Crepúsculo dos Deuses une com perfeição uma narrativa fluida, e fácil de se encantar, com diversas possibilidades de interpretação sobre o seu conteúdo. É um filme, de certa maneira, “anti-Hollywood” (mostra os bastidores não muito éticos dentro dos estúdios, desconstrói a criação artificial do “mito” das estrelas de cinema) mas ao mesmo tempo é uma bela homenagem à indústria ao navegar pelos grandes gêneros de sua “Era de Ouro”: o noir (o filme tem uma narração em off); a comédia (referência cômica a Charles Chaplin, e uma rápida e surpreendente participação de Buster Keaton); musical (apresentação particular de Norma para Joe, interpretado pelo excelente William Holden); e o épico (um filme sendo gravado pelo lendário diretor Cecil B. DeMille, nos estúdios da Paramount).
Para além desse aspecto mais exterior sobre a indústria cinematográfica, a obra entrega um impactante drama psicológico sobre a negação do processo de envelhecimento e a busca obsessiva por uma identidade em um mundo instável, onde tudo é destruído pelo tempo. Gloria Swanson, no papel de Norma Desmond - uma ex-atriz do cinema mudo hollywoodiano –, nos presenteia com uma interpretação esplendorosa e insuperável: cheia de angustia e nostalgia, seus gestos e feições são muito expressivos e expansivos (refletindo inconscientemente, na vida privada, os métodos de interpretação de sua carreira como atriz de cinema mudo); o modo como está sempre se admirando através de espelhos; a obsessão pela sua imagem juvenil.
Este conflito interior de Norma também se reflete nos espaços em que ela habita. O diretor Billy Wilder (“A montanha dos Sete Abutres”, “Se meu apartamento falasse”) capta de modo brilhante o estado psicológico fragmentado da personagem através de uma composição de planos que se alterna entre a decadência e deterioração do antigo casarão da atriz (há toda uma sensação de desolamento e solidão que se concretiza muito bem através da imagem), e as tentativas de reconstruir, materialmente, o seu passado de glória (retratos e fotografias de Norma espalhados por todos os cantos; a sala de cinema particular onde se assisti apenas os seus filmes, o apego a objetos antigos). O trágico propósito de Norma é cristalizar, na decadência atual, a sua persona de uma “Era de Ouro” cada vez mais distante.
Alcançando níveis metalinguísticos poucas vezes proporcionado por outras obras cinematográficas (como o incrível paralelo que pode ser feito entre as histórias de Norma Desmond e Gloria Swanson, uma atriz que também teve seus tempos áureos durante o cinema mudo), Crepúsculo dos Deuses se mantem plenamente relevante; um clássico obrigatório do cinema norte-americano.
O filme proporciona uma experiência verdadeiramente claustrofóbica e angustiante. Mesmo pecando um pouco na caracterização superficial de alguns personagens (com exceção dos ótimos arcos dramáticos de Sarah (Shauna MacDonald) e Juno (Natalie Mendoza)), a obra se sustenta tranquilamente por uma construção progressiva do terror.
Após alguns planos abertos enquadrando uma vasta região de florestas (dando uma sensação agradável de contato com a natureza ao ar livre), somos mergulhados em uma atmosfera de mistério e incômodo, quando o grupo de mulheres inicia a exploração pela caverna. Aqui tudo é literalmente “fechado” e escuro; os planos são construídos em espaços absolutamente estreitos, onde sentimos junto com as personagens uma sensação angustiante ao atravessar aquelas passagens subterrâneas. Já nos espaços mais abertos do local, o trabalho de fotografia se destaca ao mesclar a escuridão permanente com uma iluminação que varia entre o verde e o vermelho
(A cena em que o grupo atravessa um abismo tomado por uma cor fortemente avermelhada é um exemplo inesquecível dessa atmosfera tenebrosa gerada pela variação de cor; um cenário verdadeiramente “infernal”)
. Todos estes elementos de cenário e iluminação – junto com uma trilha sonora misteriosa e perturbadora - estabelecem de forma muito certeira todo o clima de suspense da primeira parte da obra, gerando uma sensação de iminência de uma ameaça maior, oculta na escuridão. E quando ela finalmente surge em cena, o filme explode em espetaculares (e até inesperadas) cenas de combate de puro gore e selvageria.
Este terror crescente, de uma atmosfera de suspense e iminência ao gore explicito, torna Abismo do Medo uma das melhores coisas do gênero que tive o prazer de assistir nos últimos anos.
Herói é um filme que desenvolve a sua narrativa entre um tom épico e grandioso (bem construído através de planos gerais extremos, onde nos deslumbramos com exércitos gigantescos, ou pelo imponente palácio do Rei de Qin ) e por um abordagem sensível de seus conflitos que se aproxima da fábula e do mito – cenas de luta sublimes, coreografadas como uma dança; a presença marcante das cores nos cenários e figurinos, sugerindo concretamente os estados emocionais daqueles personagens; e uma integração orgânica e belíssima entre paisagens naturais e movimentos corporais (a luta das duas mulheres da trama, em meio as folhas caindo das árvores, é um dos melhores exemplos desta interação entre paisagem, cores e movimentos). Com exceção de um pequeno incomodo com uma certa “artificialidade” em algumas coreografias de luta - mesmo entendendo toda a proposta do filme - a experiência no geral é gratificante. Zhang Yimou entrega uma obra contemplativa, poética e épica. Uma verdadeira apologia ao ideal da paz e da unidade, buscada através do caminho do guerreiro.
“Depois de Horas” foi para mim mais um exemplo do quanto pode ser agradável (e até surpreendente) assistir a um filme sem ter a mínima noção de sua trama. Todos os elementos urbanos do universo cinematográfico de Scorsese estão presentes: a vivência noturna, ruas tomadas pela fumaça saída dos bueiros, personagens excêntricos e solitários. E é fantástico como, a partir de sua costumeira abordagem de uma Nova York sombria e decadente, o diretor extrai uma inesperada comédia de erros. Os constantes e rápidos movimentos de câmera e a decupagem ágil das cenas – habituais em sua filmografia – expressam muito bem a cadeia ininterrupta de fatos absolutamente inesperados que se amontoam sobre Paul Hackett (Griffin Dunne). O filme se alterna a todo momento entre um tipo de “angustia” pelo simples (e bizarro) fato do personagem não conseguir voltar para a sua casa (eu estava realmente me incomodando com este ponto) e momentos tão aleatórios e absurdos que tudo o que resta é se render a comicidade de toda aquela situação.
Um filme visceral e absolutamente cruel em suas consequências. É interessante como o diretor Kim Jee Woon se utiliza de uma abordagem quase exagerada – tanto estética quanto dramaticamente – para transmitir os sentimentos e motivações de seus personagens. Na parte inicial do longa, por exemplo, nos momentos de luto após o assassinato da noiva de Kim Soo-hyeon (um agente secreto interpretado por Lee Byung-hun), toda a devastação emocional é abordada de modo bem melodramático: uma trilha sonora forte e emocionante, choros desesperados, situações caóticas. Tal artificio é utilizado de forma muito eficaz, pois é possível se identificar com a dor daquelas pessoas, nos levando facilmente a enxergar o ato de vingança como algo legitimo – e até necessário – para o equilíbrio das coisas.
A trama de vingança em si se desenvolve através de um “jogo de gato e rato” ágil e imprevisível, com cenas de violência extremamente gráficas e estilizadas. E aqui o filme foge de qualquer tipo de idealização - ou de uma suposta justificação - das ações de Kim Soo-hyeon: toda a crueldade do psicopata Kyung-Chul (numa atuação assombrosa e assustadora de Choi Min-sik, do clássico Oldboy) é compensada no momento seguinte por um ato ainda mais brutal do agente secreto. Tudo é mostrado da forma mais crua possível, até o ponto onde a linha que demarca os papéis de herói e vilão, do predador e da presa, se desfaz; e os lados são constantemente invertidos na loucura da vingança. No fim, tudo o que resta é a certeza inescapável da tragédia.
Mais um grande exemplar da tradição sul-coreana de obras de vingança.
Um clássico que cresce em seu nível de tensão e horror a cada revisita. Há aqui uma atmosfera fantasmagórica que está implícita por toda a obra.
Os planos abertos no início do filme, com a câmera deslizando sobre uma vasta região montanhosa até o enquadramento distante do hotel Overlook – local onde a história irá se desenrolar -, são assombrosos e impactantes pela sua escala, e estabelecem de modo eficaz uma sensação de isolamento. Já no interior da construção, Kubrick aborda os seus espaços com enquadramentos gerais e uma câmera sempre em movimento, como que deslizando pelos corredores; por esta perspectiva, sentimos a essência do mal que impregna todos os recantos daquele lugar. E esta ambientação sombria é profundamente reforçada por uma trilha sonora onipresente, que se alterna entre sons abissais e dissonantes.
Em contraste aos planos mais abertos do hotel, Kubrick também se utiliza de uma abordagem mais intima, ao captar as reações e sentimentos dos personagens através de close-ups - com movimento de zoom - dos seus rostos. Assim, podemos contemplar a insanidade crescente através dos olhos vazios de Jack Torrance (Jack Nicholson), ou nos angustiamos com as expressões de tensão e pavor de seu filho, Danny (Danny Lloyd), ao sentir o despertar das forças malignas do local e a influência destas sobre o seu pai. Está perspectiva mais pessoal nos aproxima dos integrantes daquela família, além de estabelecer um forte clima de iminência na primeira parte do longa, por sugerir que a qualquer instante a tragédia irá explodir em tela.
