A gravidez na adolescência já foi abordada em diversos filmes. Dentre os mais populares está Juno (2007), que trata do tema de maneira cômica e privilegiada. O que é válido, porém, irrealista. Neste filme, no entanto, a gravidez e o aborto são considerados a partir de uma visão crítica, trabalhando com a empatia do espectador, sem necessariamente levantar uma bandeira. Algo que chama atenção na história é que o aborto é legalizado no universo do filme. Mesmo assim, o roteiro mostra como os problemas são mais profundos do que a simples legalização. As barreiras médicas, religiosas, familiares, sociais, financeiras e psicológicas são devidamente retratadas. Visualmente, percebemos a pressão sobre a protagonista por meio dos planos fechados que a acompanham por todo o filme. Sua ausência de apoio é transmitida pelas diversas cenas em que anda isolada por ruas vazias. A casualidade dos assédios revela que isso faz parte da sua rotina, e ainda que seja possível criticar que irrealisticamente todos os homens da narrativa são perversos, compreendo que se trata de um recorte, reunindo o acúmulo de experiências de uma vida. Por ser um acúmulo, conseguimos empatizar mais com a protagonista e o receio de futuras interações, de modo que, ainda que os homens não sejam todos perversos na vida real, compreendemos a percepção de perigo pela possibilidade de serem. E isso não se restringe à protagonista. Tanto que a sequência de perguntas que dá nome ao filme, parece perguntar à espectadora sobre suas experiências pessoais. As facetas dos homens apresentados mostram desde um pai/padastro infantilizado, que tem sua blusa trocada pela esposa segundos depois desta colocar a blusa na filha criança, até o típico esquerdomacho, pagando de legal, mas esperando algo em troca. Never Rarely Sometimes Always indica que legalizar o aborto é só o primeiro passo. Quanto ao resto, estamos apenas engatinhando.
Ainda que a tradução do título seja precisa ao descrever a história de um baterista que começa a perder a audição (primeira frase da sinopse), o título original “The sound of metal” conta outra história por si só. Não somente por se referir ao estilo musical e ao próprio som da bateria, mas, adicionalmente, ao ruído metálico emitido por alguns aparelhos auditivos. A percepção da surdez é apresentada de forma primorosa, graças a um design de som impecável, que amplifica a subjetividade dessa experiência aliada a planos fechados do protagonista – mas sem utilizar um recurso que seria óbvio, a câmera subjetiva (em 1ª pessoa). Além disso, toda música do filme é diegética, isto é, presente somente no universo interno da narrativa, o que implica em um maior senso de realismo. Uma escolha acertada em um filme que fala sobre música, silêncio e o vazio. Não fosse apenas a premissa interessante, o filme toca em temas relevantes, como as diferentes formas de luto, adaptação e a capacidade do tempo de destruir, enquanto constrói. Por mais que a história pudesse ser contada em menos tempo de tela, o roteiro se desdobra em diálogos que dizem muito, com poucas palavras. O que portanto destaca a temática central do silêncio que se encontra capilarizada por toda a obra. O “Som do silêncio” é um drama. Que nos convoca a conversar com a escuridão. Neste processo, discursa como olhar a escuridão é começar a se enxergar. Assim como o silêncio. Possivelmente, a melhor forma de escutar.
A sinopse de “Como nossos pais” (ou como nossas mães) na Netflix é: “Ela consegue lidar com as duas filhas, um marido muitas vezes ausente e uma carreira que não queria ter.” Não. Ela não consegue lidar. Rosa está exausta. Pela falta de tempo, a falta de reconhecimento, a falta respeito. O filme consegue não apenas tratar das diferenças de gênero entremeadas na sociedade, como é capaz de discutir as características geracionais dessas relações. Desde o seu primeiro frame, em que vemos uma panela em destaque e uma mulher desfocada, as cartas estão dadas abertamente. Seja nessa construção, seja no roteiro, tudo é bem direto e o longa deixa as metáforas para as composições visuais. O plano que mostra Rosa como uma mulher dividida, salienta suas metades repartidas entre a preocupação com as filhas (lado esquerdo) e o resto da sua vida (lado direito). Em outro momento, ela está atrás das grades, presa em seu próprio domicílio. A diretora faz questão de destacar essa posição, deixando a grade vibrar por um tempo depois que a protagonista sai de cena. Em momentos mais óbvios, as comparações das rotinas do pai e da mãe elaboram as grandes diferenças entre esses dois papéis – denunciadas pela parede grossa que os divide. Nos momentos mais sutis, o leite derramando mostra como os limites já foram ultrapassados, e só resta a ebulição. “Como nossos pais”, ao contrário do que o título sugere, indica que mudanças de gênero mais intensas ocorrerão para as próximas gerações, as filhas de Rosa. Os tempos felizmente estão mudando. Se você acha que eu tô por fora, ou então que eu tô inventando, é você que é malpassado e que não vê que o novo sempre vem.
Em tempos em que o papel higiênico é um recurso tão escasso que faltam guardanapos para o presidente, “O poço” traz uma alegoria atualizada para nossa realidade. O filme trabalha com um conceito da economia comportamental chamado de “Tragédia dos Bens Comuns”. Segundo este conceito, quando um recurso está disponível para uso ilimitado entre indivíduos, estes irão racionalmente consumir máximo que podem. Entretanto, a tragédia reside no fato de que ao fazerem isso, eles esgotam o recurso desnecessariamente, fazendo com que, ao fim, todos o percam. Tratar deste conceito em uma prisão realça o senso de urgência que os personagens vivem. Por meio da predominância de planos fechados, a sensação de claustrofobia invade os sentidos do espectador. Além disso, a predominância da luz vermelha em algumas cenas eleva o senso de perigo e violência eminente, que é tratada de forma tão gráfica. Por fim, a música muitas vezes lembra um relógio,que eleva tanto a monotonia em um ambiente neutro quanto serve como contagem regressiva para os eventos que estão por vir. Ainda que as questões sociológicas levantadas não levem a debates tão profundos como “Parasita” ou “Ilha das Flores”, sua relevância permanece presente ao abordar concisamente a falha da solidariedade, a falácia da meritocracia e o poder do capital. Mesmo perdendo a força no terceiro ato por não se desenvolver muito além da sua premissa, ela é potente o suficiente para ressoar com todos – do primeiro andar ao fundo do poço.
