Ótimo filme. Achei que construiu um retrato respeitoso e bem informado sobre a situação da China, sem descair para o lado de estereótipos fáceis, e, também, sem açucarar demais em clichês românticos. Noutros termos: a China não é mero pano de fundo exótico para uma história de amor batida se desenrolar sobre; o lugar interfere na trama, altera a dinâmica do casal, faz evoluir seu relacionamento.
O equilíbrio aqui talvez venha da carga de drama vir antes da carga propriamente romântica do filme - donde o título em português ser péssimo, aliás. Talvez esse cuidado esteja amparado sobre a trama do livro do Maugham, que costumava ser muito cuidadoso nesse sentido.
Achei que soube sublinhar as inspiraçãos reais da fantasia sem deixar de lado uma certa sutileza. E, um mérito inegável, consegue ser um filme que fica em pé mesmo sem ter praticamente nada que nossas expectativas gostariam que ali estivessem. Trocando em termos: consegue falar o tempo todo de 'O senhor dos anéis' sem necessariamente ter 'O senhor dos anéis'.
Ao final do filme, senti que Tolkien deixou de ser tão unidimensional, como se sua vida se resumisse à sua obra. Há tanto interesse no homem por trás da obra quanto na obra, ou quase isto.
Incomoda um pouco a caricatura que fizeram dos soviéticos, simplificando-os a partir de seus traços pretensamente mais marcantes - os quais não passam, muitas vezes, de perfis construídos a partir de estereótipos. A personagem da Greta Garbo se comporta como um robô absolutamente racional em tudo o que faz até ser conquistada pelos encantos ocidentais, como se os russos não tivessem alma (e qualquer que tenha lido alguma literatura russa sabe que eles têm, e como! Atormentadíssima!).
Mas dá-se um desconto nisto, nesse argumento subjacente à narrativa, por conta do fato de que quem operou a conversão de Ninotchka foi Paris. Quem não ficaria enamorado da Cidade Luz?
Esse é um filme bom pra indicar para todos aqueles que se indignaram com o especial de Natal do Porta dos Fundos, com a vantagem de que sempre se pode dizer, na maior cara de pau: 'Mas é sobre Brian, não Jesus.'
Como todo bom musical, tem sua própria concepção rocambolesca de verossimilhança. Os anacronismos deliberados, junção de baixo orçamento com crítica engajada do presente, são maravilhosos, cheios de subtextos. A sobreposição do imperialismo romano com o imperialismo guerra-fria foi muito bem feito, diga-se de passagem.
Ah, e a leitura de Judas proposta por esse filme é muito interessante. Eu diria que torna ele o personagem mais fecundo, em termos dramáticos, entre todos os que estão em tela.
O filme é horizontal demais, e é assolado ou por gargalos dramáticos fracos (casamento do Vaughn ou o bullying da filha do Mel Gibson) ou então por clichês (corrupção policial, treta com a corregedoria, policiais machões mas também humanos, ladrão com irmão paraplégico etc.). O perfil durão dos dois policiais ficou com cara de falta de expressividade, dificultando a empatia das horas decisivas, e as sequências focadas sobre a linha narrativa dos ladrões ficou demasiado enxuta, causando o mesmo efeito.
Um detalhe me incomodou sobremaneira: como os persongens se dispõem a morrer (ou se sacrificar) ao primeiro ferimento. O sujeito que engoliu a chave, o bandidão de dentro da van, o personagem do Vince Vaughn. Isso enfraquece a humanidade com que o filme tão ostensivamente tentou cercar os personagens.
Extrapolou em demasia o que havia sido definido pelo primeiro. Entendo que é um recurso estético, mas um pseudo-realismo (é, eu sei que esse é um termo merda, mas vá lá) que o primeiro conseguia manter foi aqui perdido. Tem vezes que o grupelho protagonista é formado de super heróis. Isso se percebe naquela sequência inicial, nos campos ao redor da Casa Branca, mas está presente também nas sequências finais.