Jack Nicholson é um destaque a parte aqui. Em uma atuação altamente perturbadora, testemunhamos a sua queda no mal através da expressão insana de seus olhos, por movimentos corporais bizarros, até alcançar níveis de extrema brutalidade –
impossível não se retrair de medo, junto com Wendy (Shelley Duvall), ao ouvir Jack parodiando a fala do lobo na história dos três porquinhos, antes de iniciar os golpes de machado na porta do banheiro.
Esse contraste estabelecido por Kubrick entre uma abordagem de câmera impessoal e distante - sugerindo uma força maléfica que se impregna por todos os cantos - e um olhar mais minimalista e próximo das reações concretas dos personagens, é a síntese que gera uma experiência cinematográfica genuinamente perturbadora. Mais do que um clássico do gênero, Kubrick entregou um verdadeiro épico do horror.
Veludo Azul mistura de forma muito singular uma atmosfera de romance adolescente com um suspense mórbido e aterrorizante. Mesmo sendo um dos primeiros filmes de David Lynch, e estando longe de apresentar em sua plenitude a atmosfera surreal e fragmentária de obras posteriores - principalmente a partir de “A estrada perdida” -, o diretor já nos transporta para um universo de dimensões oníricas e bizarras, que estão para além da realidade imediata e banal.
Ao lado de Jeffrey Beaumont (Kile MacLachlan), “cavamos” a superfície de uma cidade pacata e de boa vizinhança (típico modelo do “sonho americano”) e submergimos em reinos ocultos da existência: desde um mundo “subterrâneo” e de pesadelo, domínio de indivíduos degenerados (com destaque para o personagem de Dennis Hopper, numa performance absolutamente bizarra e perturbadora) e de um erotismo mórbido – as cenas no apartamento da cantora Dorothy Vallens (Isabella Rossellini) são tensas e insanas, remetendo inclusive a um voyeurismo bem hitchcockiano -, até realidades mais luminosas, representadas principalmente pela presença de Sandy (Laura Dern), a garota por quem Jeffrey é apaixonado – e é belíssimo como em suas cenas a iluminação do filme adquire uma claridade quase onírica, transmitindo uma intensa sensação de pureza e inocência.
Veludo Azul é um filme fantástico que, mesmo funcionando por si só como um ótimo exemplar de suspense e mistério – até com alguns elementos de noir - já é uma porta de acesso ao enigmático universo lynchiano, onde encontramos as possibilidades mais profundas e antagônicas da natureza humana, da loucura ao sublime.
“O homem que matou o facínora” pode ser considerado uma obra crepuscular, tanto por ser uma espécie de síntese à longa filmografia de John Ford (fundamentada, em grande parte, no gênero de faroeste), quanto do ponto de vista histórico, ao propor uma desconstrução do mito do herói do Velho Oeste.
O drama se desenvolve através da relação ambígua e complexa – que se alterna entre lampejos de amizade e conflitos de ideais - entre Ransom Stoddard (James Stewart) e Tom Doniphon (John Wayne). Os personagens encarnam duas visões de mundo (aparentemente) opostas: por um lado, Doniphon (Wayne) é o mítico pistoleiro do velho Oeste, que acredita na força das armas e da violência como meios de se atingir a justiça e o equilíbrio social; já para Stoddard (Stewart), a lei e a ordem apenas se tornariam uma realidade permanente através de um processo civilizatório fundamentado na educação secular e no processo representativo das democracias. A eterna tensão entre o “passado” e o “futuro”, a “barbárie” e a “civilização”.
No entanto, o fator mais impactante do filme é como ele não trata o seu tema de forma maniqueísta e superficial: ele não eleva o velho Oeste à condição mítica ou heroica, muito menos promove uma desconstrução total do último em defesa de um modelo de civilização supostamente superior (representado pelo progresso tecnológico trazido pelas ferrovias ou pelo sistema representativo das eleições). Ford, ao contrário, propõe um desenvolvimento dialético e ambíguo entre estas duas “forças históricas” durante toda a narrativa, em cenas muito simbólicas:
na eleição que está sendo realizada no bar da cidade de Shinbone, por exemplo, onde tal evento só se torna viável por conta da segurança armada realizada pelo personagem de Wayne no local – inclusive o filme mostra o quanto sua presença ali é essencial por um momento ainda mais sutil, quando ele inicia a sessão ao entregar um martelo de madeira para Ransom, para que assim o advogado consiga exercer a sua “autoridade” política e dê seguimento ao processo; ou numa cena ainda mais emblemática, aquela em que o bandido e assassino Liberty Valance (Lee Marvin), é baleado durante um duelo com Ransom, cambaleia para o lado e cai morto em frente a porta do bar, onde há uma grande faixa indicando o local de eleição.
A forma como estes elementos – contraste entre violência e civilização - se relacionam em cena dão o tom paradoxal e, consequentemente, realista do filme.
Ao propor um desenvolvimento dialético entre os opostos, Ford constrói um retrato ambíguo de uma América que se autoproclama moderna e democrática, mas que tem suas raízes mais profundas no “olho por olho” e no poder das armas, tradições representativas do Velho Oeste, o “mundo antigo e arcaico”. “O homem que matou o facínora” é uma obra essencial do gênero.
A paixão de Joana d´Arc é uma obra tão forte e impactante que talvez seja um dos poucos filmes que realmente possibilitem uma experiência quase “religiosa” ao assisti-lo.
É incrível como o filme, mesmo não utilizando nenhuma espécie de trucagem de câmera ou estilização excessiva na composição da maioria dos planos - o que seria normal para uma obra produzida em pleno cinema mudo -, nos transporta para um mundo interior onde se encontram as mais profundas emoções humanas e o amor divino.
Tal imersão subjetiva é gerada pela mise-en-scène minimalista desenvolvida pelo diretor Carl Theodor Dreyer: os cenários são simples e sem adornos; a câmera a todo momento enquadra as expressões faciais dos personagens em belíssimos close-ups (Dreyer exigiu que os atores não usassem maquiagem no filme, para ressaltar essas expressões). E esse realismo e “simplicidade” da unidade estilística do filme é o que nos conecta aos sentimentos mais profundos de Joana: vivenciamos o sofrimento através de suas lágrimas; nos fortalecemos diante de sua expressão de perseverança ao dar testemunho de sua fé, e “tocamos” em Deus através do seu olhar de amor e de esperança diante do sacramento da Eucaristia.
A atuação de Maria Falconetti é realmente uma das mais impressionantes já realizadas no cinema mudo. A atriz expressa seus sentimentos de forma muito concreta, através do peso palpável de suas expressões, da profundidade de seus olhos, das lágrimas que rolam pelo seu rosto.
A trilha sonora que acompanha a versão mais recente do filme foi composta por Richard Einhorn, em 1994, denominada como Voices of Light. Seus temas sacros ressaltam ainda mais a atmosfera de santidade ao redor da personagem e intensificam a nossa experiência sensorial com a obra.
“A paixão de Joana d´Arc” é um filme realmente maravilhoso e, de certo modo, raro, pelas possibilidades que ele abre ao espectador, onde o Sagrado pode se revelar através da contemplação da superfície material do mundo – personificada no filme pelos rostos dos personagens.
Alguns aspectos técnicos de Dunkirk são realmente fantásticos e geram grandes possibilidades de imersão no campo de batalha: batalhas aéreas muito bem executadas, e encenadas com tal maestria que dão uma sensação de aprofundamento pelos espaços abertos; os bombardeios na praia se amplificam em escala através de um design sonoro verdadeiramente aterrador; e uma trilha sonora com temas muito atmosféricos e que, em certas cenas, evocam um sentimento muito concreto de urgência. Infelizmente, no resultado final, estes bons momentos acabam se tornando elementos isolados dentro de uma narrativa mecânica e previsível.
O diretor Christopher Nolan buscou abordar os acontecimentos de Dunkirk através de pontos de vista distintos, concretizados em 3 arcos narrativos: o dos soldados na praia, o do barco de resgate civil e o das batalhas aéreas; sendo que cada um deles se passa em linhas temporais distintas (1 semana, 1 dia e 1 hora, respectivamente). E o filme até consegue gerar uma boa sensação de tensão em seu início, principalmente nos momentos em que se passam na praia - onde soldados britânicos e franceses estão isolados por um cerco aéreo e terrestre dos alemães. No entanto, estes arcos narrativos, ao se sucederem dentro de uma estrutura de montagem excessivamente lógica e rigorosa, acabam se tornando muito longos e repetitivos, já que, ao menos em dois deles (o do barco de resgate e o das batalhas aéreas), não há muito o que se mostrar durante a maior parte do longa - e o que é mostrado em tela se desenvolve em movimentos cada vez mais previsíveis. Além disso, a falta de carisma e de um maior desenvolvimento de quase todos os personagens expõe a ausência do elemento dramático no filme, impossibilitando a nossa identificação nos momentos de perigo. Com efeito, a imersão progressiva proposta por Nolan - até o ápice que se daria no encontro dos 3 arcos narrativos - se torna altamente comprometida e não gera o impacto emocional esperado.
Acredito que o grande problema do filme está na escolha de Nolan em priorizar o espetáculo técnico, executado dentro de uma organização narrativa complexa e milimetricamente montada, em detrimento de um desenvolvimento dramático mais elaborado e possibilitador - tanto dos acontecimentos quanto dos personagens. Em Dunkirk, não há espaço, por exemplo, para o imprevisível ou para o elemento trágico (com exceção de um pequeno acontecimento). Assim, os personagens, ao invés de serem o centro de conflito do drama, se tornam peças anônimas, distribuídas de forma pré-determinada em suas posições, e que estão ali apenas para agirem dentro de movimentos calculados e seguros no tabuleiro de um grande jogo – a montagem esquemática de várias camadas, uma “assinatura” do diretor.