Ainda que conte com muitos personagens, é capaz de desenvolver e dar personalidade a cada um deles. As cores quentes dos flashbacks e frias do tempo presente não nos perdem na história. E essa divisão temporal torna a narrativa intrigante. Nota: 8/10
A “História de um casamento” é a história de um divórcio. Um divórcio da ideia que se tinha sobre uma pessoa, das memórias que nunca foram e do futuro que nunca será. É um filme que de tão realista, parece absurdo: advogados opostos que discutem como pais, representantes tutelares que observam jantares familiares e burocracias inimagináveis em qualquer ficção. O diretor Noah, tal como em "Frances Ha", é um especialista em filmar diálogos naturais, ainda que boa parte das atuações seja predominada por olhares e não falas. Não só os diálogos e monólogos (como o da advogada sobre a visão da mãe na sociedade cristã) são precisos pela sua veracidade, mas as representações visuais corroboram para uma realidade cortante. Já nas primeiras cenas, o casal separado se posiciona no extremos dos enquadramentos, nos quais literalmente barras de ferro separam a relação. Em outro plano, há um contraste das cores do figurino que se moldam no seu próprio ambiente, mas se destacam de um em relação ao outro, reforçando a polaridade existente. Entretanto, embora o casal seja o foco do filme, a temática não deixa de retornar à relação parental. Em uma cena, quando a personagem de Scarlett Johansson vai para a casa de sua mãe, a matriarca lhe trata como uma criança, enquanto conversa, indiretamente, com aquela pintada em um quadro. Enquanto isso, o personagem de Adam Driver se veste de homem invisível, tornando clara a percepção que tem na sua relação com o filho ao se tornar um pai mais ausente. São detalhes assim, onde um grande sofá representa um imenso vazio e um machucado que se esconde do filho fala tudo sobre o processo do divórcio, que fazem de “A história de um casamento” um filme cruel, carinhoso e, acima de tudo, humano.
Seguindo o conceito da antiguidade clássica, a comédia é um gênero formado por histórias que começam mal e terminam bem. Ainda neste conceito, a comédia trata de homens comuns, enquanto as tragédias abarcam nobres, deuses e, nos dias de hoje, super-heróis. Neste sentindo, Joker é uma comédia. O filme que trata desse homem comum inicia-se com uma câmera se aproximando do protagonista, como todo bom estudo de personagem. Enquanto isso, as rádios informam sobre o acúmulo de lixo causado por uma greve. O lixo está espalhado em diversos enquadramentos durante o filme e mostra também a posição social em que os homens dessa cidade se encontram. A melancolia de Arthur Fleck, em contraste com a fúria que exibe em alguns momentos, transforma esse personagem em uma bomba-relógio. Quando ele visita o Hospital de Arkham o diretor opta por mostrá-lo atrás das grades, enquanto o arquivista documental que trabalha no local está livre. Este detalhe não é apenas um forshadowing da narrativa, como também é extremamente funcional ao criar a tensão necessária para a explosão do Coringa. Quando explode, a violência não é cartunesca como em um filme do Tarantino. Ao contrário, é visceral e palpável. E ainda que o filme pareça fazer uma piada com um anão em uma cena violenta, a tragédia que ele aponta é que nossas risadas são parte do motivo da brutalidade cotidiana. Por mais que o protagonista tenha um arco de sucesso, o filme não pretende glorificar suas atitudes. Sua função é apenas a de relatar e demonstrar os motivos que levam um indivíduo a tomar determinado caminho. Neste caminho formado por pegadas de sangue, Joker mostra que algumas comédias não foram feitas para serem engraçadas.
Qual é a SUA favorita? É essa pergunta que o novo filme de Yorgos Lanthimos nos faz constantemente. Novamente com um roteiro bem original (como em “O Lagosta” e “O Sacrifício do Cervo Sagrado”), Lanthimos nos leva à Inglaterra do século XIII, onde Sarah Churchill e a novata Abigail, lutam para assumir o posto de favorita da majestade, a Rainha Ana. O longa nos coloca no papel da própria rainha ao provocar a reflexão de quem seria a melhor conselheira para a majestade. Ele faz isso estabelecendo um claro contraste entre as personagens em conflito, seja pelo figurino, em que uma usa branco e a outra veste preto; seja por momentos específicos como no da imagem abaixo: onde Abigail está simplesmente segurando uma arma, mas a câmera se posiciona de tal maneira onde parece que ela está realmente apontando para Sarah, tornando implícita a guerra eminente. Além disso, em diversos planos internos o diretor opta por usar uma câmera de “olho de peixe”, na qual as bordas são distorcidas como uma imagem em uma esfera. O posicionamento fixo dessas câmeras nos dá a impressão de assistir a um “Big Brother” da realeza, onde as distorções talvez possam mostrar que, por dentro, nenhuma nobreza é tão nobre quanto parece.
Se você quer que todos gostem de você, corre o risco de perder os que te amem. Green Book corre esse risco. O risco de ser agradável, mas não memorável. E não há nada errado em não ser memorável. A maioria das coisas não é. Mas dá um certa pena ver o desperdício de performances excelentes em um filme que duvida da capacidade do espectador de interpretar o que vê na tela se não jogar na sua cara. Quando é sutil, Green Book funciona bem: como no match cut sonoro que faz interligando o som dos aplausos recebidos pelo pianista Don Shirley com o barulho da chuva sobre o carro. Esta montagem não só favorece a conexão entre as cenas, como também torna clara, de forma simbólica, o diferente tratamento que o personagem recebe quando está nos palcos em comparação com o seu dia-a-dia como afro americano. Entretanto, sutileza é uma exceção no caso desse filme. São diversos os casos em que o diretor força a exibição de um racismo explícito (e até mesmo previsível) para passar somente uma mensagem: racismo é ruim. Não que exista algo de errado com a mensagem. Porém, por ser transmitida por meio de situações e personagens tão caricatos, acredito que ela perde a sua força. Além disso, notei uma cena em particular que pareceu ter sido inserida somente para não prejudicar a imagem da polícia, notoriamente racista nos Estados Unidos, seja na década de 60, seja nos dias de hoje. Apesar de tudo, trata-se um feel good movie que te deixará feliz ao ver os créditos finais. Ao meu ver, só perde pontos por ser tão explícito. Não perceber que, na maioria das vezes, o racismo não está no apontar de dedos, mas no retirar das mãos.
