filme. Quanto às outras armas, Clodoaldo, esperto, não diz nem que as tem nem que não as tem.
Mesmo que o próprio Francisco assegure que com a chegada da equipe “a rua tem segurança”, a função do grupo, ao menos de início, limita-se a espiar a vida privada, observar os bêbados, ajudar os que se perderam. Afinal, o bairro é tranquilo. Mas, contraditoriamente, também intimida sem rodeios. A primeira ameaça, sem que haja motivação realista aparente, volta-se para o marginalzinho da elite. Sem mais nem menos, Clodoaldo, resguardado pelo que supõe ser o anonimato de um telefonema em orelhão de rua, disca para a casa de Dinho e, com toda a calma, afirma que terminarão as ações ilegais do jovem. A falta de coerência entre a ação de ameaçar um morador e a de garantir segurança ao conjunto deles insinua outro patamar de tensões, já que Clodoaldo desobedece às ordens de Francisco e seu ato parece desmando implausível daquele que se submetera às imposições do dono da rua. O filhote de mandante, porém, não hesita: vê registrado em seu celular o número discado,percebe que se trata do número do telefone público de sua rua e sai de casa à noite para ameaçar os seguranças. De quebra, aproveita para humilhá-los marcando o abismo social entre eles, com a fineza dos que ostentam suas origens e menosprezam todos os que não compartilham de seu pedigree, lançando-os à vala comum dos mais pobres: “Essa rua é de minha família. Gente grande, de dinheiro. Essa rua não é favela”.
A fonte da riqueza da família de Dinho nasceu da exploração do braço escravo. Não se trata de acaso o fato de ser a casa de engenho, na região de Bonito17, o lugar com que Francisco se identifica e onde deseja reunir os seus. O engenho, porém, são carcaças onde vigora o mato, e as máquinas estão paradas, enferrujadas. Fogo morto. Quase tudo por ali se limita ao que foi,até mesmo o cinema desativado,em ruínas, em cuja fachada resta um lambe-lambe com propaganda política do PSDB, a que, assim, o filme alude como carcaça do passado. Viva mesmo, apenas a escola rural, onde a meninada, na varanda, tem aulas com métodos ultrapassados que, não obstante, lhe causam prazer e risos.
A cena mais alegórica do filme (e nem de longe a melhor) ocorre na região de Bonito: na cachoeira em que Francisco, João e sua namorada Sofia recebem no corpo a violência da queda d’água, subitamente a água se transforma em sangue – para os espectadores, apenas. Com algum ranço pedagógico, ensina-se ao espectador que desconhece as origens da riqueza do patriarcado brasileiro a fonte assassina das fortunas,de maneira a produzir estranhamento com a quebra do registro realista em locação real. No sangue dos corpos mortos dos trabalhadores escravos, que simbolicamente continua jorrando, os proprietários se deliciam. Eles não veem isso, claro; apenas gozam da força da natureza que lhes provoca urros enérgicos de valentia.
Ao lado da casa-grande de Francisco, casarão sem luxo, a senzala assusta e intriga os namorados que a visitam. Ouvem ruídos cujo referente fica em aberto: moradores fantasmagóricos?; aparições sobrenaturais de escravos?; sons de passos do velho patriarca que se angustia pelo mando perdido e se recusa a abandonar seus emblemas mais caros?
Também no cinema abandonado da vila, onde só restam paredes caídas e mato, João e Sofia escutam sons assustadores, sem referência realista: gritos de gente torturada, lamentos lancinantes, mortos redivivos?; trata-se de um jogo autoral com referência a thrillers que homenageiam os cineastas favoritos do diretor?; ou ressurge, para o casal esclarecido, o clamor dos trabalhadores, mortos e vivos, contra os maus-tratos? O temor recalcado e a irresponsabilidade histórica diante das atrocidades do passado são tamanhos que Sofia os exorciza com o jogo do susto: “Buh”, faz ela para João, e assim os risos pretendem aplacar apreensões e consciência culposa. Por artes da montagem, o espectador, que contempla a cena com uma atitude que oscila do distanciamento à identificação, se vê metido no mesmo esconde-esconde. Atormentada pelo horror ancestral de que os excluídos do banquete da existência retornem para reclamar seus direitos, a classe dominante se vale do conjuro divertido e da brincadeira de lançar os inimigos para o imaginário de filmes de monstros. Mas os mortos-vivos, escravos e trabalhadores livres, regressam fantasmaticamente para seus antagonistas de classe como o sinal do perigo que é preciso esconjurar. A turba desses monstros, os inimigos de classe, certamente cresceu ao longo dos tempos de exploração desumana. Tudo que o mato comeu – produção e formas antigas da riqueza – não eliminou o passado de violência brutal.
De fato, a violência brutal está à solta, sob a forma de cenas realistas e surrealistas, no engenho e na rua Setúbal. Uma das mais impressionantes tomadas em chave de “realismo mundano” é a do ataque contra um menino negro, franzino, que, escondido no alto de uma árvore, é apanhado pela equipe de Clodoaldo e recebe socos violentos no rosto18. Um dos seguranças pressente que o garoto não é um ladrãozinho; mesmo assim, acha que precisa lhe ensinar seu lugar de modo que nunca mais ouse voltar àquela rua elegante. Entre os iguais, o que vale é a diferença presumida.
Já as cenas de tonalidades surrealistas referem-se às inquietações das classes temerosas de ter bens e corpos ameaçados19. A primeira das fantasias temerárias, com mais forte teor de verdade histórica, surge nas imagens oníricas em que homens descamisados, negros, invadem a casa vazia onde a empregada de Francisco mantém relações sexuais com Clodoaldo. Ela, porém, nada percebe, até porque fantasmagorias como essas estão na contramão das revanches imaginariamente compensatórias tramadas pelos humilhados sem consciência de classe. As pequenas desforras da moça contra o patronato não lhe causam pesadelos de angústia nem laços de irmandade com os despossuídos. Apenas o espectador contempla o que paira como sinais de alerta. É com ele que a cena se cumplicia.
De outro quilate é o delírio da filha de Bia. Numa noite, ela se levanta e vai até o quarto dos pais. Eles não estão lá, tampouco o colchão onde dormiam. Vai até o quarto do irmão: estrado vazio, sem colchão e sem irmão. Coisas e corpos desapareceram, sem rastros de sangue. A menina caminha, sai do apartamento, dirige-se ao hall do edifício, e, através de seus olhos, o espectador vê multiplicar-se uma turba de homens negros pobres que toma a rua e invade a entrada do edifício. Corte abrupto: a garota, tão astuta e cujo futuro promissor está imaginariamente assegurado, sonha acordada. Nela se canaliza o medo de classe, nas versões infantil (perde os pais) e adulta (os moradores estão na iminência de ter seus apartamentos invadidos pela corja)20.
As fantasmagorias – contempladas por personagens ou apenas por espectadores – trazem à cena da vida ficcional o que na vida real se entrevê com terror: na ótica dos de cima, o retorno do recalcado da escravidão se funde, em bandos que surgem no meio da noite, ao exército espectral dos descamisados de hoje. A visão alucinada dos vultos dá corpo aos pavores das classes média e alta de que a luta de classes tome de assalto,em confronto direto,a propriedade e os corpos individuais. O salto moderno não desmanchou o passado, transposto em formas da iniquidade contemporânea que, sem horizonte de organização dos de baixo, movem apenas à desforra.
A revanche – como algo suspenso no ar – acaba por trazer o fio de continuidade rompido na sequência de fotos da primeira tomada do filme. Após a comemoração do aniversário de uma neta de Francisco – que completa 13 anos21 ao som da “Canção de cordialidade: feliz aniversário”, de Villa-Lobos e Manuel Bandeira –, o patriarca chama Clodoaldo para uma conversa. Dessa vez, é na sala que o recebe e a seu irmão que, esclarece Clodoaldo, acabou de chegar do Paraná (como ninguém perguntou nada, a explicação provoca suspeita, ao menos no espectador). Para Francisco, interessa negociar novo contrato de prestação de serviços, o que exige trato cordial em tonalidade diversa, como que de igual para igual.
Os irmãos recebem a proposta de serem guarda-costas do velho senhor de engenho. As razões para isso são expostas minuciosamente. Francisco conta que Reginaldo, ex-administrador de suas terras e amigo pessoal, fora assassinado no dia anterior. O homem o servira por muito tempo e havia mais de dez anos se tornara pacífico, devotado à religião “crente”. O velho pressente que a morte de Reginaldo é um sinal que exige ações preventivas imediatas. Durante o diálogo, o close no rosto do irmão de Clodoaldo não deixa dúvidas: num misto de determinação e impiedade, seu olhar indicia haver um plano na iminência de se cumprir. Enquanto isso, Clodoaldo pergunta ao velho por que ele teme que o matador à solta o ataque. Ainda dono de si, Francisco retruca com autoritarismo: não dará explicações a eles; quer apenas contratar um serviço. Finalmente, a tensão se explica e o enigma se desfaz: o irmão de Clodoaldo diz que ambos estiveram com Reginaldo. O olhar do patriarca elimina a necessidade das palavras: já compreendeu a explicação que (nos) é dada por um dos dois sobreviventes do massacre local. Em 27 de abril de 1984, pai e tio dos irmãos foram assassinados por causa de uma cerca. Sem que os irmãos precisem identificar o mandante e o autor do crime,o próprio Francisco se denuncia, dizendo o nome daqueles camponeses assassinados: dele emanara a ordem cumprida pelo fiel capanga Reginaldo. Francisco levanta e também Clodoaldo, agora apresentando seu verdadeiro nome – Clodoaldo José do Nascimento. O corte da cena impede que o espectador saiba como se dá o desenlace da tensão, paralisada.
A se confiar na composição artística do material,a luta coletiva pela posse da terra, derrotada ao tempo das Ligas Camponesas, limitou-se, desde o golpe de 1964, à tentativa individual da defesa da pequena propriedade, pouco apta, porém, a vencer os interesses dos grandes proprietários22. Para os irmãos Nascimento, que eludiram sua identidade, que, com a cumplicidade de alguns amigos, montaram a empresa de segurança como estratégia para ter acesso ao assassino do pai e do tio, que contaram com o planejamento racional de ações para subjugar a emoção, a batalha se organizou na direção da vingança pessoal. Na interpretação do país que o argumento faz supor, parece claro que a derrota dos movimentos sociais organizados e a ausência de organismos antissistêmicos potentes engendram a limitação do combate à luta pessoal23.
Curiosamente, a única data apresentada no argumento é o dia dos assassinatos do pai e do tio de Clodoaldo. Ela ocorreu dois dias após a derrota no Congresso Nacional da emenda Dante de Oliveira (25 de abril de 1984), que, como se sabe, propunha, com amplo apoio da população nas “Diretas já!”, o restabelecimento das eleições diretas para presidente, pondo fim à sucessão de governos militares iniciada em 1964. O trabalho artístico com o material histórico sugere que, com eleições diretas, poderia ter havido um outro futuro. Ilusão burguesa ou confiança ingênua da voz das ruas sem clara definição de classe? De todo modo, os rumos da história contemporânea revelam que a oportunidade perdida, e anos depois concretizada, não trouxe o futuro ansiado.
Segundo o que a forma artística revela, a derrota da luta política (não só) dos camponeses e o fim das perspectivas de futuro, tal como entrevistas pela “tradição da formação” e pela militância política dos anos 1950/60, determinaram o advento do Brasil contemporâneo, cujos sistemas de poder, mantendo e aprofundando desigualdades, sem justiçar crimes das classes dominantes e do capital, fomentam vinganças pessoais, temores das classes média e alta, e não anunciam horizontes de transformação ou novas formas de organização política.
Decerto se pode questionar a interpretação que essa forma artística deu aos materiais históricos, até porque ela implica, do ponto de vista político, a subtração dos polos decisivos – as camadas dirigentes contemporâneas e a classe produtora das riquezas alheias. Mas ela intui o que está dado hegemonicamente nos polos intermediários nas grandes cidades:temor dos proprietários e desejo de vingança pessoal dos trabalhadores pobres. Os que torceram o nariz para a resolução dramática do enredo, que empolgava pelos flashes descontínuos, talvez não tenham dado a devida atenção ao fato de que, desde a primeira sequência, o filme se propunha a compreender a relação entre a derrota da promessa de transformação e o cenário atual. Só na cena do confronto essa relação se explicita, mesmo que isso custe ao conjunto a quase resolução do que se considerou o trunfo artístico de O som ao redor: a ameaça iminente, indefinida, descontínua. Mas, mesmo passível de questionamento político, o que se pode ler aqui é o diagnóstico de sintomas expressivos de nosso presente, sem que se exijam dele outros, talvez mais significativos politicamente, que já atuavam antes de 2012, como movimentos sociais organizados de luta pela terra e pelo teto, em todo o Brasil. Nem por isso o material estilizado perde sua força, ao elaborar uma visão profunda de princípios constitutivos da sociedade contemporânea: temores e fantasmagorias dos que estão assentados em suas posses, numa sociedade iníqua, versus revides dos humilhados e ações de vingança planejada pelos espoliados das terras que lhes garantiam sobrevivência e identidade.
O suspense que a trama armava, porém, fica apenas quase resolvido. À sequência que decifra as verdadeiras razões pelas quais se criou o ardil da empresa de segurança, segue-se, num corte abrupto, aquela em que Bia pretende resolver seu problema com os latidos do cachorro. Com planejamento prévio para evitar que se repitam as derrotas anteriores,ela comprara um saco de bombas de artifício.Na cena final do filme, toda a família, reunida no quintal do apartamento, compartilha a tarefa de acendê-las, no único momento de alegria coletiva do grupo. A alegria de provocar a dor insuportável no animal.
A montagem permite a associação entre cachorros e homens,entre mandantes de assassinatos e os que se desforram de cães. O grotesco da aproximação não deixa dúvidas. Nada de fato se altera, quando tudo se limita às vinganças pessoais, mais ou menos violentas.
O filme termina com as imagens da família de Bia. Resta apenas o som ao redor. Ouvem-se quatro tiros. Não se sabe de qual arma eles vêm, se da de Francisco, de Clodoaldo ou do irmão. Depois, a explosão das bombas. Como o som não é diegético, o final da história fica em aberto. Não sabemos o que ocorre nem com o patriarca nem com o cachorro nem com os irmãos. Além disso, os sons sucessivos de tiros e bombas nivelam a luta contra o inimigo. A não explicitação sobre os mortos, se é que houve mortos, é decisiva, pois, em qualquer dos casos, nada se resolve estruturalmente: outros cães continuarão a ladrar, outros “coronéis” continuarão a precisar de capangas, outros vingadores retornarão, e a cidade continuará a gerar ruídos confusos e a amortecer os confrontos. Nada se supera ou se aperfeiçoa, a não ser os estratagemas da vingança pessoal, sem poder de mobilização.