Em compensação, as partes de comédia continuam sendo ótimas.
É de fato sensacional como o filme consegue te arrastar na melancolia com a situação decadente de Garland, e ainda assim ter momentos gloriosos de sensibilidade humanista. Renée Zellweger está terrivelmente bela no papel de Judy Garland, com direito a insinuações quaisquer de metalinguagem e de uma verossimilhança aterradora.
Provavelmente tem mil e uma romantizações para tornar a história mais interessante, mas dane-se, porque o filme é muito bom. Acho a construção dramática da corrida, fazendo com que cada detalhe importasse e cada jogada fosse decisiva, um dos grandes trunfos do filme.
Ah, a pegada meio redneck turrão do personagem do Bale é excelente. Tempera bem toda a trama de relações: entre ele e o Matt Damon, entre ele e os executivos da Ford etc.
Não tem como não colocar diante do primeiro e medir sua estatura. E nesse caso esse segundo filme tem menos força que aquele primeiro, assim como não tem uma música tão cativante. Ao fim e ao cabo, é um filme divertido, que soube entender o feedback do primeiro e aprimorar sua fórmula narrativa, seja expandindo o papel de alívio cômico do Olaf, seja (felizmente!) da manutenção da Elsa como princesa solo.
Embora pese nele aquela grandiloquência da dramaturgia de outrora, por vezes forçando nossos gostos de verossimilhança, é um grande filme. Eu diria até que, dada a densidade filosófica do romance de Melville, seu estilo rebuscado e exuberante, a grandiloquência impostada ajudou a compor a atmosfera da estória. A face dura, granítica de Gregory Peck-Ahab é verdadeiramente inesquecível.
Devo dizer ainda que, para um filme dos anos 1950, os efeitos especiais estão excelentes. Adotou-se uma técnica parecida com aquela que mais tarde estaria também no 'Tubarão' do Spielberg: usar o mar como aliado para as limitações técnicas. Nesse sentido também não há contradição com o livro: a baleia branca está presente no livro inteiro, é o fulcro da trama, mas pela boca dos personagens; só aparece de fato nas porções finais do romance.
Tem um subtexto mesmo se esquecermos que é baseado em uma história verídica: ter que esconder pessoas no lixo e mantê-las num zoológico para poder salvá-las devia nos dizer o suficiente sobre o que é o fascismo. Mas esse nosso final de década está aí...
É incrível como o Ben Affleck fica bem em papéis de sujeito apático, quase banana. Compare esse personagem com aquele de 'Garota exemplar', ou, em outro espectro, com o impassível Bruce Wayne (não com o Batman, bem entendido) ou, ainda, o mocinho de 'Live by night'.
É meio piegas sim, mas também é delicado e costurado a partir de uma história muito curiosa e cheia de humanismo. Além disso, tem pequenos mimos para leitores contumazes e bibliófilos, nesse sentido, aliás, lembrando muito 'A livraria'.
Gosto muito de como esse filme consegue transitar ousada e perigosamente pelos dois lados do "American way": há o senso de voluntarismo e engenhosidade retratados como virtude, mas também sua degeneração e transformação em algo destrutivo.
É o "sonho" e o "pesadelo" americanos numa única obra.
Esse filme é como que o Lado B do clássico 'Bonnie e Clyde', de 1967. É uma inversão de perspectiva muito interessante, fazendo a estória ficar focada sobre os rangers responsáveis pelo fim do casal Robin Hood da Grande Depressão. Tamanho foi o cuidado do diretor em não se deixar sequestrar pela trajetória dos ilustres Bonnie e Clyde que o filme deliberadamente se afasta deles, tornando-os parte do pano de fundo histórico - quase não se vê os atores que os interpretam. O bom é que, muito equilibradamente, o filme não se deixa levar para a demonização destes nem para a heroicização dos rangers - o clime noir garante aquela atmosfera mais dúbia, cheia de sombras morais e imorais sobre todos os personagens.