Em Dunkirk, com exceção de alguns bons momentos de gênero, a guerra e suas possibilidades dramáticas perdem o seu impacto cinematográfico sob a organização metódica e (nesse contexto) excessivamente racional do método de Nolan.
É estimulante a forma como as possibilidades dramáticas do filme se expandem a cada revisita.
Em Seven, somos mergulhados numa história de caça a um serial killer que baseia seus crimes nos pecados capitais da teologia cristã. Já em um primeiro momento, é muito significativo como toda a narrativa se desenvolve numa atmosfera opressiva e pessimista, e a forma como ela aborda os assassinatos é muito impactante: não temos contato direto com a execução dos crimes; ao contrário, tudo o que podemos vislumbrar é o seu resultado final, em imagens verdadeiramente dantescas. Assim, por meio de elementos dos cenários e pistas colhidas pela investigação policial, reconstituímos em nossa imaginação as execuções de tais atos, o que gera uma submersão mais poderosa e sombria na mente perversa do assassino e, em um sentido mais profundo, nas próprias estruturas sociais daquele universo.
Se utilizando da perseguição ao serial killer como mote dramático, o filme vai além e possibilita um vislumbre do mal-estar e alienação da sociedade urbana, principalmente através das reflexões e do cotidiano solitário de personagens como o detetive Somerset (Morgan Freeman) e Tracy (Gwyneth Paltrow), esposa do detetive Mills (Brad Pitt). O mundo de Seven é dominado pelos vícios, violência e apatia generalizadas; e através da direção primorosa de David Fincher, podemos vislumbrar e sentir essa realidade através das escolhas estilísticas do filme: um design de produção marcado por ambientes deteriorados e sujos; uma iluminação precária – um dos elementos formais mais marcantes do longa –, sustentada pela luz natural dos ambientes (lâmpadas de teto, abajures, luz do dia) e que gera um contraste de luz e sombra que aprofunda a atmosfera sombria da trama; uma constante chuva torrencial que toma os cenários externos; as expressões corporais de pessimismo e melancolia que prevalece entre os personagens. Através de tais elementos estéticos, Fincher aborda a cidade como um outro personagem de sua história, um organismo vivo que - através de suas relações sociais - se torna a causa motivadora do isolamento existencial e do pecado generalizado. Dentro desta perspectiva, os crimes em foco na narrativa se tornam peças de um quebra-cabeça: são manifestações "demoníacas" das estruturas de uma sociedade decaída que, em um grau ou outro, corromperá a todos.
Mais do que um clássico do gênero policial, Seven é uma reflexão sobre a decadência urbana e a questão do mal.
A vida dos outros (2006) é um comovente filme alemão vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro. Apoiado sobre um pano de fundo histórico (os últimos anos da Alemanha Oriental socialista) e por um desenvolvimento narrativo que se utiliza de elementos clássicos do gênero de espionagem, o filme reflete sobre a natureza humana e as possibilidades de transformação interior do homem em um mundo dominado pelo medo e paranoia social.
Escrito e dirigido por Florian Henckel von Donnersmarck, acompanhamos a jornada de Gierd Wiesler (Ulrich Muhe), um agente da Stasi - a polícia política da República Democrática Alemã (Alemanha Oriental) – em sua nova missão: espionar diariamente a vida pessoal de um casal de artistas, Georg Dreyman (Sebastian Koch), um dramaturgo de sucesso e (aparente) defensor do regime político alemão, mas que está sob suspeita de ser um agente subversivo do estado socialista, e sua namorada e atriz Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck).
Na primeira parte do filme, temos um exemplar autentico de filme de espionagem, onde são utilizados muitos elementos formais e narrativos do gênero para estabelecer o conflito entre o caçador (Wiesler) e sua presa (Dreyman): desde o olhar vigilante e voyeurístico de Wiesler (demonstrado formalmente através de planos subjetivos) até a invasão do apartamento de Dreyman por uma equipe da Stasi, para instalação dos grampos (uma operação executada de forma austera e matematicamente cronometrada, que se evidencia através de uma decupagem clássica). No entanto, o longa irá fundamentar esse conflito ideológico entre os personagens sobre um antagonismo mais profundo e quase ontológico.
Esse antagonismo se evidencia de uma forma marcante pela mise-en-scene do filme, através de elementos estéticos que refletem a visão de mundo de cada personagem: o mundo de Wiesler – de acordo com o seu completo alinhamento com a sociedade na qual está inserido – é rígido e vazio. Isso se expressa, por exemplo, nas características do seu apartamento: um ambiente austero e frio, com poucos móveis e quase nenhum ornamento (com exceção de alguns pequenos quadros bem espalhados pelas paredes da sala). A sua vida social é marcada por um ambiente silencioso, onde impera o distanciamento social: ruas vazias, um bar com poucas pessoas (e conversas discretas), o refeitório - do seu local de trabalho - com mesas que dividem a classe trabalhadora e os chefes. Nas cores do seu universo – cenários e figurinos - predominam os tons frios e neutros, como o verde e o cinza. E esta rigidez e frieza que se entranha por todas as camadas da sociedade acaba por refletir diretamente no comportamento e na expressão corporal de Wiesler e de todos ao seu redor: são pessoas de poucas (e calculadas) palavras, com gestos contidos e um andar exato – não há espaço para espontaneidade ou descontração.
Já no mundo de Dreyman – representado pelo cotidiano em seu apartamento - é quase o completo oposto. Por baixo da camuflagem social (que é muito bem sugerida através de suas vestimentas marrons, suas falas sempre muito bem ponderadas e alguns objetos de sua casa que mantem aquele verde característico do mundo externo) existe toda uma dimensão paralela de receptividade e de grande sensibilidade artística: seu apartamento é acolhedor e inspira a criação - com plantas, um piano, muitos livros e objetos ornamentais espalhados por todo canto -, além de ser um núcleo de confraternização social, onde todos estão (fisicamente) mais próximos uns dos outros e há mais calor humano.
Todos estes elementos formais, integrados de maneira orgânica no desenvolvimento da narrativa, revelam concretamente esse antagonismo existencial entre Wiesler e Dreyman. No entanto, tal conflito e toda a trama de espionagem será um meio, o mote desencadeador de um acontecimento mais profundo e essencial: o improvável processo de autoconhecimento de Wiesler.
Acredito que aqui alcançamos a verdadeira essência de A vida dos outros, o núcleo do seu drama: o choque de dois mundos que irá gerar uma síntese, a transformação interior de Wiesler. A gradual expansão de sua consciência através do contato direto e constante com os dramas do casal e a sensibilidade artística de Dreyman. Com efeito, partindo de um filme de espionagem, somos transportados – juntos com Wiesler – para uma situação de apreciação artística do belo e do verdadeiro; de espião, Wiesler se transforma no “público” de um artista.
E é muito tocante como essa transformação de Wiesler se desenvolve em cena através de momentos bem pontuais e discretos, como aquela quando, no seu posto de vigia, ele se inclina em sua cadeira, “sentindo” (pela escuta) e seguindo o movimento do abraço de Dreyman em sua namorada, após uma situação trágica; ou pela discreta lágrima ao ouvir Dreyman tocar ao piano “Sonata para um homem bom”. Assim, gradualmente vai se revelando, sob a camada rígida e alienante do mundo de Wiesler, os tesouros de sua vida interior.
A vida dos outros é uma meditação sobre as possibilidades de grandeza do ser humano, onde contemplamos o seu florescimento em um universo hostil a toda bondade e beleza.
A força criativa de um filme como Corrente do Mal (2014) de David Robert Mitchell, está em sua capacidade de inverter completamente a ordem básica do universo fílmico, ao tornar o fundo da cena (ao invés da encenação dos personagens principais) o elemento dramático principal e, consequentemente, o foco de atenção do espectador.
É interesse destacar a maneira como o filme limita o seu enredo de algumas possibilidades narrativas “previsíveis” do gênero em que está inserido: não temos grandes reviravoltas ou revelações sobre a natureza da maldição que possui Jay; nem ela ou seus amigos concebem estratégias geniais para pôr um fim naquela situação (como fica claro com o “plano da piscina”). A própria falta de soluções mais elaboradas por parte dos personagens demonstra a onipresença do mal que estão enfrentando; todos estão submetidos e impotentes diante de um terror desconhecido.
Com esta “simplificação” narrativa – que em um primeiro momento pode parecer limitador – Mitchell fundamenta a construção dramática do seu universo principalmente através dos elementos formais da obra. Assim, a partir do momento em que Jay se torna amaldiçoada, nossa atenção é gradativa e instintivamente raptada pelo fundo da cena: todos os cenários daquele mundo - e todos os “figurantes” que perambulam por eles - se tornam instrumentos de infiltração de um mal desconhecido.
Partindo desta premissa, o filme estabelece suas possibilidades mais estimulantes de experiência com o medo e o terror através da contemplação dos espaços, da iminência e da sugestão do perigo - o que inclusive torna os ataques frontais das entidades, quando ocorrem, muito mais aterrorizantes.