Na tentativa de decifrar o motivo para o título do filme, meu pai observou que ROMA é AMOR ao contrário. Apesar da intenção original do título fosse a de fazer uma referência ao bairro em que o diretor habitava na infância (Colonia Roma), é possível perceber diversas representações de “amor ao contrário” no filme. A primeira está no relacionamento entre empregada doméstica Cleo e a família central. Apesar de dizerem que Cleo é considerada como parte da família, ela é frequentemente comandada de uma forma nada afetuosa. O filme torna clara essa relação na cena em que todos estão assistindo à TV. Enquanto os familiares assistem do sofá, Cleo senta em uma almofada. O plano mostra Cleo mais baixa do que seus patrões, reafirmando a sua posição hierárquica naquele ambiente. Além disso, Cleo é constantemente enquadrada junto a cães, demonstrando que o seu espaço é dividido com eles, e não entre seus empregadores. Esta temática foi trabalhada de forma mais crítica no ótimo “Que horas ela volta?”, mas aqui ela retorna de forma sútil, como para um observador do passado. Esta sensação nostálgica que permeia o filme é acentuada pela fotografia em preto e branco e pelo seu ritmo lento – ritmo esse muito mais associado à nostalgia do que os ritmos acelerados, que nos ligam ao presente ou ao futuro. Neste universo de memória, há o segundo amor ao contrário do filme, representado nas relações entre as mulheres e seus companheiros. Apesar de viverem em classes sociais diferentes, a sororidade é destacada mediante a situações que aproximam a empregada e a empregadora. Este companheirismo é responsável por alguns dos momentos mais emocionantes do longa, onde a experiência feminina na sociedade cria laços que atravessam as muralhas sociais. Roma demonstra que as barreiras que dividem as classes são mais difíceis de se destruir do que qualquer muro que pensem em levantar. Mas há esperança.
Apesar de tratar principalmente da relação homossexual entre Hélio e Oliver, "Me chame pelo seu nome" não traz isso como uma problemática a ser discutida. O foco aqui é falar sobre o amor, independente de qualquer rótulo, origem, cultura ou língua. E por tratar de um sentimento, e não de uma situação, a história se comunica diretamente com o público. Em termos de narrativa, gostaria de destacar como a cor verde representa o personagem de Oliver e a relação afetiva com Hélio. Na sua primeira aparição, Oliver chega em um carro verde, estabelecendo esta rima. Nos seus diversos figurinos esta cor é frequentemente encontrada. Não somente no figurino, mas também no cenário. Quando Hélio deita sobre a cama verde, sabemos exatamente em quem está pensando.
O mesmo acontece no terceiro ato, quando, após se despedirem, Hélio se senta em um banco verde e reflete sobre o amor que se foi. Outra cena que corrobora com esta simbologia é aquela em que, após uma breve discussão, Hélio toca no piano exatamente o que Oliver queria ouvir. Depois disso, este se dirige lentamente a um sofá verde para apreciar o resto da música, mostrando a aproximação entre eles (vídeo). As cenas em que o amor dos dois se desenvolve muitas vezes se dão em meio à natureza, próximas das árvores e da grama. Além disso, após o fim do relacionamento, o filme corta para o inverno: uma estação em que, tipicamente, o verde das árvores deixa de existir e a grama é coberta pela neve branca. Ao fim do filme, o tocar do telefone verde oliva nos revela previamente quem estará do outro lado da linha. Assim, “Me chame pelo seu nome” não retrata o amor apenas como paixão. Ao invés disso, ele representa todas as estações de um relacionamento. Afinal, a natureza das relações é similar à natureza das folhas: surgem, crescem, caem, morrem e adubam novos inícios e novos finais.
Apesar de não ser tão impactante quanto o primeiro filme do diretor Jordan Peele (“Corra!”), “Nós” se destaca como suspense e volta a tocar temas sociais importantes de forma contundente. Neste sentido, o filme resgata principalmente a ideia de como tratamos nossos iguais. Tanto no trailer, quanto nas primeiras cenas, os seres duplicados são apresentados como aqueles que vivem em túneis espalhados pelos Estados Unidos. A clara referência à condição de viver sob a terra e um padrão de vida pior, estabelece como a hierarquia social está muito associada ao espaço geográfico em que se vive. Narrativas do estilo Cyberpunk, ou distópicas em geral, trabalham frequentemente com a ideia de uma “Cidade alta” para os ricos e uma “Cidade Baixa” para os mais pobres. Da mesma maneira, a divisão entre “zona norte e zona sul”; “à beira do mar e morro”; e “centro e periferia” está presente no vocabulário diário. No contexto do filme, é interessante notar como destaca-se a simetria oposta, se assim posso dizer. Primeiramente, a arma central é uma tesoura, instrumento formado por duas partes iguais unidas de forma oposta. Além disso, o frequente uso de espelhos durante o longa (tal qual o ótimo “Cisne Negro”) reflete bem a dualidade vivida pelos personagens. Adicionalmente, planos mais simples, como aquele que exibe um círculo azul sob um disco vermelho com uma estrela (apontando assim as cores da bandeira americana), bem como as sombras dos personagens ao andarem pela praia , levam a diversas metáforas visuais com relação aos dois lados de uma mesma moeda. Até mesmo o versículo Jeremias 11:11 mostra o quão relevante é para o filme apresentar visualmente e narrativamente a simetria naquele universo . Finalmente, o fato de os principais vilões do filme serem cópias sombrias nos leva à questão: o que pode ser mais perigoso sobre nós mesmos do que nossas próprias sombras?