Antonio Candido, ao analisar o tema da vingança pessoal no Romantismo, considerou-o uma “espécie de quintessência do individualismo”, que “foi, e de certo modo continua querendo ser, o eixo da conduta burguesa”24. Aqui, porém, o tema indica que o velho e insuperado arranco ancestral do revide serve à configuração da potência do indivíduo na contemporaneidade. Sinalizando a amplitude do mal-estar social, a revanche pessoal não engendra estratégias coletivas de luta nem ambiente organizativo. Limita-se às compensações simbólicas, ao pacto de sangue, à justiça selvagem.
Na trilha sonora do final, porém, ao desfilarem os créditos, sons de tambores retornam, dessa vez no ambiente da cidade atravessada por ruídos de aviões, buzinas de carros, roncos de motos, britadeiras, risos de crianças, numa verdadeira enumeração caótica da sonoplastia urbana. A cidade se constitui desse conjunto, na balbúrdia que oculta a marcha guerreira dos aprisionados25. O cineasta terá esperanças de que seu diagnóstico da vida urbana poderá produzir o retorno da luta?
A forma artística, que, insisto, figura a contemporaneidade como resultado da derrota de uma possibilidade histórica de transformação e testemunha a plena inserção do Brasil na órbita da ordem mundial, realimentando a reprodução do capital, das injustiças e dos temores de classe, anseia por mudanças. Sem ruptura radical entre o passado e o presente, iniquidades continuam, bem como a promiscuidade entre o tradicional e o moderno, que o prolonga. Não há desagregação, mas agregação sob a lógica mercantil e, do lado dos oprimidos, aumento da rivalidade ressentida. Os conflitos e a iminência deles, nas fantasmagorias das classes média e alta, vinculam-se ao revanchismo vingativo. A visão contemporânea do país, aos olhos de Kleber Mendonça, é a visão pós-luta de classes (onde, no filme, estão as classes organizadas?), pós-nacional, e nela não há potência organizadora. Na era pós-ditadura, especialmente nas eras Fernando Henrique Cardoso e Lula, alegorizadas respectivamente na propaganda no cinema abandonado e na comemoração dos 13 anos da neta de Francisco (com mais uma pitada irônica, nos grupos de violeiros cujas músicas desagradam os jovens ali reunidos), a perspectiva do futuro se desmanchou. Os dias se anunciam como a reposição do de sempre. Só os míticos sons dos tambores parecem anunciar que algo – da ordem da fantasmagoria – pode instalar-se entre os ruídos da vida contemporânea. A solução, ex machina, premonitória ou desejante, anseia por algo, mesmo que regressivo. Mas de onde virão esses sons? Em 2012, Kleber Mendonça Filho os ouvia imaginariamente. Os acontecimentos e as palavras de ordem de junho de 2013, já distantes do jargão tradicional das esquerdas, terão lhe trazido outra perspectiva? Os ataques diretos à propriedade,pelos black blocks,trouxeram à cena da vida real a politização da violência?
[*]Os acertos deste texto devem muito às discussões em seminário organizado por Paulo Eduardo Arantes e em encontros com orientandos sob a coordenação de Edu Teruki Otsuka. Agradeço também a ambos, a Roberto Schwarz e a Salete de Almeida Cara pela leitura e por sugestões. Os desacertos correm por minha conta e risco.
[1]As cenas de “realismo mundano”, como o chama Kleber Mendonça Filho, figuram algo que, parecendo banal, revela, pelo recorte e pela montagem, a realidade mais ampla. Cf.: “Kleber Mendonça Filho fala sobre O som ao redor, vencedor do festival do Rio”, 15/10/2012. Consultado em: www.adorocinema.com.
[2]Assim, por exemplo, há relações entre O som ao redor e Cronicamente inviável (2000), de Sérgio Bianchi, que mereceriam análise mais detida; aqui apenas aponto a similaridade da forma descontínua e da focalização nas classes médias – menos radical em O som ao redor. Também se podem ver certas referências a filmes do cinema novo e do chamado “cinema de retomada”, como apontou Lúcia Nagib (“Em ‘O som ao redor’, todos temem a própria sombra”. Folha de S.Paulo, 17/2/1013). Quanto aos thrillers, o diretor cita John Carpenter como um de seus diretores favoritos.
[3]Entre os vários artigos sobre o filme, além do já citado, de L. Nagib: “O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho”, de Luiz Soares Junior (revista Cinética); “O ‘novo’ Brasil nas telas: uma análise do filme ‘O som ao redor’”, de Marco Pestana (blog Convergência); “Um som perturbador” e “‘O som ao redor’, ou filmes que marcam época” (blog em O Estado de S. Paulo) e “Diálogo entre passado e presente para entender o Brasil” (O Estado de S. Paulo, 13/1/2014), de Luiz Zanin; “Ao redor do som”, de Inácio Araújo (blog do autor no UOL); “O escravismo entre o passado e o futuro”, de Joana Salém Vasconcelos (Le monde diplomatique, 7/1/2014); “Obra retrata fim do coronelismo no país”, de Maurício Puls (Folha de S.Paulo, 17/2/2013); “O som ao redor: sociedade em ausculta”, de Christian Gilioti (Laika, vol. 2, nº 3, junho/2013); afora críticas no Time Out Chicago e no Chicago Reader. Apenas Eduardo Escorel avaliou o filme negativamente (cf.: “O som ao redor – violência latente”, Piauí).
[4]Apenas uma das empregadas reage à humilhação da patroa enfrentando-a e defendendo a dignidade pessoal de quem vende sua força de trabalho. Quando, às voltas com as tentativas de fazer os latidos do cão da casa vizinha deixar de (segundo o que ela acredita) provocar-lhe insônia, Bia (Maeve Jinkings) compra um aparelho antilatido – “importado!” – e percebe que a empregada, por não ter lido o aviso sobre a voltagem, queimara-o, censura-a aos berros; a doméstica, então, retruca: “A senhora pode descontar do meu salário. Não precisa gritar. Não precisa falar desse jeito”. Índice histórico do orgulho dos que vêm de baixo, da era Lula?
[5]Já em Boa sorte, meu amor (2013), filme de estreia do também pernambucano Daniel Aragão, o trajeto do protagonista Dirceu (Vinicius Zinn), que, como João, descende de proprietários rurais do sertão pernambucano, revela as forças menos visíveis da riqueza no Recife, isto é, a exploração fundiária, e no sertão, com os altos lucros dos investidores nas obras de transposição do rio São Francisco.
[6]Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antonio de Almeida, é o exemplo mais contundente de alta realização estética em que, apesar do panorama social restrito, sem a presença das camadas dirigentes e dos trabalhadores (no caso, os escravos), a estrutura social profunda do Brasil está formalizada (cf. Antonio Candido, “Dialética da malandragem”, em O discurso e a cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1993, pp. 19-54).
[7]Ou quase, como se insinua na referência à moça suicida, embora também o suicídio possa ser um elemento que atua como mercadoria ou barganha: a mulher interessada no imóvel onde ocorreu o fato pede um desconto no valor do aluguel porque, além do mau agouro, isso desvalorizaria o prédio. João, que não depende do emprego para sobreviver, não deixa por menos: eliminando qualquer possibilidade de atender à demanda, tripudia sobre a falácia argumentativa da interessada e suas superstições: “Não vejo a relação. O que aconteceu não muda em nada a qualidade desse lugar. O apartamento não é mal-assombrado”.
[8]Vejam-se, a respeito, os escritos de Roberto Schwarz, especialmente “Final de século” e “Nunca fomos tão engajados”, de Sequências brasileiras (São Paulo: Companhia das Letras, 1999). De “Agregados antigos e modernos” (entrevista), de Martinha versus Lucrécia(São Paulo, Companhia das Letras, 2012), destaca-se o trecho: “Desde então [época de Joaquim Nabuco], até a crise do nacional-desenvolvimentismo, nos anos 1970, a transformação dos excluídos em assalariados rurais, operários e cidadãos fez parte do ideário progressista. Sobretudo através da industrialização e da reforma agrária, que prometiam reformar o país, acabando com a liga de mandonismo, miséria, clientelismo, subcidadania etc., que nos separavam da modernidade. Com a globalização, essas expectativas passaram por uma redefinição drástica. Para desconcerto geral da esquerda, a modernização agora se tornava excludente e reiterava a marginalização e a desagregação social em grande escala. Para quem não sabia, o progresso do capital e o progresso da sociedade poderiam não coincidir” (p. 178).
Aceito: 25 de Dezembro de 2014
Ivone Daré Rabello é professora sênior do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da FFLCH da Universidade de São Paulo.
Os Planetas, relógios, componentes da bateria, o painel de atividades, o alvo dos dardos, os pratos, os rostos, o bueiro, as placas, a bola de basquete, o cesto, os desenhos, o bambolê, a lua metade negra (fazendo o equilíbrio), tudo fazendo analogia ao seu comportamento cíclico...
No mais, eu gosto que seja redonda, não que seja marrom! hahaha.
Adoro esses filmes divididos em curtas que são conectados; (Não parece ser, mas são). Essa história do astronauta realmente foi fantástica, achei muito real eles tentando se entender.
- Você é testemunha de Jeová? - NASA, NASA
Hahaha.
E aquela história de Deus observar os humanos pelas estrelas, como se fossem uma espécie de "Olho mágico" (olha aí a referência), achei bem poético!
Mas em geral, como o título Brasileiro do filme fala (Fique Comigo), acho que o filme fala sobre solidão, alguém com quem compartilhar a vida. Acredito que o barulho que todos escutam seriam suas maiores angustias. A enfermeira se incomoda com um bebê chorando, como se precisasse de sua ajuda. O adolescente se preocupa com algo mais brutal, como um tigre. Já a senhora, por ser religiosa, atribui o som a um demônio.
Fiquei muito curioso para saber o que era o som, é genial e perturbador, achei que era o monstro de Lost, haha
os alienígenas, e sim o modo como acontece os eventos. Precisa ser tão video game assim? Esperar o monstro abrir a boca para jogar dentro no momento certo. sério? E essas decisões rápidas dela de colocar a máscara de gás na hora do veneno....Nossa, Muito bobinhas essas cenas.
Mas fora isso, é muito criativo a conexão de todos os fatos do bunker. Essa questão do assassino querendo transformar a Michelle em sua filha assim como fez com a outra menina (interessante notar quando ele chama ela de "princesa" no jogo, pois ele só conseguia enxergar ela como sua filha).
As músicas/escotilha que lembram Lost, acho muito legal quando eles fazem essas referências, assim como a ligação com o filme Cloverfield.
O som do filme também foi muito bom, o que foi aquele tiro? haha E a cena inicial da pancada no carro ficou uma edição bem legal para apresentar o filme...
Engraçado notar que por mais que a loucura dele tenha afastado a sua família toda, se a família tivesse apoiado ele, talvez ele provavelmente nem seria tão afetado assim, e ainda teria salvado todos. Acho que fica essa mensagem, de não julgar os loucos, pois as vezes eles podem ser os mais normais, haha.
Muuuuuito bom! Adoro esses musicais com temáticas mais obscuras (Repo The genetic Opera, Nightmare Before Christmas, Sweeney Todd, etc). Esse em particular gostei ainda mais pelo aspecto amador, lembrando um....
Karaokê (olha a referência aí no filme). Ou seja, é algo desafinado que todo mundo pode cantar. E as letras das músicas são tão bonitas, cada uma com sua crítica inclusa em si.
Destaque para a música dos caixões de ricos e pobres, os prédios "verticais" ao fundo representando os futuros "caixões verticais".
E o que foram aqueles pingos de chuva mesclados com teclas de piano anunciando aquela música foda que estava por vir? Genial.
Eu não estava me dando conta que o filme era uma auto referência, por isso o final foi bem impactante. Sobre a dificuldade profissional tudo bem, mas talvez a pessoal não tenha tanta dificuldade assim, já que ele via a mulher mais como objeto de desejo do qualquer outra coisa. Um prazer instantâneo? A flor da pele? Talvez seja esse o significado do "Bruta Flor do Querer", tanto na questão das drogas quanto no amor platônico. O filme então poderia ser uma espécie de amadurecimento do protagonista nesse sentido (?). Porque se não, pode ser um pouco machista ou egoísta da parte dele querer um amor instantâneo, apesar de que, como ele fala no filme, as coisas poderiam ser mais fáceis, e que isso tudo é apenas um reflexo dos jovens de hoje dia, da rapidez com que as coisas acontecem, por conta da obrigação de que para ser feliz você não pode estar sozinho.
No mais:
- Achei legal as cenas do nascer do sol. - Queria escutar novamente a música instrumental que toca entre as transições de partes, juro que lembro dela de algum outro filme. - O Meu Refrigerador não Funciona, hahaha.
Esse drama sobre corpo perfeito, padrão de beleza foi muito bem construído nas histórias (aquela parte do facebook ficou muito boa, bem real,, haha). E as três mídias (quadrinhos, cinema e livro) se mesclando foi demais! A trilha sonora também, o jeito como foi filmado algumas cenas (meio que na diagonal), os diálogos, o movimento/expressão dos personagens animados em rotoscopia. Enfim, muito bom,
Esse filme é uma confusão. A história é simples mas fazem uma confusão imensa. Que negócio foi aquele do deserto? O que tem a ver aquela bomba do tribunal com o Superman? Por que o Superman está sendo acusado dessas coisas sendo que é óbvio que ele não tem culpa de nada, já que ele tá tentando salvar o mundo o tempo todo!? Que briga forçada é essa do Batman contra o Superman? Que planos "mirabolantes" foram esses do Lex? Ninguém tem motivação de nada ali, Eles mal falam no filme! Nem as mulheres falam e também não passam no teste de Bechdel, principalmente a mulher maravilha, que só aparece para mostrar sua "beleza". Aquelas frases de impacto são tão fora do contexto quanto a própria colagem que aparece no trailer. O filme parece mais uma desculpa para apresentar essa liga da justiça, como obrigação de ter um concorrente aos filmes da Marvel.
Fora a discrepância de poderes, onde colocar humanos contra Deuses torna o filme todo sistemático demais para ter uma luta justa. Nem imagino como deve ser o Flash com a super velocidade, haha.
Acho que no caso da Marvel, apesar de ter erros menores parecidos, pelo menos tem aquela comédia para aliviar. Esse tenta ser sério e épico quando não tem força para criar essa sensação.
- Que calor, não? - Acho que já secou. - Se for xixi, erga a tampa.
