Uma espécie de homenagem que faz alusão a vários contos do grande Edgar Alan Poe em um mistério policial. Só esqueceram de fazer um bom filme. Partindo de uma ideia batida e sem novidades, o filme mais me pareceu um encapado sangue-suga da obra literária do escritor.
Aos moldes do moderno Sherlock Holmes de Guy Ritchie, "O Corvo" tem um roteiro fraco, com desfecho previsível, com vários furos, elenco limitado e um Alan Poe apelativo. James McTeigue vem traçando uma carreira decrescente iniciada com o excelente "V de Vingança", seguido do interessante "Ninja Assassino" até chegar neste grande equívoco. E era tão difícil assim escolher um título que não entrasse em conflito com filmes que já existem?
O filme é divertido, exagerado, gosto da crítica e das reviravoltas.
Eu só sinto uma falta de um respiro, de um tempo para olhar para a imagem e sentir alguma coisa. Mas tudo é tão rápido, explosivo e dilacerante que no final eu já estava anestesiado. Se aparecesse um mamute verde atirando raios sobrevoando a guerra eu já não me surpreenderia. Acho que é nesse ponto que Tarantino é superior.
Dario Argento é conhecido principalmente pela sofisticação estética em seus giallos. Acusado de romancear e incitar à violência, Argento responde com inspiração às críticas de forma irônica. O protagonista é um escritor igualmente questionado sobre a estilização da violência, traduzindo-se em uma extensão do próprio Dario. Quando é entrevistado, as respostas estão em um patamar metalinguístico que põe um tempero traiçoeiro ao considerar o conjunto da obra. Entende isso quem já sabe o final.
Apesar das interpretações imaturas e da execução teatral, não acidentalmente os atores centrais são todos bonitos ou bem apresentados (os feios são colocados em lugar de repugnância, como o tarado da rua). O modo como Argento constrói suas cenas pode ser desequilibrado nesse sentido, mas é interessante porque consegue criar significados e sensações com a ajuda do quadro e da montagem, seja pelos closes com cortes rápidos ou pelo suspense do plano longo.
Existe um trabalho na fotografia que se refere às cores azul e vermelha que permeiam o límpido branco da tela, em que a luz azul poderia representar o espectro doentio e a vermelha a ambição. Destaque para a magistral cena da perseguição do doberman e da famosa cena do assassinato das lésbicas.
Entretanto, o roteiro deixa a desejar quando o assunto abrange os coadjuvantes. Muitos personagens da história não se justificam, aparecem gratuitamente com o único propósito de morrer em algum momento do filme. Algumas cenas são tão inverossímeis que despertam o órgão cômico do absurdo. A sensação que fica, provavelmente intencional, é a de confusão por não saber realmente quem é ou era o assassino, ainda que a história se explique no desfecho. Tenebre, portanto, é um exercício estético com flertes fetichistas que dá voz a um discurso emblemático de Argento que, com a metalinguagem, vai além da literalidade.
O navio vai deixando suas marcas brilhantes no mar. São as pegadas de um trajeto tortuoso e solitário. E para o ex-marinheiro Freddie Quell, seu passado é o seu motor, sua gasolina, seu tíner tóxico, em que não é preciso ver as cicatrizes em seu rosto para saber que estão lá. "Quero que arrume um lugar no futuro pra você", lhe diz Mary. A boca torta denuncia que nele existe algo atrofiado. Evasivo e orgulhoso demais para desabafar, Fred aprisionou suas angústias que acabaram se tornando demônios. Levou uma vida de dúvidas, cheia de frustrações amorosas, traumas familiares e de guerra. Seus acessos de fúria vulgarizam um espírito desequilibrado e descompromissado que o torna um temido dragão em liberdade. Essa é uma sucinta descrição de um dos mais intensos personagens interpretados pelo excelente Joaquim Phoenix com uma majestosa e absoluta entrega.
Fred acidentalmente descobre que pode ter um mestre: Lancaster Dodd (Hoffman). "Você será minha cobaia e meu protegido", ele diz. E o dragão torna-se uma ovelha. Quell embarca - literalmente - nessa ideia porque ele enxerga em Dodd uma possível cura para seu comportamento instável. O que motiva Fred (o mais bonito do personagem) é a esperança de reaver um amor do passado que, se obtivesse sucesso em se readequar na sociedade e ter relações saudáveis, voltaria para casa e pediria esta garota em casamento. “Ela está cantando. Sua voz me acalma”. Na cena em que a filha casada de Dodd põe a mão entre as pernas de Fred, por exemplo, ele resiste e a repulsa - mesmo sendo fanático por sexo - porque ali existe uma meta a ser atingida, uma devoção, um sacrifício.
Acontece que, embora Freddie seja um adepto fiel à Causa, quase um cão em adestramento, o filme vai aos poucos botando em xeque a credibilidade de Dodd e suas crenças místicas. Seu próprio filho é descrente, embora o acompanhe nos eventos. Com a conduta do Mestre ameaçada pela própria narrativa, não estamos mais certos se ele conseguirá aparar e restaurar os estilhaços de Quell ou provocará um tornado ainda maior. Não se vê melhoras e Fred percebe isso. Começa a ficar difícil segurar a besta dentro de si, mas Dodd sempre está por perto para sedá-lo com sua paciência profética e seus abraços fraternos. Se alguém se opõe à obra, Fred ataca, porque se recusa a aceitar a verdade de que sua única âncora é uma farsa. Até mesmo Dodd apela para termos ofensivos quando está contra a parede. A cena das celas é análoga à condição em que ambos são postos em quadro no sentido de que suas distinções na verdade são irrelevantes, porque na verdade estão sujeitos às mesmas dúvidas e condições. Se Fred rejeita se abrir à verdade, Dodd é um grande maestro da mentira.
Fred abandona A Causa e vai embora, mas dessa vez, em terra firme, na solidão do deserto. Quell vai em busca de sua amada como um Forrest Gump, mas somente para outra frustração. Volta para o Mestre com o rabo entre as pernas, mas decidido a não continuar com ele porque sua motivação não existe mais. A cena da despedida é aterradora. Quell volta para o seu mundo de liberdade para velejar por algum ponto da terra, do mar ou de si. Freddie apenas deita na praia ao lado de seu sonho de areia.
Destaques para a perfeição da arte, fotografia, atuações e trilha (prefiro a de “Sangue Negro”). Mesmo com um roteiro um pouco aquém da instantânea compreensão, por vezes confuso, Paul Thomas Anderson reafirma o grande diretor que é abrindo uma discussão não só sobre o cientologismo, mas a qualquer segmento organizado de fé e seus falsos ídolos que propõe doutrinas questionáveis. Sobretudo, uma obra que fala sobre a dificuldade do ser humano a se adaptar no mundo. Estou certo de que a cena mais marcante é a da primeira sessão, em que Phoenix se dá tapas e não pode piscar.
“Se descobrir um modo de viver sem servir a um mestre, qualquer mestre, então nos conte como conseguiu. Você seria a primeira pessoa na história do mundo.”
Dos indicados para o Oscar deste ano, foi um dos que mais gostei, certamente o mais cativante que assisti até agora. É bom ver que uma comédia romântica pôde alcançar esse nível de notoriedade, porque é um filme simples, com boas atuações, que diverte, emociona e ensina. Além de que sou simpático ao casal protagonista.
A trama proporciona uma identificação verdadeira com o espectador com algo que se encontra entre a insanidade e a busca pela redenção. Nós também estamos o tempo todo tentando lidar com o desafio de destruir e construir para manter nosso equilíbrio e nossas relações. Destaque para a memorável e hilária cena do Hemingway.
PS: Agora percebo que se eu tivesse assistido ao trailer eu teria estragado metade do filme.
Mais um gigante spielbergiano vai para a mesma séria estante de "O Resgate do Soldado Ryan", "Munique" e "A Lista de Schindler". Tecnicamente impecável (sobretudo a direção de arte), como o de costume, "Lincoln" é dado num tom semelhante ao recente "A Dama de Ferro" ou “J. Edgar”, em que não só aborda os últimos meses de um monumental ícone da história política norte-americana, mas também procura humanizar esse protagonista. Spielberg esperou quase 10 anos pelo momento certo para ligar as engrenagens dessa produção.
A contrastada fotografia barroca vai dos mais límpidos clarões das janelas às mais densas penumbras das salas escuras. Além do tema refletir sobre a relação entre o homem branco e o preto, o longa põe à mesa alguns dilemas pelos quais o presidente é obrigado entrar em campo - sua esposa versus seu filho e a paz imediata versus a 13ª Emenda. A silhueta do chapéu e a barba caricatural legitimam a figura mítica de um homem que se consideram iluminado por uma sabedoria quase divina, em que, a duras penas, soube articular a política em prol de suas metas e ideais, plantando um benefício dos milhares de compatriotas que ainda estariam por vir. O roteiro o fortalece ainda mais com boas frases de impacto moral.
A elegância do filme não está somente no reverenciado homem em que todos se calam respeitosamente quando se inicia outra de suas histórias ou belos discursos. Daniel Day-Lewis, favorecido pela excelente maquiagem, o incorpora com toda sua serenidade e potência, construindo não só um homem com o peso de um país nas costas e seu jeito próprio de caminhar, mas que também lhe confere um soberbo espírito de fé, inspirador, valente e indestrutível, o que nos induz rapidamente a uma admiração ao personagem. Substituto de Liam Neeson para o papel e incontestavelmente merecedor do Oscar, eu não podia esperar menos daquele intérprete que domina a tela em "Sangue Negro". Aliás, mesmo com as manobras eticamente questionáveis do presidente, Spielberg joga uma neblina visual e musical que enobreceria qualquer um.
Considerado um dos filmes mais falados do diretor, acaba por cair numa frágil monotonia regada a rebuscados diálogos maçantes e gestos silenciosos. Tendo também os closes moderados, característica incomum do diretor, os momentos de maior emoção são resguardados para a segunda parte da narrativa, onde muitos espectadores já alcançam um pouco descrentes. O ponto é que o centro do filme é Abraham Lincoln com todo seu poder e solidão nos bastidores da 13ª Emenda. Spielberg tem uma missão: criar uma analogia que se relacione com o atual política estadunidense com Barack Obama no poder e a discussão do casamento gay. Confesso que eu gostaria se houvesse investimento em mais cenas de humor ou no grande potencial não explorado no "recrutamento" de deputados para votar a favor, afim de equilibrar os pesos. Com Gordon-Levitt desperdiçado (ou reduzido a uma única cena fervorosa), eu mesmo só conseguir assistí-lo por completo - na teimosia contra o sono - na terceira vez.
Uma boa ideia – para quem sabe como Lincoln morreu - é no desfecho, em que cria-se uma situação paralela e condizente, onde vemos no palco de um teatro um embate mortal e um pássaro a se libertar, representando a morte de Lincoln (o primeiro presidente americano a ser assassinado) logo antes das cortinas se fecharem e vir a anunciação. Mas a reação súbita e extrapolada do filho aos prantos parece bastante forçada. Faltou também a luta dos negros para pôr abaixo a farsa dessa aparente impotência dos escravos no processo da abolição. Lincoln era amigo pessoal do ex-escravo Frederick Douglass e não é contemplado na obra, mesmo com os incontáveis personagens da trama.
O que incomoda é perceber a fórmula artesanal, é enxergar em cada enquadramento uma aspiração às grandes premiações, a sensação de artificialidade, os excessos de reverencialismo e americanismo, o véu de sofisticação e intelectualidade que resguarda a ambição de conquistar o público generalizado e ainda assim (ou por isso) não se sentir cativado pelo filme. Tende ser assim pra mim diante de produtos como esse.
Selo de aprovação Sessão da Tarde da Turminha do Barulho Aprontando Altas Confusões.
Levei muitos anos pra assistir esse clássico, então minhas expectativas estavam nas alturas. Mas sem dúvida é divertido e transmite uma nostalgia escolar muito gostosa de se assistir. É um filme que reafirma a minha impressão de que alguns dias de nossas vidas são realmente sensacionais.
Por este ponto, me remeteu ao romance "Antes do Amanhecer", de Richard Linklater.
A vingança sul-coreana ganha o Leão de Ouro para Kim Ki-Duk. A trilha tem um toque religioso, a imagem é contrastada, vibrante e suja, por vezes feia, com zooms instáveis e enquadramentos intensos. Impiedoso, vazio e cruel, Gang-Do dá o tom ao filme. O protagonista da história é um vilão, um carrasco daqueles que normalmente tememos e torcemos contra. Quem poderia imaginar que um sujeito como esse poderia ter o amor de uma mãe?
Pieta, uma das obras de maior perfeição de Michelangelo, retrata o cadáver de Jesus nos braços de Maria. A única obra assinada pelo artista renascentista (ptalvez por isso as incrições iniciais em que Duk diz que ser este seu 18º filme). Em correspondência à escultura de mármore, Mi-son estaria na posição de Maria, em representação por todas as mães que sofrem por seus filhos. Ela está em uma missão que pretende buscar a vingança por seu filho verdadeiro e fazer com que Gang-Do pague por seus pecados.
Gang-Do revela-se também carente (se masturba durante o sono) e rancoroso (atira facas em um desenho de uma figura materna na parede). Na primeira oportunidade que tem em um momento de descontração em família, age como uma criança e é confundido com um doente mental. Infiltrando-se na vida deste homem, Mi-Son o atinge pelo seu ponto fraco, conquistando sua confiança e afeição, dando-lhe o amor que tanto lhe fez falta por 30 anos. Ela o consegue pôr de joelhos a suplicar e se mata diante dele, devolvendo-lhe na mesma moeda a dor que ele a fez passar ao perder um ente querido. O desejo sem esperanças, arrependimento e toda a frustração faz com que ele também faça o sacrifício de seu sangue, derramado por uma longa estrada de sofrimento, assim como Cristo.