Analisando apenas a abertura de O Rei Leão, como ela consegue capturar a nossa atenção em 4 minutos? Bem, o filme começa com o sol nascendo ao horizonte, o maior símbolo de um rei da história, associado aos mais diversos deuses da antiguidade. A seguir, os animais se despertam e se movem da esquerda para a direita, levando o expectador a questionar qual o objetivo em comum desta locomoção. A resposta vem de forma apoteótica: a pedra do rei, imponente como nunca, apontando para o céu como uma pirâmide. Nela, Mufasa, que possui a cor dourada do sol e o vermelho, representações da riqueza e do poder (e não por coincidência, da casa Lannister de Game of Thrones). Enquanto Zazu e todos os súditos são mostrados de cima para baixo, sinalizando sua subserviência, Mufasa e a própria pedra são sempre exibidos de baixo para cima nas sequências seguintes, mostrando sua superioridade. Depois, Rafiki surge da luz, indicando sua relação com o sagrado e o holístico, que será mais explorada posteriormente. Ele é o único, além de Sarabi, que está no mesmo eixo que Mufasa, e sua amizade é corroborada pela imagem que se abre exibindo ambos em um mesmo plano. A fruta redonda que Rafiki abre revela o sol que abençoa Simba. Finalmente, a apresentação de Simba ao reino é repetida 3 vezes em zooms e cortes rápidos para amplificar o impacto daquela ação (assim como os golpes de Jackie Chan em seus filmes). As trombetas dos elefantes e os demais animais celebram seu mais novo predador. A luz do sol, como um ciclo, retoma o início da cena, abençoando o príncipe e finalizando uma das melhores músicas e aberturas da história do cinema. Fim. Início.
Apesar de Bacurau se passar em um futuro próximo, trata-se de uma representação do passado, e como ele tende a se repetir, caso não exista resistência. Bacurau é uma pequena cidade no interior do nordeste que denuncia o descaso do poder público. O descaso educacional é representado pela escola abandonada e o ônibus escolar sem pneus. O descaso cultural é visto no museu pelo qual alguns não se interessam. O descaso ambiental, na água que é escassa. Apenas uma coisa permanece forte: o povo. Os professores dão aula sob o sol; a médica da cidade trabalha duro com o que tem disponível; e as pessoas cantam e dançam como se estivessem em um musical. A partir dessa crítica evidente, Bacurau tem sido acusado de ser um filme ideológico... mas qual filme não é ideológico? Quanto mais difícil é perceber a ideologia presente em uma obra, mais eficaz ela é. Não é à toa que o exército americano investe milhões em produções audiovisuais. Eu sei, parece teoria conspiratória. Mas a única fake news sai da boca do prefeito da cidade de Bacurau, que trata livros como entulho e os habitantes como gado ainda não adestrado. Dentro do contexto atual, este filme é uma obra necessária. E assim como a ave noturna que dá nome à cidade, Bacurau é um respiro de vida em meio à escuridão.
Se você quer que todos gostem de você, corre o risco de perder os que te amem. Green Book corre esse risco. O risco de ser agradável, mas não memorável. E não há nada errado em não ser memorável. A maioria das coisas não é. Mas dá um certa pena ver o desperdício de performances excelentes em um filme que duvida da capacidade do espectador de interpretar o que vê na tela se não jogar na sua cara. Quando é sutil, Green Book funciona bem: como no match cut sonoro que faz interligando o som dos aplausos recebidos pelo pianista Don Shirley com o barulho da chuva sobre o carro. Esta montagem não só favorece a conexão entre as cenas, como também torna clara, de forma simbólica, o diferente tratamento que o personagem recebe quando está nos palcos em comparação com o seu dia-a-dia como afro americano. Entretanto, sutileza é uma exceção no caso desse filme. São diversos os casos em que o diretor força a exibição de um racismo explícito (e até mesmo previsível) para passar somente uma mensagem: racismo é ruim. Não que exista algo de errado com a mensagem. Porém, por ser transmitida por meio de situações e personagens tão caricatos, acredito que ela perde a sua força. Além disso, notei uma cena em particular que pareceu ter sido inserida somente para não prejudicar a imagem da polícia, notoriamente racista nos Estados Unidos, seja na década de 60, seja nos dias de hoje. Apesar de tudo, trata-se um feel good movie que te deixará feliz ao ver os créditos finais. Ao meu ver, só perde pontos por ser tão explícito. Não perceber que, na maioria das vezes, o racismo não está no apontar de dedos, mas no retirar das mãos.
Quando a rua é a sua casa, você é sua única família. O filme aborda a perspectiva de uma criança (notada pela câmera baixa, na altura dos olhos de um menino), com a eloquência de um adulto. O protagonista é um adulto sem infância: procura emprego, cuida de crianças e sobrevive. Pro outro lado, seus pais, que provavelmente passaram pela mesma trajetória, vivem como crianças: batem, gritam e reagem. Infância faz falta. E o fato da narrativa não os demonizarem, faz com que a crítica se volte ao sistema, e não aos pais. O sistema só atende quem está inserido nele. Todos personagens não cadastrados são tratados como nada. E tudo que se pede é que, por mais triste que seja, o nada se torne alguma coisa.
- O que a Lois Lane foi fazer na nave? Porque convidaram ela? E por que o super homem deu a chave pra ela, assim do nada? - Porque o super homem ficou mais puto quando Zod iria matar 3 pessoas, depois das milhares que ele matou durante a destruição dos prédios? - Como Lane conseguiu andar naquela pedreira de gelo? - Como seus companheiros não reconheceram o cara que ela beijou? É por causa dos óculos de grau?? - Como ele fez a barba dentro da nave de seu pai? - Por que eu paguei pelo o 3D? (não tive escolha na minha cidade, mas ainda assim...) - Por que cachorros não falam?
No entanto, é um filme divertido e promete uma boa continuação.
Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre
4.0 215 Assista AgoraSe você fecha os olhos durante a cena com o cachorro, você identifica o abusador. :(
Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre
4.0 215 Assista AgoraA gravidez na adolescência já foi abordada em diversos filmes. Dentre os mais populares está Juno (2007), que trata do tema de maneira cômica e privilegiada. O que é válido, porém, irrealista. Neste filme, no entanto, a gravidez e o aborto são considerados a partir de uma visão crítica, trabalhando com a empatia do espectador, sem necessariamente levantar uma bandeira. Algo que chama atenção na história é que o aborto é legalizado no universo do filme. Mesmo assim, o roteiro mostra como os problemas são mais profundos do que a simples legalização. As barreiras médicas, religiosas, familiares, sociais, financeiras e psicológicas são devidamente retratadas. Visualmente, percebemos a pressão sobre a protagonista por meio dos planos fechados que a acompanham por todo o filme. Sua ausência de apoio é transmitida pelas diversas cenas em que anda isolada por ruas vazias. A casualidade dos assédios revela que isso faz parte da sua rotina, e ainda que seja possível criticar que irrealisticamente todos os homens da narrativa são perversos, compreendo que se trata de um recorte, reunindo o acúmulo de experiências de uma vida. Por ser um acúmulo, conseguimos empatizar mais com a protagonista e o receio de futuras interações, de modo que, ainda que os homens não sejam todos perversos na vida real, compreendemos a percepção de perigo pela possibilidade de serem. E isso não se restringe à protagonista. Tanto que a sequência de perguntas que dá nome ao filme, parece perguntar à espectadora sobre suas experiências pessoais. As facetas dos homens apresentados mostram desde um pai/padastro infantilizado, que tem sua blusa trocada pela esposa segundos depois desta colocar a blusa na filha criança, até o típico esquerdomacho, pagando de legal, mas esperando algo em troca. Never Rarely Sometimes Always indica que legalizar o aborto é só o primeiro passo. Quanto ao resto, estamos apenas engatinhando.
@vitorfcamposs
O Som do Silêncio
4.1 985 Assista AgoraAinda que a tradução do título seja precisa ao descrever a história de um baterista que começa a perder a audição (primeira frase da sinopse), o título original “The sound of metal” conta outra história por si só. Não somente por se referir ao estilo musical e ao próprio som da bateria, mas, adicionalmente, ao ruído metálico emitido por alguns aparelhos auditivos. A percepção da surdez é apresentada de forma primorosa, graças a um design de som impecável, que amplifica a subjetividade dessa experiência aliada a planos fechados do protagonista – mas sem utilizar um recurso que seria óbvio, a câmera subjetiva (em 1ª pessoa). Além disso, toda música do filme é diegética, isto é, presente somente no universo interno da narrativa, o que implica em um maior senso de realismo. Uma escolha acertada em um filme que fala sobre música, silêncio e o vazio. Não fosse apenas a premissa interessante, o filme toca em temas relevantes, como as diferentes formas de luto, adaptação e a capacidade do tempo de destruir, enquanto constrói. Por mais que a história pudesse ser contada em menos tempo de tela, o roteiro se desdobra em diálogos que dizem muito, com poucas palavras. O que portanto destaca a temática central do silêncio que se encontra capilarizada por toda a obra. O “Som do silêncio” é um drama. Que nos convoca a conversar com a escuridão. Neste processo, discursa como olhar a escuridão é começar a se enxergar. Assim como o silêncio. Possivelmente, a melhor forma de escutar.
@vitorfcamposs
Como Nossos Pais
3.8 444A sinopse de “Como nossos pais” (ou como nossas mães) na Netflix é: “Ela consegue lidar com as duas filhas, um marido muitas vezes ausente e uma carreira que não queria ter.” Não. Ela não consegue lidar. Rosa está exausta. Pela falta de tempo, a falta de reconhecimento, a falta respeito. O filme consegue não apenas tratar das diferenças de gênero entremeadas na sociedade, como é capaz de discutir as características geracionais dessas relações. Desde o seu primeiro frame, em que vemos uma panela em destaque e uma mulher desfocada, as cartas estão dadas abertamente. Seja nessa construção, seja no roteiro, tudo é bem direto e o longa deixa as metáforas para as composições visuais. O plano que mostra Rosa como uma mulher dividida, salienta suas metades repartidas entre a preocupação com as filhas (lado esquerdo) e o resto da sua vida (lado direito). Em outro momento, ela está atrás das grades, presa em seu próprio domicílio. A diretora faz questão de destacar essa posição, deixando a grade vibrar por um tempo depois que a protagonista sai de cena. Em momentos mais óbvios, as comparações das rotinas do pai e da mãe elaboram as grandes diferenças entre esses dois papéis – denunciadas pela parede grossa que os divide. Nos momentos mais sutis, o leite derramando mostra como os limites já foram ultrapassados, e só resta a ebulição. “Como nossos pais”, ao contrário do que o título sugere, indica que mudanças de gênero mais intensas ocorrerão para as próximas gerações, as filhas de Rosa. Os tempos felizmente estão mudando. Se você acha que eu tô por fora, ou então que eu tô inventando, é você que é malpassado e que não vê que o novo sempre vem.
Instagram: @vitorfcamposs
O Poço
3.7 2,1K Assista AgoraEm tempos em que o papel higiênico é um recurso tão escasso que faltam guardanapos para o presidente, “O poço” traz uma alegoria atualizada para nossa realidade. O filme trabalha com um conceito da economia comportamental chamado de “Tragédia dos Bens Comuns”. Segundo este conceito, quando um recurso está disponível para uso ilimitado entre indivíduos, estes irão racionalmente consumir máximo que podem. Entretanto, a tragédia reside no fato de que ao fazerem isso, eles esgotam o recurso desnecessariamente, fazendo com que, ao fim, todos o percam. Tratar deste conceito em uma prisão realça o senso de urgência que os personagens vivem. Por meio da predominância de planos fechados, a sensação de claustrofobia invade os sentidos do espectador. Além disso, a predominância da luz vermelha em algumas cenas eleva o senso de perigo e violência eminente, que é tratada de forma tão gráfica. Por fim, a música muitas vezes lembra um relógio,que eleva tanto a monotonia em um ambiente neutro quanto serve como contagem regressiva para os eventos que estão por vir. Ainda que as questões sociológicas levantadas não levem a debates tão profundos como “Parasita” ou “Ilha das Flores”, sua relevância permanece presente ao abordar concisamente a falha da solidariedade, a falácia da meritocracia e o poder do capital. Mesmo perdendo a força no terceiro ato por não se desenvolver muito além da sua premissa, ela é potente o suficiente para ressoar com todos – do primeiro andar ao fundo do poço.