O pêlo da barba nasce mais grosso depois de cortado?
Não. Depois que se raspa o pêlo, ele volta a crescer com a mesma espessura de antes, já que, com o barbeador, não se arranca o bulbo do pêlo, que determina seu diâmetro. Ficamos com essa impressão porque o pêlo da barba é cortado rente à pele, justamente no local em que ele é mais grosso - do bulbo à ponta, o pêlo só afina. "É a mesma coisa que acontece com a grama: quando cortamos, ela fica mais espetada, mas não significa que está mais grossa", diz a dermatologista Jane Tomimori Yamashita, professora da Unifesp.
O careca gerente do hotel e o fato de todos ficarem iguais é bem tipo Quero Ser John Malkovich. É legal quando um diretor tem seu próprio estilo e dá para notar essas semelhanças.
Essa animação do filme está fantástica, li que os bonecos foram feitos em uma impressora 3D e ele filmava 2 segundos de história por dia, demorando 4 anos para concluir tudo.
Sobre o aspecto psicológico do filme, acho interessante essa parte do pesadelo, como se fosse seu subconsciente tentando lhe lembrar como é ruim para ele essa aproximação das pessoas, que ocorre logo depois de ele ter dormido com a Lisa. É bem como uma pessoa com depressão se sente, como se todos fossem agradáveis a primeira instância, mas logo depois vem aquela sensação de sufoco.
Li que a canção da boneca japonesa no final se chama Momotaro, que fala sobre uma criança que veio a terra dentro de um pêssego gigante (Japão é cheio dessas coisas, lembrei de outro conto japonês da criança que nasceu dentro de um bambu). Bom, a criança no decorrer da história vai lutar em uma ilha distante cheia de demônios. Lá ela conhece um cachorro, uma ave e um macaco que o ajudam a derrotar esses demônios.
Acredito que a relação da música com o filme seja justamente essa, vez ou outra ele acha amigos (no caso a Lisa) para lutar contra esses demônios (todo o resto do mundo). Ele está nessa busca incansável por amigos, batendo literalmente de porta em porta no hotel. É como uma pessoa com depressão se sente, sempre procurando algo diferente, mas tudo parece ter a mesma voz.
Não entendi muito bem a parte do casal brincando no corredor, seria uma analogia a ele se importar apenas consigo mesmo e ignorar todo o mundo ao seu redor? Pois ele foi pegar o gelo com bastante tranquilidade. Outro ponto dele se importar consigo mesmo são seus vícios, ele parece viciado em fumar (para esquecer a realidade) e também o sexo. (Foi comprar o presente do filho, mas sua cabeça estava em outro lugar, e acabou entrando naquela loja "errada")
Legal quando mostra a amiga da Lisa com o rosto normal no final. Ela era realmente mais bonita que a Lisa, mas ela era loira de olhos esverdeados, talvez sua aparência/personalidade fosse interpretada pelo Michael como o "senso comum", por isso a Lisa lhe pareceu mais atraente, As alternâncias das vozes e a multidão das vozes no final também é muito artístico, genial.
Achei legal por tratar a viagem no tempo de forma mais natural, e não com toda aquela ação que costuma ter os filmes desse tema. No começo tinha achado ele meio idiota, mas depois entendi que era uma das propostas do filme, a intenção era mostrar como as pessoas podem ser diferentes dependendo das circustâncias, podendo mostrar quem realmente é no interior. Como o pai dele disse no discurso do casamento, todos somos iguais, contamos as mesmas histórias até envelhecer, mas o mais importante é encontrarmos alguém gentil. Mas mesmo com essas soluções utilizando a viagem no tempo, ele praticamente seguiu uma linha de tempo sem muitas alterações. Conheceu a Mary de forma natural (temos que considerar que o encontro real é o do restaurante no escuro, e que obviamnete o Rupert não seria mesmo a melhor pessoa para a Mary, pois ele era um idiota do tipo não gentil). E também não alterou o acidente da irmã por causa da regra de não alterar o passado antes do nascimento do filho. Enfim, tudo natural.
Achei legal também a não preocupação do pai com os poderes, acho que ele sabia que poderia ajeitar as coisas se algo desse errado.
E esse final foi uma homenagem ai efeito borboleta com eles andando na rua? haha
Que o filme é meio que uma crítica (espero que seja isso mesmo, e não uma autobiografia do autor, pois isso soaria bem contraditório, já que sempre via gente comentando sobre o Woody Allen como um ser feminista e intelectual). Mas concluí que é uma crítica mesmo, já que ele mesmo fala: "eu não participaria de um clube que me aceitasse como sócio", ou seja, ele reconhece o que é, um otário. Bom, ele começa o filme falando o que deu errado em sua relação. Ele tenta se dizer não depressivo, para provar que está lúcido ao apresentar a visão de relacionamento que ele dá durante todo o filme, que é totalmente pessimista. Ele fala do relacionamento de forma muito pejorativa. Inclusive no final, essa parte do ovo, que quase todo mundo parece achar bonito, soa muito pejorativo se analisado no contexto do filme, é como dizer que as pessoas são loucas e só fica com ela por causa do sexo ou costume, talvez para ter alguém para "pegar as lagostas para ele". Ele soa sempre machista ou egoísta quando é tocado nesses assuntos, quando ele fica com ciúmes do professor David, quando ele fala que é um ser viril, quando ele sempre argumenta que o problema da mulher é que ela está "naqueles dias". Bobagens que todo homem diz... Eles de fato não se gostam e estão juntos por comodismo. Eles também não conversam entre si, fingem sentimentos, não são honestos um com o outro. Assim não dá certo mesmo.
Ou seja, o problema não são os relacionamentos, são as pessoas.
Bem, paralelamente a isso, o filme tem partes engraçadas, como quando o Duane fala que sempre imagina um acidente de carro quando está a dirigir e ele só diz: "Bem Duane, tenho que ir, estão me esperando no planeta terra", e sai, haha. Ou quando ele pergunta para os casais na rua como fazem para serem felizes e o casal só responde: "Porque somos ocos e superficiais", e fica por isso mesmo, haha.
O que foram esses 14 minutos de música do final? É muito interessante como quase não mostra a plateia e não mostra nem mesmo as palmas da mesma no final, como se ele quisesse reconhecimento apenas do professor psicótico. No meu caso não considero um filme de superação, o próprio professor fala que nunca criou um gênio com esse método. Um gênio poderia nascer independente dessas condições de pressão criadas no filme. Esse método de pressão me lembrou esse vídeo onde os polícias forçam alunos de uma escola a aprender a tabuada:
(se quiser ver o vídeo é só pesquisar "Quem não sabe tabuada não vai pra casa" no google)
Porém, acho que simplesmente dizer sempre "bom trabalho" para um trabalho duvidoso sem argumentar qual foi o erro também não funciona, e isso o professor sabia fazer muito bem. (Era incrível como ele conseguia perceber o erro em um "Qual é a música" de uma nota só, haha.
A conclusão é que deve ter um meio termo nessa busca pela perfeição.
Incrível, roteiro bastante original... Tratou essa questão da ditadura dos relacionamento de forma genial. Escrevi algumas referências e algumas metáforas do filme aqui:
A parte dos "jogos" me lembrou logo de cara "jogos vorazes", haha. Outro filme popular recente que me veio a memória foi "Her" (talvez por causa do tema solidão e relacionamentos, ou talvez por causa do ator principal ser parecido =p ).
Os paralelos com nossa sociedade criados com os... dois grupos é o mais interessante do filme, sendo o grupo do hotel responsável pela vertente que para ser feliz temos que ter um relacionamento (entre suas regras considera a masturbação algo humilhante e passível de punição). Além de que sozinho você estaria vulnerável a estupros (no caso da mulher, como se ela não tivesse como se defender por conta própria, como se fosse um ser indefeso), e no caso do homem, como se a mulher tivesse que estar sempre presente para cuidar dele. Acredito que essas analogias podem ser estipuladas a igreja e seu conservadorismo; o conceito de casamento, homem e mulher, etc. Em um futuro próximo onde até se aceita a homosexualidade, mas ainda precisa de um passo a mais para aceitar a bisexualidade .
Já do outro lado temos o outro extremo, que reflete o lobo solitário da floresta, que faz tudo sozinho, que não precisa do outro para sobreviver, mas que ao mesmo tempo são caçados psicologicamente pelo grupo que acha que é necessário ter uma relação para fazer parte do gênero humano.
O mais legal também é quando mostram a parte "falsa" das relações, onde simulam gostos apenas para agradar a parceira e fazer parte do grupo dos compromissados. E Colocar uma criança para suprir essa falta de empatia entre os casais é outra crítica muito bem colocada.
Acho que a ideia central que o filme quis passar é que não precisa necessariamente fazer parte de um dos grupos. Existe um caminho do meio. Nem "forçar" nem "não tentar", basta acontecer "naturalmente". Tanto que no final, acredito independente da escolha dele entre cegar os olhos ou não, ele estaria em certo ponto fazendo uma escolha certa, pois já havia amor entre os dois. Se ele escolhesse não se cegar, poderia ficar com ela aceitando as diferenças, provando que as semelhanças não são necessárias. Se ele se cegasse e ficasse com ela, ele estaria se submetendo a algo que põe em cheque sua própria saúde em um ato de empatia, coisa que seu amigo John jamais faria (ele aceitou o nariz sangrar pensando mais na sua sobrevivência do que na mulher, isso é explicado quando ele coloca essa dúvida em uma balança de qual seria o pior). Ou mesmo aquele outro que tiraria a vida da própria esposa atirando nela para se salvar. Porém, no caso do David, seria uma atitude mais altruísta.
E por falar nessas relações dos amigos, acredito que a parte que ele diz que não lembra do John e diz que seu outro amigo é quase como um irmão para ele, eu senti como se fosse uma crítica também as amizades falsas, onde um não liga para o outro (ele diz que não lembra nem do rosto dele) e se diz melhor amigo somente por estar em uma situação de perigo, que precisa de sua colaboração.
Outra coisa legal é a metáfora do grupo introvertido ter mais noção de comunicação não verbal. Sério, esse filme tem tantas metáforas que impossível não achar genial tudo isso.
Assim a gente podia ficar em dúvida se era realmente uma comunicação com a morte ou se era apenas alucinações dos dois por causa do sol intenso do local onde estavam (li que lá é onde foi registrada uma das temperaturas mais altas do planeta, 56 graus).
Faz muito sentido ser o sol, mas as marcas de queimadura poderiam ser em locais menos específicos. Até voltei o filme para ver se ela deixava o tornozelo descoberto no local da queimadura, mas ela sempre estava de calça comprida.
Mas o filme tem um suspense incrível e usado de maneira muito discreta, seja em uma simples cena de um carro passando em alta velocidade ou quando o cachorro aparece de repente. Fora a solidão do local, a dúvida se ele realmente vai aparecer, tudo isso me deixou muito tenso!
É um filme antigo que podia muito bem se passar na realidade atual, tirando os elementos que colocaram apenas para situar o tempo, como telefone sem fio, vinis e fitas cassetes com desenhos, aquela caneta com 4 cores, etc...
Esses diálogos rápidos e sem pausas são legais, haha, me lembrou a dinâmica que tinha na série Gilmore Girls. (Acho que se enquadra em um estilo de comédia chamado Screwball Comedy, caracterizado por diálogos rápidos e inteligentes). Gostei da trilha sonora estilo anos 80 (acredito que chamam isso de sintetizadores, não é?), fez um contraste bem legal com o aspecto moderno que o filme apresenta. No mais, a melhor frase do filme:
Gosto desses filmes descompromissados que conseguem equilibrar tensão com comédia. Logo de cara se nota que o filme é bem carismático na fotografia, roteiro, etc...
Em muitos momentos eu fiquei imaginando um filme do jogo GTA nesse mesmo estilo, e por se passar meio que em Los angeles, fez parecer ainda mais semelhante, principalmente na parte onde eles andam de bicicleta naquela fileira com enormes coqueiros. Difícil não lembrar também de "Todo Mundo Odeia o Chris", na parte de ele ser um geek, ter uma narração em off e todo o aspecto crítico do filme sobre ele ser negro.
Achei muito bem feito o documentário. Pegar as fotos no "google images" e colocar os áudios por cima ficam bem melhor do que aqueles documentários onde colocam pessoas sentadas em frente a câmera falando sobre o "objeto de estudo". A montagem com as músicas juntamente com o contexto de sua vida também ficaram legais.
E também gosto de não endeusarem tanto ela, me senti vendo um filme de drama, que mostra as circunstâncias (ou não) de uma pessoa real cercada por problemas pessoais e relacionados a drogas.
Destaque para aquele final tenso onde ela fica no palco com o psicológico afetado. Realmente perturbador.
Os primeiros dois filmes são bastante dispensáveis. Os roteiros dos jogos são chatos, não tem emoção nenhuma. Já esse, como não foca tanto nos jogos e sim na revolução, é bem melhor. Gosto em especial da parte da
Turista Espacial
4.3 236Eu acho que a intenção do filme de ser impositivo e julgar alguns comportamentos humanos é proposital. Não é como ele critique fortemente a tecnologia, a beleza, a música que escutamos, etc. Acho que a intenção seria somente "acordar" os seres humanos por estarem almejando viver em apenas um lado extremo. Não que o outro lado seja totalmente certo ou totalmente errado.
Isso fica claro quando ela fala por exemplo sobre não ter música no mundo dela, de preferirem o silêncio, sobre só escutarem música erudita estilo o compositor Bach que enviaram a terra. Não é que eles sejam tão unilaterais a esse ponto, e sim que a calmaria prevalece sobre o comportamento agressivo do qual tanto criticam no filme (como a briga de trânsito, a falta de paciência, etc). Tanto que eles escutam rock e gostam.
O mesmo vale para a questão da beleza e do batom. Não querem dizer para não usar maquiagem, e sim para não viver com base nisso, e entender o quão ilusório algumas coisas são.
Pois não existe seres perfeitos. Tanto que, mesmo sendo seres evoluídos, não conseguiram erradicar o preconceito que possuem com os seres terráqueos. Até porque acho que o preconceito é algo inerente ao ser humano, e a única coisa que podemos fazer contra isso é a plena consciência do que somos e pensamos para controlá-los.
Concluindo: Acho que isso de fazer questionamentos sobre nós mesmos algo legal do filme, lembra bastante o filme indiano PK, que recomendo fortemente.
E por fim, realmente a cena do futebol foi bem engraçada. (Colocaram a bola em cima da maca, hahaha).
Apenas Uma Vez
4.0 1,4K Assista AgoraAchei engraçado o cara perguntar do nada: "Por que vocês acham que não existem padres loiros?"
hahaha.