O longa também faz uma severa crítica ao capitalismo e demoniza o dinheiro como o maior dos males da sociedade. Uma vez que se faz necessário, acaba por corroer as relações humanas, tomando o lugar de nossas mentes, nossos corpos. Nossos locais de trabalho se convertem em cárceres sombrios que nos possuem e multilam. Gang-Do é uma extensão deste agente perverso, que mostra agressivamente as consequências da tentação para os desafortunados. Muitos trocam partes do seu corpo por dinheiro em um gesto de sacrifício. Outros, se aniquilam voluntariamente pelo preço do grande prazer e satisfação de gastar uma gorda quantia. Um universo que não se pode dizer que está muito distante do nosso.
Dizem que nos EUA ratos são tão comuns quanto baratas aqui no Brasil. O país está infestado deles. É uma praga. A tela se abre para os espectadores exibindo uma série de imponentes limousines enfileiradas. A câmera rasteja ao lado delas, uma comparação está se estabelecendo. Cronenberg nos mostra os “ratos do dia”. “Para onde elas vão à noite?” O dinheiro está infectando cada esquina, cada espectro que caminha pela calçada. O capitalismo é a doença onipresente na sociedade cujas males (ou efeitos colaterais) se revelam nos pensamentos e ações daqueles que estão no sistema.
Dois motivos me fizeram chegar a Cosmópolis. Primeiro, as aparentes semelhanças com o último filme de Leos Carax, o alegórico “Holy Motors”. Depois, a minha curiosidade de assistir o que Cronenberg faria com Robert Pattinson. Mesmo com seu visual moderno e elegante, transmite à primeira vista um tom hermético detestável. Para realmente gostar do filme, é preciso longas reflexões para que as idéias apresentadas tomem uma forma coerente.
O que mais me chama atenção no protagonista é que quando o filme começa, alguma parte adormecida de sua natureza se desperta. “Show me something that I don’t know.” É como se ele tivesse acordado diferente naquele dia. Ele quer um corte de cabelo do outro lado da cidade e a presença de um presidente em NY só o faz desejar isso ainda mais. Erik Parker começa, no decorrer de sua viagem, a sentir-se atraído por manifestações que perturbem a ordem. Uma vez, Edgar Alan Poe definiu a perversidade como um instinto primário em que a cometemos “porque sentimos que não devíamos fazer (...) Não há na natureza paixão mais diabolicamente impaciente como a daquele que, tremendo à beira dum precipício, pensa dessa forma em nele se lançar”. A medida que a narrativa avança, essa atração fica cada vez mais forte, em que Parker toma o caminho para uma implosão que se equipara ao suicídio.
“É interessante estar perto de um homem que querem matar”, diz sua guarda-costas após a relação sexual.
Nós vemos o protagonista como um magnata ôco, indiferente e megalomaníaco, um grande babaca que já perdeu a sensibilidade para os prazeres da vida e tenta recompensar seu vazio com sexo e compras. Brinca com helicópteros e revida golpes como criança, quando seu agressor está sendo segurado por seu guarda-costas. As relações são todas instantâneas e superficiais (assim é na era tecnológica), um mosaico que constrói a estrutura do filme, inserindo personagens diferentes em cada “episódio” do filme, gerando uma teia de informações a ser decifrada. O cúmulo está em seu artificial casamento: ela nem sabia a cor dos olhos de Erik e - o mais brilhante de tudo – a negação do sexo. Elise é a mulher a ser desejada, inalcançável, porque é poetisa. Portanto, mesmo pertencente a uma família rica, está relacionada exatamente à espiritualidade que falta em Parker e que ele não pode comprar.
Fazendo um parêntese nesse assunto, vamos até o episódio em que vemos a interpretação de Juliette Binoche. Ela diz a Erik que um quadro está disponível e ele quer comprar a Capela toda. Não é somente o prazer de gastar o dinheiro, é pela indisponibilidade da compra, já que a Capela pertence a todos, ao mundo. A Capela Rothko é um espaço que reúne 14 pinturas de Mark Rothko, artista do expressionismo abstrato, levantada em 1971 no Texas. É um espaço para meditação que não se vincula a nenhuma religião, para freqüentar basta ter fé. E o mais interessante de tudo isso, é a série de relações que se pode estabelecer com o personagem. A arte de Rothko tinha como objetivo aliviar o vazio espiritual do homem moderno. Além disso, Mark era divorciado e, pasmem, suicidou-se em 1970. Algo ecoou em nosso personagem (a forte presença da letra “K” em ambos os nomes não é mera coincidência).
Por todas essas características não conseguimos enxergar o porquê de Erik ser o protagonista da história. É difícil enxergar onde está seu merecimento, seu heroísmo - mas ele existe. A primeira conversa que tem dentro de sua limousine é com um técnico que lhe garante total proteção física. Erik, rico, famoso e rodeado de seguranças, consegue, em 1 dia, perder toda sua riqueza em uma aposta inconsequente. Usa de todo o seu poder para ir contra a corrente numa espécie de transe, em busca por algo que lhe surpreenda, o faça sentir-se vivo outra vez, sem ter que se submeter a essa droga chamada de “o novo” (euforia capitalista), porque já não lhe surte efeito mais. Parker evoca a dor, se destrói se for preciso na tentativa de curar seu existencialismo doente. Abre mão de toda proteção, vai até o fim da linha reversa, a garagem das limousines, a casa do homem que quer matá-lo para tentar encontrar a raiz de seu mal. O desfecho anacoluto se deve por não haver ainda uma resolução para o capitalismo.
“Cosmópolis”. No grego antigo, “cosmos”, significa universo, organização. “Polis”, cidade. Se alguém não identificou a cosmópolis no filme, basta olhar para o pôster do filme. Exatamente, a cidade está ao redor do trono de couro munido da mais moderna tecnologia, arquitetada por um sistema indestrutível, perfeito e controlado. Esse é o aquário em que Erik se aprisionou, quase um universo paralelo em que as janelas são como televisores digitais cujas imagens têm apenas o poder de apontar a direção do almejado caos. Concluindo a teia, a assimetria de sua próstata era a resposta para seu enigma, porque quebrava a concepção de que tudo que lhe dizia respeito era perfeitamente controlado (incluindo sua saúde). A perspectiva de que uma parte de si havia resistido à maquinação de sua vida artificial, uma parte de si ainda era incondicionalmente humana.
Talvez o momento que mais lateje em nossas memórias seja o visionário diálogo de sua professora de teoria. “O dinheiro tomou o poder (...) o dinheiro está falando por si próprio. (...) dinheiro faz tempo. Costumava ser o contrário. O relógio acelerou o crescimento do capitalismo. Pessoas não pensam mais em eternidade e só se concentram nas horas. Foi a capital cibernética que criou o futuro. Agora o tempo é um bem corporativo. (...) O presente tem sido sugado para fora para dar lugar ao futuro incontrolável do mercado. O futuro se tornou insistente. (...) Isso é um protesto contra o futuro. Eles querem adiar o futuro para não sobrecarregar o presente. (...) Velhas indústrias serão eliminadas, novos mercados devem surgir e mercados antigos serão reexplorados. Destruir o passado, construir o futuro.”
Pattinson não faz nada extraordinário, mas é inquestionável o fato de que tenha se encaixado perfeitamente em seu papel. Baseado no romance homônimo de DeLillo (2003), certamente um dos mais críticos e enigmáticos filmes de Cronenberg já feitos, e feitos para um público específico. Não os mais intelectuais, não os mais informados ou espertos, e sim os mais interessados, e recomenda, inclusive, o making of do filme nomeado “Cidadãos de Cosmópolis”. Mas pra mim já deu, eu não assistiria outra vez.
“Imagine a dor. É para dizer alguma coisa. Fazer as pessoas pensarem”.
A campainha toca novamente. É Haneke, o cineasta dos domicílios outra vez te induzindo a uma espiada pela fechadura. E toda vez, de alguma forma, sempre vemos nós mesmos do outro lado. Passamos por "O Sétimo Continente", "Caché", "Violência Gratuita", "A Fita Branca", e dessa vez estamos no mais sereno dos apartamentos.
O casal de protagonistas nos é apresentado de forma a priorizar o zelo e carinho com que se tratam mutuamente. A atmosfera singela e aconchegante delicadamente os cerca de fragilidade: alguém arrombou a fechadura. Haneke acabara de inserir sua marca naquele lar, e é aí que está a maior beleza de sua obra. Quem diria que alguém poderia converter o mais glorioso, benevolente e generoso dos sentimentos, o amor, ao MEDO. Está aí a sua marca, o traço que acompanha cada um de seus personagens de sua filmografia (ou pelo menos a maioria, já que eu ainda não assisti a todos).
A tensão da ameaça se amontoa na ideia de uma invasora. E o que mais a torna cruel é o fato dela ser irreversível, impiedosa e inevitável. Mesmo com toda segurança e equilíbrio, não há como escapar da velhice. Interpreto a cena da pomba como um momento de aceitação, o acolhimento ao invasor. Janelas fechadas não bastavam mais, Agnes já sabia disso e por isso as abria. A antagonista é universal e onipresente. Repare que o longa se inicia com peritos invadindo o apartamento. Logo depois, temos o choque da imagem de um defunto decorado com flores. A impossibilidade de qualquer mudança já está selada. O espectador SABE do que não se poderá mais evitar.
O apartartamento se torna cada vez mais quieto e vasto. Inundado pela melancolia, cada aposento se torna a moldura do desamparo.
Duas considerações devem ser ponderadas. Uma, de que a morte não é um inimigo, e sim uma consequência. Aquela que, inclusive, promove a resolução para o fim do sofrimento, o alívio. E a segunda é de que não se pode negar que o filme fale de amor, embora o foco não esteja voltado para um amor incondicional e levado ao limite. Essas são características belas e românticas que sem dúvida estão presentes, mas a verdadeira sensação está no preço que se paga por um amor consolidado pelo tempo: o sacrifício.
Jean-Louis Trintignan e a doce e ainda bela Emmanuelle Riva. Atores que eu não conhecia, de um patamar raro, que merece todo o reconhecimento que seja justo. Performances de uma entrega e precisão admiráveis que impressionariam até os maiores mestres. A obra levou Globo de Ouro, Palma de Ouro e mais de 80 indicações pelo mundo afora.
O tema evoca uma nobre repulsa porque procuramos negar o fim para que possamos seguir em frente. O otimismo da vitalidade e da juventude é necessária. E se assim é, ninguém gostaria de olhar por essa fechadura novamente. A angústia da experiência de assistir "Amour" vem justamente do golpe a esses atributos que tanto protegemos com os mais desconcertados abraços.
O diretor do clássico "O Exorcista" te provoca mais uma vez. A expectativa inicial é de que se suceda um thriller de muita frieza e sangue. O filme começa e percebemos que talvez ele tenha uma queda pelo drama, então. Contudo, ele vem nos surpreender com o gênero do horror, que disfarçadamente se propaga das ações de cada personagem. Lateja o sujo, o cruel, o grotesco, uma família tão seca e desumana que transforma o ambiente num cenário de terror. A violência aqui é contra a mente do espectador.
Daí percebemos que todos os discursos de Joe são mais do que meros diálogos. Veja por exemplo quando ele conta o caso do homem que botou fogo nas próprias genitálias para traumatizar sua mulher que havia lhe traído. Ou seja, a agressão da imagem, sem lhe tocar, a violência psicológica.
"His eyes hurt".
O sentimento de indignação se acentua ao conhecermos a jovem Dottie, onde acompanhamos de mãos atadas seu processo de contaminação pelo mundo asqueroso e indiferente que a cerca, lhe corroendo a pouca pureza que lhe sobra.
Outra vez vem Joe contar sobre o rio do sul do Texas cedido a Oklahoma. "Não sei por que fizemos isso, mas isso me deixou furioso". Claramente, uma analogia à situação da garota. Percebemos que Killer Joe pode ser interpretado como uma extensão do próprio autor, a representação da lei (da narrativa), uma entidade evocada pela peversidade que vem castigar cada um daqueles que desmerecem a própria vida. É como fazer uma aposta com o diabo. T-Bone (nome excepcional) nem late pra ele.
Honestamente, existem muitas famílias por aí que mereciam que Joe batesse à porta. Por isso a missão não acaba. Por isso o desfecho anacoluto. O não-fim leva ao ciclo, à continuidade que se perpetua entre as famílias que se apodrecem, a vinda de uma criança gerada e destinada à mesma imundice.
Terminei o filme às 2 da manhã com os olhos escancarados, coração batendo forte e uma repulsa fora do comum.
O forasteiro que arrasta um caixão. Este é um ícone que perdura em nossas mentes por um bom tempo, ainda mais depois que sabemos o que Django esconde dentro dele. Ainda mais marcante é a aclamada trilha sonora original.
Particularmente gosto apenas da primeira metade do filme e do duelo final. Vale a pena para conhecer o clássico personagem que deu origem a tantos westerns por aí.
Tarantino é conhecido pela violência e humor do pastiche, onde busca inúmeras referências de filmes que gosta para criar suas histórias, cenas, personagens e diálogos. Dessa vez, a fonte de maior peso fora extraída do clássico personagem western Django, convidado a um passeio pelos campos do spaghetti. Apesar dos diversos links, o diretor alcança o sucesso pela capacidade da originalidade, fundamentada pela inovação e pelo mix dos estilos e gêneros. Tarantino nos apresenta um western com um protagonista negro.
Will Smith não compareceu para o elenco, como previsto anteriormente - algo que hoje deve se arrepender - mas deixou de presente um pouco de seu estilo James West para Jamie Foxx. Infelizmente, ainda que Foxx interprete o protagonista, não é ele o personagem que mais nos faz vibrar na cadeira, ficando atrás de Christoph Waltz e Leonardo DiCaprio. Parece que Hans Landa, de “Bastardos Inglórios”, trouxe tanto valor para Tarantino e Waltz, que o diretor quis ampará-lo para o lado do bem, gerando o excêntrico e perspicaz dentista Dr. King Schultz, que, diga-se por sinal, é o personagem mais incrível e cativante da história. Veja bem, um dentista, que cuida da saúde das pessoas, e ao mesmo tempo um caçador de recompensas, que mata pessoas. Schultz não é do tipo pistoleiro esmagador – para isso ele passa a arma para Django -, mas porta uma espécie de invulnerabilidade, sempre astuto e letal, se esquivando com classe de seus problemas. DiCaprio faz o mimado e sádico Calvie Candie que se antagoniza diretamente a Dr. Schultz, sendo tão perigoso quanto, embora não seja tão engenhoso. É onde entra Samuel L. Jackson para equilibrar os times, interpretando Stephen, um negro com pouco poder, mas é tão inteligente quanto venenoso.