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Adoráveis Mulheres
4.0 975 Assista AgoraAinda que conte com muitos personagens, é capaz de desenvolver e dar personalidade a cada um deles. As cores quentes dos flashbacks e frias do tempo presente não nos perdem na história. E essa divisão temporal torna a narrativa intrigante. Nota: 8/10
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História de um Casamento
4.0 1,9K Assista AgoraA “História de um casamento” é a história de um divórcio. Um divórcio da ideia que se tinha sobre uma pessoa, das memórias que nunca foram e do futuro que nunca será. É um filme que de tão realista, parece absurdo: advogados opostos que discutem como pais, representantes tutelares que observam jantares familiares e burocracias inimagináveis em qualquer ficção. O diretor Noah, tal como em "Frances Ha", é um especialista em filmar diálogos naturais, ainda que boa parte das atuações seja predominada por olhares e não falas. Não só os diálogos e monólogos (como o da advogada sobre a visão da mãe na sociedade cristã) são precisos pela sua veracidade, mas as representações visuais corroboram para uma realidade cortante. Já nas primeiras cenas, o casal separado se posiciona no extremos dos enquadramentos, nos quais literalmente barras de ferro separam a relação. Em outro plano, há um contraste das cores do figurino que se moldam no seu próprio ambiente, mas se destacam de um em relação ao outro, reforçando a polaridade existente. Entretanto, embora o casal seja o foco do filme, a temática não deixa de retornar à relação parental. Em uma cena, quando a personagem de Scarlett Johansson vai para a casa de sua mãe, a matriarca lhe trata como uma criança, enquanto conversa, indiretamente, com aquela pintada em um quadro. Enquanto isso, o personagem de Adam Driver se veste de homem invisível, tornando clara a percepção que tem na sua relação com o filho ao se tornar um pai mais ausente. São detalhes assim, onde um grande sofá representa um imenso vazio e um machucado que se esconde do filho fala tudo sobre o processo do divórcio, que fazem de “A história de um casamento” um filme cruel, carinhoso e, acima de tudo, humano.
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Coringa
4.4 4,1K Assista AgoraSeguindo o conceito da antiguidade clássica, a comédia é um gênero formado por histórias que começam mal e terminam bem. Ainda neste conceito, a comédia trata de homens comuns, enquanto as tragédias abarcam nobres, deuses e, nos dias de hoje, super-heróis. Neste sentindo, Joker é uma comédia. O filme que trata desse homem comum inicia-se com uma câmera se aproximando do protagonista, como todo bom estudo de personagem. Enquanto isso, as rádios informam sobre o acúmulo de lixo causado por uma greve. O lixo está espalhado em diversos enquadramentos durante o filme e mostra também a posição social em que os homens dessa cidade se encontram. A melancolia de Arthur Fleck, em contraste com a fúria que exibe em alguns momentos, transforma esse personagem em uma bomba-relógio. Quando ele visita o Hospital de Arkham o diretor opta por mostrá-lo atrás das grades, enquanto o arquivista documental que trabalha no local está livre. Este detalhe não é apenas um forshadowing da narrativa, como também é extremamente funcional ao criar a tensão necessária para a explosão do Coringa. Quando explode, a violência não é cartunesca como em um filme do Tarantino. Ao contrário, é visceral e palpável. E ainda que o filme pareça fazer uma piada com um anão em uma cena violenta, a tragédia que ele aponta é que nossas risadas são parte do motivo da brutalidade cotidiana. Por mais que o protagonista tenha um arco de sucesso, o filme não pretende glorificar suas atitudes. Sua função é apenas a de relatar e demonstrar os motivos que levam um indivíduo a tomar determinado caminho. Neste caminho formado por pegadas de sangue, Joker mostra que algumas comédias não foram feitas para serem engraçadas.
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A Favorita
3.9 1,2K Assista AgoraQual é a SUA favorita? É essa pergunta que o novo filme de Yorgos Lanthimos nos faz constantemente. Novamente com um roteiro bem original (como em “O Lagosta” e “O Sacrifício do Cervo Sagrado”), Lanthimos nos leva à Inglaterra do século XIII, onde Sarah Churchill e a novata Abigail, lutam para assumir o posto de favorita da majestade, a Rainha Ana. O longa nos coloca no papel da própria rainha ao provocar a reflexão de quem seria a melhor conselheira para a majestade. Ele faz isso estabelecendo um claro contraste entre as personagens em conflito, seja pelo figurino, em que uma usa branco e a outra veste preto; seja por momentos específicos como no da imagem abaixo: onde Abigail está simplesmente segurando uma arma, mas a câmera se posiciona de tal maneira onde parece que ela está realmente apontando para Sarah, tornando implícita a guerra eminente. Além disso, em diversos planos internos o diretor opta por usar uma câmera de “olho de peixe”, na qual as bordas são distorcidas como uma imagem em uma esfera. O posicionamento fixo dessas câmeras nos dá a impressão de assistir a um “Big Brother” da realeza, onde as distorções talvez possam mostrar que, por dentro, nenhuma nobreza é tão nobre quanto parece.
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Green Book: O Guia
4.1 1,5K Assista AgoraSe você quer que todos gostem de você, corre o risco de perder os que te amem. Green Book corre esse risco. O risco de ser agradável, mas não memorável. E não há nada errado em não ser memorável. A maioria das coisas não é. Mas dá um certa pena ver o desperdício de performances excelentes em um filme que duvida da capacidade do espectador de interpretar o que vê na tela se não jogar na sua cara. Quando é sutil, Green Book funciona bem: como no match cut sonoro que faz interligando o som dos aplausos recebidos pelo pianista Don Shirley com o barulho da chuva sobre o carro. Esta montagem não só favorece a conexão entre as cenas, como também torna clara, de forma simbólica, o diferente tratamento que o personagem recebe quando está nos palcos em comparação com o seu dia-a-dia como afro americano. Entretanto, sutileza é uma exceção no caso desse filme. São diversos os casos em que o diretor força a exibição de um racismo explícito (e até mesmo previsível) para passar somente uma mensagem: racismo é ruim. Não que exista algo de errado com a mensagem. Porém, por ser transmitida por meio de situações e personagens tão caricatos, acredito que ela perde a sua força. Além disso, notei uma cena em particular que pareceu ter sido inserida somente para não prejudicar a imagem da polícia, notoriamente racista nos Estados Unidos, seja na década de 60, seja nos dias de hoje. Apesar de tudo, trata-se um feel good movie que te deixará feliz ao ver os créditos finais. Ao meu ver, só perde pontos por ser tão explícito. Não perceber que, na maioria das vezes, o racismo não está no apontar de dedos, mas no retirar das mãos.