Daí eu pensei que o Padre Marcelo é loiro... (Mas Ok, quem se importa...haha)
Sobre o filme, é realmente bem interessante. Adoro esse aspecto amador. A cena final tem uma câmera suspensa que balança demais, haha (mas ficou ótimo o plano com o sol refletindo na janela).
Em alguns momentos eu lembrei do filme Frank, acho que tem a mesma vibe desse filme. (Música, amigos, sucesso, a vida em si)
Destaque para como a música vai comovendo as pessoas em volta, achei isso bem legal. Desde o dono da loja de instrumentos, o cara que vai ajudar eles na gravação e por fim o pai.
Julieta
3.8 530 Assista AgoraAquela cena do trem com o alce/veado/cervo ou seja lá como se chama é bem surreal, assim como o sexo na cabine.
Fora isso, é bem chato esse sentimento de procurar um culpado, pois muitas vezes a vida que é frágil mesmo, e acho que é essa a mensagem que o filme quis passar, que não existe um culpado. E ficar remoendo esse sentimento não é bom, seja no adultério ou na morte, como o filme retrata.
Não sei se foi só comigo, mas senti uma pontada de crítica a religião. Me pareceu que a mudança na filha culminou somente quando ela foi para o retiro religioso lá, quando esse sentimento passou a ser extremista. (Daí ela só foi aprender que nem tudo podemos controlar quando o filho morreu afogado). Também é bastante exagero ela brigar com Bea, pois era a que menos tinha culpa pela morte do pai. Daí fiquei pensando se não era porque o retiro religioso ensinou que ser lésbica era errado (embora também não tenha ficado claro que ela era). O que acham?
Enfim, o livro que a Julieta lia sobre tragédia grega já diz sobre o que é o filme, uma tragédia, e acho que seria bem legal se essa teoria que o Guilherme postou fosse verdade:
https://filmow.com/comentarios/6451816/
Claro, ia ser bem mais triste do que já é, imagina a culpa que a filha ia sentir por suas decisões e nunca mais poder ver a mãe? Mas como toda a tragédia grega, a catarse também pode nos fazer bem, como reflexão, haha.
O Som ao Redor
3.8 1,1K Assista AgoraMelhor texto que li sobre o filme. Imenso, mas vale a pena:
O SOM AO REDOR: SEM FUTURO, SÓ REVANCHE?*
Ivone Daré Rabello1
1Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da FFLCH da Universidade de São Paulo.
Em suas sete primeiras semanas de exibição,em 2012,O som ao redor(2012), primeiro longa-metragem de ficção do roteirista e diretor Kleber Mendonça Filho, alcançou um público superior a 70 mil espectadores,
o que dá o que pensar em se tratando de cinema brasileiro. Em janeiro de 2014, também devido à boa recepção internacional e à indicação para o Oscar, foram lançados no mercado dois DVDs, com tudo a que tem direito um empreendimento com previsão de bons resultados: filme, versão comentada pelo diretor, making of, cenas não utilizadas, entrevistas concedidas pelo cineasta,gravação de debates e exibição de alguns de seus curtas,como Vinil verde, Recife frio, Eletrodoméstica.
O sucesso, ainda que relativo se comparado aos índices de bilheteria do cinema internacional, pode ser explicado por vários fatores, entre os quais os sagazes flashes da vida contemporânea numa grande cidade, em chave do que Kleber Mendonça chama de “realismo mundano”1, aos quais se combina uma narrativa de suspense em que expectativas angustiantes não se resolvem. A esses elementos associam-se a qualidade técnica das imagens e da montagem (do diretor e de João Maria) e a sonoplastia, que, ao funcionar como comentário autoral ao enredo, dá novos significados a ele. Já o público cinéfilo se compraz com referências a outras obras do cinema nacional e a thrillers conhecidos2, com autocitações e aproveitamento de curtas do diretor, como Eletrodoméstica (2005).
Mais decisivo para o sucesso de crítica, porém, é o fato de O som ao redor ter capturado traços que constituem expressiva parcela da experiência social do Brasil contemporâneo3. As personagens da classe média recifense – que,com suas particularidades,não difere substancialmente das de outras grandes cidades brasileiras – orbitam em torno de seus anseios de consumo e necessidade de segurança, bem como se entorpecem em desprazeres e tédio. Já os trabalhadores desempenham papéis em que irrompem as figuras do servilismo e do ressentimento social. Também se põe à mostra a permanência de traços da estrutura patriarcal brasileira, no núcleo presidido por Francisco (Waldemar José Solha), proprietário de mais da metade dos imóveis da rua Setúbal e velho senhor de engenho de fogo morto.
O esforço do filme em apreender a experiência social recente dá prova de sua qualidade e contribui para o interesse por ele. Mas ainda não se levou na devida conta, penso eu, o que O som ao redor anuncia como diagnóstico do futuro, na investigação artística sobre as razões pelas quais o Brasil urbano do século XXI convive com formas de mando (ainda que decadentes) do velho Brasil agrário, bem como as consequências dessa mescla num momento em que perspectivas de transformação pareciam rifadas – ao menos até junho de 2013.
1. A RUA É UM PAÍS
Quase toda a ação se concentra na rua Setúbal, no bairro do mesmo nome. Os dados do ambiente são incorporados à fatura da forma cinematográfica, nas locações reais que tingem com estatuto de realidade o que é ficção:prédios altos,uniformidade de classe de seus moradores e tranquilidade apenas relativa da região, já que, além do ruído dos aviões, com rota sobre o bairro, há sinais ostensivos do temor de assaltos, com a profusão de grades de segurança. Tudo, à primeira vista, compõe o cenário urbano do país atual. Mas apenas em aparência a vida na rua Setúbal desconectou-se das pesadas heranças do passado agrário. Os arranha-céus não soterraram os modos de exploração que os ergueram, nem a sociabilidade que dominara em outros tempos. A ficção dará conta de dar visibilidade à mescla entre o antigo (será arcaico?) e o contemporâneo.
A novidade do contemporâneo está à mostra: no ambiente urbano, o espaço público não tem presença viva. A rua é um lugar deserto, ou quase: só raras vezes alguém transita por ela, e, quando o faz, trata-se de equívoco ou de urgência, como na cena em que uma mulher desce do carro para vomitar. O asfalto se presta a comunicações sem interlocução direta, com mensagens de amor escritas para ser lidas pelas janelas ou varandas.
Nos espaços privados da classe média urbana, a presença de bens de consumo,reiteradamente expostos pela câmera,é índice da posição social ascendente. O aumento do patrimônio pessoal engaiola aqueles que, sem laços comunitários ou políticos, são governados por interesses regulados pela mercadoria e vivem sob a tensão permanente de algo ameaçador que estaria por vir. As grades que se multiplicam, do apartamento térreo ao de cobertura, protegem do medo e o atiçam.
Já os pobres surgem nas figuras de trabalhadores informais ou empregados e subempregados domésticos. Nas cenas de rua, flagram-se guardadores de carros, vendedores de CDs piratas, o entregador de água que ganha graninha extra passando droga para enfastiados moradores dos apartamentos ou motoristas que conhecem a boca de fumo itinerante. Não se pode mais falar que esses trabalhadores, muitos dos quais deixaram o campo movidos pela ilusão de ascensão social na cidade, não estejam integrados ao país ou a comportamentos e valores urbanos. Só que sua integração implica e reforça a manutenção da velha estrutura de iniquidades originada do país agrário, acrescentando-lhe novas pitadas. Sem os vínculos da dependência da família patriarcal, deixados de lado há muito, ficam ao deus-dará e exploram as potencialidades do mercado onde elas aparecem, lícita ou ilicitamente. O vendedor de CDs piratas que põe o volume no máximo para espalhar os sons da música em que o sexo rola solto não dá a mínima para o policial que se aproxima, pois sabe que o objetivo do milico não é confiscar as mercadorias, e sim comprá-las por um precinho mais em conta. Mesmo sem aqueles vínculos diretos de dependência, porém, esses trabalhadores informais temem os poderes que emanam de Francisco, o dono da rua, versão contemporânea do senhor da casa-grande, a quem devem preito incondicional, pois provavelmente depende dele a sua permanência naquele lugar. O Estado não coíbe a informalidade, mas o rei da rua pode expulsar quem quiser. Numa cena significativa, os guardadores de carro não denunciam Dinho, o neto de Francisco, embora saibam que ele assaltara o carro de Sofia (Irma Brown), namorada de João (Gustavo Jahn), também neto do patriarca.
Outros atores sociais emblematizam formas atuais da divisão social instalada com naturalidade nos ambientes privados. Em todos os apartamentos, há empregadas: negras, mulatas, quase brancas. São as “domésticas”, função que atualiza a das antigas “crias” da casa, gente lançada à subalternidade aviltante e à ausência de direitos. Num dos esquetes, espécie de contraponto perverso da cena em que a menina de classe média passeia com seus patins pelas dependências do prédio em que mora, a trabalhadora limpa o chão, deslizando os pés sobre um trapo: os velhos tempos, sem eletrodomésticos, ainda vigoram para os que vendem sua força de trabalho a preço de banana. Mas os novos tempos também trouxeram conquistas. Nos prédios de construção recente, já há minijanelas nos cubículos destinados às empregadas; algumas “domésticas” têm direitos trabalhistas, como Mariá, a empregada de João, que, registrada, está prestes a se aposentar; não faltam sequer as hierarquias na carreira, como se vê nos flashes na residência de Francisco, quando uma das empregadas,cuja ascendência fica assinalada pelo fato de morar no apartamento do patrão (o quartinho com banheiro em um canto escondido da cobertura), organiza as outras, gerenciando tarefas e atendendo à porta.
Nesse conjunto social, o servilismo dos trabalhadores mostra sua contraface em pequenos atos vingativos, sem objeto ou alcance precisos. São estratégias de revanches veladas, como resposta a ressentimentos acumulados. A empregada de Francisco quer dormir com o amante na cama branca de outros patrões; sua vingança pelas pequenas humilhações cotidianas não supõe nem implica (e como poderia?) projeto algum. A diarista de João responde com obediência silenciosa e cheia de rancor aos cuidados paternalistas do patrão, que não quer que ela passe roupas com os pés descalços. O guardador de carro humilhado não hesita em riscar o carro da mulher que o maltratou, desde que o faça às costas da madame. Não há enfrentamento de classe, até porque cada um dos trabalhadores está isolado, sem sombra de alguma organização que lhe permita juntar-se aos seus para criar estratégias de transformação. Sobram a desforra simbolicamente compensatória ou a revolta surda4.
Na relação entre empregadores e empregados, é exemplar a cena em que o síndico do condomínio traz à pauta da reunião o caso do zelador que, tendo ele próprio escolhido o turno da noite por lhe render ganho adicional, não faz mais que espiar, por prazer voyeurista, o que ocorre nos elevadores equipados com câmeras de segurança e dormir quanto pode. Dorme, e sem disfarçar, como revela o filme feito pelo garotinho, herdeiro promissor, armado com suas câmeras de celular e computador. Uma queixa leva à outra, e a moradora suscetível reclama de ter recebido sua Veja sem o plástico de proteção. Tudo que se passa antes da votação – palavras de descontentamento e irritação, caras e bocas – aponta para a aprovação da demissão por justa causa. Mas, com voz mansa, João, espécie de condômino esclarecido, advoga a causa do trabalhador e pretende praticar a ética do bom patrão, propondo a demissão com direito a indenização. Só comove um gringo, mas não a ponto de este não se informar sobre quanto lhe custaria a boa ação. O valor de trezentos reais para cada condômino (como se isso depauperasse os proprietários) elimina qualquer veleidade. Com provas documentais, a demissão por justa causa é a vitória da lei, para a qual se apela quando está em jogo dispêndio de dinheiro. Vínculos pessoais são coisa do passado.
No polo oposto do espectro social dos trabalhadores pouco qualificados, surgem os “donos da rua”, espécie de máfia à brasileira. Francisco, o senhor do engenho desativado, é, no presente da narrativa, o latifundiário urbano: proprietário de quase todo o terreno da rua Setúbal, agora é dono de mais da metade dos edifícios, muito altos, e também de uma imobiliária; na rua, restam poucas casas, uma das quais ocupadas por seu filho Anco (Lula Terra). A família não faz mais do que administrar os bens do patriarca, por meio dos empregos (melhor seria dizer sinecuras) na empresa do avô, e dar sobrevida à mentalidade patriarcal, tingindo-a, como revelam as ações de João, com algumas modalidades esclarecidas da sociabilidade, devidas à hora histórica que a põe em risco. Só até certo ponto, claro.
Originário da exploração colonial e do escravismo (especialmente nas regiões de exploração de cana-de-açúcar, como Pernambuco), e edificado nas relações de parentela, familismo, cordialidade, o mando patriarcal,que não se esgotou com o fim da escravidão,está sob ameaça: precisa mudar para tentar permanecer, em circunscrição apequenada. A exploração da grande propriedade não tem mais vez, ao menos nos mesmos termos; os domínios do “coronel” Francisco são agora o reino da exploração imobiliária, na locação e administração dos apartamentos. Já não há, na cidade, nem a casa-grande nem o sobrado que congregue agregados à sua volta e confirme a superioridade do patriarca, o que não impede, porém, que a dominação e a prepotência persistam com permanências e alterações.
As derivações do patriarcalismo se corporificam nos netos de Francisco. João é a personagem em que o argumento se detém. Após viver sete anos na Alemanha – com alguma ingênua intenção de autonomia, pois, embora decerto recebesse mesada, atuava como garçom em bares noturnos –, retorna ao lar e, mesmo detestando o que faz, trabalha. Mas não se cansa: como neto herdeiro e corretor dos imóveis da família, na imobiliária do avô, pode dispor de seu tempo com bastante folga; as visitas agendadas não o impedem de perambular, conversar, namorar durante o dia. Em seu apartamento, as relações entre ele e Mariá, a velha empregada da casa, estão e não estão subordinadas ao trato moderno: ela não é a “cria” da casa, pois está submetida ao regime das leis trabalhistas; no trato entre eles, porém, a regra é a cordialidade do patrão, na mescla de impessoalidade e pessoalidade regida a rompantes instáveis de simpatia ou antipatia, sempre comandados pela volubilidade astuta. Assim, por exemplo, quando as netas de Mariá ficam em sua casa e perambulam à vontade, João as abraça, conversa com elas, dá-lhes livre trânsito. Mas, quando o proprietário chega em casa e vê o filho da empregada cochilando em seu sofá, não fica nada satisfeito, e é Mariá quem, percebendo o agastamento do proprietário, age por ele, exigindo que o filho acorde. Embora não censure o garoto, João amavelmente lhe dá trancos formidáveis, dizendo que era assim que seu “velho” o acordava; desse modo, dá um jeitinho de agredir esse agregado indesejado, ao mesmo tempo em que se equipara a ele. Levando-o à área de serviço, comenta as similaridades de suas experiências de trabalho; nas dependências pouco nobres do apartamento, João o trata como um igual, pois, segundo o herdeiro rico, ambos conhecem a dureza do expediente noturno e aprenderam que o trabalho dignifica. O cinismo sincero não contradiz o bom-mocismo, assim como as atitudes esclarecidas não entram em curto-circuito com aquelas cordialmente paternalistas. Tudo pode ser conciliado. Órfão de pai e mãe, João constrói sua vida certo de sua origem – “sou um homem rico”, diz à namorada –, mas tem esperteza e capacidade para modificar e atualizar as condutas patriarcais do avô. Por que faria algo diferente disso?