Algumas cenas se tornam distintas e memoráveis, seja pelo formalismo aplicado ou pela trilha peculiar. Um desses elementos poderia ser a elipse. Quem não se lembra, por exemplo, da enorme elipse de “2001”? Após a libertação de Django e o nascimento do herói, os dois caçadores de recompensas se aliam. Neste momento, ao som de "I Got a Name" de Jim Croce o letreiro atravessa toda a tela, indicando um inverno passado, o que nos faz lembrar a uma das mais clássicas elispses do western, presente em “Rastros de Ódio”. Já que citado agora, não há quem tenha ficado indiferente à trilha sonora. A música tema é maravilhosa, mas o rap foi inacreditável.
Em seguida, adentram uma missão que está além do dinheiro em Candy Land. Lá, encontram um personagem curioso que fala com Django à bancada do bar e pede para soletrar seu nome. Para quem não sabe, aquele é Franco Nero, ator que interpretou o primeiro Django. Também passamos a conhecer Stephen, um negro que age acima dos outros negros e é tratado como se fosse um mordomo branco. Em perfeito contraste, lá também encontramos o advogado da família Candie, que mais parece ter sido criado para servir a família, assim como os escravos. É a partir desse momento que passamos a perceber que todos os personagens são escravos de certa forma. Os homens, de uma forma geral, são todos facilmente amansados ou domesticados pelo dinheiro. Menos aquele que tem causa nobre, o nosso protagonista, Django, motivo pelo qual é o único a escapar de seu próprio vinho na história.
O roteiro é fantástico, os diálogos geniais. O fato de 60% do filme ter acontecido na fazenda me agradou profundamente, além da diversão garantida quando se trata de Tarantino. Entretanto, senti um pouco de estranhamento no desfecho à la “Planeta Terror”, ainda que a revanche anterior à la “Os Imperdoáveis” tenha sido sensacional. Não sei se foi porque assisti inúmeras vezes, mas, se repararem bem, é perceptível uma dezena de erros de continuidade entre os cortes.
Não se pode dizer que Django é um filme tão grandioso assim, mas garantidamente é um entretenimento bem acima da média. Vale a pena assistir e, quem sabe, pode acontecer dele ir parar na sua lista de favoritos.
Dizem que Spike Lee não tem senso de humor, Spike Lee não pôde enxergar uma história de amor.
Não sei se foi pela minha sede de terror, mas eu gostei bastante do filme. Acho que o pessoal do Filmow aqui tem mais birra com filmes comerciais do que realmente se permitem curtir o entretenimento.
A história me deixou muito intrigado e consegui me envolver com o mistério. Gostei também das cenas de suspense, situações que abordam casas ou apartamentos me atraem por se relacionarem intimamente com o nosso cotidiano de alguma forma. O roteiro é bem arquitetado e resguarda um desfecho muito interessante.
Depois de 7 dias, vou tirar esses pensamentos entalados em mim. E para quem não entendeu NADA do filme, talvez possa então abrir a mente para algumas possibilidades.
Um filme como este te instiga ao desafio de interpretar seus elementos subversivos. Não existe a interpretação mais correta, mas é possível extrair significados do que está na tela. Mas antes, eu vou preferir começar falando de como eu o senti, que é, sobretudo, uma experiência mais profunda do que simplesmente tentar decifrá-lo.
Durante toda a minha vida, eu fui percebendo que as relações entre as diversas pessoas do meu cotidiano eram distintas na medida em que eu me transformava para lidar com elas. Isso porque há uma necessidade de comunicação pra cada pessoa. Eu não conversaria com a minha avó do mesmo jeito que eu converso com meu melhor amigo, que ainda é diferente do jeito que falo com a minha namorada, como é diferente do meu patrão, ou da minha mãe, ou do atendente do supermercado, do meu professor, do sujeito simples vindo do interior ou do meu primo de três anos. Em um só dia, eu podia “vestir dezenas de máscaras” para me adaptar e driblar as diferenças que cada “compromisso” me exigia. Os termos mudam. E eu ainda estava lá, nos intervalos, “na minha limousine”, aparando com cuidado as migalhas do eu que era exclusivo meu. Quando dava errado, eu simplesmente “voltava correndo pro meu carro”. Isso nunca me incomodou. Pelo contrário, sempre achei essa flexibilidade e articulação uma vantagem, uma forte qualidade, uma manobra positiva.
Vem ainda se exibir pra mim, na intimidade, a fantástica capacidade de ser o que quiser e estar onde quiser. No cinema você pode ser ele, aquele ou o outro, todos enenhum, ter qualquer estatura, ter qualquer força, ter qualquer profissão, ter qualquer caráter, qualquer dom, qualquer família, qualquer saudade. É um dos principais motivos de hoje eu ter decidido minha carreira pelo cinema: poder criar o mundo que eu quiser. Aí insisto: “Holy Motors” conversou comigo e senti-lo significou algo bem valioso pra mim.
Partindo para as minhas primeiras impressões mais racionais, comecei entendendo o filme como um dia de um ator de teatro, participante de um grupo de artistas que interpretavam seus personagens por puro prazer, sem a necessidade de espectadores. “Os assassinos não precisam ver as câmeras de segurança que os vigiam para acreditarem que estão lá”. Oscar, esse ator, seria parte de uma organização que é responsável por esses trabalhos realizados, como se ele passasse de uma história para outra durante seu expediente. É uma atitude revanchista na luta pela continuidade do belo em um lugar onde “as câmeras se tornaram tão pequenas que não se vêem mais”, ou seja, não há de ser filmado porque já não há olhos para assistir. Daí, os atores interpretam os atos independentemente, por si mesmos, seguindo um roteiro, um cronograma previamente combinado dentre esses seletos artistas.
Seria interessante, mas essa é apenas uma das possíveis interpretações e provavelmente uma das mais rasas delas.
Há quem diga que se trata de uma regressão nas memórias turvas de um homem diante da morte ou agraciado por sonhos, representadas por trechos metafóricos de uma narrativa não linear. Alguns diálogos são bastante nostálgicos, como quando Céline diz que já foi bailarina ou a própria letra da música cantada pela charmosa Kylie Minogue, Gene. Alguns momentos claramente discursam contra o avanço exacerbado da tecnologia, como a cena final da conversa das limousines, que têm medo de se tornarem obsoletas. Um “avanço” que é lido como regressão, “não querem mais ação”. É um avanço que artificializou o que era humano, automatizou, artificializou. Nasce o desejo de resgate, de (re)volta e o personagem que tinha começado a história decadente como uma idosa pedinte na rua terminou o filme indo para casa, para a companhia de seus primatas, ancestrais.
Outros, jogam com a metalingüística que lateja na tela. A alegoria tem relação com o próprio cinema e cada personagem em seu episódio teria um significado tangente à condição em que se encontra a sétima arte hoje. Carax desperta da quarta parede de um cinema e vai averiguar o problema do espectador atrofiado, embarcando numa jornada via cinema para dar sequência e sentido aos personagens a sua volta, que parecem sempre estar suspensos, à espera de sua chegada. O cinema velho e ignorado, o cinema virtual se reproduzindo, o cinema poético sendo incompreendido, o cinema de plagio (cinema asiático vítima de uma legião de remakes hollywoodianos), etc. Na cena em que Oscar desce apressadamente do carro e mata o banqueiro, seria o momento em que se desfere tiros contra um cinema industrial que revida covardemente com quatro vezes mais recursos.
Poderiam também arriscar em dizer que o filme provoca reflexões acerta de como a vida de um ator pode ser vazia. Embora seja um excelente intérprete, um homem que pode assumir qualquer personalidade, o sentimento que prevalece em Oscar é a indiferença e isso só transparece quando está em sua luxuosa limousine “oca”. Uma analogia à conturbada mente de muitas celebridades por aí contaminadas pela solidão da multiplicidade? A cena da música “Who were we?” é totalmente voltada para o existencialismo dos personagens, que vagam por ruínas cheias de fragmentos de manequins até o precipício. Na cena com Eva Mendes, ela, interpretando uma modelo fotográfica, obedece a toda e qualquer ordem sem questionar, sem qualquer reação relutante. Seria a representação de um ser não pensante corroído pelo preço de uma vida célebre? Ou um outro tipo de marionete a serviço da beleza cega? Aí entra a missão de Oscar, o resgate pelo sentido da arte, vem o imundo pelo esgoto, toma a musa para si, se enche de rosas, engole o dinheiro, se despe, se decora com pétalas e posa ao lado da top model, que agora tem seu corpo vendado, o que finalmente faz alcançar a beleza equivalente entre os dois, evocando assim, a completude da arte, da poesia, da verdadeira beleza do ato.
O nome “Oscar” pode ter sido apenas uma coincidência com o grande festival. O que acontece é que seu nome artístico “Leos Carax” é um anagrama de seu verdadeiro nome Alex Oscar. Podemos então deduzir que a obra pode ter alto teor autobiográfico. A introdução do filme, o despertar, a chave no dedo, poderia representar sua descoberta no cinema. Um cinema em que, para ele, os espectadores já tinham se tornado meros corpos acomodados em suas poltronas. Diversas outras referências pessoais do diretor, inclusive de sua própria filmografia, permeiam Holy Motors, que só alguém que muito conhece de Carax poderia nos apontar. Além disso, é possível criar dezenas de breves conexões com filmes que vão desde “Cosmópolis” a “Pietá”.
Mas a mais sutil sacada eu nunca vi ninguém tentar divagar. Céline, após estacionar a limousine, põe uma máscara para sair do carro e voltar para casa. Ou seja, ela criou um personagem para viver fora do carro e só se permite ser autêntica enquanto chofer, nas breves e sinceras conversas com Sr. Oscar (ou nos bastidores). Seria uma forma de Carax dizer o quanto se sente livre e honesto consigo mesmo quando está fazendo cinema e que quando está andando por aí, distante dessa “arte de luxo”, precisa sustentar uma persona (ou mais) para também lidar com as pessoas do seu universo.
Pra mim, o que Leos Carax fez foi dizer com propriedade que o cinema está ameaçado e cansado com todo esse desgaste que existe. Foi o hastear de uma bandeira para que tratem com mais verdade e sabedoria o nosso tão maravilhoso cinema.
Andrew Garfiel é um bom ator, suas feições e reações são surpreendentes, assim como Marc Webb também tinha uma boa reputação após dirigir "500 Dias Com Ela", mas acredito que este filme já estava condenado desde o início do projeto. É impossível não comparar e considerar a enorme sombra dos três filmes anteriores sob a qual esta produção foi realizada.
Com 50 anos de Homem-Aranha nas HQs, surge nos cinemas o moderno “The Amazing Spider-Man”. Seria "amazing" mesmo, mas só se tivesse sido lançado 10 anos antes. Chega a ser ingenuidade acreditar que depois de Sam Raimi e Tobey Maguire terem cativado o mundo inteiro como o grande precursor dessa onda de filmes de super-heróis, um reboot tão precoce com outros atores teria o mesmo impacto. Quase tudo que está neste filme já foi mostrado na franquia anterior. Nem a bênção de Stan Lee salva. Seria preciso algo a mais.
Os realizadores esqueceram de quem faz o Homem-Aranha é Peter Parker. Um show de acrobacias e efeitos visuais sozinhos não iriam conquistar a platéia depois de terem acolhido a aplausos “Os Vingadores”. Quem diria: o cinema tornou-se competitivo até mesmo para o Homem-Aranha. Depois da trilogia de “Batman”, o gênero requer bons roteiros. E vejamos, Peter Parker se enquadra muito mais num looser, um fotógrafo que anda de lambreta (ou ônibus), do que num gênio que anda de skate. Essa tentativa de criar um young Peter Parker “cool” afetou no contraste que deve existir entre Peter Parker e o super herói e principalmente na intrigante etapa da descoberta de seus poderes. Aqui, o deslumbramento do personagem é ínfimo, os segredos são desvalorizados. Para que o rosto de Andrew ficasse mais tempo na tela, o Homem Aranha tem sua máscara tirada a cada 15 minutos e todos os personagens ao seu redor já sabem quem ele é. Ou seja, o filme empurra guela'baixo o novo rosto do herói, que já sofre pela relutância da grande maioria dos espectadores.
Norman Osborn pode ser comparado com Dr. Curt Connors, na medida em que ambos darão o pontapé inicial para a consolidação do herói aracnídeo. Ambos se tornam vilões por acidentes de laboratório (Oscorp) e são intrínsecos à vida pessoal de Peter. O problema é que quando “ficam verdes” o desenvolvimento do personagem e as cenas de ação do Lagarto ficam muito abaixo da média. O réptil teve inúmeras chances de esmagar ou perfurar mortalmente o herói durante o filme, como fez com outros civis, e, no entanto, não o faz, colocando a credibilidade no filme em questão. É possível ainda, nessa prematura comparação, dizer que Norman perpetua durante toda a trilogia de Raimi, deixando uma marca muito forte de sua presença na trajetória do Aranha. Conseguirá o Lagarto tal importância também? Receio que não.