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Roma
4.1 1,4K Assista AgoraNa tentativa de decifrar o motivo para o título do filme, meu pai observou que ROMA é AMOR ao contrário. Apesar da intenção original do título fosse a de fazer uma referência ao bairro em que o diretor habitava na infância (Colonia Roma), é possível perceber diversas representações de “amor ao contrário” no filme. A primeira está no relacionamento entre empregada doméstica Cleo e a família central. Apesar de dizerem que Cleo é considerada como parte da família, ela é frequentemente comandada de uma forma nada afetuosa. O filme torna clara essa relação na cena em que todos estão assistindo à TV. Enquanto os familiares assistem do sofá, Cleo senta em uma almofada. O plano mostra Cleo mais baixa do que seus patrões, reafirmando a sua posição hierárquica naquele ambiente. Além disso, Cleo é constantemente enquadrada junto a cães, demonstrando que o seu espaço é dividido com eles, e não entre seus empregadores. Esta temática foi trabalhada de forma mais crítica no ótimo “Que horas ela volta?”, mas aqui ela retorna de forma sútil, como para um observador do passado. Esta sensação nostálgica que permeia o filme é acentuada pela fotografia em preto e branco e pelo seu ritmo lento – ritmo esse muito mais associado à nostalgia do que os ritmos acelerados, que nos ligam ao presente ou ao futuro. Neste universo de memória, há o segundo amor ao contrário do filme, representado nas relações entre as mulheres e seus companheiros. Apesar de viverem em classes sociais diferentes, a sororidade é destacada mediante a situações que aproximam a empregada e a empregadora. Este companheirismo é responsável por alguns dos momentos mais emocionantes do longa, onde a experiência feminina na sociedade cria laços que atravessam as muralhas sociais. Roma demonstra que as barreiras que dividem as classes são mais difíceis de se destruir do que qualquer muro que pensem em levantar. Mas há esperança.
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Me Chame Pelo Seu Nome
4.1 2,6K Assista AgoraApesar de tratar principalmente da relação homossexual entre Hélio e Oliver, "Me chame pelo seu nome" não traz isso como uma problemática a ser discutida. O foco aqui é falar sobre o amor, independente de qualquer rótulo, origem, cultura ou língua. E por tratar de um sentimento, e não de uma situação, a história se comunica diretamente com o público. Em termos de narrativa, gostaria de destacar como a cor verde representa o personagem de Oliver e a relação afetiva com Hélio. Na sua primeira aparição, Oliver chega em um carro verde, estabelecendo esta rima. Nos seus diversos figurinos esta cor é frequentemente encontrada. Não somente no figurino, mas também no cenário. Quando Hélio deita sobre a cama verde, sabemos exatamente em quem está pensando.
O mesmo acontece no terceiro ato, quando, após se despedirem, Hélio se senta em um banco verde e reflete sobre o amor que se foi. Outra cena que corrobora com esta simbologia é aquela em que, após uma breve discussão, Hélio toca no piano exatamente o que Oliver queria ouvir. Depois disso, este se dirige lentamente a um sofá verde para apreciar o resto da música, mostrando a aproximação entre eles (vídeo). As cenas em que o amor dos dois se desenvolve muitas vezes se dão em meio à natureza, próximas das árvores e da grama. Além disso, após o fim do relacionamento, o filme corta para o inverno: uma estação em que, tipicamente, o verde das árvores deixa de existir e a grama é coberta pela neve branca. Ao fim do filme, o tocar do telefone verde oliva nos revela previamente quem estará do outro lado da linha. Assim, “Me chame pelo seu nome” não retrata o amor apenas como paixão. Ao invés disso, ele representa todas as estações de um relacionamento. Afinal, a natureza das relações é similar à natureza das folhas: surgem, crescem, caem, morrem e adubam novos inícios e novos finais.
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Nós
3.8 2,3K Assista AgoraApesar de não ser tão impactante quanto o primeiro filme do diretor Jordan Peele (“Corra!”), “Nós” se destaca como suspense e volta a tocar temas sociais importantes de forma contundente. Neste sentido, o filme resgata principalmente a ideia de como tratamos nossos iguais. Tanto no trailer, quanto nas primeiras cenas, os seres duplicados são apresentados como aqueles que vivem em túneis espalhados pelos Estados Unidos. A clara referência à condição de viver sob a terra e um padrão de vida pior, estabelece como a hierarquia social está muito associada ao espaço geográfico em que se vive. Narrativas do estilo Cyberpunk, ou distópicas em geral, trabalham frequentemente com a ideia de uma “Cidade alta” para os ricos e uma “Cidade Baixa” para os mais pobres. Da mesma maneira, a divisão entre “zona norte e zona sul”; “à beira do mar e morro”; e “centro e periferia” está presente no vocabulário diário. No contexto do filme, é interessante notar como destaca-se a simetria oposta, se assim posso dizer. Primeiramente, a arma central é uma tesoura, instrumento formado por duas partes iguais unidas de forma oposta. Além disso, o frequente uso de espelhos durante o longa (tal qual o ótimo “Cisne Negro”) reflete bem a dualidade vivida pelos personagens. Adicionalmente, planos mais simples, como aquele que exibe um círculo azul sob um disco vermelho com uma estrela (apontando assim as cores da bandeira americana), bem como as sombras dos personagens ao andarem pela praia , levam a diversas metáforas visuais com relação aos dois lados de uma mesma moeda. Até mesmo o versículo Jeremias 11:11 mostra o quão relevante é para o filme apresentar visualmente e narrativamente a simetria naquele universo . Finalmente, o fato de os principais vilões do filme serem cópias sombrias nos leva à questão: o que pode ser mais perigoso sobre nós mesmos do que nossas próprias sombras?