O filme desenvolve de forma tão eficiente esta lógica de uma tensão através dos espaços, que só de a personagem se encontrar em ambientes mais fechados (dentro de casa, num quarto de hospital) automaticamente se instala uma atmosfera claustrofóbica em cena – tanto pela escassez de rotas de fuga como pela consciência que desenvolvemos de uma ameaça invisível que, mesmo se encontrando fora do nosso raio de percepção visual, sentimos que caminha inevitavelmente em direção de sua presa.
Estamos constantemente mergulhados em uma atmosfera de paranoia, pois qualquer um, seja um “figurante” ou amigo próximo, que aparece em cena – ou que são sugeridos para além do plano - pode ser uma encarnação do mal se aproximando vagarosamente de Jay.
Corrente do Mal prova de forma cabal a possibilidade de se gerar grandes experiências de terror através do mistério e da contemplação, indo muito além de artifícios fáceis (jump scare) ou da necessidade de plot twists que invertam completamente a lógica narrativa. Nele, o mal está no “fundo da cena”, possuindo sorrateiramente toda as camadas da existência.
Já em seu longa de estreia, Darren Aronofsky estabelece algumas das referências que se tornarão pilares fundamentais de sua obra: indagações metafisicas; uma realidade moldada através de elementos surrealistas e oníricos e uma atmosfera de alienação kafkaniana.
A característica mais marcante do longa é a forma como ele articula de forma sugestiva um conflito primordial entre uma dimensão espiritual da existência e o seu ocultamento por uma realidade material caótica - isolada de todo contexto metafisico - e seus modelos narrativos e exatos que buscam corrigir tal estado de desordem e de ausência de significado.
Max Cohen é o arquétipo do homem moderno que está consciente de seu isolamento existencial: ele sente o caos, a ausência de sentido da realidade exterior, a fragmentação de sua percepção e de sua própria vida. No entanto, ao tentar transcender tal estado de desordem, Cohen – como um produto de seu tempo – apenas concebe modelos e narrativas de sentido que se enquadrem numa visão de mundo racionalista e materialista. A matemática é o seu Deus.
Está desorientação e alienação de Cohen é desenvolvida através de constantes enquadramentos fechados e movimentos frenéticos e aleatórios de câmera na mão; a fotografia em preto e branco - que adquire um aspecto fosco e “sujo” em certos planos - longe de ser um artificio estético superficial, desempenha um papel muito funcional na narrativa ao refletir o estado onírico e caótico da mente do personagem e a sua impossibilidade de compreender e organizar as formas da realidade externa. Através de tal estrutura estética, somos submetidos a um estado constante de confusão e ignorância, que impossibilita uma visão mais clara dos fatos e o discernimento do que é real ou ilusão.
A possibilidade de “fuga” desta prisão mental de Cohen está para além de todos os seus modelos descritivos e exatos, além de todos os padrões e racionalizações. Dentro dessa perspectiva, o filme se utiliza de forma primorosa da imagem do cérebro como símbolo da prisão existencial da modernidade.
E quando, no ato final do filme, Cohen perfura o seu próprio cérebro com uma furadeira (uma imagem simbólica, provavelmente), enxergamos a necessidade da morte do homem velho, para que o novo se erga.
Pi é uma experiência desafiadora e enigmática que, se articulando através de uma narrativa aparente de thriller psicológico com elementos conspiratórios, aborda as possibilidades de transcendência metafisica (ou, dito de outro modo, da experiência com Deus) para o homem moderno.
Em seu trabalho de direção mais sóbrio e realista até o momento, Darren Aronofsky nos entrega uma obra primorosa, integrando possibilidades míticas e heroicas dentro de uma abordagem estética e narrativa predominantemente realista (e pessimista). Grande parte do impacto dramático do longa deriva dessa constante ambiguidade que marca a relação de Randy (Mickey Rourke) com o mundo: se, por um lado, a luta livre pode ser considerado um meio de fuga da realidade utilizado por ele para escapar dos erros do seu passado e da solidão, por outro angulo, ela também se torna um instrumento de acesso ao reino das possibilidades heroicas do ser humano. No mundo, Randy não era nada; no ringue, ele se tornava o que de melhor havia em sua essência humana. Assim, a luta-livre, mais do que uma expressão artística, é o meio de redenção de Randy, que lhe confere acesso a uma realidade superior que ordena o caos de sua vida. Através da encenação, ele se desfaz do seu “eu real” – um “pedaço de carne velho e destruído”, como ele diz para Stephanie (Evan Rachel Wood), a filha que ele abandonou – para se transformar no “The Ram”, um arquétipo de purificação e inspiração para a única “família” que ele conseguiu construir: o seu público. Para ela, a cada luta, “O Carneiro” sempre será o herói que salvará o mundo no fim do dia, aquele que realizará o “ato expiatório” - como sugerido em um diálogo com a sua amiga stripper, Cassidy (Marisa Tomei), onde surge uma clara analogia entre os ferimentos de Randy e a paixão de Cristo. É esta contradição fundamental entre a tragédia de uma realidade devorada pelo tempo e pelos erros do passado e a realização heroica através do sacrifício pela arte que torna O lutador (2008) um filme, ao mesmo tempo que melancólico, tocante e inspirador.
Filhos da Esperança é um grande filme de futuro distópico, que está envelhecendo muito bem desde o seu lançamento em 2006. A obra nos transporta para Londres, 2027, onde as mulheres não conseguem mais gerar filhos; uma cidade sem vida, tomada por crises imigratórias e conflitos armados entre o governo totalitário e grupos radicais.
Mais do que uma ótima história de ação (com alguns planos-sequencia realmente memoráveis), a grande força da obra se encontra no universo de leis e princípios próprios - criado pelo diretor Alfonso Cuáron - que vai se revelando organicamente na trama através de um complexo e impressionante design de produção. Por exemplo, no primeiro ato da obra, além de gerar a conexão do espectador com o personagem principal, Theo Faron (Clive Owen), a câmera na mão do diretor explora os cenários e objetos que compõem aquele mundo, nos informando sobre os seus hábitos, conflitos e tensões: eles retratam uma Londres que, ao mesmo tempo tecnológica, está tomada por depredação e sujeira. Sentimos o clima sombrio e pessimista daquele lugar através de telas espalhadas pela cidade que transmitem mensagens anti-imigratórias; pelas jaulas de seres humanos (imigrantes ilegais), guardadas por militares bem armados; letreiros anunciando medicações para suicídio (Quietus: “Você decide quando”) e muros com pichações que incitam a rebelião. Além disso, o roteiro inteligentemente evita longos diálogos expositivos que expliquem as causas e o contexto histórico do atual estado de coisas daquela sociedade ao inserir pequenas pistas na trama através de manchetes de jornais antigos espalhados por várias localidades,
A fotografia de cores frias e cinzentas é onipresente, refletindo a atmosfera de morte e desilusão que paira sobre aquele universo. É um lugar em que não há mais criação e beleza: num mundo sem perspectiva de continuidade, não há mais sentido em desenvolve-las.
Filhos da Esperança se torna cada vez mais relevante com o passar do tempo ao discutir (direta ou indiretamente) temas atuais e complexos - a questão imigratória, a baixa natalidade nos países de primeiro mundo, debates sobre eutanásia etc. No entanto, acredito que a mensagem mais tocante de sua narrativa está na jornada heroica de Theo Faron; um simbolo de sacrificio e de esperança para um mundo que, mesmo a beira da extinção, continua trilhando o seu caminho de egoísmo, morte e autodestruição.
"Onde os fracos não tem vez" já é um clássico moderno. Os irmãos Coen brilham mais uma vez aqui e nos entregam um Western contemporâneo mesclado com elementos de horror.
Toda a ação se desenrola em um mundo moralmente degenerado, onde crimes terríveis são expostos todos os dias nos jornais e os "fracos" do titulo são aqueles que se agarram a memória de "tempos mais descentes e honrados", buscando manter a integridade em meio ao caos e violência crescentes.
É um universo árido e sem esperança. Tal atmosfera é brilhantemente captada pelas paisagens vastas e silenciosas e pela acertada opção de substituir uma trilha sonora convencional pelo próprio som daqueles ambientes. O silêncio instaurado é perfeito para o desenvolvimento de cenas de perseguição realmente angustiantes, onde se pode "sentir" a tensão daqueles personagens diante de uma ameaça cada vez mais imprevisível.
Mesmo o personagem principal sendo Llewelyn Moss (interpretado pelo ótimo Josh Brolin), os que se destacam - por serem os contrastes simbólicos do filme - são o já icônico vilão Anton Chigurh e o xerife Ed Tom Bell. O primeiro (interpretado por Javier Bardem) é um arquétipo do mal; ele personifica um terror desconhecido que está para além de todos os interesses banais e do entendimento humano. Chigurh não quer dinheiro ou poder: ele é um agente do Acaso, que exerce seus atos com um método rigoroso e enxerga suas vitimas como meros animais a serem abatidos.
Já as cenas do xerife Ed Tom Bell (encarnado pelo experiente Tommy Lee Jones) surgem como interlúdios reflexivos entre as partes de violência e perseguição desenfreadas. O xerife é a materialização dos sentimentos de insegurança e impotência de uma sociedade subjugada por um mal que está para além de sua compreensão.
Uma obra que realmente incomoda pela dureza de suas ações e pelo anticlímax gerado pela sua resolução. "Onde os fracos não tem vez" reflete a impotência e a violência niilista de nossos tempos.