Já Dinho, apresentado como personagem plano, é o “marginalzinho” que causa desgostos à família, que, não obstante, o protege de qualquer punição impessoal. Versão degradada do poder patriarcal, seu destino histórico beira a perpetuação da criminalidade impune. Cioso da posição de herdeiro, não se cansa de mostrar sua desfaçatez de classe: ele pode tudo, os pequenos furtos servem-lhe como diversão. Desde que, claro, conte com a proteção do avô. Ele parece estar seguro da sobrevida poderosa do que pode estar agonizante.
No conjunto de O som ao redor, gravitam trabalhadores informais, empregados domésticos, classe média e herdeiros da classe dominante. A escolha do cineasta exclui os setores proletários e os verdadeiros donos da riqueza5, o que não necessariamente limita a realização artística6. Na análise da obra, interessa saber qual a função exercida pela estruturação artística dessa realidade historicamente restrita e qual a interpretação dada ao material.
Na rua Setúbal ninguém fala com ninguém, sabe-se o suficiente sobre a vida dos outros, e tudo se integra na rotina do trabalho e da acumulação e defesa dos bens7. Em cenas fragmentárias que indicam não haver coesão de agentes sociais, o que se impõe é o isolamento do conjunto dos moradores, todos eles enjaulados em seus apartamentos, e a vida ao deus-dará dos trabalhadores. Não há, também, nenhuma perspectiva de transformação, pois os núcleos narrativos repõem o mesmo, em idas e vindas que não atingem a consecução das pequenas finalidades desejadas (o namoro entre João e Sofia mal começa e já termina, o latido do cão que perturba Bia não se resolve, a rotina dos dias repõe e alimenta os mesmos medos). Fragmentação, isolamento e repetição, que mapeiam a sociedade urbana contemporânea aos olhos do roteirista diretor, indicam que os conflitos, anódinos, não se desenvolvem senão nas esferas privadas da ordem social. Esse o momento novo que o filme captura e interpreta, assinalando a inexistência da dimensão política transformadora.
Nesse sentido, os conhecimentos revelados pela chamada “tradição da formação”, especialmente os estudos de Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Celso Furtado e Gilberto Freire, e que hoje fazem parte do repertório esclarecido que Kleber Mendonça reconhece como seu, estão longe de dar conta das questões que descrevem o presente, embora também prossigam existindo as formas da sociabilidade por ela descritas e categorizadas. No andamento contemporâneo – para o qual derrotas históricas e equívocos interpretativos contam bastante – o país periférico perdeu a corrida para alcançar as nações centrais, para usar os termos com que se pensava certo modelo de desenvolvimento e de integração do país.
Aliás, desde muito antes dos anos em que a via do desenvolvimento da indústria e da integração dos setores inorgânicos da população pautava as perspectivas de transformação do lugar do Brasil no concerto das nações, a economia e a vida material e simbólica dos países periféricos estavam articuladas ao desenvolvimento do capitalismo mundializado. No entanto, nos anos do nacional-desenvolvimentismo, havia (ou se avaliava que houvesse) um horizonte aberto,e se acreditava que as lutas políticas tornariam possível a superação do atraso. Desde os anos 1980, e sem mais dúvidas de que o país está plenamente inserido na nova ordem do desenvolvimento capitalista, o horizonte de expectativas desaparece, ou quase. Avanço da modernização e degradação das condições de vida (não só na periferia) se reafirmam como unidade contraditória indiscutível na ordem capitalista mundial, e, nas novas condições tecnológicas, se tornaram inalcançáveis para o país os recursos necessários para completar a industrialização e a integração social8. Em tempo de brasilianização do mundo9, o Brasil devolve ao centro a imagem de seu próprio futuro10.
Apreendendo esse momento decisivo e estilizando-o, trata-se, para o artista, de interpretá-lo com as armas e os pontos de vista de que dispõe. Para Kleber Mendonça Filho, em nosso presente híbrido, aparentemente eterno, em que velhas formas de mando agonizam mas não morrem, e em que o verdadeiro poder permanece fora da cena (onde os detentores da riqueza financeira?; onde o Estado?),parece ter desaparecido tudo que move à superação.
2. UM PAÍS BLOQUEADO
A rua de classe média do Recife figura uma interpretação do Brasil contemporâneo. Não resta nenhuma ilusão mítica ou pitoresca11: mal se vê o “belo mar selvagem”, enfrentado com coragem e orgulho apenas por Francisco, o representante do velho e ainda atuante poder. Na trama das relações sociais,as estruturas de iniquidades decorrentes do passado histórico, bem como suas consequências destrutivas, associam-se, sem perturbações, aos novos dinamismos sociais impostos pelo processo em curso do capitalismo atual. Mas a desconexão aparente entre as tramas soltas das diferentes personagens, que constitui boa parte da composição, intriga e faz pensar.
A começar pelas duas sequências iniciais do filme. Elas se compõem de um jogo técnico de oposições: branco e preto/cor; fotos/ação em curso; passado documental sem localização precisa/ficcionalização da vida contemporânea com o uso de locações reais.
A primeira sequência apresenta, uma a uma, um conjunto de dez fotografias em preto e branco que retratam eventos históricos e fatos culturais. Algumas delas, senão todas, parecem ter como referente a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), criada por Celso Furtado em 1959,a pedido de Juscelino Kubitscheck.O economista, como se sabe, foi um dos intérpretes da “tradição da formação”, que considerava indispensável integrar os setores atrasados do país ao modelo avançado, no esforço por superar o que se considerava tanto o dualismo interno do país quanto sua condição periférica no concerto das nações. O latifúndio e seus coronéis, a quem interessava a mão de obra superexplorada, teriam de ser enfrentados por meio de novas formas de desenvolvimento, implementado por incentivos fiscais, e a indústria deveria ser implantada também na região agrária, “atrasada”. Os setores que se juntaram para a criação da Sudene, como as Ligas Camponesas e segmentos progressistas da Igreja Católica, articulavam-se para contribuir na luta por direitos dos trabalhadores rurais e distribuição de terras.No horizonte entrevisto e desejado pela esquerda, os combates por reformas e a combinação de desenvolvimento agrário e industrial poderiam fazer avançar o ritmo para permitir o salto revolucionário.
É esse conjunto de referências que a primeira sequência de O som ao redor documenta. Em poucas palavras: o retrato do momento em que o projeto do nacional-desenvolvimentismo, tal como ocorria no campo, surgia como possibilidade histórica de transformação. Mas, congelado nas imagens sem movimento próprio, na abertura do filme, esse momento surge como testemunho do futuro em país bloqueado. Como se sabe, o golpe militar de 1964 derrotou as esperanças; massacrou lutas e corpos.O progresso do capital e os investimentos maciços das multinacionais, com as vantagens oferecidas pela ditadura, reiteraram e agravaram a desagregação social, num país que efetivou nova etapa de sua modernização sob o comando dos interesses do capital internacional.
O som cinematográfico que acompanha a sequência das fotos, a partir do ângulo do presente, interpreta a ação interrompida ali pressuposta. Sem fonte identificável nas imagens, o som de bumbos em crescendo, numa espécie de marcha guerreira, insinua algo que pode ou poderia vir a ameaçar a todos12. Naquele momento de derrotas, iniciar-se-ia uma marcha de cadáveres ou de uma turba de vingadores. Mas sua vinda à cena histórica não ocorreu nem tem data marcada.Na ambiguidade proposta pela sonoplastia, trata-se de presságio, desejo de futuro ou percepção do que está em andamento no presente?
No entanto, a abertura sugestiva é cortada abruptamente pela nova sequência: o espectador acompanha,pelos olhos da câmera, a cena urbana do presente, em cores; ouvem-se risos e falas entrecortadas de crianças brincando. Uma menina desliza em seus patins, entre vãos da garagem de um edifício cercado por grades de segurança13, e chega ao playground, onde há muitas crianças e babás. O espaço que se anunciava como convite à amplitude se fecha num retângulo pequeno, circundado por muros e mais grades; alguns meninos, curiosos, olham para o que está do lado de fora. O ruído irritante que aos poucos se sobrepunha ao som da meninada encontra seu referente:um trabalhador fixa uma grade novinha na janela de um apartamento do térreo.
O corte das sequências é a forma artística da brusca sugestão de uma continuidade histórica. É como se dissesse que a contemporaneidade, tal como a vemos, nasce da derrota do que se imaginou, ao final da década de 1950, como possibilidade de transformação. No enredo, porém, a derrota das promessas de superação do Brasil inorgânico, tal como ela se impôs a partir do golpe de 1964, parece constituir um fio solto, sem se articular à política contemporânea e à vida nas grandes cidades.
Até que se retome o fio e se explicite a causalidade entre dois momentos históricos, a composição se organiza apresentando cenas breves que, acumulando pequenas narrativas sobre moradores da rua Setúbal,captam aquilo que se tornou a vida governada pela mercadoria e suas consequências na vida psíquica das classes médias. É o caso das sequências com Bia, que, com enfado, e cercada por eletrodomésticos, cuida da casa, administra e controla a vida dos filhos, já grandinhos. Com o marido, pretende assegurar o futuro deles, investindo em seu capital imaterial (com aulas de inglês e mandarim, suprassumo do acesso ao futuro em tempo de BRIC). Seus olhares, porém, em closes reiterados, traem a insatisfação que preside às relações mediadas pela mercadoria. A cena da agressão repentina de sua vizinha contra ela, motivada pelo tamanho maior do novo aparelho de TV, dá a medida da disputa pelos pequenos poderes14. Bia oscila entre orgulho e tédio, medo e ansiedade. Para aliviar-se dos desprazeres, não resiste nem às trepidações da máquina de lavar nem à “brisa” trazida pela maconha que, no entanto, expira no bocal do aspirador, de maneira a que nada recenda prazeres ilícitos15.
As tramas sem articulação entre elas, montadas em sessões descontínuas, se concentram na vida privada das personagens, sem comunicação entre si. Mas a chegada de uma equipe de segurança privada que quer vender seus serviços reunirá vizinhos, promoverá discussões e irá atar o fio descontínuo do enredo.
Organizando o desenvolvimento da trama, as rubricas anunciam o conjunto dividido em três capítulos: “Cães de guarda”, “Guardas noturnos” e “Guarda-costas”. Os títulos, com as diferenças de agentes (cães, homens e capangas), assinalam não apenas um mesmo fenômeno, mas sobretudo sua intensificação: a necessidade de defender a propriedade privada é diretamente proporcional à ameaça (fantasmática ou não) que paira sobre as coisas e os corpos.O crescendo da narrativa,insinuado na sequência das rubricas, sugere que o cão de uma casa não serve para nada quando se trata do medo coletivo dos habitantes dos edifícios, que, já acostumados com furtos constantes de aparelhos de CD nos carros parados nas ruas, precisam proteger-se com grades e cadeados. A ilusão da segurança, para a classe média, compõe-se do consumo da parafernália moderna que torna obsoleto o animal de guarda e seus incômodos latidos. Como, porém, os acessórios não bastam, as empresas privadas de segurança têm sua chance de empreendedorismo, ao vender a imagem de que guardarão as costas e os bens materiais dos moradores sem rosto. Essa forma da proteção, moderna e em certa medida impessoal, traz consigo reminiscências da capangagem. Por isso mesmo, não surpreende que Francisco, como bom latifundiário, ao perceber sinais de que há inimigos pessoais à solta, proponha aos guardas noturnos que se tornem seus guarda-costas, prática que remonta aos abusos das elites patriarcais e se mantém como norma.
De todo modo, a defesa do território e a violência, que estão na origem da existência de cães de guarda e de guarda-costas, se naturalizam na venda da segurança, a qual, porém, não engana ninguém. Como percebem Bia e Anco, a coerção cordial a que os moradores ficam sujeitados quando recebem o convite para usufruir dos novos serviços da rua, traz novos perigos: quem não pagar pode se tornar vítima. Feitas as contas, a mercadoria segurança é um bem indispensável porque protege especialmente de novos fantasmas do medo. Furto, roubo,latrocínio, invasão da propriedade, morte, vingança, turba revoltada são os temores,manifestos ou latentes.
A empresa que apresenta seus serviços de modo afável é comandada por aquele que se apresenta como Clodoaldo Pereira dos Santos (Irandhir Santos), mas para que ela vingue é necessária a “bênção” do dono da rua, sr. Francisco Oliveira16. A condição para que consinta nas atividades dos seguranças é que eles não mexam com seu neto, Dinho – membro do território familiar sobre o qual ele imagina ainda exercer domínio inquestionável.
A infraestrutura do trabalho da empresa que vende a mercadoria segurança alia a precária tendinha de praia aos modernos celulares. Os aparelhos permitem o controle de toda a rua e a intercomunicação entre os pares; também servem como uma espécie de “educação policial”: exibindo aos membros de sua equipe um filme com as tomadas da morte de um segurança da rua, guardado na memória do celular, Clodoaldo ensina-lhes como é preciso estar alerta. Assim, para a segurança da empresa, os aparelhos são instrumentos que agilizam a comunicação e são também uma arma. Os fatos, pressupõe-se, precisam estar documentados, para que possa haver cobrança de justiça. De algum modo, torto, reverberam, em continuidade alusiva, as fotos da primeira sequência do filme. Quanto às outras armas, Clodoaldo, esperto, não diz nem que as tem nem que não as tem.