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O Rei Leão
4.5 2,7K Assista AgoraAnalisando apenas a abertura de O Rei Leão, como ela consegue capturar a nossa atenção em 4 minutos? Bem, o filme começa com o sol nascendo ao horizonte, o maior símbolo de um rei da história, associado aos mais diversos deuses da antiguidade. A seguir, os animais se despertam e se movem da esquerda para a direita, levando o expectador a questionar qual o objetivo em comum desta locomoção. A resposta vem de forma apoteótica: a pedra do rei, imponente como nunca, apontando para o céu como uma pirâmide. Nela, Mufasa, que possui a cor dourada do sol e o vermelho, representações da riqueza e do poder (e não por coincidência, da casa Lannister de Game of Thrones). Enquanto Zazu e todos os súditos são mostrados de cima para baixo, sinalizando sua subserviência, Mufasa e a própria pedra são sempre exibidos de baixo para cima nas sequências seguintes, mostrando sua superioridade. Depois, Rafiki surge da luz, indicando sua relação com o sagrado e o holístico, que será mais explorada posteriormente. Ele é o único, além de Sarabi, que está no mesmo eixo que Mufasa, e sua amizade é corroborada pela imagem que se abre exibindo ambos em um mesmo plano. A fruta redonda que Rafiki abre revela o sol que abençoa Simba. Finalmente, a apresentação de Simba ao reino é repetida 3 vezes em zooms e cortes rápidos para amplificar o impacto daquela ação (assim como os golpes de Jackie Chan em seus filmes). As trombetas dos elefantes e os demais animais celebram seu mais novo predador. A luz do sol, como um ciclo, retoma o início da cena, abençoando o príncipe e finalizando uma das melhores músicas e aberturas da história do cinema. Fim. Início.
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Bacurau
4.3 2,7K Assista AgoraApesar de Bacurau se passar em um futuro próximo, trata-se de uma representação do passado, e como ele tende a se repetir, caso não exista resistência. Bacurau é uma pequena cidade no interior do nordeste que denuncia o descaso do poder público. O descaso educacional é representado pela escola abandonada e o ônibus escolar sem pneus. O descaso cultural é visto no museu pelo qual alguns não se interessam. O descaso ambiental, na água que é escassa. Apenas uma coisa permanece forte: o povo. Os professores dão aula sob o sol; a médica da cidade trabalha duro com o que tem disponível; e as pessoas cantam e dançam como se estivessem em um musical. A partir dessa crítica evidente, Bacurau tem sido acusado de ser um filme ideológico... mas qual filme não é ideológico? Quanto mais difícil é perceber a ideologia presente em uma obra, mais eficaz ela é. Não é à toa que o exército americano investe milhões em produções audiovisuais. Eu sei, parece teoria conspiratória. Mas a única fake news sai da boca do prefeito da cidade de Bacurau, que trata livros como entulho e os habitantes como gado ainda não adestrado. Dentro do contexto atual, este filme é uma obra necessária. E assim como a ave noturna que dá nome à cidade, Bacurau é um respiro de vida em meio à escuridão.
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Green Book: O Guia
4.1 1,5K Assista AgoraSe você quer que todos gostem de você, corre o risco de perder os que te amem. Green Book corre esse risco. O risco de ser agradável, mas não memorável. E não há nada errado em não ser memorável. A maioria das coisas não é. Mas dá um certa pena ver o desperdício de performances excelentes em um filme que duvida da capacidade do espectador de interpretar o que vê na tela se não jogar na sua cara. Quando é sutil, Green Book funciona bem: como no match cut sonoro que faz interligando o som dos aplausos recebidos pelo pianista Don Shirley com o barulho da chuva sobre o carro. Esta montagem não só favorece a conexão entre as cenas, como também torna clara, de forma simbólica, o diferente tratamento que o personagem recebe quando está nos palcos em comparação com o seu dia-a-dia como afro americano. Entretanto, sutileza é uma exceção no caso desse filme. São diversos os casos em que o diretor força a exibição de um racismo explícito (e até mesmo previsível) para passar somente uma mensagem: racismo é ruim. Não que exista algo de errado com a mensagem. Porém, por ser transmitida por meio de situações e personagens tão caricatos, acredito que ela perde a sua força. Além disso, notei uma cena em particular que pareceu ter sido inserida somente para não prejudicar a imagem da polícia, notoriamente racista nos Estados Unidos, seja na década de 60, seja nos dias de hoje. Apesar de tudo, trata-se um feel good movie que te deixará feliz ao ver os créditos finais. Ao meu ver, só perde pontos por ser tão explícito. Não perceber que, na maioria das vezes, o racismo não está no apontar de dedos, mas no retirar das mãos.
Cafarnaum
4.6 673 Assista AgoraQuando a rua é a sua casa, você é sua única família. O filme aborda a perspectiva de uma criança (notada pela câmera baixa, na altura dos olhos de um menino), com a eloquência de um adulto. O protagonista é um adulto sem infância: procura emprego, cuida de crianças e sobrevive. Pro outro lado, seus pais, que provavelmente passaram pela mesma trajetória, vivem como crianças: batem, gritam e reagem. Infância faz falta. E o fato da narrativa não os demonizarem, faz com que a crítica se volte ao sistema, e não aos pais. O sistema só atende quem está inserido nele. Todos personagens não cadastrados são tratados como nada. E tudo que se pede é que, por mais triste que seja, o nada se torne alguma coisa.
Me Chame Pelo Seu Nome
4.1 2,6K Assista AgoraMonólogo do pai
Interestelar
4.3 5,7K Assista AgoraBom filme, mas o terceiro ato me desanimou um pouco. Hans Zimmer mandando ver de novo.
Disque M Para Matar
4.4 680 Assista AgoraUm dos melhores filmes que já vi.
Antes da Meia-Noite
4.2 1,5K Assista AgoraAula de como escrever um diálogo. Não só nesse filme, mas em toda a trilogia.
O Homem de Aço
3.6 3,9K Assista AgoraBom filme, ótima trilha sonora mas com pequenas falhas no roteiro:
- O que a Lois Lane foi fazer na nave? Porque convidaram ela? E por que o super homem deu a chave pra ela, assim do nada?
- Porque o super homem ficou mais puto quando Zod iria matar 3 pessoas, depois das milhares que ele matou durante a destruição dos prédios?
- Como Lane conseguiu andar naquela pedreira de gelo?
- Como seus companheiros não reconheceram o cara que ela beijou? É por causa dos óculos de grau??
- Como ele fez a barba dentro da nave de seu pai?
- Por que eu paguei pelo o 3D? (não tive escolha na minha cidade, mas ainda assim...)
- Por que cachorros não falam?
No entanto, é um filme divertido e promete uma boa continuação.
Django Livre
4.4 5,8K Assista AgoraFoda do começo ao fim.
Indie Game: The Movie
4.3 156 Assista AgoraPaixão. Dedicação. Arte.