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Crepúsculo dos Deuses
4.5 794 Assista AgoraCrepúsculo dos Deuses une com perfeição uma narrativa fluida, e fácil de se encantar, com diversas possibilidades de interpretação sobre o seu conteúdo. É um filme, de certa maneira, “anti-Hollywood” (mostra os bastidores não muito éticos dentro dos estúdios, desconstrói a criação artificial do “mito” das estrelas de cinema) mas ao mesmo tempo é uma bela homenagem à indústria ao navegar pelos grandes gêneros de sua “Era de Ouro”: o noir (o filme tem uma narração em off); a comédia (referência cômica a Charles Chaplin, e uma rápida e surpreendente participação de Buster Keaton); musical (apresentação particular de Norma para Joe, interpretado pelo excelente William Holden); e o épico (um filme sendo gravado pelo lendário diretor Cecil B. DeMille, nos estúdios da Paramount).
Para além desse aspecto mais exterior sobre a indústria cinematográfica, a obra entrega um impactante drama psicológico sobre a negação do processo de envelhecimento e a busca obsessiva por uma identidade em um mundo instável, onde tudo é destruído pelo tempo. Gloria Swanson, no papel de Norma Desmond - uma ex-atriz do cinema mudo hollywoodiano –, nos presenteia com uma interpretação esplendorosa e insuperável: cheia de angustia e nostalgia, seus gestos e feições são muito expressivos e expansivos (refletindo inconscientemente, na vida privada, os métodos de interpretação de sua carreira como atriz de cinema mudo); o modo como está sempre se admirando através de espelhos; a obsessão pela sua imagem juvenil.
Este conflito interior de Norma também se reflete nos espaços em que ela habita. O diretor Billy Wilder (“A montanha dos Sete Abutres”, “Se meu apartamento falasse”) capta de modo brilhante o estado psicológico fragmentado da personagem através de uma composição de planos que se alterna entre a decadência e deterioração do antigo casarão da atriz (há toda uma sensação de desolamento e solidão que se concretiza muito bem através da imagem), e as tentativas de reconstruir, materialmente, o seu passado de glória (retratos e fotografias de Norma espalhados por todos os cantos; a sala de cinema particular onde se assisti apenas os seus filmes, o apego a objetos antigos). O trágico propósito de Norma é cristalizar, na decadência atual, a sua persona de uma “Era de Ouro” cada vez mais distante.
Alcançando níveis metalinguísticos poucas vezes proporcionado por outras obras cinematográficas (como o incrível paralelo que pode ser feito entre as histórias de Norma Desmond e Gloria Swanson, uma atriz que também teve seus tempos áureos durante o cinema mudo), Crepúsculo dos Deuses se mantem plenamente relevante; um clássico obrigatório do cinema norte-americano.
Abismo do Medo
3.2 883 Assista AgoraO filme proporciona uma experiência verdadeiramente claustrofóbica e angustiante. Mesmo pecando um pouco na caracterização superficial de alguns personagens (com exceção dos ótimos arcos dramáticos de Sarah (Shauna MacDonald) e Juno (Natalie Mendoza)), a obra se sustenta tranquilamente por uma construção progressiva do terror.
Após alguns planos abertos enquadrando uma vasta região de florestas (dando uma sensação agradável de contato com a natureza ao ar livre), somos mergulhados em uma atmosfera de mistério e incômodo, quando o grupo de mulheres inicia a exploração pela caverna. Aqui tudo é literalmente “fechado” e escuro; os planos são construídos em espaços absolutamente estreitos, onde sentimos junto com as personagens uma sensação angustiante ao atravessar aquelas passagens subterrâneas. Já nos espaços mais abertos do local, o trabalho de fotografia se destaca ao mesclar a escuridão permanente com uma iluminação que varia entre o verde e o vermelho
(A cena em que o grupo atravessa um abismo tomado por uma cor fortemente avermelhada é um exemplo inesquecível dessa atmosfera tenebrosa gerada pela variação de cor; um cenário verdadeiramente “infernal”)
Este terror crescente, de uma atmosfera de suspense e iminência ao gore explicito, torna Abismo do Medo uma das melhores coisas do gênero que tive o prazer de assistir nos últimos anos.
Herói
3.9 334 Assista AgoraHerói é um filme que desenvolve a sua narrativa entre um tom épico e grandioso (bem construído através de planos gerais extremos, onde nos deslumbramos com exércitos gigantescos, ou pelo imponente palácio do Rei de Qin ) e por um abordagem sensível de seus conflitos que se aproxima da fábula e do mito – cenas de luta sublimes, coreografadas como uma dança; a presença marcante das cores nos cenários e figurinos, sugerindo concretamente os estados emocionais daqueles personagens; e uma integração orgânica e belíssima entre paisagens naturais e movimentos corporais (a luta das duas mulheres da trama, em meio as folhas caindo das árvores, é um dos melhores exemplos desta interação entre paisagem, cores e movimentos). Com exceção de um pequeno incomodo com uma certa “artificialidade” em algumas coreografias de luta - mesmo entendendo toda a proposta do filme - a experiência no geral é gratificante. Zhang Yimou entrega uma obra contemplativa, poética e épica. Uma verdadeira apologia ao ideal da paz e da unidade, buscada através do caminho do guerreiro.
Depois de Horas
4.0 457 Assista Agora“Depois de Horas” foi para mim mais um exemplo do quanto pode ser agradável (e até surpreendente) assistir a um filme sem ter a mínima noção de sua trama. Todos os elementos urbanos do universo cinematográfico de Scorsese estão presentes: a vivência noturna, ruas tomadas pela fumaça saída dos bueiros, personagens excêntricos e solitários. E é fantástico como, a partir de sua costumeira abordagem de uma Nova York sombria e decadente, o diretor extrai uma inesperada comédia de erros. Os constantes e rápidos movimentos de câmera e a decupagem ágil das cenas – habituais em sua filmografia – expressam muito bem a cadeia ininterrupta de fatos absolutamente inesperados que se amontoam sobre Paul Hackett (Griffin Dunne). O filme se alterna a todo momento entre um tipo de “angustia” pelo simples (e bizarro) fato do personagem não conseguir voltar para a sua casa (eu estava realmente me incomodando com este ponto) e momentos tão aleatórios e absurdos que tudo o que resta é se render a comicidade de toda aquela situação.
Eu Vi o Diabo
4.1 1,1KUm filme visceral e absolutamente cruel em suas consequências. É interessante como o diretor Kim Jee Woon se utiliza de uma abordagem quase exagerada – tanto estética quanto dramaticamente – para transmitir os sentimentos e motivações de seus personagens. Na parte inicial do longa, por exemplo, nos momentos de luto após o assassinato da noiva de Kim Soo-hyeon (um agente secreto interpretado por Lee Byung-hun), toda a devastação emocional é abordada de modo bem melodramático: uma trilha sonora forte e emocionante, choros desesperados, situações caóticas. Tal artificio é utilizado de forma muito eficaz, pois é possível se identificar com a dor daquelas pessoas, nos levando facilmente a enxergar o ato de vingança como algo legitimo – e até necessário – para o equilíbrio das coisas.
A trama de vingança em si se desenvolve através de um “jogo de gato e rato” ágil e imprevisível, com cenas de violência extremamente gráficas e estilizadas. E aqui o filme foge de qualquer tipo de idealização - ou de uma suposta justificação - das ações de Kim Soo-hyeon: toda a crueldade do psicopata Kyung-Chul (numa atuação assombrosa e assustadora de Choi Min-sik, do clássico Oldboy) é compensada no momento seguinte por um ato ainda mais brutal do agente secreto. Tudo é mostrado da forma mais crua possível, até o ponto onde a linha que demarca os papéis de herói e vilão, do predador e da presa, se desfaz; e os lados são constantemente invertidos na loucura da vingança. No fim, tudo o que resta é a certeza inescapável da tragédia.
Mais um grande exemplar da tradição sul-coreana de obras de vingança.
O Iluminado
4.3 4,0K Assista AgoraUm clássico que cresce em seu nível de tensão e horror a cada revisita. Há aqui uma atmosfera fantasmagórica que está implícita por toda a obra.
Os planos abertos no início do filme, com a câmera deslizando sobre uma vasta região montanhosa até o enquadramento distante do hotel Overlook – local onde a história irá se desenrolar -, são assombrosos e impactantes pela sua escala, e estabelecem de modo eficaz uma sensação de isolamento. Já no interior da construção, Kubrick aborda os seus espaços com enquadramentos gerais e uma câmera sempre em movimento, como que deslizando pelos corredores; por esta perspectiva, sentimos a essência do mal que impregna todos os recantos daquele lugar. E esta ambientação sombria é profundamente reforçada por uma trilha sonora onipresente, que se alterna entre sons abissais e dissonantes.
Em contraste aos planos mais abertos do hotel, Kubrick também se utiliza de uma abordagem mais intima, ao captar as reações e sentimentos dos personagens através de close-ups - com movimento de zoom - dos seus rostos. Assim, podemos contemplar a insanidade crescente através dos olhos vazios de Jack Torrance (Jack Nicholson), ou nos angustiamos com as expressões de tensão e pavor de seu filho, Danny (Danny Lloyd), ao sentir o despertar das forças malignas do local e a influência destas sobre o seu pai. Está perspectiva mais pessoal nos aproxima dos integrantes daquela família, além de estabelecer um forte clima de iminência na primeira parte do longa, por sugerir que a qualquer instante a tragédia irá explodir em tela.
Jack Nicholson é um destaque a parte aqui. Em uma atuação altamente perturbadora, testemunhamos a sua queda no mal através da expressão insana de seus olhos, por movimentos corporais bizarros, até alcançar níveis de extrema brutalidade –
impossível não se retrair de medo, junto com Wendy (Shelley Duvall), ao ouvir Jack parodiando a fala do lobo na história dos três porquinhos, antes de iniciar os golpes de machado na porta do banheiro.