Mesmo que o próprio Francisco assegure que com a chegada da equipe “a rua tem segurança”, a função do grupo, ao menos de início, limita-se a espiar a vida privada, observar os bêbados, ajudar os que se perderam. Afinal, o bairro é tranquilo. Mas, contraditoriamente, também intimida sem rodeios. A primeira ameaça, sem que haja motivação realista aparente, volta-se para o marginalzinho da elite. Sem mais nem menos, Clodoaldo, resguardado pelo que supõe ser o anonimato de um telefonema em orelhão de rua, disca para a casa de Dinho e, com toda a calma, afirma que terminarão as ações ilegais do jovem. A falta de coerência entre a ação de ameaçar um morador e a de garantir segurança ao conjunto deles insinua outro patamar de tensões, já que Clodoaldo desobedece às ordens de Francisco e seu ato parece desmando implausível daquele que se submetera às imposições do dono da rua. O filhote de mandante, porém, não hesita: vê registrado em seu celular o número discado,percebe que se trata do número do telefone público de sua rua e sai de casa à noite para ameaçar os seguranças. De quebra, aproveita para humilhá-los marcando o abismo social entre eles, com a fineza dos que ostentam suas origens e menosprezam todos os que não compartilham de seu pedigree, lançando-os à vala comum dos mais pobres: “Essa rua é de minha família. Gente grande, de dinheiro. Essa rua não é favela”.
A fonte da riqueza da família de Dinho nasceu da exploração do braço escravo. Não se trata de acaso o fato de ser a casa de engenho, na região de Bonito17, o lugar com que Francisco se identifica e onde deseja reunir os seus. O engenho, porém, são carcaças onde vigora o mato, e as máquinas estão paradas, enferrujadas. Fogo morto. Quase tudo por ali se limita ao que foi,até mesmo o cinema desativado,em ruínas, em cuja fachada resta um lambe-lambe com propaganda política do PSDB, a que, assim, o filme alude como carcaça do passado. Viva mesmo, apenas a escola rural, onde a meninada, na varanda, tem aulas com métodos ultrapassados que, não obstante, lhe causam prazer e risos.
A cena mais alegórica do filme (e nem de longe a melhor) ocorre na região de Bonito: na cachoeira em que Francisco, João e sua namorada Sofia recebem no corpo a violência da queda d’água, subitamente a água se transforma em sangue – para os espectadores, apenas. Com algum ranço pedagógico, ensina-se ao espectador que desconhece as origens da riqueza do patriarcado brasileiro a fonte assassina das fortunas,de maneira a produzir estranhamento com a quebra do registro realista em locação real. No sangue dos corpos mortos dos trabalhadores escravos, que simbolicamente continua jorrando, os proprietários se deliciam. Eles não veem isso, claro; apenas gozam da força da natureza que lhes provoca urros enérgicos de valentia.
Ao lado da casa-grande de Francisco, casarão sem luxo, a senzala assusta e intriga os namorados que a visitam. Ouvem ruídos cujo referente fica em aberto: moradores fantasmagóricos?; aparições sobrenaturais de escravos?; sons de passos do velho patriarca que se angustia pelo mando perdido e se recusa a abandonar seus emblemas mais caros?
Também no cinema abandonado da vila, onde só restam paredes caídas e mato, João e Sofia escutam sons assustadores, sem referência realista: gritos de gente torturada, lamentos lancinantes, mortos redivivos?; trata-se de um jogo autoral com referência a thrillers que homenageiam os cineastas favoritos do diretor?; ou ressurge, para o casal esclarecido, o clamor dos trabalhadores, mortos e vivos, contra os maus-tratos? O temor recalcado e a irresponsabilidade histórica diante das atrocidades do passado são tamanhos que Sofia os exorciza com o jogo do susto: “Buh”, faz ela para João, e assim os risos pretendem aplacar apreensões e consciência culposa. Por artes da montagem, o espectador, que contempla a cena com uma atitude que oscila do distanciamento à identificação, se vê metido no mesmo esconde-esconde. Atormentada pelo horror ancestral de que os excluídos do banquete da existência retornem para reclamar seus direitos, a classe dominante se vale do conjuro divertido e da brincadeira de lançar os inimigos para o imaginário de filmes de monstros. Mas os mortos-vivos, escravos e trabalhadores livres, regressam fantasmaticamente para seus antagonistas de classe como o sinal do perigo que é preciso esconjurar. A turba desses monstros, os inimigos de classe, certamente cresceu ao longo dos tempos de exploração desumana. Tudo que o mato comeu – produção e formas antigas da riqueza – não eliminou o passado de violência brutal.
De fato, a violência brutal está à solta, sob a forma de cenas realistas e surrealistas, no engenho e na rua Setúbal. Uma das mais impressionantes tomadas em chave de “realismo mundano” é a do ataque contra um menino negro, franzino, que, escondido no alto de uma árvore, é apanhado pela equipe de Clodoaldo e recebe socos violentos no rosto18. Um dos seguranças pressente que o garoto não é um ladrãozinho; mesmo assim, acha que precisa lhe ensinar seu lugar de modo que nunca mais ouse voltar àquela rua elegante. Entre os iguais, o que vale é a diferença presumida.
Já as cenas de tonalidades surrealistas referem-se às inquietações das classes temerosas de ter bens e corpos ameaçados19. A primeira das fantasias temerárias, com mais forte teor de verdade histórica, surge nas imagens oníricas em que homens descamisados, negros, invadem a casa vazia onde a empregada de Francisco mantém relações sexuais com Clodoaldo. Ela, porém, nada percebe, até porque fantasmagorias como essas estão na contramão das revanches imaginariamente compensatórias tramadas pelos humilhados sem consciência de classe. As pequenas desforras da moça contra o patronato não lhe causam pesadelos de angústia nem laços de irmandade com os despossuídos. Apenas o espectador contempla o que paira como sinais de alerta. É com ele que a cena se cumplicia.
De outro quilate é o delírio da filha de Bia. Numa noite, ela se levanta e vai até o quarto dos pais. Eles não estão lá, tampouco o colchão onde dormiam. Vai até o quarto do irmão: estrado vazio, sem colchão e sem irmão. Coisas e corpos desapareceram, sem rastros de sangue. A menina caminha, sai do apartamento, dirige-se ao hall do edifício, e, através de seus olhos, o espectador vê multiplicar-se uma turba de homens negros pobres que toma a rua e invade a entrada do edifício. Corte abrupto: a garota, tão astuta e cujo futuro promissor está imaginariamente assegurado, sonha acordada. Nela se canaliza o medo de classe, nas versões infantil (perde os pais) e adulta (os moradores estão na iminência de ter seus apartamentos invadidos pela corja)20.
As fantasmagorias – contempladas por personagens ou apenas por espectadores – trazem à cena da vida ficcional o que na vida real se entrevê com terror: na ótica dos de cima, o retorno do recalcado da escravidão se funde, em bandos que surgem no meio da noite, ao exército espectral dos descamisados de hoje. A visão alucinada dos vultos dá corpo aos pavores das classes média e alta de que a luta de classes tome de assalto,em confronto direto,a propriedade e os corpos individuais. O salto moderno não desmanchou o passado, transposto em formas da iniquidade contemporânea que, sem horizonte de organização dos de baixo, movem apenas à desforra.
A revanche – como algo suspenso no ar – acaba por trazer o fio de continuidade rompido na sequência de fotos da primeira tomada do filme. Após a comemoração do aniversário de uma neta de Francisco – que completa 13 anos21 ao som da “Canção de cordialidade: feliz aniversário”, de Villa-Lobos e Manuel Bandeira –, o patriarca chama Clodoaldo para uma conversa. Dessa vez, é na sala que o recebe e a seu irmão que, esclarece Clodoaldo, acabou de chegar do Paraná (como ninguém perguntou nada, a explicação provoca suspeita, ao menos no espectador). Para Francisco, interessa negociar novo contrato de prestação de serviços, o que exige trato cordial em tonalidade diversa, como que de igual para igual.
Os irmãos recebem a proposta de serem guarda-costas do velho senhor de engenho. As razões para isso são expostas minuciosamente. Francisco conta que Reginaldo, ex-administrador de suas terras e amigo pessoal, fora assassinado no dia anterior. O homem o servira por muito tempo e havia mais de dez anos se tornara pacífico, devotado à religião “crente”. O velho pressente que a morte de Reginaldo é um sinal que exige ações preventivas imediatas. Durante o diálogo, o close no rosto do irmão de Clodoaldo não deixa dúvidas: num misto de determinação e impiedade, seu olhar indicia haver um plano na iminência de se cumprir. Enquanto isso, Clodoaldo pergunta ao velho por que ele teme que o matador à solta o ataque. Ainda dono de si, Francisco retruca com autoritarismo: não dará explicações a eles; quer apenas contratar um serviço. Finalmente, a tensão se explica e o enigma se desfaz: o irmão de Clodoaldo diz que ambos estiveram com Reginaldo. O olhar do patriarca elimina a necessidade das palavras: já compreendeu a explicação que (nos) é dada por um dos dois sobreviventes do massacre local. Em 27 de abril de 1984, pai e tio dos irmãos foram assassinados por causa de uma cerca. Sem que os irmãos precisem identificar o mandante e o autor do crime,o próprio Francisco se denuncia, dizendo o nome daqueles camponeses assassinados: dele emanara a ordem cumprida pelo fiel capanga Reginaldo. Francisco levanta e também Clodoaldo, agora apresentando seu verdadeiro nome – Clodoaldo José do Nascimento. O corte da cena impede que o espectador saiba como se dá o desenlace da tensão, paralisada.
A se confiar na composição artística do material,a luta coletiva pela posse da terra, derrotada ao tempo das Ligas Camponesas, limitou-se, desde o golpe de 1964, à tentativa individual da defesa da pequena propriedade, pouco apta, porém, a vencer os interesses dos grandes proprietários22. Para os irmãos Nascimento, que eludiram sua identidade, que, com a cumplicidade de alguns amigos, montaram a empresa de segurança como estratégia para ter acesso ao assassino do pai e do tio, que contaram com o planejamento racional de ações para subjugar a emoção, a batalha se organizou na direção da vingança pessoal. Na interpretação do país que o argumento faz supor, parece claro que a derrota dos movimentos sociais organizados e a ausência de organismos antissistêmicos potentes engendram a limitação do combate à luta pessoal23.
Curiosamente, a única data apresentada no argumento é o dia dos assassinatos do pai e do tio de Clodoaldo. Ela ocorreu dois dias após a derrota no Congresso Nacional da emenda Dante de Oliveira (25 de abril de 1984), que, como se sabe, propunha, com amplo apoio da população nas “Diretas já!”, o restabelecimento das eleições diretas para presidente, pondo fim à sucessão de governos militares iniciada em 1964. O trabalho artístico com o material histórico sugere que, com eleições diretas, poderia ter havido um outro futuro. Ilusão burguesa ou confiança ingênua da voz das ruas sem clara definição de classe? De todo modo, os rumos da história contemporânea revelam que a oportunidade perdida, e anos depois concretizada, não trouxe o futuro ansiado.
Segundo o que a forma artística revela, a derrota da luta política (não só) dos camponeses e o fim das perspectivas de futuro, tal como entrevistas pela “tradição da formação” e pela militância política dos anos 1950/60, determinaram o advento do Brasil contemporâneo, cujos sistemas de poder, mantendo e aprofundando desigualdades, sem justiçar crimes das classes dominantes e do capital, fomentam vinganças pessoais, temores das classes média e alta, e não anunciam horizontes de transformação ou novas formas de organização política.
Decerto se pode questionar a interpretação que essa forma artística deu aos materiais históricos, até porque ela implica, do ponto de vista político, a subtração dos polos decisivos – as camadas dirigentes contemporâneas e a classe produtora das riquezas alheias. Mas ela intui o que está dado hegemonicamente nos polos intermediários nas grandes cidades:temor dos proprietários e desejo de vingança pessoal dos trabalhadores pobres. Os que torceram o nariz para a resolução dramática do enredo, que empolgava pelos flashes descontínuos, talvez não tenham dado a devida atenção ao fato de que, desde a primeira sequência, o filme se propunha a compreender a relação entre a derrota da promessa de transformação e o cenário atual. Só na cena do confronto essa relação se explicita, mesmo que isso custe ao conjunto a quase resolução do que se considerou o trunfo artístico de O som ao redor: a ameaça iminente, indefinida, descontínua. Mas, mesmo passível de questionamento político, o que se pode ler aqui é o diagnóstico de sintomas expressivos de nosso presente, sem que se exijam dele outros, talvez mais significativos politicamente, que já atuavam antes de 2012, como movimentos sociais organizados de luta pela terra e pelo teto, em todo o Brasil. Nem por isso o material estilizado perde sua força, ao elaborar uma visão profunda de princípios constitutivos da sociedade contemporânea: temores e fantasmagorias dos que estão assentados em suas posses, numa sociedade iníqua, versus revides dos humilhados e ações de vingança planejada pelos espoliados das terras que lhes garantiam sobrevivência e identidade.
O suspense que a trama armava, porém, fica apenas quase resolvido. À sequência que decifra as verdadeiras razões pelas quais se criou o ardil da empresa de segurança, segue-se, num corte abrupto, aquela em que Bia pretende resolver seu problema com os latidos do cachorro. Com planejamento prévio para evitar que se repitam as derrotas anteriores,ela comprara um saco de bombas de artifício.Na cena final do filme, toda a família, reunida no quintal do apartamento, compartilha a tarefa de acendê-las, no único momento de alegria coletiva do grupo. A alegria de provocar a dor insuportável no animal.
A montagem permite a associação entre cachorros e homens,entre mandantes de assassinatos e os que se desforram de cães. O grotesco da aproximação não deixa dúvidas. Nada de fato se altera, quando tudo se limita às vinganças pessoais, mais ou menos violentas.
O filme termina com as imagens da família de Bia. Resta apenas o som ao redor. Ouvem-se quatro tiros. Não se sabe de qual arma eles vêm, se da de Francisco, de Clodoaldo ou do irmão. Depois, a explosão das bombas. Como o som não é diegético, o final da história fica em aberto. Não sabemos o que ocorre nem com o patriarca nem com o cachorro nem com os irmãos. Além disso, os sons sucessivos de tiros e bombas nivelam a luta contra o inimigo. A não explicitação sobre os mortos, se é que houve mortos, é decisiva, pois, em qualquer dos casos, nada se resolve estruturalmente: outros cães continuarão a ladrar, outros “coronéis” continuarão a precisar de capangas, outros vingadores retornarão, e a cidade continuará a gerar ruídos confusos e a amortecer os confrontos. Nada se supera ou se aperfeiçoa, a não ser os estratagemas da vingança pessoal, sem poder de mobilização.
Antonio Candido, ao analisar o tema da vingança pessoal no Romantismo, considerou-o uma “espécie de quintessência do individualismo”, que “foi, e de certo modo continua querendo ser, o eixo da conduta burguesa”24. Aqui, porém, o tema indica que o velho e insuperado arranco ancestral do revide serve à configuração da potência do indivíduo na contemporaneidade. Sinalizando a amplitude do mal-estar social, a revanche pessoal não engendra estratégias coletivas de luta nem ambiente organizativo. Limita-se às compensações simbólicas, ao pacto de sangue, à justiça selvagem.