O roteiro é excelente em seus primeiros minutos, amarradinho, diálogos bem organizados, boas sacadas, mas decai em seu desenrolar, deixando a desejar principalmente nos desenvolvimentos dos personagens e nos combates relâmpagos. A trilha sonora é muito menos potente (leia-se morna), abrindo mão da oportunidade de deixar as cenas dramáticas mais intensas, como eram antes. Qualquer um que escuta a trilha da trilogia anterior sabe a que filme a música se refere. Falando do elenco, me crucificariam por dizer isso, mas acho Emma Stone totalmente superestimada e sem sal. A atriz para a Tia Mey da franquia anterior era incomparavelmente melhor que a atual. E como única excelente escolha, devo dizer que gostei muito (mesmo) de Martin Sheen como tio Ben. Foi sábio também não envolver Mary Jane por enquanto, optando por começar com Gwen Stacy, personagem que pouco se destacou nos filmes anteriores. Ainda apostando em novidades para esse filme, o Aranha de Andrew demonstra grande criatividade no uso de sua teia, o que é excelente, além do uso de uma teia artificial, que contribui fortemente para a verossimilhança do filme - ainda que a teia orgânica do Peter de Maguire não tenha lhe caído mal.
Um projeto frágil, que sabia dos riscos, e investiu muito mais em efeitos visuais do que em roteiro, tendendo a abocanhar um público infantil e decepcionar o público amadurecido pelos filmes atuais do gênero. Para saber o quanto deu certo, basta comparar a popularidade do Homem-Aranha hoje com o que tinha 6 anos atrás. E as razões estão na tela. Estão na história do cinema.
Pra mim, um tiro no pé. De raspão.
Salvo pela imagem de um Spider-Man anterior. Salvo pela promessa de Os Vingadores 2.
Previsível, enquanto assistia o filme tive a impressão várias vezes de que já tinha visto aquilo. Não surpreende em nada, cria tensão em duas ou três cenas no máximo e o resto é simplesmente uma vitrine de entretenimento erótico. Há um mérito justo a ser entregue à parte técnica, principalmente à fotografia e efeitos visuais, mas nada que mude o rumo da opinião.
Exceto pela entrega de Deborah Secco, responsável pela metade da fama do longa, o filme é descartável. A outra metade é marcada pela Raquel fora da ficção e a polêmica que o trabalho alcançou. Pra quem quer ver a Deborah nua e ver até onde vai sua performance, esse é o título, mas se espera algo de bom cinema, procure outro.
Uma surpresa inesperada. Eu nunca acreditei muito no projeto desse filme - e acho que foi melhor assim, para o bem das minhas expectativas. Esse universo é realmente apaixonante e quanto mais o conhecemos, mais nos sentimos envolvidos nas aventuras.
A começar pela bem sucedida escolha de Martin Freeman para dar vida a Bilbo Bolseiro de uma forma atrapalhada e bem humorada. Diferente da benevolência mártir de Frodo, Bilbo tem uma inocência cativante, que é um tempero muito melhor para combinar com a força e coragem que existe dentro dos pequenos hobbits. Bilbo e Freeman resultaram numa combinação excepcional! Como é bom rever Elrond, Saruman e Galadriel quase 10 anos depois (ainda que eu não seja um fã assíduo da trilogia). Por favor, alguém embalsame Ian McKellen, coloque-o num pote em conserva ou qualquer coisa assim. Galdanf é a alma dessas histórias e, como de costume, o cinzento está sensacional.
Não seria preciso, mas não posso deixar de elogiar as deslumbrantes paisagens que decoram os fantásticos cenários, perfeitamente projetados e desenhados para atender à fantasia que a Terra Média resguarda. As belíssimas composições fazem valer a pena o ingresso no cinema e, para quem gosta, os óculos 3D. Os efeitos visuais melhoraram imensamente desde o último O Senhor dos Anéis em 2003, como se pode observar na espada cintilante de Bilbo, na verossimilhança do Gollum, de Smaug e outros ou até mesmo nos ambientes virtuais, agregados de panorâmicos movimentos de câmera. Ainda contribui com grande harmonia a maquiagem, que, além de dar vida mais uma vez ao asquerosos orcs, também dá credibilidade à raça anã. Considerando ainda o figurino, não fica muito distante dizer o quanto o filme é incrível visualmente. Somando tudo isso a maravilhosa trilha sonora, não há quem não tenha sensações a se manifestar.
Provavelmente se pode atribuir a grande maioria dos méritos a Peter Jackson quando falamos de criação. A adaptação tende a ser bem fiel ao livro, mas é recheada de cenas e informações extras, que dão consistência à história que estamos nos aventurando. As referências ao O Senhor dos Anéis fazem com que O Hobbit seja algo mais que um filme de uma aventura qualquer, e sim uma parte de um fabuloso quebra-cabeça. A presença no primeiro filme de Radagast me surpreendeu positivamente, somada ainda pelas situações de afronta, que estão em maior número e muito mais tensas e grandiosas na tela. Outros fatos foram omitidos, como as razões dos wargs ou das águias, mas que ficaram muito melhores dessa forma, mais selvagens, sem proferir palavras, coisa que o cinema facilmente os ridicularizaria.
Para alguns, entretenimento. Para outros, algo a mais. Três horas que passaram despercebidas e eu ainda mergulharia por mais tempo se fosse possível. Eu não esperava dizer isso tão cedo, mas assumo que essa nova trilogia já me conquistou.
Poderia ser interessante, as ferramentas estavam na mão, mas o filme não cativa. O interessante e inusitado se deixa contaminar pelo clichê. Muito se poderia extrair das mais diversas situações na primeira metade do filme, tenho certeza.
E nem se pode ser generoso pelo conjunto de uma obra, porque ela insiste em dizer que é inacabada. A possível prepotência de se assumir o começo de uma franquia não me desce, só frustra.
Que difícil aceitar este. Não é possível falar de dicotomia sem falar de um. Não é possível falar em unificação sem falar de dois.
Alguns filmes de Bergman começam em uma clínica e partem para outro ambiente carregado de significados - neste caso, uma ilha, simbolizando a unidade e o isolamento. A leitura dessa transição pode se dar de forma subjetiva e psicológica, ainda me aproveitando do que há de cinema fantástico e surrealista em Bergman, como se fosse uma representação visual daquilo em que prevalece o mental/sensorial, não sendo, entretanto, necessariamente um sonho. Essa ambiguidade é possível principalmente pelas próprias personagens que têm suas certezas em crise. Ou seja, elas realmente foram para a ilha?
Importante ainda é perceber que o ambiente hospitalar parece muito menos verossímil que a ilha, com uma estética simbolista, com paredes vazias e uma iluminação teatral, fazendo com que não seja seguro dizer em qual dos dois ambientes - clínica e ilha - realmente se encontraria a convivência entre as duas mulheres. Não seria plausível que alguém em uma ilha, vivendo uma vida reclusa, desenvolva uma espécie de esquisofrenia e fale consigo mesma ou crie um amigo imaginário? Note o ambiente em que está a criança, o filho. Ou seja, a relação das duas realmente começou diante daquela maca?
Logo no princípio Alma discursa com receio a missão que lhe é dada, alegando para sua superiora que talvez não fosse capaz de lidar com alguém de tamanha força mental. Apresenta-se então o conflito que logo a vitimizaria e faria com que toda a narrativa pudesse ser convertida para uma leitura puramente psicológica. Os diálogos (ou monólogos) começam a se parecer com devaneios à medida em que as imagens vão se tornando cada vez mais oníricas (vide cena fantasmagórica em que Elizabeth vai, dentre as cortinas opacas, até a cama de Alma). As palavras vão desvelando confissões e as relações são regidas por uma lucidez oscilante.
Um tapa é capaz de transportá-las para outro ambiente e não há quebra de sentido, muito pelo contrário, acrescenta. A montagem inclui, inclusive, o mistério, o enigma. A cada questionamento anacoluto temos a impressão de que as personagens são levadas por uma corrente de mão única, um processo ininterrupto que não permite desvios, um destino que as incita à colisão. Reina persuasivo e inevitável um desejo análogo ao do andrógino presunçoso partido em dois por Apolo, que condenou as partes à incompletude, homem e mulher, para que vivessem a buscar a integração de dois em um só, a fim de curar a natureza humana.
Os corpos se fundem em uma elaborada composição sob um aspecto quase cubista no decorrer das situações, agraciada por uma fotografia preto e branco que prima pelo elementar e pelo puro jogo de luz e sombra. Uma metade escura, a mais fotogênica, e a parte clareada, a mais feia - para que despertasse a rejeição do auto-reconhecimento nas atrizes. Movimentos de câmera em sintonia com a mise-en-scène se fazem precisos e delicados, contribuindo em grande parte para uma interseção das personagens. Faço ainda elogio maior às interpretações viscerais de Bibi Andersson e Liv Ullmann que eu poderia tê-las aplaudido de pé.
Em quadro, apenas a que ouve. Apenas a que fala. A inversão, a repetição, a cópia, a farsa. Persona. O tempo para, a película se rasga ao meio, Bergman vem nos lembrar que estamos assistindo a um filme, que existe a câmera e que tudo ali é atuação. A metalinguagem se manifesta a favor do tema, ainda logo antes da última cena do longa, a câmera na grua mirando a atriz. O espectador já não sabe dizer se ele está no cinema ou o cinema está nele. É como o diretor sueco vai fazer transcender sua mensagem, para que questionemos nossas certezas daquilo que dizemos ser.
Isso, senhores, em menos de uma hora e meia. Lindo exemplo de que o que é simples também pode ser incrivelmente intenso e valioso.
Não é de hoje que a presença e a cultura dos índios estão intimamente relacionadas ao gênero western, como mais nítido exemplo, os de John Ford. Também não é novidade que a busca pela vingança impulsione os personagens de chapéus e pistolas. Mas desta vez, o misticismo das florestas e montanhas sagradas dividem igualmente o espaço com os clássicos cenários do western, ambos reverenciados pela temática da morte.
Vincent Cassel interpreta Mike, cherife dos homens brancos e grande amigo entre os índios, um homem que parece fortificado de todas as maneiras possíveis, menos de si mesmo, em suas memórias. Com essa fratura não resolvida, Blueberry segue uma vida suspensa, até reaver a possibilidade da libertação: a vingança, matando Wally, seu inimigo do passado. Uma vez quites após quase morrerem diante das chamas, os rivais fazem uma viagem astral encarando a si mesmos em outro mundo. Blueberry, nessa viagem, consegue a libertação espiritual com o perdão por um erro que havia cometido.
Belíssimas paisagens e enquadramentos resultantes de uma deslumbrante fotografia, por vezes onírica, que, orquestrada pelo diretor Kounen (Billy), contribuem para a sensação inebriante, condizendo com o estado enevoado e turvo do personagem. Os efeitos visuais são bons, mas é nesse quesito em que se encontra o desequilibrio da narrativa, que perde força e exagera no tempo desses momentos metafísicos. Talvez a intenção fosse a de provocar sensações da experiência no espectador, mas a confusão e complexidade visual acaba incomodando e causando tédio.
Os confrontos poderiam ser melhor explorados, assim como personagens secundários, que em sua maioria acabam por terminarem com propósitos questionáveis, não esclarecidos ou simplesmente fracos. Entretanto, passam pela primeira metade do filme personagens interessantíssimos, como o sinistro Woodhead ou ainda o metafórico par, o debilitado Rolling Star e o não muito diferente Billy, que o empurra. Ainda se percebe a influência bíblica, quando se tem uma prostituta de nome Madaleine e Maria, interpretada por Julliet Lewis, que sofre ao pé do corpo do santo guerreiro.
Potencial para um bom filme mas que deixa a desejar quanto perto de seu final.
Realmente, vale muito pra conhecer um pouco do velho. Depois desse documentário, entendo mais de suas razões, compreendo um pouco melhor sua personalidade, eu o lerei com mais fundamento. Sem dúvidas é um filme muito interessante pela figura inusitada que é Bukowski.
Não me identifico com a sua amargura, atrofia e rejeição à fantasia, legitimando apenas o que há de "real", mas inegavelmente Henry é um sujeito ímpar. Eu não precisei esconder o meu pássaro azul, eu tenho a chance de ser todo azul. Eu não fui infectado por cicatrizes, as minhas são diferentes. Eu não sofri o quanto ele sofreu, não viajei o quanto ele viajou e não bebo o quanto ele bebeu. Sinto desprezo pelo babaca que foi em juventude e dó pelas relações humanas que pôde experimentar. Porque percebe-se que dentro daquela casca dura e asperosa havia um bom coração sentimental aos prantos.
Maluco, enigmático, ousado, mas criativo e sabe bem como contar uma história. Suas palavras têm um ar suicida que me faz lamentar, ainda que paradoxalmente eu goste do tom existencial e questionador em que fala da vida, da morte e de como vivemos. Apesar da opinião ressentida e distorcida sobre alguns temas, às vezes põe à mesa uma bela estrofe de sabedoria. Aprendi daí que deve-se preservar as últimas faíscas.
Contém spoilers. Um filme pra quem acredita na mentira de que o desejo do corpo pode se separar de sentimentos apaixonados. Dois casais topam se envolver num jogo que acreditam ter controle e acabam corroídos pelas insatisfações de um efeito colateral.
O mais curioso é perceber que, ao final de tudo, os casais pareciam terem sido purificados de suas mentiras, ainda que carregassem consigo fragmentos vendados de uma aventura passada.
Sensual, instigante, mas particularmente, acho fraco, bizarro e dispensável.
O Corvo
3.5 998Uma espécie de homenagem que faz alusão a vários contos do grande Edgar Alan Poe em um mistério policial. Só esqueceram de fazer um bom filme. Partindo de uma ideia batida e sem novidades, o filme mais me pareceu um encapado sangue-suga da obra literária do escritor.
Aos moldes do moderno Sherlock Holmes de Guy Ritchie, "O Corvo" tem um roteiro fraco, com desfecho previsível, com vários furos, elenco limitado e um Alan Poe apelativo. James McTeigue vem traçando uma carreira decrescente iniciada com o excelente "V de Vingança", seguido do interessante "Ninja Assassino" até chegar neste grande equívoco. E era tão difícil assim escolher um título que não entrasse em conflito com filmes que já existem?