Esse contraste estabelecido por Kubrick entre uma abordagem de câmera impessoal e distante - sugerindo uma força maléfica que se impregna por todos os cantos - e um olhar mais minimalista e próximo das reações concretas dos personagens, é a síntese que gera uma experiência cinematográfica genuinamente perturbadora. Mais do que um clássico do gênero, Kubrick entregou um verdadeiro épico do horror.
Veludo Azul
3.9 776 Assista AgoraVeludo Azul mistura de forma muito singular uma atmosfera de romance adolescente com um suspense mórbido e aterrorizante. Mesmo sendo um dos primeiros filmes de David Lynch, e estando longe de apresentar em sua plenitude a atmosfera surreal e fragmentária de obras posteriores - principalmente a partir de “A estrada perdida” -, o diretor já nos transporta para um universo de dimensões oníricas e bizarras, que estão para além da realidade imediata e banal.
Ao lado de Jeffrey Beaumont (Kile MacLachlan), “cavamos” a superfície de uma cidade pacata e de boa vizinhança (típico modelo do “sonho americano”) e submergimos em reinos ocultos da existência: desde um mundo “subterrâneo” e de pesadelo, domínio de indivíduos degenerados (com destaque para o personagem de Dennis Hopper, numa performance absolutamente bizarra e perturbadora) e de um erotismo mórbido – as cenas no apartamento da cantora Dorothy Vallens (Isabella Rossellini) são tensas e insanas, remetendo inclusive a um voyeurismo bem hitchcockiano -, até realidades mais luminosas, representadas principalmente pela presença de Sandy (Laura Dern), a garota por quem Jeffrey é apaixonado – e é belíssimo como em suas cenas a iluminação do filme adquire uma claridade quase onírica, transmitindo uma intensa sensação de pureza e inocência.
Veludo Azul é um filme fantástico que, mesmo funcionando por si só como um ótimo exemplar de suspense e mistério – até com alguns elementos de noir - já é uma porta de acesso ao enigmático universo lynchiano, onde encontramos as possibilidades mais profundas e antagônicas da natureza humana, da loucura ao sublime.
O Homem Que Matou o Facínora
4.3 167“O homem que matou o facínora” pode ser considerado uma obra crepuscular, tanto por ser uma espécie de síntese à longa filmografia de John Ford (fundamentada, em grande parte, no gênero de faroeste), quanto do ponto de vista histórico, ao propor uma desconstrução do mito do herói do Velho Oeste.
O drama se desenvolve através da relação ambígua e complexa – que se alterna entre lampejos de amizade e conflitos de ideais - entre Ransom Stoddard (James Stewart) e Tom Doniphon (John Wayne). Os personagens encarnam duas visões de mundo (aparentemente) opostas: por um lado, Doniphon (Wayne) é o mítico pistoleiro do velho Oeste, que acredita na força das armas e da violência como meios de se atingir a justiça e o equilíbrio social; já para Stoddard (Stewart), a lei e a ordem apenas se tornariam uma realidade permanente através de um processo civilizatório fundamentado na educação secular e no processo representativo das democracias. A eterna tensão entre o “passado” e o “futuro”, a “barbárie” e a “civilização”.
No entanto, o fator mais impactante do filme é como ele não trata o seu tema de forma maniqueísta e superficial: ele não eleva o velho Oeste à condição mítica ou heroica, muito menos promove uma desconstrução total do último em defesa de um modelo de civilização supostamente superior (representado pelo progresso tecnológico trazido pelas ferrovias ou pelo sistema representativo das eleições). Ford, ao contrário, propõe um desenvolvimento dialético e ambíguo entre estas duas “forças históricas” durante toda a narrativa, em cenas muito simbólicas:
na eleição que está sendo realizada no bar da cidade de Shinbone, por exemplo, onde tal evento só se torna viável por conta da segurança armada realizada pelo personagem de Wayne no local – inclusive o filme mostra o quanto sua presença ali é essencial por um momento ainda mais sutil, quando ele inicia a sessão ao entregar um martelo de madeira para Ransom, para que assim o advogado consiga exercer a sua “autoridade” política e dê seguimento ao processo; ou numa cena ainda mais emblemática, aquela em que o bandido e assassino Liberty Valance (Lee Marvin), é baleado durante um duelo com Ransom, cambaleia para o lado e cai morto em frente a porta do bar, onde há uma grande faixa indicando o local de eleição.
Ao propor um desenvolvimento dialético entre os opostos, Ford constrói um retrato ambíguo de uma América que se autoproclama moderna e democrática, mas que tem suas raízes mais profundas no “olho por olho” e no poder das armas, tradições representativas do Velho Oeste, o “mundo antigo e arcaico”. “O homem que matou o facínora” é uma obra essencial do gênero.
A Paixão de Joana d'Arc
4.5 229 Assista AgoraA paixão de Joana d´Arc é uma obra tão forte e impactante que talvez seja um dos poucos filmes que realmente possibilitem uma experiência quase “religiosa” ao assisti-lo.
É incrível como o filme, mesmo não utilizando nenhuma espécie de trucagem de câmera ou estilização excessiva na composição da maioria dos planos - o que seria normal para uma obra produzida em pleno cinema mudo -, nos transporta para um mundo interior onde se encontram as mais profundas emoções humanas e o amor divino.
Tal imersão subjetiva é gerada pela mise-en-scène minimalista desenvolvida pelo diretor Carl Theodor Dreyer: os cenários são simples e sem adornos; a câmera a todo momento enquadra as expressões faciais dos personagens em belíssimos close-ups (Dreyer exigiu que os atores não usassem maquiagem no filme, para ressaltar essas expressões). E esse realismo e “simplicidade” da unidade estilística do filme é o que nos conecta aos sentimentos mais profundos de Joana: vivenciamos o sofrimento através de suas lágrimas; nos fortalecemos diante de sua expressão de perseverança ao dar testemunho de sua fé, e “tocamos” em Deus através do seu olhar de amor e de esperança diante do sacramento da Eucaristia.
A atuação de Maria Falconetti é realmente uma das mais impressionantes já realizadas no cinema mudo. A atriz expressa seus sentimentos de forma muito concreta, através do peso palpável de suas expressões, da profundidade de seus olhos, das lágrimas que rolam pelo seu rosto.
A trilha sonora que acompanha a versão mais recente do filme foi composta por Richard Einhorn, em 1994, denominada como Voices of Light. Seus temas sacros ressaltam ainda mais a atmosfera de santidade ao redor da personagem e intensificam a nossa experiência sensorial com a obra.
“A paixão de Joana d´Arc” é um filme realmente maravilhoso e, de certo modo, raro, pelas possibilidades que ele abre ao espectador, onde o Sagrado pode se revelar através da contemplação da superfície material do mundo – personificada no filme pelos rostos dos personagens.
Dunkirk
3.8 2,0K Assista AgoraAlguns aspectos técnicos de Dunkirk são realmente fantásticos e geram grandes possibilidades de imersão no campo de batalha: batalhas aéreas muito bem executadas, e encenadas com tal maestria que dão uma sensação de aprofundamento pelos espaços abertos; os bombardeios na praia se amplificam em escala através de um design sonoro verdadeiramente aterrador; e uma trilha sonora com temas muito atmosféricos e que, em certas cenas, evocam um sentimento muito concreto de urgência. Infelizmente, no resultado final, estes bons momentos acabam se tornando elementos isolados dentro de uma narrativa mecânica e previsível.
O diretor Christopher Nolan buscou abordar os acontecimentos de Dunkirk através de pontos de vista distintos, concretizados em 3 arcos narrativos: o dos soldados na praia, o do barco de resgate civil e o das batalhas aéreas; sendo que cada um deles se passa em linhas temporais distintas (1 semana, 1 dia e 1 hora, respectivamente). E o filme até consegue gerar uma boa sensação de tensão em seu início, principalmente nos momentos em que se passam na praia - onde soldados britânicos e franceses estão isolados por um cerco aéreo e terrestre dos alemães. No entanto, estes arcos narrativos, ao se sucederem dentro de uma estrutura de montagem excessivamente lógica e rigorosa, acabam se tornando muito longos e repetitivos, já que, ao menos em dois deles (o do barco de resgate e o das batalhas aéreas), não há muito o que se mostrar durante a maior parte do longa - e o que é mostrado em tela se desenvolve em movimentos cada vez mais previsíveis. Além disso, a falta de carisma e de um maior desenvolvimento de quase todos os personagens expõe a ausência do elemento dramático no filme, impossibilitando a nossa identificação nos momentos de perigo. Com efeito, a imersão progressiva proposta por Nolan - até o ápice que se daria no encontro dos 3 arcos narrativos - se torna altamente comprometida e não gera o impacto emocional esperado.
Acredito que o grande problema do filme está na escolha de Nolan em priorizar o espetáculo técnico, executado dentro de uma organização narrativa complexa e milimetricamente montada, em detrimento de um desenvolvimento dramático mais elaborado e possibilitador - tanto dos acontecimentos quanto dos personagens. Em Dunkirk, não há espaço, por exemplo, para o imprevisível ou para o elemento trágico (com exceção de um pequeno acontecimento). Assim, os personagens, ao invés de serem o centro de conflito do drama, se tornam peças anônimas, distribuídas de forma pré-determinada em suas posições, e que estão ali apenas para agirem dentro de movimentos calculados e seguros no tabuleiro de um grande jogo – a montagem esquemática de várias camadas, uma “assinatura” do diretor.