Na trilha sonora do final, porém, ao desfilarem os créditos, sons de tambores retornam, dessa vez no ambiente da cidade atravessada por ruídos de aviões, buzinas de carros, roncos de motos, britadeiras, risos de crianças, numa verdadeira enumeração caótica da sonoplastia urbana. A cidade se constitui desse conjunto, na balbúrdia que oculta a marcha guerreira dos aprisionados25. O cineasta terá esperanças de que seu diagnóstico da vida urbana poderá produzir o retorno da luta?
A forma artística, que, insisto, figura a contemporaneidade como resultado da derrota de uma possibilidade histórica de transformação e testemunha a plena inserção do Brasil na órbita da ordem mundial, realimentando a reprodução do capital, das injustiças e dos temores de classe, anseia por mudanças. Sem ruptura radical entre o passado e o presente, iniquidades continuam, bem como a promiscuidade entre o tradicional e o moderno, que o prolonga. Não há desagregação, mas agregação sob a lógica mercantil e, do lado dos oprimidos, aumento da rivalidade ressentida. Os conflitos e a iminência deles, nas fantasmagorias das classes média e alta, vinculam-se ao revanchismo vingativo. A visão contemporânea do país, aos olhos de Kleber Mendonça, é a visão pós-luta de classes (onde, no filme, estão as classes organizadas?), pós-nacional, e nela não há potência organizadora. Na era pós-ditadura, especialmente nas eras Fernando Henrique Cardoso e Lula, alegorizadas respectivamente na propaganda no cinema abandonado e na comemoração dos 13 anos da neta de Francisco (com mais uma pitada irônica, nos grupos de violeiros cujas músicas desagradam os jovens ali reunidos), a perspectiva do futuro se desmanchou. Os dias se anunciam como a reposição do de sempre. Só os míticos sons dos tambores parecem anunciar que algo – da ordem da fantasmagoria – pode instalar-se entre os ruídos da vida contemporânea. A solução, ex machina, premonitória ou desejante, anseia por algo, mesmo que regressivo. Mas de onde virão esses sons? Em 2012, Kleber Mendonça Filho os ouvia imaginariamente. Os acontecimentos e as palavras de ordem de junho de 2013, já distantes do jargão tradicional das esquerdas, terão lhe trazido outra perspectiva? Os ataques diretos à propriedade,pelos black blocks,trouxeram à cena da vida real a politização da violência?
[*]Os acertos deste texto devem muito às discussões em seminário organizado por Paulo Eduardo Arantes e em encontros com orientandos sob a coordenação de Edu Teruki Otsuka. Agradeço também a ambos, a Roberto Schwarz e a Salete de Almeida Cara pela leitura e por sugestões. Os desacertos correm por minha conta e risco.
[1]As cenas de “realismo mundano”, como o chama Kleber Mendonça Filho, figuram algo que, parecendo banal, revela, pelo recorte e pela montagem, a realidade mais ampla. Cf.: “Kleber Mendonça Filho fala sobre O som ao redor, vencedor do festival do Rio”, 15/10/2012. Consultado em: www.adorocinema.com.
[2]Assim, por exemplo, há relações entre O som ao redor e Cronicamente inviável (2000), de Sérgio Bianchi, que mereceriam análise mais detida; aqui apenas aponto a similaridade da forma descontínua e da focalização nas classes médias – menos radical em O som ao redor. Também se podem ver certas referências a filmes do cinema novo e do chamado “cinema de retomada”, como apontou Lúcia Nagib (“Em ‘O som ao redor’, todos temem a própria sombra”. Folha de S.Paulo, 17/2/1013). Quanto aos thrillers, o diretor cita John Carpenter como um de seus diretores favoritos.
[3]Entre os vários artigos sobre o filme, além do já citado, de L. Nagib: “O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho”, de Luiz Soares Junior (revista Cinética); “O ‘novo’ Brasil nas telas: uma análise do filme ‘O som ao redor’”, de Marco Pestana (blog Convergência); “Um som perturbador” e “‘O som ao redor’, ou filmes que marcam época” (blog em O Estado de S. Paulo) e “Diálogo entre passado e presente para entender o Brasil” (O Estado de S. Paulo, 13/1/2014), de Luiz Zanin; “Ao redor do som”, de Inácio Araújo (blog do autor no UOL); “O escravismo entre o passado e o futuro”, de Joana Salém Vasconcelos (Le monde diplomatique, 7/1/2014); “Obra retrata fim do coronelismo no país”, de Maurício Puls (Folha de S.Paulo, 17/2/2013); “O som ao redor: sociedade em ausculta”, de Christian Gilioti (Laika, vol. 2, nº 3, junho/2013); afora críticas no Time Out Chicago e no Chicago Reader. Apenas Eduardo Escorel avaliou o filme negativamente (cf.: “O som ao redor – violência latente”, Piauí).
[4]Apenas uma das empregadas reage à humilhação da patroa enfrentando-a e defendendo a dignidade pessoal de quem vende sua força de trabalho. Quando, às voltas com as tentativas de fazer os latidos do cão da casa vizinha deixar de (segundo o que ela acredita) provocar-lhe insônia, Bia (Maeve Jinkings) compra um aparelho antilatido – “importado!” – e percebe que a empregada, por não ter lido o aviso sobre a voltagem, queimara-o, censura-a aos berros; a doméstica, então, retruca: “A senhora pode descontar do meu salário. Não precisa gritar. Não precisa falar desse jeito”. Índice histórico do orgulho dos que vêm de baixo, da era Lula?
[5]Já em Boa sorte, meu amor (2013), filme de estreia do também pernambucano Daniel Aragão, o trajeto do protagonista Dirceu (Vinicius Zinn), que, como João, descende de proprietários rurais do sertão pernambucano, revela as forças menos visíveis da riqueza no Recife, isto é, a exploração fundiária, e no sertão, com os altos lucros dos investidores nas obras de transposição do rio São Francisco.
[6]Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antonio de Almeida, é o exemplo mais contundente de alta realização estética em que, apesar do panorama social restrito, sem a presença das camadas dirigentes e dos trabalhadores (no caso, os escravos), a estrutura social profunda do Brasil está formalizada (cf. Antonio Candido, “Dialética da malandragem”, em O discurso e a cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1993, pp. 19-54).
[7]Ou quase, como se insinua na referência à moça suicida, embora também o suicídio possa ser um elemento que atua como mercadoria ou barganha: a mulher interessada no imóvel onde ocorreu o fato pede um desconto no valor do aluguel porque, além do mau agouro, isso desvalorizaria o prédio. João, que não depende do emprego para sobreviver, não deixa por menos: eliminando qualquer possibilidade de atender à demanda, tripudia sobre a falácia argumentativa da interessada e suas superstições: “Não vejo a relação. O que aconteceu não muda em nada a qualidade desse lugar. O apartamento não é mal-assombrado”.
[8]Vejam-se, a respeito, os escritos de Roberto Schwarz, especialmente “Final de século” e “Nunca fomos tão engajados”, de Sequências brasileiras (São Paulo: Companhia das Letras, 1999). De “Agregados antigos e modernos” (entrevista), de Martinha versus Lucrécia(São Paulo, Companhia das Letras, 2012), destaca-se o trecho: “Desde então [época de Joaquim Nabuco], até a crise do nacional-desenvolvimentismo, nos anos 1970, a transformação dos excluídos em assalariados rurais, operários e cidadãos fez parte do ideário progressista. Sobretudo através da industrialização e da reforma agrária, que prometiam reformar o país, acabando com a liga de mandonismo, miséria, clientelismo, subcidadania etc., que nos separavam da modernidade. Com a globalização, essas expectativas passaram por uma redefinição drástica. Para desconcerto geral da esquerda, a modernização agora se tornava excludente e reiterava a marginalização e a desagregação social em grande escala. Para quem não sabia, o progresso do capital e o progresso da sociedade poderiam não coincidir” (p. 178).
Aceito: 25 de Dezembro de 2014
Ivone Daré Rabello é professora sênior do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da FFLCH da Universidade de São Paulo.
Fonte: www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002015000100157
No Espaço Não Existem Sentimentos
4.3 449Beeem legal ;D
Interessante os elementos redondos do filme, haha.
Os Planetas, relógios, componentes da bateria, o painel de atividades, o alvo dos dardos, os pratos, os rostos, o bueiro, as placas, a bola de basquete, o cesto, os desenhos, o bambolê, a lua metade negra (fazendo o equilíbrio), tudo fazendo analogia ao seu comportamento cíclico...
No mais, eu gosto que seja redonda, não que seja marrom! hahaha.
Fique Comigo
3.8 58 Assista AgoraComédia com drama, bem legal, haha.
Adoro esses filmes divididos em curtas que são conectados; (Não parece ser, mas são).
Essa história do astronauta realmente foi fantástica, achei muito real eles tentando se entender.
- Você é testemunha de Jeová?
- NASA, NASA
Hahaha.
E aquela história de Deus observar os humanos pelas estrelas, como se fossem uma espécie de "Olho mágico" (olha aí a referência), achei bem poético!
Mas em geral, como o título Brasileiro do filme fala (Fique Comigo), acho que o filme fala sobre solidão, alguém com quem compartilhar a vida. Acredito que o barulho que todos escutam seriam suas maiores angustias. A enfermeira se incomoda com um bebê chorando, como se precisasse de sua ajuda. O adolescente se preocupa com algo mais brutal, como um tigre. Já a senhora, por ser religiosa, atribui o som a um demônio.
Fiquei muito curioso para saber o que era o som, é genial e perturbador, achei que era o monstro de Lost, haha
Rua Cloverfield, 10
3.5 1,9KO começo todo do filme é muito legal, o problema do final em si nem é...
os alienígenas, e sim o modo como acontece os eventos. Precisa ser tão video game assim? Esperar o monstro abrir a boca para jogar dentro no momento certo. sério? E essas decisões rápidas dela de colocar a máscara de gás na hora do veneno....Nossa, Muito bobinhas essas cenas.
Mas fora isso, é muito criativo a conexão de todos os fatos do bunker. Essa questão do assassino querendo transformar a Michelle em sua filha assim como fez com a outra menina (interessante notar quando ele chama ela de "princesa" no jogo, pois ele só conseguia enxergar ela como sua filha).
As músicas/escotilha que lembram Lost, acho muito legal quando eles fazem essas referências, assim como a ligação com o filme Cloverfield.
O som do filme também foi muito bom, o que foi aquele tiro? haha E a cena inicial da pancada no carro ficou uma edição bem legal para apresentar o filme...
Engraçado notar que por mais que a loucura dele tenha afastado a sua família toda, se a família tivesse apoiado ele, talvez ele provavelmente nem seria tão afetado assim, e ainda teria salvado todos. Acho que fica essa mensagem, de não julgar os loucos, pois as vezes eles podem ser os mais normais, haha.
Sinfonia da Necrópole
3.5 109Muuuuuito bom! Adoro esses musicais com temáticas mais obscuras (Repo The genetic Opera, Nightmare Before Christmas, Sweeney Todd, etc). Esse em particular gostei ainda mais pelo aspecto amador, lembrando um....
Karaokê (olha a referência aí no filme). Ou seja, é algo desafinado que todo mundo pode cantar. E as letras das músicas são tão bonitas, cada uma com sua crítica inclusa em si.
Destaque para a música dos caixões de ricos e pobres, os prédios "verticais" ao fundo representando os futuros "caixões verticais".
E o que foram aqueles pingos de chuva mesclados com teclas de piano anunciando aquela música foda que estava por vir? Genial.
Mais um para os favoritos!
A Bruta Flor do Querer
2.7 46Bem sincero.
Eu não estava me dando conta que o filme era uma auto referência, por isso o final foi bem impactante. Sobre a dificuldade profissional tudo bem, mas talvez a pessoal não tenha tanta dificuldade assim, já que ele via a mulher mais como objeto de desejo do qualquer outra coisa. Um prazer instantâneo? A flor da pele? Talvez seja esse o significado do "Bruta Flor do Querer", tanto na questão das drogas quanto no amor platônico. O filme então poderia ser uma espécie de amadurecimento do protagonista nesse sentido (?). Porque se não, pode ser um pouco machista ou egoísta da parte dele querer um amor instantâneo, apesar de que, como ele fala no filme, as coisas poderiam ser mais fáceis, e que isso tudo é apenas um reflexo dos jovens de hoje dia, da rapidez com que as coisas acontecem, por conta da obrigação de que para ser feliz você não pode estar sozinho.
No mais:
- Achei legal as cenas do nascer do sol.
- Queria escutar novamente a música instrumental que toca entre as transições de partes, juro que lembro dela de algum outro filme.
- O Meu Refrigerador não Funciona, hahaha.
Zoom
3.3 127Gostei bastante do filme!
Esse drama sobre corpo perfeito, padrão de beleza foi muito bem construído nas histórias (aquela parte do facebook ficou muito boa, bem real,, haha). E as três mídias (quadrinhos, cinema e livro) se mesclando foi demais! A trilha sonora também, o jeito como foi filmado algumas cenas (meio que na diagonal), os diálogos, o movimento/expressão dos personagens animados em rotoscopia. Enfim, muito bom,
favoritado!
Zootopia: Essa Cidade é o Bicho
4.2 1,5K Assista AgoraEssa cena do spoiler é muito hilária, haha.
https://www.youtube.com/watch?v=DlD_hxo7UUM
Batman vs Superman - A Origem da Justiça
3.4 5,0K Assista AgoraNão gosto muito de filmes de super heróis, fui tentar ver esse e...
Esse filme é uma confusão. A história é simples mas fazem uma confusão imensa. Que negócio foi aquele do deserto? O que tem a ver aquela bomba do tribunal com o Superman? Por que o Superman está sendo acusado dessas coisas sendo que é óbvio que ele não tem culpa de nada, já que ele tá tentando salvar o mundo o tempo todo!? Que briga forçada é essa do Batman contra o Superman? Que planos "mirabolantes" foram esses do Lex? Ninguém tem motivação de nada ali, Eles mal falam no filme! Nem as mulheres falam e também não passam no teste de Bechdel, principalmente a mulher maravilha, que só aparece para mostrar sua "beleza". Aquelas frases de impacto são tão fora do contexto quanto a própria colagem que aparece no trailer. O filme parece mais uma desculpa para apresentar essa liga da justiça, como obrigação de ter um concorrente aos filmes da Marvel.
Fora a discrepância de poderes, onde colocar humanos contra Deuses torna o filme todo sistemático demais para ter uma luta justa. Nem imagino como deve ser o Flash com a super velocidade, haha.