Uma decepção para leitores de Alan Poe.
Machete
3.6 1,5K Assista AgoraO filme é divertido, exagerado, gosto da crítica e das reviravoltas.
Eu só sinto uma falta de um respiro, de um tempo para olhar para a imagem e sentir alguma coisa. Mas tudo é tão rápido, explosivo e dilacerante que no final eu já estava anestesiado. Se aparecesse um mamute verde atirando raios sobrevoando a guerra eu já não me surpreenderia. Acho que é nesse ponto que Tarantino é superior.
Tenebre
3.8 132 Assista AgoraDario Argento é conhecido principalmente pela sofisticação estética em seus giallos. Acusado de romancear e incitar à violência, Argento responde com inspiração às críticas de forma irônica. O protagonista é um escritor igualmente questionado sobre a estilização da violência, traduzindo-se em uma extensão do próprio Dario. Quando é entrevistado, as respostas estão em um patamar metalinguístico que põe um tempero traiçoeiro ao considerar o conjunto da obra. Entende isso quem já sabe o final.
Apesar das interpretações imaturas e da execução teatral, não acidentalmente os atores centrais são todos bonitos ou bem apresentados (os feios são colocados em lugar de repugnância, como o tarado da rua). O modo como Argento constrói suas cenas pode ser desequilibrado nesse sentido, mas é interessante porque consegue criar significados e sensações com a ajuda do quadro e da montagem, seja pelos closes com cortes rápidos ou pelo suspense do plano longo.
Existe um trabalho na fotografia que se refere às cores azul e vermelha que permeiam o límpido branco da tela, em que a luz azul poderia representar o espectro doentio e a vermelha a ambição. Destaque para a magistral cena da perseguição do doberman e da famosa cena do assassinato das lésbicas.
Entretanto, o roteiro deixa a desejar quando o assunto abrange os coadjuvantes. Muitos personagens da história não se justificam, aparecem gratuitamente com o único propósito de morrer em algum momento do filme. Algumas cenas são tão inverossímeis que despertam o órgão cômico do absurdo. A sensação que fica, provavelmente intencional, é a de confusão por não saber realmente quem é ou era o assassino, ainda que a história se explique no desfecho. Tenebre, portanto, é um exercício estético com flertes fetichistas que dá voz a um discurso emblemático de Argento que, com a metalinguagem, vai além da literalidade.
O Mestre
3.7 1,0K Assista AgoraO navio vai deixando suas marcas brilhantes no mar. São as pegadas de um trajeto tortuoso e solitário. E para o ex-marinheiro Freddie Quell, seu passado é o seu motor, sua gasolina, seu tíner tóxico, em que não é preciso ver as cicatrizes em seu rosto para saber que estão lá. "Quero que arrume um lugar no futuro pra você", lhe diz Mary. A boca torta denuncia que nele existe algo atrofiado. Evasivo e orgulhoso demais para desabafar, Fred aprisionou suas angústias que acabaram se tornando demônios. Levou uma vida de dúvidas, cheia de frustrações amorosas, traumas familiares e de guerra. Seus acessos de fúria vulgarizam um espírito desequilibrado e descompromissado que o torna um temido dragão em liberdade. Essa é uma sucinta descrição de um dos mais intensos personagens interpretados pelo excelente Joaquim Phoenix com uma majestosa e absoluta entrega.
Fred acidentalmente descobre que pode ter um mestre: Lancaster Dodd (Hoffman). "Você será minha cobaia e meu protegido", ele diz. E o dragão torna-se uma ovelha. Quell embarca - literalmente - nessa ideia porque ele enxerga em Dodd uma possível cura para seu comportamento instável. O que motiva Fred (o mais bonito do personagem) é a esperança de reaver um amor do passado que, se obtivesse sucesso em se readequar na sociedade e ter relações saudáveis, voltaria para casa e pediria esta garota em casamento. “Ela está cantando. Sua voz me acalma”. Na cena em que a filha casada de Dodd põe a mão entre as pernas de Fred, por exemplo, ele resiste e a repulsa - mesmo sendo fanático por sexo - porque ali existe uma meta a ser atingida, uma devoção, um sacrifício.
Acontece que, embora Freddie seja um adepto fiel à Causa, quase um cão em adestramento, o filme vai aos poucos botando em xeque a credibilidade de Dodd e suas crenças místicas. Seu próprio filho é descrente, embora o acompanhe nos eventos. Com a conduta do Mestre ameaçada pela própria narrativa, não estamos mais certos se ele conseguirá aparar e restaurar os estilhaços de Quell ou provocará um tornado ainda maior. Não se vê melhoras e Fred percebe isso. Começa a ficar difícil segurar a besta dentro de si, mas Dodd sempre está por perto para sedá-lo com sua paciência profética e seus abraços fraternos. Se alguém se opõe à obra, Fred ataca, porque se recusa a aceitar a verdade de que sua única âncora é uma farsa. Até mesmo Dodd apela para termos ofensivos quando está contra a parede. A cena das celas é análoga à condição em que ambos são postos em quadro no sentido de que suas distinções na verdade são irrelevantes, porque na verdade estão sujeitos às mesmas dúvidas e condições. Se Fred rejeita se abrir à verdade, Dodd é um grande maestro da mentira.
Fred abandona A Causa e vai embora, mas dessa vez, em terra firme, na solidão do deserto. Quell vai em busca de sua amada como um Forrest Gump, mas somente para outra frustração. Volta para o Mestre com o rabo entre as pernas, mas decidido a não continuar com ele porque sua motivação não existe mais. A cena da despedida é aterradora. Quell volta para o seu mundo de liberdade para velejar por algum ponto da terra, do mar ou de si. Freddie apenas deita na praia ao lado de seu sonho de areia.
Destaques para a perfeição da arte, fotografia, atuações e trilha (prefiro a de “Sangue Negro”). Mesmo com um roteiro um pouco aquém da instantânea compreensão, por vezes confuso, Paul Thomas Anderson reafirma o grande diretor que é abrindo uma discussão não só sobre o cientologismo, mas a qualquer segmento organizado de fé e seus falsos ídolos que propõe doutrinas questionáveis. Sobretudo, uma obra que fala sobre a dificuldade do ser humano a se adaptar no mundo. Estou certo de que a cena mais marcante é a da primeira sessão, em que Phoenix se dá tapas e não pode piscar.
“Se descobrir um modo de viver sem servir a um mestre, qualquer mestre, então nos conte como conseguiu. Você seria a primeira pessoa na história do mundo.”
O Lado Bom da Vida
3.7 4,7K Assista AgoraDos indicados para o Oscar deste ano, foi um dos que mais gostei, certamente o mais cativante que assisti até agora. É bom ver que uma comédia romântica pôde alcançar esse nível de notoriedade, porque é um filme simples, com boas atuações, que diverte, emociona e ensina. Além de que sou simpático ao casal protagonista.
A trama proporciona uma identificação verdadeira com o espectador com algo que se encontra entre a insanidade e a busca pela redenção. Nós também estamos o tempo todo tentando lidar com o desafio de destruir e construir para manter nosso equilíbrio e nossas relações. Destaque para a memorável e hilária cena do Hemingway.
PS: Agora percebo que se eu tivesse assistido ao trailer eu teria estragado metade do filme.
Lincoln
3.5 1,5KMais um gigante spielbergiano vai para a mesma séria estante de "O Resgate do Soldado Ryan", "Munique" e "A Lista de Schindler". Tecnicamente impecável (sobretudo a direção de arte), como o de costume, "Lincoln" é dado num tom semelhante ao recente "A Dama de Ferro" ou “J. Edgar”, em que não só aborda os últimos meses de um monumental ícone da história política norte-americana, mas também procura humanizar esse protagonista. Spielberg esperou quase 10 anos pelo momento certo para ligar as engrenagens dessa produção.
A contrastada fotografia barroca vai dos mais límpidos clarões das janelas às mais densas penumbras das salas escuras. Além do tema refletir sobre a relação entre o homem branco e o preto, o longa põe à mesa alguns dilemas pelos quais o presidente é obrigado entrar em campo - sua esposa versus seu filho e a paz imediata versus a 13ª Emenda. A silhueta do chapéu e a barba caricatural legitimam a figura mítica de um homem que se consideram iluminado por uma sabedoria quase divina, em que, a duras penas, soube articular a política em prol de suas metas e ideais, plantando um benefício dos milhares de compatriotas que ainda estariam por vir. O roteiro o fortalece ainda mais com boas frases de impacto moral.
A elegância do filme não está somente no reverenciado homem em que todos se calam respeitosamente quando se inicia outra de suas histórias ou belos discursos. Daniel Day-Lewis, favorecido pela excelente maquiagem, o incorpora com toda sua serenidade e potência, construindo não só um homem com o peso de um país nas costas e seu jeito próprio de caminhar, mas que também lhe confere um soberbo espírito de fé, inspirador, valente e indestrutível, o que nos induz rapidamente a uma admiração ao personagem. Substituto de Liam Neeson para o papel e incontestavelmente merecedor do Oscar, eu não podia esperar menos daquele intérprete que domina a tela em "Sangue Negro". Aliás, mesmo com as manobras eticamente questionáveis do presidente, Spielberg joga uma neblina visual e musical que enobreceria qualquer um.
Considerado um dos filmes mais falados do diretor, acaba por cair numa frágil monotonia regada a rebuscados diálogos maçantes e gestos silenciosos. Tendo também os closes moderados, característica incomum do diretor, os momentos de maior emoção são resguardados para a segunda parte da narrativa, onde muitos espectadores já alcançam um pouco descrentes. O ponto é que o centro do filme é Abraham Lincoln com todo seu poder e solidão nos bastidores da 13ª Emenda. Spielberg tem uma missão: criar uma analogia que se relacione com o atual política estadunidense com Barack Obama no poder e a discussão do casamento gay.
Confesso que eu gostaria se houvesse investimento em mais cenas de humor ou no grande potencial não explorado no "recrutamento" de deputados para votar a favor, afim de equilibrar os pesos. Com Gordon-Levitt desperdiçado (ou reduzido a uma única cena fervorosa), eu mesmo só conseguir assistí-lo por completo - na teimosia contra o sono - na terceira vez.
Uma boa ideia – para quem sabe como Lincoln morreu - é no desfecho, em que cria-se uma situação paralela e condizente, onde vemos no palco de um teatro um embate mortal e um pássaro a se libertar, representando a morte de Lincoln (o primeiro presidente americano a ser assassinado) logo antes das cortinas se fecharem e vir a anunciação. Mas a reação súbita e extrapolada do filho aos prantos parece bastante forçada. Faltou também a luta dos negros para pôr abaixo a farsa dessa aparente impotência dos escravos no processo da abolição. Lincoln era amigo pessoal do ex-escravo Frederick Douglass e não é contemplado na obra, mesmo com os incontáveis personagens da trama.
O que incomoda é perceber a fórmula artesanal, é enxergar em cada enquadramento uma aspiração às grandes premiações, a sensação de artificialidade, os excessos de reverencialismo e americanismo, o véu de sofisticação e intelectualidade que resguarda a ambição de conquistar o público generalizado e ainda assim (ou por isso) não se sentir cativado pelo filme. Tende ser assim pra mim diante de produtos como esse.
Curtindo a Vida Adoidado
4.2 2,3K Assista AgoraSelo de aprovação Sessão da Tarde da Turminha do Barulho Aprontando Altas Confusões.
Levei muitos anos pra assistir esse clássico, então minhas expectativas estavam nas alturas. Mas sem dúvida é divertido e transmite uma nostalgia escolar muito gostosa de se assistir. É um filme que reafirma a minha impressão de que alguns dias de nossas vidas são realmente sensacionais.
Por este ponto, me remeteu ao romance "Antes do Amanhecer", de Richard Linklater.
Pietá
3.8 199 Assista AgoraA vingança sul-coreana ganha o Leão de Ouro para Kim Ki-Duk. A trilha tem um toque religioso, a imagem é contrastada, vibrante e suja, por vezes feia, com zooms instáveis e enquadramentos intensos. Impiedoso, vazio e cruel, Gang-Do dá o tom ao filme. O protagonista da história é um vilão, um carrasco daqueles que normalmente tememos e torcemos contra. Quem poderia imaginar que um sujeito como esse poderia ter o amor de uma mãe?
Pieta, uma das obras de maior perfeição de Michelangelo, retrata o cadáver de Jesus nos braços de Maria. A única obra assinada pelo artista renascentista (ptalvez por isso as incrições iniciais em que Duk diz que ser este seu 18º filme). Em correspondência à escultura de mármore, Mi-son estaria na posição de Maria, em representação por todas as mães que sofrem por seus filhos. Ela está em uma missão que pretende buscar a vingança por seu filho verdadeiro e fazer com que Gang-Do pague por seus pecados.
Gang-Do revela-se também carente (se masturba durante o sono) e rancoroso (atira facas em um desenho de uma figura materna na parede). Na primeira oportunidade que tem em um momento de descontração em família, age como uma criança e é confundido com um doente mental. Infiltrando-se na vida deste homem, Mi-Son o atinge pelo seu ponto fraco, conquistando sua confiança e afeição, dando-lhe o amor que tanto lhe fez falta por 30 anos. Ela o consegue pôr de joelhos a suplicar e se mata diante dele, devolvendo-lhe na mesma moeda a dor que ele a fez passar ao perder um ente querido. O desejo sem esperanças, arrependimento e toda a frustração faz com que ele também faça o sacrifício de seu sangue, derramado por uma longa estrada de sofrimento, assim como Cristo.
O longa também faz uma severa crítica ao capitalismo e demoniza o dinheiro como o maior dos males da sociedade. Uma vez que se faz necessário, acaba por corroer as relações humanas, tomando o lugar de nossas mentes, nossos corpos. Nossos locais de trabalho se convertem em cárceres sombrios que nos possuem e multilam. Gang-Do é uma extensão deste agente perverso, que mostra agressivamente as consequências da tentação para os desafortunados. Muitos trocam partes do seu corpo por dinheiro em um gesto de sacrifício. Outros, se aniquilam voluntariamente pelo preço do grande prazer e satisfação de gastar uma gorda quantia. Um universo que não se pode dizer que está muito distante do nosso.