Em Dunkirk, com exceção de alguns bons momentos de gênero, a guerra e suas possibilidades dramáticas perdem o seu impacto cinematográfico sob a organização metódica e (nesse contexto) excessivamente racional do método de Nolan.
Seven: Os Sete Crimes Capitais
4.3 2,7K Assista AgoraÉ estimulante a forma como as possibilidades dramáticas do filme se expandem a cada revisita.
Em Seven, somos mergulhados numa história de caça a um serial killer que baseia seus crimes nos pecados capitais da teologia cristã. Já em um primeiro momento, é muito significativo como toda a narrativa se desenvolve numa atmosfera opressiva e pessimista, e a forma como ela aborda os assassinatos é muito impactante: não temos contato direto com a execução dos crimes; ao contrário, tudo o que podemos vislumbrar é o seu resultado final, em imagens verdadeiramente dantescas. Assim, por meio de elementos dos cenários e pistas colhidas pela investigação policial, reconstituímos em nossa imaginação as execuções de tais atos, o que gera uma submersão mais poderosa e sombria na mente perversa do assassino e, em um sentido mais profundo, nas próprias estruturas sociais daquele universo.
Se utilizando da perseguição ao serial killer como mote dramático, o filme vai além e possibilita um vislumbre do mal-estar e alienação da sociedade urbana, principalmente através das reflexões e do cotidiano solitário de personagens como o detetive Somerset (Morgan Freeman) e Tracy (Gwyneth Paltrow), esposa do detetive Mills (Brad Pitt). O mundo de Seven é dominado pelos vícios, violência e apatia generalizadas; e através da direção primorosa de David Fincher, podemos vislumbrar e sentir essa realidade através das escolhas estilísticas do filme: um design de produção marcado por ambientes deteriorados e sujos; uma iluminação precária – um dos elementos formais mais marcantes do longa –, sustentada pela luz natural dos ambientes (lâmpadas de teto, abajures, luz do dia) e que gera um contraste de luz e sombra que aprofunda a atmosfera sombria da trama; uma constante chuva torrencial que toma os cenários externos; as expressões corporais de pessimismo e melancolia que prevalece entre os personagens. Através de tais elementos estéticos, Fincher aborda a cidade como um outro personagem de sua história, um organismo vivo que - através de suas relações sociais - se torna a causa motivadora do isolamento existencial e do pecado generalizado. Dentro desta perspectiva, os crimes em foco na narrativa se tornam peças de um quebra-cabeça: são manifestações "demoníacas" das estruturas de uma sociedade decaída que, em um grau ou outro, corromperá a todos.
Mais do que um clássico do gênero policial, Seven é uma reflexão sobre a decadência urbana e a questão do mal.
A Vida dos Outros
4.3 645A vida dos outros (2006) é um comovente filme alemão vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro. Apoiado sobre um pano de fundo histórico (os últimos anos da Alemanha Oriental socialista) e por um desenvolvimento narrativo que se utiliza de elementos clássicos do gênero de espionagem, o filme reflete sobre a natureza humana e as possibilidades de transformação interior do homem em um mundo dominado pelo medo e paranoia social.
Escrito e dirigido por Florian Henckel von Donnersmarck, acompanhamos a jornada de Gierd Wiesler (Ulrich Muhe), um agente da Stasi - a polícia política da República Democrática Alemã (Alemanha Oriental) – em sua nova missão: espionar diariamente a vida pessoal de um casal de artistas, Georg Dreyman (Sebastian Koch), um dramaturgo de sucesso e (aparente) defensor do regime político alemão, mas que está sob suspeita de ser um agente subversivo do estado socialista, e sua namorada e atriz Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck).
Na primeira parte do filme, temos um exemplar autentico de filme de espionagem, onde são utilizados muitos elementos formais e narrativos do gênero para estabelecer o conflito entre o caçador (Wiesler) e sua presa (Dreyman): desde o olhar vigilante e voyeurístico de Wiesler (demonstrado formalmente através de planos subjetivos) até a invasão do apartamento de Dreyman por uma equipe da Stasi, para instalação dos grampos (uma operação executada de forma austera e matematicamente cronometrada, que se evidencia através de uma decupagem clássica). No entanto, o longa irá fundamentar esse conflito ideológico entre os personagens sobre um antagonismo mais profundo e quase ontológico.
Esse antagonismo se evidencia de uma forma marcante pela mise-en-scene do filme, através de elementos estéticos que refletem a visão de mundo de cada personagem: o mundo de Wiesler – de acordo com o seu completo alinhamento com a sociedade na qual está inserido – é rígido e vazio. Isso se expressa, por exemplo, nas características do seu apartamento: um ambiente austero e frio, com poucos móveis e quase nenhum ornamento (com exceção de alguns pequenos quadros bem espalhados pelas paredes da sala). A sua vida social é marcada por um ambiente silencioso, onde impera o distanciamento social: ruas vazias, um bar com poucas pessoas (e conversas discretas), o refeitório - do seu local de trabalho - com mesas que dividem a classe trabalhadora e os chefes. Nas cores do seu universo – cenários e figurinos - predominam os tons frios e neutros, como o verde e o cinza. E esta rigidez e frieza que se entranha por todas as camadas da sociedade acaba por refletir diretamente no comportamento e na expressão corporal de Wiesler e de todos ao seu redor: são pessoas de poucas (e calculadas) palavras, com gestos contidos e um andar exato – não há espaço para espontaneidade ou descontração.
Já no mundo de Dreyman – representado pelo cotidiano em seu apartamento - é quase o completo oposto. Por baixo da camuflagem social (que é muito bem sugerida através de suas vestimentas marrons, suas falas sempre muito bem ponderadas e alguns objetos de sua casa que mantem aquele verde característico do mundo externo) existe toda uma dimensão paralela de receptividade e de grande sensibilidade artística: seu apartamento é acolhedor e inspira a criação - com plantas, um piano, muitos livros e objetos ornamentais espalhados por todo canto -, além de ser um núcleo de confraternização social, onde todos estão (fisicamente) mais próximos uns dos outros e há mais calor humano.
Todos estes elementos formais, integrados de maneira orgânica no desenvolvimento da narrativa, revelam concretamente esse antagonismo existencial entre Wiesler e Dreyman. No entanto, tal conflito e toda a trama de espionagem será um meio, o mote desencadeador de um acontecimento mais profundo e essencial: o improvável processo de autoconhecimento de Wiesler.
Acredito que aqui alcançamos a verdadeira essência de A vida dos outros, o núcleo do seu drama: o choque de dois mundos que irá gerar uma síntese, a transformação interior de Wiesler. A gradual expansão de sua consciência através do contato direto e constante com os dramas do casal e a sensibilidade artística de Dreyman. Com efeito, partindo de um filme de espionagem, somos transportados – juntos com Wiesler – para uma situação de apreciação artística do belo e do verdadeiro; de espião, Wiesler se transforma no “público” de um artista.
E é muito tocante como essa transformação de Wiesler se desenvolve em cena através de momentos bem pontuais e discretos, como aquela quando, no seu posto de vigia, ele se inclina em sua cadeira, “sentindo” (pela escuta) e seguindo o movimento do abraço de Dreyman em sua namorada, após uma situação trágica; ou pela discreta lágrima ao ouvir Dreyman tocar ao piano “Sonata para um homem bom”. Assim, gradualmente vai se revelando, sob a camada rígida e alienante do mundo de Wiesler, os tesouros de sua vida interior.
A vida dos outros é uma meditação sobre as possibilidades de grandeza do ser humano, onde contemplamos o seu florescimento em um universo hostil a toda bondade e beleza.
Corrente do Mal
3.2 1,8K Assista AgoraA força criativa de um filme como Corrente do Mal (2014) de David Robert Mitchell, está em sua capacidade de inverter completamente a ordem básica do universo fílmico, ao tornar o fundo da cena (ao invés da encenação dos personagens principais) o elemento dramático principal e, consequentemente, o foco de atenção do espectador.
É interesse destacar a maneira como o filme limita o seu enredo de algumas possibilidades narrativas “previsíveis” do gênero em que está inserido: não temos grandes reviravoltas ou revelações sobre a natureza da maldição que possui Jay; nem ela ou seus amigos concebem estratégias geniais para pôr um fim naquela situação (como fica claro com o “plano da piscina”). A própria falta de soluções mais elaboradas por parte dos personagens demonstra a onipresença do mal que estão enfrentando; todos estão submetidos e impotentes diante de um terror desconhecido.
Com esta “simplificação” narrativa – que em um primeiro momento pode parecer limitador – Mitchell fundamenta a construção dramática do seu universo principalmente através dos elementos formais da obra. Assim, a partir do momento em que Jay se torna amaldiçoada, nossa atenção é gradativa e instintivamente raptada pelo fundo da cena: todos os cenários daquele mundo - e todos os “figurantes” que perambulam por eles - se tornam instrumentos de infiltração de um mal desconhecido.
Partindo desta premissa, o filme estabelece suas possibilidades mais estimulantes de experiência com o medo e o terror através da contemplação dos espaços, da iminência e da sugestão do perigo - o que inclusive torna os ataques frontais das entidades, quando ocorrem, muito mais aterrorizantes.