Acho que no caso da Marvel, apesar de ter erros menores parecidos, pelo menos tem aquela comédia para aliviar. Esse tenta ser sério e épico quando não tem força para criar essa sensação.
Club Sándwich
3.3 27- Que calor, não?
- Acho que já secou.
- Se for xixi, erga a tampa.
O pêlo da barba nasce mais grosso depois de cortado?
Não. Depois que se raspa o pêlo, ele volta a crescer com a mesma espessura de antes, já que, com o barbeador, não se arranca o bulbo do pêlo, que determina seu diâmetro. Ficamos com essa impressão porque o pêlo da barba é cortado rente à pele, justamente no local em que ele é mais grosso - do bulbo à ponta, o pêlo só afina. "É a mesma coisa que acontece com a grama: quando cortamos, ela fica mais espetada, mas não significa que está mais grossa", diz a dermatologista Jane Tomimori Yamashita, professora da Unifesp.
Anomalisa
3.8 497 Assista AgoraMuito bom, mas também bem triste. Longo comentário sobre o filme:
O careca gerente do hotel e o fato de todos ficarem iguais é bem tipo Quero Ser John Malkovich. É legal quando um diretor tem seu próprio estilo e dá para notar essas semelhanças.
Essa animação do filme está fantástica, li que os bonecos foram feitos em uma impressora 3D e ele filmava 2 segundos de história por dia, demorando 4 anos para concluir tudo.
Sobre o aspecto psicológico do filme, acho interessante essa parte do pesadelo, como se fosse seu subconsciente tentando lhe lembrar como é ruim para ele essa aproximação das pessoas, que ocorre logo depois de ele ter dormido com a Lisa. É bem como uma pessoa com depressão se sente, como se todos fossem agradáveis a primeira instância, mas logo depois vem aquela sensação de sufoco.
Li que a canção da boneca japonesa no final se chama Momotaro, que fala sobre uma criança que veio a terra dentro de um pêssego gigante (Japão é cheio dessas coisas, lembrei de outro conto japonês da criança que nasceu dentro de um bambu). Bom, a criança no decorrer da história vai lutar em uma ilha distante cheia de demônios. Lá ela conhece um cachorro, uma ave e um macaco que o ajudam a derrotar esses demônios.
Acredito que a relação da música com o filme seja justamente essa, vez ou outra ele acha amigos (no caso a Lisa) para lutar contra esses demônios (todo o resto do mundo). Ele está nessa busca incansável por amigos, batendo literalmente de porta em porta no hotel. É como uma pessoa com depressão se sente, sempre procurando algo diferente, mas tudo parece ter a mesma voz.
Não entendi muito bem a parte do casal brincando no corredor, seria uma analogia a ele se importar apenas consigo mesmo e ignorar todo o mundo ao seu redor? Pois ele foi pegar o gelo com bastante tranquilidade. Outro ponto dele se importar consigo mesmo são seus vícios, ele parece viciado em fumar (para esquecer a realidade) e também o sexo. (Foi comprar o presente do filho, mas sua cabeça estava em outro lugar, e acabou entrando naquela loja "errada")
Legal quando mostra a amiga da Lisa com o rosto normal no final. Ela era realmente mais bonita que a Lisa, mas ela era loira de olhos esverdeados, talvez sua aparência/personalidade fosse interpretada pelo Michael como o "senso comum", por isso a Lisa lhe pareceu mais atraente, As alternâncias das vozes e a multidão das vozes no final também é muito artístico, genial.
No mais, o Brasil é uma anomalia.
Questão de Tempo
4.3 4,0K Assista AgoraFazia tempo que queria ver esse filme...E realmente é um filme de viagem no tempo bem diferente...Muito bom o tipo de humor, o drama, e...
Achei legal por tratar a viagem no tempo de forma mais natural, e não com toda aquela ação que costuma ter os filmes desse tema. No começo tinha achado ele meio idiota, mas depois entendi que era uma das propostas do filme, a intenção era mostrar como as pessoas podem ser diferentes dependendo das circustâncias, podendo mostrar quem realmente é no interior. Como o pai dele disse no discurso do casamento, todos somos iguais, contamos as mesmas histórias até envelhecer, mas o mais importante é encontrarmos alguém gentil. Mas mesmo com essas soluções utilizando a viagem no tempo, ele praticamente seguiu uma linha de tempo sem muitas alterações. Conheceu a Mary de forma natural (temos que considerar que o encontro real é o do restaurante no escuro, e que obviamnete o Rupert não seria mesmo a melhor pessoa para a Mary, pois ele era um idiota do tipo não gentil). E também não alterou o acidente da irmã por causa da regra de não alterar o passado antes do nascimento do filho. Enfim, tudo natural.
Achei legal também a não preocupação do pai com os poderes, acho que ele sabia que poderia ajeitar as coisas se algo desse errado.
E esse final foi uma homenagem ai efeito borboleta com eles andando na rua? haha
Noivo Neurótico, Noiva Nervosa
4.1 1,1K Assista AgoraMuito aquém do que eu esperava, mas o que eu entendi foi...
Que o filme é meio que uma crítica (espero que seja isso mesmo, e não uma autobiografia do autor, pois isso soaria bem contraditório, já que sempre via gente comentando sobre o Woody Allen como um ser feminista e intelectual). Mas concluí que é uma crítica mesmo, já que ele mesmo fala: "eu não participaria de um clube que me aceitasse como sócio", ou seja, ele reconhece o que é, um otário. Bom, ele começa o filme falando o que deu errado em sua relação. Ele tenta se dizer não depressivo, para provar que está lúcido ao apresentar a visão de relacionamento que ele dá durante todo o filme, que é totalmente pessimista. Ele fala do relacionamento de forma muito pejorativa. Inclusive no final, essa parte do ovo, que quase todo mundo parece achar bonito, soa muito pejorativo se analisado no contexto do filme, é como dizer que as pessoas são loucas e só fica com ela por causa do sexo ou costume, talvez para ter alguém para "pegar as lagostas para ele". Ele soa sempre machista ou egoísta quando é tocado nesses assuntos, quando ele fica com ciúmes do professor David, quando ele fala que é um ser viril, quando ele sempre argumenta que o problema da mulher é que ela está "naqueles dias". Bobagens que todo homem diz... Eles de fato não se gostam e estão juntos por comodismo. Eles também não conversam entre si, fingem sentimentos, não são honestos um com o outro. Assim não dá certo mesmo.
Ou seja, o problema não são os relacionamentos, são as pessoas.
Bem, paralelamente a isso, o filme tem partes engraçadas, como quando o Duane fala que sempre imagina um acidente de carro quando está a dirigir e ele só diz: "Bem Duane, tenho que ir, estão me esperando no planeta terra", e sai, haha. Ou quando ele pergunta para os casais na rua como fazem para serem felizes e o casal só responde: "Porque somos ocos e superficiais", e fica por isso mesmo, haha.
Whiplash: Em Busca da Perfeição
4.4 4,1K Assista AgoraSó consegui assistir agora, e realmente é muito legal.
O que foram esses 14 minutos de música do final? É muito interessante como quase não mostra a plateia e não mostra nem mesmo as palmas da mesma no final, como se ele quisesse reconhecimento apenas do professor psicótico. No meu caso não considero um filme de superação, o próprio professor fala que nunca criou um gênio com esse método. Um gênio poderia nascer independente dessas condições de pressão criadas no filme. Esse método de pressão me lembrou esse vídeo onde os polícias forçam alunos de uma escola a aprender a tabuada:
(se quiser ver o vídeo é só pesquisar "Quem não sabe tabuada não vai pra casa" no google)
Porém, acho que simplesmente dizer sempre "bom trabalho" para um trabalho duvidoso sem argumentar qual foi o erro também não funciona, e isso o professor sabia fazer muito bem. (Era incrível como ele conseguia perceber o erro em um "Qual é a música" de uma nota só, haha.
A conclusão é que deve ter um meio termo nessa busca pela perfeição.
O Lagosta
3.8 1,5K Assista AgoraIncrível, roteiro bastante original... Tratou essa questão da ditadura dos relacionamento de forma genial. Escrevi algumas referências e algumas metáforas do filme aqui:
A parte dos "jogos" me lembrou logo de cara "jogos vorazes", haha. Outro filme popular recente que me veio a memória foi "Her" (talvez por causa do tema solidão e relacionamentos, ou talvez por causa do ator principal ser parecido =p ).
Os paralelos com nossa sociedade criados com os... dois grupos é o mais interessante do filme, sendo o grupo do hotel responsável pela vertente que para ser feliz temos que ter um relacionamento (entre suas regras considera a masturbação algo humilhante e passível de punição). Além de que sozinho você estaria vulnerável a estupros (no caso da mulher, como se ela não tivesse como se defender por conta própria, como se fosse um ser indefeso), e no caso do homem, como se a mulher tivesse que estar sempre presente para cuidar dele. Acredito que essas analogias podem ser estipuladas a igreja e seu conservadorismo; o conceito de casamento, homem e mulher, etc. Em um futuro próximo onde até se aceita a homosexualidade, mas ainda precisa de um passo a mais para aceitar a bisexualidade .
Já do outro lado temos o outro extremo, que reflete o lobo solitário da floresta, que faz tudo sozinho, que não precisa do outro para sobreviver, mas que ao mesmo tempo são caçados psicologicamente pelo grupo que acha que é necessário ter uma relação para fazer parte do gênero humano.
O mais legal também é quando mostram a parte "falsa" das relações, onde simulam gostos apenas para agradar a parceira e fazer parte do grupo dos compromissados. E Colocar uma criança para suprir essa falta de empatia entre os casais é outra crítica muito bem colocada.
Acho que a ideia central que o filme quis passar é que não precisa necessariamente fazer parte de um dos grupos. Existe um caminho do meio. Nem "forçar" nem "não tentar", basta acontecer "naturalmente". Tanto que no final, acredito independente da escolha dele entre cegar os olhos ou não, ele estaria em certo ponto fazendo uma escolha certa, pois já havia amor entre os dois. Se ele escolhesse não se cegar, poderia ficar com ela aceitando as diferenças, provando que as semelhanças não são necessárias. Se ele se cegasse e ficasse com ela, ele estaria se submetendo a algo que põe em cheque sua própria saúde em um ato de empatia, coisa que seu amigo John jamais faria (ele aceitou o nariz sangrar pensando mais na sua sobrevivência do que na mulher, isso é explicado quando ele coloca essa dúvida em uma balança de qual seria o pior). Ou mesmo aquele outro que tiraria a vida da própria esposa atirando nela para se salvar. Porém, no caso do David, seria uma atitude mais altruísta.
E por falar nessas relações dos amigos, acredito que a parte que ele diz que não lembra do John e diz que seu outro amigo é quase como um irmão para ele, eu senti como se fosse uma crítica também as amizades falsas, onde um não liga para o outro (ele diz que não lembra nem do rosto dele) e se diz melhor amigo somente por estar em uma situação de perigo, que precisa de sua colaboração.
Outra coisa legal é a metáfora do grupo introvertido ter mais noção de comunicação não verbal. Sério, esse filme tem tantas metáforas que impossível não achar genial tudo isso.
O Vale do Amor
3.2 40 Assista AgoraMuito bom! Mas acharia mais legal se o tema espiritismo (ou espiritualista) fosse tratado com mais ceticismo... Segue Spoiler:
Assim a gente podia ficar em dúvida se era realmente uma comunicação com a morte ou se era apenas alucinações dos dois por causa do sol intenso do local onde estavam (li que lá é onde foi registrada uma das temperaturas mais altas do planeta, 56 graus).
Faz muito sentido ser o sol, mas as marcas de queimadura poderiam ser em locais menos específicos. Até voltei o filme para ver se ela deixava o tornozelo descoberto no local da queimadura, mas ela sempre estava de calça comprida.
Mas o filme tem um suspense incrível e usado de maneira muito discreta, seja em uma simples cena de um carro passando em alta velocidade ou quando o cachorro aparece de repente. Fora a solidão do local, a dúvida se ele realmente vai aparecer, tudo isso me deixou muito tenso!
Califórnia
3.5 302 Assista AgoraÉ um filme antigo que podia muito bem se passar na realidade atual, tirando os elementos que colocaram apenas para situar o tempo, como telefone sem fio, vinis e fitas cassetes com desenhos, aquela caneta com 4 cores, etc...
- Oi, não sei o que falar, vou para índia, tchau.
haha, ri dessa parte.
Mistress America
3.5 210Esses diálogos rápidos e sem pausas são legais, haha, me lembrou a dinâmica que tinha na série Gilmore Girls. (Acho que se enquadra em um estilo de comédia chamado Screwball Comedy, caracterizado por diálogos rápidos e inteligentes). Gostei da trilha sonora estilo anos 80 (acredito que
chamam isso de sintetizadores, não é?), fez um contraste bem legal com o aspecto moderno que o filme apresenta. No mais, a melhor frase do filme:
"Hey, Essas grávidas são tão inteligentes", haha.
Dope: Um Deslize Perigoso
4.0 351 Assista AgoraGosto desses filmes descompromissados que conseguem equilibrar tensão com comédia. Logo de cara se nota que o filme é bem carismático na fotografia, roteiro, etc...
Em muitos momentos eu fiquei imaginando um filme do jogo GTA nesse mesmo estilo, e por se passar meio que em Los angeles, fez parecer ainda mais semelhante, principalmente na parte onde eles andam de bicicleta naquela fileira com enormes coqueiros. Difícil não lembrar também de "Todo Mundo Odeia o Chris", na parte de ele ser um geek, ter uma narração em off e todo o aspecto crítico do filme sobre ele ser negro.
Amy
4.4 1,0K Assista AgoraAchei muito bem feito o documentário. Pegar as fotos no "google images" e colocar os áudios por cima ficam bem melhor do que aqueles documentários onde colocam pessoas sentadas em frente a câmera falando sobre o "objeto de estudo". A montagem com as músicas juntamente com o contexto de sua vida também ficaram legais.
E também gosto de não endeusarem tanto ela, me senti vendo um filme de drama, que mostra as circunstâncias (ou não) de uma pessoa real cercada por problemas pessoais e relacionados a drogas.
Destaque para aquele final tenso onde ela fica no palco com o psicológico afetado. Realmente perturbador.
Jogos Vorazes: A Esperança - Parte 1
3.8 2,4K Assista AgoraOs primeiros dois filmes são bastante dispensáveis. Os roteiros dos jogos são chatos, não tem emoção nenhuma. Já esse, como não foca tanto nos jogos e sim na revolução, é bem melhor. Gosto em especial da parte da
canção da "árvore do enforcamento" e dos bombardeios sem mostrar os disparos.