Cosmópolis
2.7 1,0K Assista Agora“Um rato tornou-se moeda monetária”.
Dizem que nos EUA ratos são tão comuns quanto baratas aqui no Brasil. O país está infestado deles. É uma praga. A tela se abre para os espectadores exibindo uma série de imponentes limousines enfileiradas. A câmera rasteja ao lado delas, uma comparação está se estabelecendo. Cronenberg nos mostra os “ratos do dia”. “Para onde elas vão à noite?” O dinheiro está infectando cada esquina, cada espectro que caminha pela calçada. O capitalismo é a doença onipresente na sociedade cujas males (ou efeitos colaterais) se revelam nos pensamentos e ações daqueles que estão no sistema.
Dois motivos me fizeram chegar a Cosmópolis. Primeiro, as aparentes semelhanças com o último filme de Leos Carax, o alegórico “Holy Motors”. Depois, a minha curiosidade de assistir o que Cronenberg faria com Robert Pattinson. Mesmo com seu visual moderno e elegante, transmite à primeira vista um tom hermético detestável. Para realmente gostar do filme, é preciso longas reflexões para que as idéias apresentadas tomem uma forma coerente.
O que mais me chama atenção no protagonista é que quando o filme começa, alguma parte adormecida de sua natureza se desperta. “Show me something that I don’t know.” É como se ele tivesse acordado diferente naquele dia. Ele quer um corte de cabelo do outro lado da cidade e a presença de um presidente em NY só o faz desejar isso ainda mais. Erik Parker começa, no decorrer de sua viagem, a sentir-se atraído por manifestações que perturbem a ordem. Uma vez, Edgar Alan Poe definiu a perversidade como um instinto primário em que a cometemos “porque sentimos que não devíamos fazer (...) Não há na natureza paixão mais diabolicamente impaciente como a daquele que, tremendo à beira dum precipício, pensa dessa forma em nele se lançar”. A medida que a narrativa avança, essa atração fica cada vez mais forte, em que Parker toma o caminho para uma implosão que se equipara ao suicídio.
“É interessante estar perto de um homem que querem matar”, diz sua guarda-costas após a relação sexual.
Nós vemos o protagonista como um magnata ôco, indiferente e megalomaníaco, um grande babaca que já perdeu a sensibilidade para os prazeres da vida e tenta recompensar seu vazio com sexo e compras. Brinca com helicópteros e revida golpes como criança, quando seu agressor está sendo segurado por seu guarda-costas. As relações são todas instantâneas e superficiais (assim é na era tecnológica), um mosaico que constrói a estrutura do filme, inserindo personagens diferentes em cada “episódio” do filme, gerando uma teia de informações a ser decifrada. O cúmulo está em seu artificial casamento: ela nem sabia a cor dos olhos de Erik e - o mais brilhante de tudo – a negação do sexo. Elise é a mulher a ser desejada, inalcançável, porque é poetisa. Portanto, mesmo pertencente a uma família rica, está relacionada exatamente à espiritualidade que falta em Parker e que ele não pode comprar.
Fazendo um parêntese nesse assunto, vamos até o episódio em que vemos a interpretação de Juliette Binoche. Ela diz a Erik que um quadro está disponível e ele quer comprar a Capela toda. Não é somente o prazer de gastar o dinheiro, é pela indisponibilidade da compra, já que a Capela pertence a todos, ao mundo. A Capela Rothko é um espaço que reúne 14 pinturas de Mark Rothko, artista do expressionismo abstrato, levantada em 1971 no Texas. É um espaço para meditação que não se vincula a nenhuma religião, para freqüentar basta ter fé. E o mais interessante de tudo isso, é a série de relações que se pode estabelecer com o personagem. A arte de Rothko tinha como objetivo aliviar o vazio espiritual do homem moderno. Além disso, Mark era divorciado e, pasmem, suicidou-se em 1970. Algo ecoou em nosso personagem (a forte presença da letra “K” em ambos os nomes não é mera coincidência).
Por todas essas características não conseguimos enxergar o porquê de Erik ser o protagonista da história. É difícil enxergar onde está seu merecimento, seu heroísmo - mas ele existe. A primeira conversa que tem dentro de sua limousine é com um técnico que lhe garante total proteção física. Erik, rico, famoso e rodeado de seguranças, consegue, em 1 dia, perder toda sua riqueza em uma aposta inconsequente. Usa de todo o seu poder para ir contra a corrente numa espécie de transe, em busca por algo que lhe surpreenda, o faça sentir-se vivo outra vez, sem ter que se submeter a essa droga chamada de “o novo” (euforia capitalista), porque já não lhe surte efeito mais. Parker evoca a dor, se destrói se for preciso na tentativa de curar seu existencialismo doente. Abre mão de toda proteção, vai até o fim da linha reversa, a garagem das limousines, a casa do homem que quer matá-lo para tentar encontrar a raiz de seu mal. O desfecho anacoluto se deve por não haver ainda uma resolução para o capitalismo.
“Cosmópolis”. No grego antigo, “cosmos”, significa universo, organização. “Polis”, cidade. Se alguém não identificou a cosmópolis no filme, basta olhar para o pôster do filme. Exatamente, a cidade está ao redor do trono de couro munido da mais moderna tecnologia, arquitetada por um sistema indestrutível, perfeito e controlado. Esse é o aquário em que Erik se aprisionou, quase um universo paralelo em que as janelas são como televisores digitais cujas imagens têm apenas o poder de apontar a direção do almejado caos. Concluindo a teia, a assimetria de sua próstata era a resposta para seu enigma, porque quebrava a concepção de que tudo que lhe dizia respeito era perfeitamente controlado (incluindo sua saúde). A perspectiva de que uma parte de si havia resistido à maquinação de sua vida artificial, uma parte de si ainda era incondicionalmente humana.
Talvez o momento que mais lateje em nossas memórias seja o visionário diálogo de sua professora de teoria. “O dinheiro tomou o poder (...) o dinheiro está falando por si próprio. (...) dinheiro faz tempo. Costumava ser o contrário. O relógio acelerou o crescimento do capitalismo. Pessoas não pensam mais em eternidade e só se concentram nas horas. Foi a capital cibernética que criou o futuro. Agora o tempo é um bem corporativo. (...) O presente tem sido sugado para fora para dar lugar ao futuro incontrolável do mercado. O futuro se tornou insistente. (...) Isso é um protesto contra o futuro. Eles querem adiar o futuro para não sobrecarregar o presente. (...) Velhas indústrias serão eliminadas, novos mercados devem surgir e mercados antigos serão reexplorados. Destruir o passado, construir o futuro.”
Pattinson não faz nada extraordinário, mas é inquestionável o fato de que tenha se encaixado perfeitamente em seu papel. Baseado no romance homônimo de DeLillo (2003), certamente um dos mais críticos e enigmáticos filmes de Cronenberg já feitos, e feitos para um público específico. Não os mais intelectuais, não os mais informados ou espertos, e sim os mais interessados, e recomenda, inclusive, o making of do filme nomeado “Cidadãos de Cosmópolis”. Mas pra mim já deu, eu não assistiria outra vez.
“Imagine a dor. É para dizer alguma coisa. Fazer as pessoas pensarem”.
Amor
4.2 2,2K Assista AgoraA campainha toca novamente. É Haneke, o cineasta dos domicílios outra vez te induzindo a uma espiada pela fechadura. E toda vez, de alguma forma, sempre vemos nós mesmos do outro lado. Passamos por "O Sétimo Continente", "Caché", "Violência Gratuita", "A Fita Branca", e dessa vez estamos no mais sereno dos apartamentos.
O casal de protagonistas nos é apresentado de forma a priorizar o zelo e carinho com que se tratam mutuamente. A atmosfera singela e aconchegante delicadamente os cerca de fragilidade: alguém arrombou a fechadura. Haneke acabara de inserir sua marca naquele lar, e é aí que está a maior beleza de sua obra. Quem diria que alguém poderia converter o mais glorioso, benevolente e generoso dos sentimentos, o amor, ao MEDO. Está aí a sua marca, o traço que acompanha cada um de seus personagens de sua filmografia (ou pelo menos a maioria, já que eu ainda não assisti a todos).
A tensão da ameaça se amontoa na ideia de uma invasora. E o que mais a torna cruel é o fato dela ser irreversível, impiedosa e inevitável. Mesmo com toda segurança e equilíbrio, não há como escapar da velhice. Interpreto a cena da pomba como um momento de aceitação, o acolhimento ao invasor. Janelas fechadas não bastavam mais, Agnes já sabia disso e por isso as abria. A antagonista é universal e onipresente. Repare que o longa se inicia com peritos invadindo o apartamento. Logo depois, temos o choque da imagem de um defunto decorado com flores. A impossibilidade de qualquer mudança já está selada. O espectador SABE do que não se poderá mais evitar.
O apartartamento se torna cada vez mais quieto e vasto. Inundado pela melancolia, cada aposento se torna a moldura do desamparo.
Duas considerações devem ser ponderadas. Uma, de que a morte não é um inimigo, e sim uma consequência. Aquela que, inclusive, promove a resolução para o fim do sofrimento, o alívio. E a segunda é de que não se pode negar que o filme fale de amor, embora o foco não esteja voltado para um amor incondicional e levado ao limite. Essas são características belas e românticas que sem dúvida estão presentes, mas a verdadeira sensação está no preço que se paga por um amor consolidado pelo tempo: o sacrifício.
Jean-Louis Trintignan e a doce e ainda bela Emmanuelle Riva. Atores que eu não conhecia, de um patamar raro, que merece todo o reconhecimento que seja justo. Performances de uma entrega e precisão admiráveis que impressionariam até os maiores mestres. A obra levou Globo de Ouro, Palma de Ouro e mais de 80 indicações pelo mundo afora.
O tema evoca uma nobre repulsa porque procuramos negar o fim para que possamos seguir em frente. O otimismo da vitalidade e da juventude é necessária. E se assim é, ninguém gostaria de olhar por essa fechadura novamente. A angústia da experiência de assistir "Amour" vem justamente do golpe a esses atributos que tanto protegemos com os mais desconcertados abraços.
Killer Joe: Matador de Aluguel
3.6 880 Assista AgoraEsse ficou entalado na garganta.
O diretor do clássico "O Exorcista" te provoca mais uma vez. A expectativa inicial é de que se suceda um thriller de muita frieza e sangue. O filme começa e percebemos que talvez ele tenha uma queda pelo drama, então. Contudo, ele vem nos surpreender com o gênero do horror, que disfarçadamente se propaga das ações de cada personagem. Lateja o sujo, o cruel, o grotesco, uma família tão seca e desumana que transforma o ambiente num cenário de terror. A violência aqui é contra a mente do espectador.
Daí percebemos que todos os discursos de Joe são mais do que meros diálogos. Veja por exemplo quando ele conta o caso do homem que botou fogo nas próprias genitálias para traumatizar sua mulher que havia lhe traído. Ou seja, a agressão da imagem, sem lhe tocar, a violência psicológica.
"His eyes hurt".
O sentimento de indignação se acentua ao conhecermos a jovem Dottie, onde acompanhamos de mãos atadas seu processo de contaminação pelo mundo asqueroso e indiferente que a cerca, lhe corroendo a pouca pureza que lhe sobra.
Outra vez vem Joe contar sobre o rio do sul do Texas cedido a Oklahoma. "Não sei por que fizemos isso, mas isso me deixou furioso". Claramente, uma analogia à situação da garota. Percebemos que Killer Joe pode ser interpretado como uma extensão do próprio autor, a representação da lei (da narrativa), uma entidade evocada pela peversidade que vem castigar cada um daqueles que desmerecem a própria vida. É como fazer uma aposta com o diabo. T-Bone (nome excepcional) nem late pra ele.
Honestamente, existem muitas famílias por aí que mereciam que Joe batesse à porta. Por isso a missão não acaba. Por isso o desfecho anacoluto. O não-fim leva ao ciclo, à continuidade que se perpetua entre as famílias que se apodrecem, a vinda de uma criança gerada e destinada à mesma imundice.
Terminei o filme às 2 da manhã com os olhos escancarados, coração batendo forte e uma repulsa fora do comum.
Django
3.9 202 Assista AgoraO forasteiro que arrasta um caixão. Este é um ícone que perdura em nossas mentes por um bom tempo, ainda mais depois que sabemos o que Django esconde dentro dele. Ainda mais marcante é a aclamada trilha sonora original.
Particularmente gosto apenas da primeira metade do filme e do duelo final. Vale a pena para conhecer o clássico personagem que deu origem a tantos westerns por aí.
Django Livre
4.4 5,8K Assista AgoraTarantino é conhecido pela violência e humor do pastiche, onde busca inúmeras referências de filmes que gosta para criar suas histórias, cenas, personagens e diálogos. Dessa vez, a fonte de maior peso fora extraída do clássico personagem western Django, convidado a um passeio pelos campos do spaghetti. Apesar dos diversos links, o diretor alcança o sucesso pela capacidade da originalidade, fundamentada pela inovação e pelo mix dos estilos e gêneros. Tarantino nos apresenta um western com um protagonista negro.