O filme desenvolve de forma tão eficiente esta lógica de uma tensão através dos espaços, que só de a personagem se encontrar em ambientes mais fechados (dentro de casa, num quarto de hospital) automaticamente se instala uma atmosfera claustrofóbica em cena – tanto pela escassez de rotas de fuga como pela consciência que desenvolvemos de uma ameaça invisível que, mesmo se encontrando fora do nosso raio de percepção visual, sentimos que caminha inevitavelmente em direção de sua presa.
Estamos constantemente mergulhados em uma atmosfera de paranoia, pois qualquer um, seja um “figurante” ou amigo próximo, que aparece em cena – ou que são sugeridos para além do plano - pode ser uma encarnação do mal se aproximando vagarosamente de Jay.
Corrente do Mal prova de forma cabal a possibilidade de se gerar grandes experiências de terror através do mistério e da contemplação, indo muito além de artifícios fáceis (jump scare) ou da necessidade de plot twists que invertam completamente a lógica narrativa. Nele, o mal está no “fundo da cena”, possuindo sorrateiramente toda as camadas da existência.
Pi
3.8 769 Assista AgoraJá em seu longa de estreia, Darren Aronofsky estabelece algumas das referências que se tornarão pilares fundamentais de sua obra: indagações metafisicas; uma realidade moldada através de elementos surrealistas e oníricos e uma atmosfera de alienação kafkaniana.
A característica mais marcante do longa é a forma como ele articula de forma sugestiva um conflito primordial entre uma dimensão espiritual da existência e o seu ocultamento por uma realidade material caótica - isolada de todo contexto metafisico - e seus modelos narrativos e exatos que buscam corrigir tal estado de desordem e de ausência de significado.
Max Cohen é o arquétipo do homem moderno que está consciente de seu isolamento existencial: ele sente o caos, a ausência de sentido da realidade exterior, a fragmentação de sua percepção e de sua própria vida. No entanto, ao tentar transcender tal estado de desordem, Cohen – como um produto de seu tempo – apenas concebe modelos e narrativas de sentido que se enquadrem numa visão de mundo racionalista e materialista. A matemática é o seu Deus.
Está desorientação e alienação de Cohen é desenvolvida através de constantes enquadramentos fechados e movimentos frenéticos e aleatórios de câmera na mão; a fotografia em preto e branco - que adquire um aspecto fosco e “sujo” em certos planos - longe de ser um artificio estético superficial, desempenha um papel muito funcional na narrativa ao refletir o estado onírico e caótico da mente do personagem e a sua impossibilidade de compreender e organizar as formas da realidade externa. Através de tal estrutura estética, somos submetidos a um estado constante de confusão e ignorância, que impossibilita uma visão mais clara dos fatos e o discernimento do que é real ou ilusão.
A possibilidade de “fuga” desta prisão mental de Cohen está para além de todos os seus modelos descritivos e exatos, além de todos os padrões e racionalizações. Dentro dessa perspectiva, o filme se utiliza de forma primorosa da imagem do cérebro como símbolo da prisão existencial da modernidade.
E quando, no ato final do filme, Cohen perfura o seu próprio cérebro com uma furadeira (uma imagem simbólica, provavelmente), enxergamos a necessidade da morte do homem velho, para que o novo se erga.
Pi é uma experiência desafiadora e enigmática que, se articulando através de uma narrativa aparente de thriller psicológico com elementos conspiratórios, aborda as possibilidades de transcendência metafisica (ou, dito de outro modo, da experiência com Deus) para o homem moderno.
O Lutador
4.0 912Em seu trabalho de direção mais sóbrio e realista até o momento, Darren Aronofsky nos entrega uma obra primorosa, integrando possibilidades míticas e heroicas dentro de uma abordagem estética e narrativa predominantemente realista (e pessimista). Grande parte do impacto dramático do longa deriva dessa constante ambiguidade que marca a relação de Randy (Mickey Rourke) com o mundo: se, por um lado, a luta livre pode ser considerado um meio de fuga da realidade utilizado por ele para escapar dos erros do seu passado e da solidão, por outro angulo, ela também se torna um instrumento de acesso ao reino das possibilidades heroicas do ser humano. No mundo, Randy não era nada; no ringue, ele se tornava o que de melhor havia em sua essência humana. Assim, a luta-livre, mais do que uma expressão artística, é o meio de redenção de Randy, que lhe confere acesso a uma realidade superior que ordena o caos de sua vida. Através da encenação, ele se desfaz do seu “eu real” – um “pedaço de carne velho e destruído”, como ele diz para Stephanie (Evan Rachel Wood), a filha que ele abandonou – para se transformar no “The Ram”, um arquétipo de purificação e inspiração para a única “família” que ele conseguiu construir: o seu público. Para ela, a cada luta, “O Carneiro” sempre será o herói que salvará o mundo no fim do dia, aquele que realizará o “ato expiatório” - como sugerido em um diálogo com a sua amiga stripper, Cassidy (Marisa Tomei), onde surge uma clara analogia entre os ferimentos de Randy e a paixão de Cristo. É esta contradição fundamental entre a tragédia de uma realidade devorada pelo tempo e pelos erros do passado e a realização heroica através do sacrifício pela arte que torna O lutador (2008) um filme, ao mesmo tempo que melancólico, tocante e inspirador.
Filhos da Esperança
3.9 940 Assista AgoraFilhos da Esperança é um grande filme de futuro distópico, que está envelhecendo muito bem desde o seu lançamento em 2006. A obra nos transporta para Londres, 2027, onde as mulheres não conseguem mais gerar filhos; uma cidade sem vida, tomada por crises imigratórias e conflitos armados entre o governo totalitário e grupos radicais.
Mais do que uma ótima história de ação (com alguns planos-sequencia realmente memoráveis), a grande força da obra se encontra no universo de leis e princípios próprios - criado pelo diretor Alfonso Cuáron - que vai se revelando organicamente na trama através de um complexo e impressionante design de produção. Por exemplo, no primeiro ato da obra, além de gerar a conexão do espectador com o personagem principal, Theo Faron (Clive Owen), a câmera na mão do diretor explora os cenários e objetos que compõem aquele mundo, nos informando sobre os seus hábitos, conflitos e tensões: eles retratam uma Londres que, ao mesmo tempo tecnológica, está tomada por depredação e sujeira. Sentimos o clima sombrio e pessimista daquele lugar através de telas espalhadas pela cidade que transmitem mensagens anti-imigratórias; pelas jaulas de seres humanos (imigrantes ilegais), guardadas por militares bem armados; letreiros anunciando medicações para suicídio (Quietus: “Você decide quando”) e muros com pichações que incitam a rebelião. Além disso, o roteiro inteligentemente evita longos diálogos expositivos que expliquem as causas e o contexto histórico do atual estado de coisas daquela sociedade ao inserir pequenas pistas na trama através de manchetes de jornais antigos espalhados por várias localidades,
A fotografia de cores frias e cinzentas é onipresente, refletindo a atmosfera de morte e desilusão que paira sobre aquele universo. É um lugar em que não há mais criação e beleza: num mundo sem perspectiva de continuidade, não há mais sentido em desenvolve-las.
Filhos da Esperança se torna cada vez mais relevante com o passar do tempo ao discutir (direta ou indiretamente) temas atuais e complexos - a questão imigratória, a baixa natalidade nos países de primeiro mundo, debates sobre eutanásia etc. No entanto, acredito que a mensagem mais tocante de sua narrativa está na jornada heroica de Theo Faron; um simbolo de sacrificio e de esperança para um mundo que, mesmo a beira da extinção, continua trilhando o seu caminho de egoísmo, morte e autodestruição.
Onde os Fracos Não Têm Vez
4.1 2,4K Assista Agora"Onde os fracos não tem vez" já é um clássico moderno. Os irmãos Coen brilham mais uma vez aqui e nos entregam um Western contemporâneo mesclado com elementos de horror.
Toda a ação se desenrola em um mundo moralmente degenerado, onde crimes terríveis são expostos todos os dias nos jornais e os "fracos" do titulo são aqueles que se agarram a memória de "tempos mais descentes e honrados", buscando manter a integridade em meio ao caos e violência crescentes.
É um universo árido e sem esperança. Tal atmosfera é brilhantemente captada pelas paisagens vastas e silenciosas e pela acertada opção de substituir uma trilha sonora convencional pelo próprio som daqueles ambientes. O silêncio instaurado é perfeito para o desenvolvimento de cenas de perseguição realmente angustiantes, onde se pode "sentir" a tensão daqueles personagens diante de uma ameaça cada vez mais imprevisível.
Mesmo o personagem principal sendo Llewelyn Moss (interpretado pelo ótimo Josh Brolin), os que se destacam - por serem os contrastes simbólicos do filme - são o já icônico vilão Anton Chigurh e o xerife Ed Tom Bell. O primeiro (interpretado por Javier Bardem) é um arquétipo do mal; ele personifica um terror desconhecido que está para além de todos os interesses banais e do entendimento humano. Chigurh não quer dinheiro ou poder: ele é um agente do Acaso, que exerce seus atos com um método rigoroso e enxerga suas vitimas como meros animais a serem abatidos.
Já as cenas do xerife Ed Tom Bell (encarnado pelo experiente Tommy Lee Jones) surgem como interlúdios reflexivos entre as partes de violência e perseguição desenfreadas. O xerife é a materialização dos sentimentos de insegurança e impotência de uma sociedade subjugada por um mal que está para além de sua compreensão.
Uma obra que realmente incomoda pela dureza de suas ações e pelo anticlímax gerado pela sua resolução. "Onde os fracos não tem vez" reflete a impotência e a violência niilista de nossos tempos.