Will Smith não compareceu para o elenco, como previsto anteriormente - algo que hoje deve se arrepender - mas deixou de presente um pouco de seu estilo James West para Jamie Foxx. Infelizmente, ainda que Foxx interprete o protagonista, não é ele o personagem que mais nos faz vibrar na cadeira, ficando atrás de Christoph Waltz e Leonardo DiCaprio. Parece que Hans Landa, de “Bastardos Inglórios”, trouxe tanto valor para Tarantino e Waltz, que o diretor quis ampará-lo para o lado do bem, gerando o excêntrico e perspicaz dentista Dr. King Schultz, que, diga-se por sinal, é o personagem mais incrível e cativante da história. Veja bem, um dentista, que cuida da saúde das pessoas, e ao mesmo tempo um caçador de recompensas, que mata pessoas. Schultz não é do tipo pistoleiro esmagador – para isso ele passa a arma para Django -, mas porta uma espécie de invulnerabilidade, sempre astuto e letal, se esquivando com classe de seus problemas. DiCaprio faz o mimado e sádico Calvie Candie que se antagoniza diretamente a Dr. Schultz, sendo tão perigoso quanto, embora não seja tão engenhoso. É onde entra Samuel L. Jackson para equilibrar os times, interpretando Stephen, um negro com pouco poder, mas é tão inteligente quanto venenoso.
Algumas cenas se tornam distintas e memoráveis, seja pelo formalismo aplicado ou pela trilha peculiar. Um desses elementos poderia ser a elipse. Quem não se lembra, por exemplo, da enorme elipse de “2001”? Após a libertação de Django e o nascimento do herói, os dois caçadores de recompensas se aliam. Neste momento, ao som de "I Got a Name" de Jim Croce o letreiro atravessa toda a tela, indicando um inverno passado, o que nos faz lembrar a uma das mais clássicas elispses do western, presente em “Rastros de Ódio”. Já que citado agora, não há quem tenha ficado indiferente à trilha sonora. A música tema é maravilhosa, mas o rap foi inacreditável.
Em seguida, adentram uma missão que está além do dinheiro em Candy Land. Lá, encontram um personagem curioso que fala com Django à bancada do bar e pede para soletrar seu nome. Para quem não sabe, aquele é Franco Nero, ator que interpretou o primeiro Django. Também passamos a conhecer Stephen, um negro que age acima dos outros negros e é tratado como se fosse um mordomo branco. Em perfeito contraste, lá também encontramos o advogado da família Candie, que mais parece ter sido criado para servir a família, assim como os escravos. É a partir desse momento que passamos a perceber que todos os personagens são escravos de certa forma. Os homens, de uma forma geral, são todos facilmente amansados ou domesticados pelo dinheiro. Menos aquele que tem causa nobre, o nosso protagonista, Django, motivo pelo qual é o único a escapar de seu próprio vinho na história.
O roteiro é fantástico, os diálogos geniais. O fato de 60% do filme ter acontecido na fazenda me agradou profundamente, além da diversão garantida quando se trata de Tarantino. Entretanto, senti um pouco de estranhamento no desfecho à la “Planeta Terror”, ainda que a revanche anterior à la “Os Imperdoáveis” tenha sido sensacional. Não sei se foi porque assisti inúmeras vezes, mas, se repararem bem, é perceptível uma dezena de erros de continuidade entre os cortes.
Não se pode dizer que Django é um filme tão grandioso assim, mas garantidamente é um entretenimento bem acima da média. Vale a pena assistir e, quem sabe, pode acontecer dele ir parar na sua lista de favoritos.
Dizem que Spike Lee não tem senso de humor, Spike Lee não pôde enxergar uma história de amor.
Salve Christoph Waltz.
Intrusos
2.8 330 Assista AgoraNão sei se foi pela minha sede de terror, mas eu gostei bastante do filme. Acho que o pessoal do Filmow aqui tem mais birra com filmes comerciais do que realmente se permitem curtir o entretenimento.
A história me deixou muito intrigado e consegui me envolver com o mistério. Gostei também das cenas de suspense, situações que abordam casas ou apartamentos me atraem por se relacionarem intimamente com o nosso cotidiano de alguma forma. O roteiro é bem arquitetado e resguarda um desfecho muito interessante.
Holy Motors
3.9 652Depois de 7 dias, vou tirar esses pensamentos entalados em mim.
E para quem não entendeu NADA do filme, talvez possa então abrir a mente para algumas possibilidades.
Um filme como este te instiga ao desafio de interpretar seus elementos subversivos. Não existe a interpretação mais correta, mas é possível extrair significados do que está na tela. Mas antes, eu vou preferir começar falando de como eu o senti, que é, sobretudo, uma experiência mais profunda do que simplesmente tentar decifrá-lo.
Durante toda a minha vida, eu fui percebendo que as relações entre as diversas pessoas do meu cotidiano eram distintas na medida em que eu me transformava para lidar com elas. Isso porque há uma necessidade de comunicação pra cada pessoa. Eu não conversaria com a minha avó do mesmo jeito que eu converso com meu melhor amigo, que ainda é diferente do jeito que falo com a minha namorada, como é diferente do meu patrão, ou da minha mãe, ou do atendente do supermercado, do meu professor, do sujeito simples vindo do interior ou do meu primo de três anos. Em um só dia, eu podia “vestir dezenas de máscaras” para me adaptar e driblar as diferenças que cada “compromisso” me exigia. Os termos mudam. E eu ainda estava lá, nos intervalos, “na minha limousine”, aparando com cuidado as migalhas do eu que era exclusivo meu. Quando dava errado, eu simplesmente “voltava correndo pro meu carro”. Isso nunca me incomodou. Pelo contrário, sempre achei essa flexibilidade e articulação uma vantagem, uma forte qualidade, uma manobra positiva.
Vem ainda se exibir pra mim, na intimidade, a fantástica capacidade de ser o que quiser e estar onde quiser. No cinema você pode ser ele, aquele ou o outro, todos enenhum, ter qualquer estatura, ter qualquer força, ter qualquer profissão, ter qualquer caráter, qualquer dom, qualquer família, qualquer saudade. É um dos principais motivos de hoje eu ter decidido minha carreira pelo cinema: poder criar o mundo que eu quiser. Aí insisto: “Holy Motors” conversou comigo e senti-lo significou algo bem valioso pra mim.
Partindo para as minhas primeiras impressões mais racionais, comecei entendendo o filme como um dia de um ator de teatro, participante de um grupo de artistas que interpretavam seus personagens por puro prazer, sem a necessidade de espectadores. “Os assassinos não precisam ver as câmeras de segurança que os vigiam para acreditarem que estão lá”. Oscar, esse ator, seria parte de uma organização que é responsável por esses trabalhos realizados, como se ele passasse de uma história para outra durante seu expediente. É uma atitude revanchista na luta pela continuidade do belo em um lugar onde “as câmeras se tornaram tão pequenas que não se vêem mais”, ou seja, não há de ser filmado porque já não há olhos para assistir. Daí, os atores interpretam os atos independentemente, por si mesmos, seguindo um roteiro, um cronograma previamente combinado dentre esses seletos artistas.
Seria interessante, mas essa é apenas uma das possíveis interpretações e provavelmente uma das mais rasas delas.
Há quem diga que se trata de uma regressão nas memórias turvas de um homem diante da morte ou agraciado por sonhos, representadas por trechos metafóricos de uma narrativa não linear. Alguns diálogos são bastante nostálgicos, como quando Céline diz que já foi bailarina ou a própria letra da música cantada pela charmosa Kylie Minogue, Gene. Alguns momentos claramente discursam contra o avanço exacerbado da tecnologia, como a cena final da conversa das limousines, que têm medo de se tornarem obsoletas. Um “avanço” que é lido como regressão, “não querem mais ação”. É um avanço que artificializou o que era humano, automatizou, artificializou. Nasce o desejo de resgate, de (re)volta e o personagem que tinha começado a história decadente como uma idosa pedinte na rua terminou o filme indo para casa, para a companhia de seus primatas, ancestrais.
Outros, jogam com a metalingüística que lateja na tela. A alegoria tem relação com o próprio cinema e cada personagem em seu episódio teria um significado tangente à condição em que se encontra a sétima arte hoje. Carax desperta da quarta parede de um cinema e vai averiguar o problema do espectador atrofiado, embarcando numa jornada via cinema para dar sequência e sentido aos personagens a sua volta, que parecem sempre estar suspensos, à espera de sua chegada. O cinema velho e ignorado, o cinema virtual se reproduzindo, o cinema poético sendo incompreendido, o cinema de plagio (cinema asiático vítima de uma legião de remakes hollywoodianos), etc. Na cena em que Oscar desce apressadamente do carro e mata o banqueiro, seria o momento em que se desfere tiros contra um cinema industrial que revida covardemente com quatro vezes mais recursos.
Poderiam também arriscar em dizer que o filme provoca reflexões acerta de como a vida de um ator pode ser vazia. Embora seja um excelente intérprete, um homem que pode assumir qualquer personalidade, o sentimento que prevalece em Oscar é a indiferença e isso só transparece quando está em sua luxuosa limousine “oca”. Uma analogia à conturbada mente de muitas celebridades por aí contaminadas pela solidão da multiplicidade? A cena da música “Who were we?” é totalmente voltada para o existencialismo dos personagens, que vagam por ruínas cheias de fragmentos de manequins até o precipício. Na cena com Eva Mendes, ela, interpretando uma modelo fotográfica, obedece a toda e qualquer ordem sem questionar, sem qualquer reação relutante. Seria a representação de um ser não pensante corroído pelo preço de uma vida célebre? Ou um outro tipo de marionete a serviço da beleza cega? Aí entra a missão de Oscar, o resgate pelo sentido da arte, vem o imundo pelo esgoto, toma a musa para si, se enche de rosas, engole o dinheiro, se despe, se decora com pétalas e posa ao lado da top model, que agora tem seu corpo vendado, o que finalmente faz alcançar a beleza equivalente entre os dois, evocando assim, a completude da arte, da poesia, da verdadeira beleza do ato.
O nome “Oscar” pode ter sido apenas uma coincidência com o grande festival. O que acontece é que seu nome artístico “Leos Carax” é um anagrama de seu verdadeiro nome Alex Oscar. Podemos então deduzir que a obra pode ter alto teor autobiográfico. A introdução do filme, o despertar, a chave no dedo, poderia representar sua descoberta no cinema. Um cinema em que, para ele, os espectadores já tinham se tornado meros corpos acomodados em suas poltronas. Diversas outras referências pessoais do diretor, inclusive de sua própria filmografia, permeiam Holy Motors, que só alguém que muito conhece de Carax poderia nos apontar. Além disso, é possível criar dezenas de breves conexões com filmes que vão desde “Cosmópolis” a “Pietá”.
Mas a mais sutil sacada eu nunca vi ninguém tentar divagar. Céline, após estacionar a limousine, põe uma máscara para sair do carro e voltar para casa. Ou seja, ela criou um personagem para viver fora do carro e só se permite ser autêntica enquanto chofer, nas breves e sinceras conversas com Sr. Oscar (ou nos bastidores). Seria uma forma de Carax dizer o quanto se sente livre e honesto consigo mesmo quando está fazendo cinema e que quando está andando por aí, distante dessa “arte de luxo”, precisa sustentar uma persona (ou mais) para também lidar com as pessoas do seu universo.
Pra mim, o que Leos Carax fez foi dizer com propriedade que o cinema está ameaçado e cansado com todo esse desgaste que existe. Foi o hastear de uma bandeira para que tratem com mais verdade e sabedoria o nosso tão maravilhoso cinema.
O Espetacular Homem-Aranha
3.4 4,9K Assista AgoraAndrew Garfiel é um bom ator, suas feições e reações são surpreendentes, assim como Marc Webb também tinha uma boa reputação após dirigir "500 Dias Com Ela", mas acredito que este filme já estava condenado desde o início do projeto. É impossível não comparar e considerar a enorme sombra dos três filmes anteriores sob a qual esta produção foi realizada.
Com 50 anos de Homem-Aranha nas HQs, surge nos cinemas o moderno “The Amazing Spider-Man”. Seria "amazing" mesmo, mas só se tivesse sido lançado 10 anos antes. Chega a ser ingenuidade acreditar que depois de Sam Raimi e Tobey Maguire terem cativado o mundo inteiro como o grande precursor dessa onda de filmes de super-heróis, um reboot tão precoce com outros atores teria o mesmo impacto. Quase tudo que está neste filme já foi mostrado na franquia anterior. Nem a bênção de Stan Lee salva. Seria preciso algo a mais.
Os realizadores esqueceram de quem faz o Homem-Aranha é Peter Parker. Um show de acrobacias e efeitos visuais sozinhos não iriam conquistar a platéia depois de terem acolhido a aplausos “Os Vingadores”. Quem diria: o cinema tornou-se competitivo até mesmo para o Homem-Aranha. Depois da trilogia de “Batman”, o gênero requer bons roteiros. E vejamos, Peter Parker se enquadra muito mais num looser, um fotógrafo que anda de lambreta (ou ônibus), do que num gênio que anda de skate. Essa tentativa de criar um young Peter Parker “cool” afetou no contraste que deve existir entre Peter Parker e o super herói e principalmente na intrigante etapa da descoberta de seus poderes. Aqui, o deslumbramento do personagem é ínfimo, os segredos são desvalorizados. Para que o rosto de Andrew ficasse mais tempo na tela, o Homem Aranha tem sua máscara tirada a cada 15 minutos e todos os personagens ao seu redor já sabem quem ele é. Ou seja, o filme empurra guela'baixo o novo rosto do herói, que já sofre pela relutância da grande maioria dos espectadores.
Norman Osborn pode ser comparado com Dr. Curt Connors, na medida em que ambos darão o pontapé inicial para a consolidação do herói aracnídeo. Ambos se tornam vilões por acidentes de laboratório (Oscorp) e são intrínsecos à vida pessoal de Peter. O problema é que quando “ficam verdes” o desenvolvimento do personagem e as cenas de ação do Lagarto ficam muito abaixo da média. O réptil teve inúmeras chances de esmagar ou perfurar mortalmente o herói durante o filme, como fez com outros civis, e, no entanto, não o faz, colocando a credibilidade no filme em questão. É possível ainda, nessa prematura comparação, dizer que Norman perpetua durante toda a trilogia de Raimi, deixando uma marca muito forte de sua presença na trajetória do Aranha. Conseguirá o Lagarto tal importância também? Receio que não.
O roteiro é excelente em seus primeiros minutos, amarradinho, diálogos bem organizados, boas sacadas, mas decai em seu desenrolar, deixando a desejar principalmente nos desenvolvimentos dos personagens e nos combates relâmpagos. A trilha sonora é muito menos potente (leia-se morna), abrindo mão da oportunidade de deixar as cenas dramáticas mais intensas, como eram antes. Qualquer um que escuta a trilha da trilogia anterior sabe a que filme a música se refere. Falando do elenco, me crucificariam por dizer isso, mas acho Emma Stone totalmente superestimada e sem sal. A atriz para a Tia Mey da franquia anterior era incomparavelmente melhor que a atual. E como única excelente escolha, devo dizer que gostei muito (mesmo) de Martin Sheen como tio Ben. Foi sábio também não envolver Mary Jane por enquanto, optando por começar com Gwen Stacy, personagem que pouco se destacou nos filmes anteriores. Ainda apostando em novidades para esse filme, o Aranha de Andrew demonstra grande criatividade no uso de sua teia, o que é excelente, além do uso de uma teia artificial, que contribui fortemente para a verossimilhança do filme - ainda que a teia orgânica do Peter de Maguire não tenha lhe caído mal.
Um projeto frágil, que sabia dos riscos, e investiu muito mais em efeitos visuais do que em roteiro, tendendo a abocanhar um público infantil e decepcionar o público amadurecido pelos filmes atuais do gênero. Para saber o quanto deu certo, basta comparar a popularidade do Homem-Aranha hoje com o que tinha 6 anos atrás. E as razões estão na tela. Estão na história do cinema.
Pra mim, um tiro no pé. De raspão.
Salvo pela imagem de um Spider-Man anterior. Salvo pela promessa de Os Vingadores 2.
Xingu
3.6 426Respeitável.
Bruna Surfistinha
2.9 3,0K Assista AgoraPrevisível, enquanto assistia o filme tive a impressão várias vezes de que já tinha visto aquilo. Não surpreende em nada, cria tensão em duas ou três cenas no máximo e o resto é simplesmente uma vitrine de entretenimento erótico. Há um mérito justo a ser entregue à parte técnica, principalmente à fotografia e efeitos visuais, mas nada que mude o rumo da opinião.
Exceto pela entrega de Deborah Secco, responsável pela metade da fama do longa, o filme é descartável. A outra metade é marcada pela Raquel fora da ficção e a polêmica que o trabalho alcançou. Pra quem quer ver a Deborah nua e ver até onde vai sua performance, esse é o título, mas se espera algo de bom cinema, procure outro.
O Hobbit: Uma Jornada Inesperada
4.1 4,7K Assista AgoraUma surpresa inesperada. Eu nunca acreditei muito no projeto desse filme - e acho que foi melhor assim, para o bem das minhas expectativas. Esse universo é realmente apaixonante e quanto mais o conhecemos, mais nos sentimos envolvidos nas aventuras.
A começar pela bem sucedida escolha de Martin Freeman para dar vida a Bilbo Bolseiro de uma forma atrapalhada e bem humorada. Diferente da benevolência mártir de Frodo, Bilbo tem uma inocência cativante, que é um tempero muito melhor para combinar com a força e coragem que existe dentro dos pequenos hobbits. Bilbo e Freeman resultaram numa combinação excepcional! Como é bom rever Elrond, Saruman e Galadriel quase 10 anos depois (ainda que eu não seja um fã assíduo da trilogia). Por favor, alguém embalsame Ian McKellen, coloque-o num pote em conserva ou qualquer coisa assim. Galdanf é a alma dessas histórias e, como de costume, o cinzento está sensacional.
Não seria preciso, mas não posso deixar de elogiar as deslumbrantes paisagens que decoram os fantásticos cenários, perfeitamente projetados e desenhados para atender à fantasia que a Terra Média resguarda. As belíssimas composições fazem valer a pena o ingresso no cinema e, para quem gosta, os óculos 3D. Os efeitos visuais melhoraram imensamente desde o último O Senhor dos Anéis em 2003, como se pode observar na espada cintilante de Bilbo, na verossimilhança do Gollum, de Smaug e outros ou até mesmo nos ambientes virtuais, agregados de panorâmicos movimentos de câmera. Ainda contribui com grande harmonia a maquiagem, que, além de dar vida mais uma vez ao asquerosos orcs, também dá credibilidade à raça anã. Considerando ainda o figurino, não fica muito distante dizer o quanto o filme é incrível visualmente. Somando tudo isso a maravilhosa trilha sonora, não há quem não tenha sensações a se manifestar.
Provavelmente se pode atribuir a grande maioria dos méritos a Peter Jackson quando falamos de criação. A adaptação tende a ser bem fiel ao livro, mas é recheada de cenas e informações extras, que dão consistência à história que estamos nos aventurando. As referências ao O Senhor dos Anéis fazem com que O Hobbit seja algo mais que um filme de uma aventura qualquer, e sim uma parte de um fabuloso quebra-cabeça. A presença no primeiro filme de Radagast me surpreendeu positivamente, somada ainda pelas situações de afronta, que estão em maior número e muito mais tensas e grandiosas na tela. Outros fatos foram omitidos, como as razões dos wargs ou das águias, mas que ficaram muito melhores dessa forma, mais selvagens, sem proferir palavras, coisa que o cinema facilmente os ridicularizaria.
Para alguns, entretenimento. Para outros, algo a mais. Três horas que passaram despercebidas e eu ainda mergulharia por mais tempo se fosse possível. Eu não esperava dizer isso tão cedo, mas assumo que essa nova trilogia já me conquistou.
Circo dos Horrores: Aprendiz de Vampiro
2.8 491 Assista AgoraPoderia ser interessante, as ferramentas estavam na mão, mas o filme não cativa. O interessante e inusitado se deixa contaminar pelo clichê. Muito se poderia extrair das mais diversas situações na primeira metade do filme, tenho certeza.
E nem se pode ser generoso pelo conjunto de uma obra, porque ela insiste em dizer que é inacabada. A possível prepotência de se assumir o começo de uma franquia não me desce, só frustra.
Quando Duas Mulheres Pecam
4.4 1,1K Assista AgoraQue difícil aceitar este.
Não é possível falar de dicotomia sem falar de um. Não é possível falar em unificação sem falar de dois.
Alguns filmes de Bergman começam em uma clínica e partem para outro ambiente carregado de significados - neste caso, uma ilha, simbolizando a unidade e o isolamento. A leitura dessa transição pode se dar de forma subjetiva e psicológica, ainda me aproveitando do que há de cinema fantástico e surrealista em Bergman, como se fosse uma representação visual daquilo em que prevalece o mental/sensorial, não sendo, entretanto, necessariamente um sonho. Essa ambiguidade é possível principalmente pelas próprias personagens que têm suas certezas em crise. Ou seja, elas realmente foram para a ilha?
Importante ainda é perceber que o ambiente hospitalar parece muito menos verossímil que a ilha, com uma estética simbolista, com paredes vazias e uma iluminação teatral, fazendo com que não seja seguro dizer em qual dos dois ambientes - clínica e ilha - realmente se encontraria a convivência entre as duas mulheres. Não seria plausível que alguém em uma ilha, vivendo uma vida reclusa, desenvolva uma espécie de esquisofrenia e fale consigo mesma ou crie um amigo imaginário? Note o ambiente em que está a criança, o filho. Ou seja, a relação das duas realmente começou diante daquela maca?
Logo no princípio Alma discursa com receio a missão que lhe é dada, alegando para sua superiora que talvez não fosse capaz de lidar com alguém de tamanha força mental. Apresenta-se então o conflito que logo a vitimizaria e faria com que toda a narrativa pudesse ser convertida para uma leitura puramente psicológica. Os diálogos (ou monólogos) começam a se parecer com devaneios à medida em que as imagens vão se tornando cada vez mais oníricas (vide cena fantasmagórica em que Elizabeth vai, dentre as cortinas opacas, até a cama de Alma). As palavras vão desvelando confissões e as relações são regidas por uma lucidez oscilante.
Um tapa é capaz de transportá-las para outro ambiente e não há quebra de sentido, muito pelo contrário, acrescenta. A montagem inclui, inclusive, o mistério, o enigma. A cada questionamento anacoluto temos a impressão de que as personagens são levadas por uma corrente de mão única, um processo ininterrupto que não permite desvios, um destino que as incita à colisão. Reina persuasivo e inevitável um desejo análogo ao do andrógino presunçoso partido em dois por Apolo, que condenou as partes à incompletude, homem e mulher, para que vivessem a buscar a integração de dois em um só, a fim de curar a natureza humana.
Os corpos se fundem em uma elaborada composição sob um aspecto quase cubista no decorrer das situações, agraciada por uma fotografia preto e branco que prima pelo elementar e pelo puro jogo de luz e sombra. Uma metade escura, a mais fotogênica, e a parte clareada, a mais feia - para que despertasse a rejeição do auto-reconhecimento nas atrizes. Movimentos de câmera em sintonia com a mise-en-scène se fazem precisos e delicados, contribuindo em grande parte para uma interseção das personagens. Faço ainda elogio maior às interpretações viscerais de Bibi Andersson e Liv Ullmann que eu poderia tê-las aplaudido de pé.
Em quadro, apenas a que ouve. Apenas a que fala. A inversão, a repetição, a cópia, a farsa. Persona. O tempo para, a película se rasga ao meio, Bergman vem nos lembrar que estamos assistindo a um filme, que existe a câmera e que tudo ali é atuação. A metalinguagem se manifesta a favor do tema, ainda logo antes da última cena do longa, a câmera na grua mirando a atriz. O espectador já não sabe dizer se ele está no cinema ou o cinema está nele. É como o diretor sueco vai fazer transcender sua mensagem, para que questionemos nossas certezas daquilo que dizemos ser.
Isso, senhores, em menos de uma hora e meia. Lindo exemplo de que o que é simples também pode ser incrivelmente intenso e valioso.
Blueberry: Desejo de Vingança
2.8 21Não é de hoje que a presença e a cultura dos índios estão intimamente relacionadas ao gênero western, como mais nítido exemplo, os de John Ford. Também não é novidade que a busca pela vingança impulsione os personagens de chapéus e pistolas. Mas desta vez, o misticismo das florestas e montanhas sagradas dividem igualmente o espaço com os clássicos cenários do western, ambos reverenciados pela temática da morte.
Vincent Cassel interpreta Mike, cherife dos homens brancos e grande amigo entre os índios, um homem que parece fortificado de todas as maneiras possíveis, menos de si mesmo, em suas memórias. Com essa fratura não resolvida, Blueberry segue uma vida suspensa, até reaver a possibilidade da libertação: a vingança, matando Wally, seu inimigo do passado. Uma vez quites após quase morrerem diante das chamas, os rivais fazem uma viagem astral encarando a si mesmos em outro mundo. Blueberry, nessa viagem, consegue a libertação espiritual com o perdão por um erro que havia cometido.
Belíssimas paisagens e enquadramentos resultantes de uma deslumbrante fotografia, por vezes onírica, que, orquestrada pelo diretor Kounen (Billy), contribuem para a sensação inebriante, condizendo com o estado enevoado e turvo do personagem. Os efeitos visuais são bons, mas é nesse quesito em que se encontra o desequilibrio da narrativa, que perde força e exagera no tempo desses momentos metafísicos. Talvez a intenção fosse a de provocar sensações da experiência no espectador, mas a confusão e complexidade visual acaba incomodando e causando tédio.
Os confrontos poderiam ser melhor explorados, assim como personagens secundários, que em sua maioria acabam por terminarem com propósitos questionáveis, não esclarecidos ou simplesmente fracos. Entretanto, passam pela primeira metade do filme personagens interessantíssimos, como o sinistro Woodhead ou ainda o metafórico par, o debilitado Rolling Star e o não muito diferente Billy, que o empurra. Ainda se percebe a influência bíblica, quando se tem uma prostituta de nome Madaleine e Maria, interpretada por Julliet Lewis, que sofre ao pé do corpo do santo guerreiro.
Potencial para um bom filme mas que deixa a desejar quanto perto de seu final.
Bukowski: Born into This
4.5 137Realmente, vale muito pra conhecer um pouco do velho. Depois desse documentário, entendo mais de suas razões, compreendo um pouco melhor sua personalidade, eu o lerei com mais fundamento. Sem dúvidas é um filme muito interessante pela figura inusitada que é Bukowski.
Não me identifico com a sua amargura, atrofia e rejeição à fantasia, legitimando apenas o que há de "real", mas inegavelmente Henry é um sujeito ímpar.
Eu não precisei esconder o meu pássaro azul, eu tenho a chance de ser todo azul. Eu não fui infectado por cicatrizes, as minhas são diferentes. Eu não sofri o quanto ele sofreu, não viajei o quanto ele viajou e não bebo o quanto ele bebeu. Sinto desprezo pelo babaca que foi em juventude e dó pelas relações humanas que pôde experimentar. Porque percebe-se que dentro daquela casca dura e asperosa havia um bom coração sentimental aos prantos.
Maluco, enigmático, ousado, mas criativo e sabe bem como contar uma história. Suas palavras têm um ar suicida que me faz lamentar, ainda que paradoxalmente eu goste do tom existencial e questionador em que fala da vida, da morte e de como vivemos. Apesar da opinião ressentida e distorcida sobre alguns temas, às vezes põe à mesa uma bela estrofe de sabedoria. Aprendi daí que deve-se preservar as últimas faíscas.
Para Poucos
3.2 47Contém spoilers.
Um filme pra quem acredita na mentira de que o desejo do corpo pode se separar de sentimentos apaixonados. Dois casais topam se envolver num jogo que acreditam ter controle e acabam corroídos pelas insatisfações de um efeito colateral.
O mais curioso é perceber que, ao final de tudo, os casais pareciam terem sido purificados de suas mentiras, ainda que carregassem consigo fragmentos vendados de uma aventura passada.
Sensual, instigante, mas particularmente, acho fraco, bizarro e dispensável.