Embora grande parte do apelo do filme seja a reconstituição histórica (seu valor historiográfico, digamos), a performance de Harrelson e Costner é excelente, fazendo com que o filme tenha interesse mesmo para quem não esteja exatamente interessado nos episódios históricos de que ele trata.
Tá pra nascer alguém com mais cara e trejeitos de canastrão que esse tal de Dermot Mulroney. E o pior, dá muito a impressão de que, apesar do pastiche, ele se levar a sério pra caramba como sex symbol.
Ah, mais uma coisa: a Holland Taylor mais uma vez como a sogra ou mãe megera. Parece que ela está desgostosa com tudo e todos o tempo inteiro.
Filme delicado e com excelentes diálogos. Como o assunto, o tema e os personagens se impõem a quem vê, há momentos belíssimos de cinematografia que ficam um tanto obscurecidos, como quando o primeiro diálogo entre os papas é entabulado no palácio papal, e tem como tema as crises contemporâneas da Igreja: enquanto falam sobre isto, andam os dois num labirinto, e Bento XVI, visivelmente perdido, acaba indo para fora do jardim, numa parte mais erma dele. Ali, ele senta-se e conversa ainda um pouco mais com Bergoglio, e ao fim é este quem o traz de volta para a parte cuidada do jardim.
Outras coisas que aprecio ainda: o início da narrativa, usando os grafites para resumir a trajetória do futuro papa de modo muito engenhoso; ou então o esmero com que cada cena com os dois papas foi filmada: a luminosidade intensa, quase celestial, ou a incorporação deliberada da indumentária e dos símbolos religiosas como elemento artístico do filme - tem um cuidado quase kubrickiano por vezes com isto.
Acho seguro dizer que esse filme é um 'Kramer vs. Kramer' mais visceral, com mais gravitas.
Esse filme é um primor de narrativa, e consegue o inegável mérito de equilibrar as duas partes litigantes de modo tão perfeito, que é muito difícil para o espectador escolher um lado, pois fica sempre a considerar o de lá. O protagonismo é tão bem dividido, os quiproquós sentimentais e judiciais tão bem conduzidos como parte orgânica da narrativa geral, que me senti profundamente angustiado com toda a situação retratada. Gosto especialmente de como o diretor não poupa nas partes dolorosas, mas também não recai sobre a amargura de tal modo que não consiga de lá sair. O filme é cheio de rancor, ressentimento, raiva mesmo, mas ainda assim é cheio de amor, de compreensões silenciosas, de solidariedades afetivas. É como se dissesse: 'Isso é o casamento, misto de amor e ódio.'
Uma premissa tão legal, com atores tão qualificados...para cair no marasmo arrastado que é esse filme. Tem momentos interessantes de cinematografia (como quando ela sai de casa e a câmera segue sem cortes alternando o ângulo da filmagem) e de narrativa (como quando
ao fim, ela remove o traje protetor para lidar com as abelhas, expressando a pegada experimentativa e ousada dela, a sede com que ela busca beber do sumo da vida).
Mas esses são só momentos interessantes mesmo, não chegam a constituir o filme de todo. Suspeito que a frieza da personagem tenha feito a empatia mais difícil, e assim dificultado que se pudesse jogar sobre ela aquele manto da ambiguidade moral que costuma cobrir os bons personagens.
É como se Wolf Larsen, o lobo do mar do romance do Jack London, tivesse se aposentado e ido trabalhar num farol. Que baita filme! Diálogos incríveis, poeticíssimos, cheio de referências, econômico nos elementos e extraindo deles o sumo dramático máximo, cinematografia primorosa e, evidentemente, Willem Dafoe!
Gosto muito dele, especialmente em 'A última tentação de Cristo', mas nesse filme...ele está estupendo, visceral, até as últimas. Nunca achei que a linguagem ostensiva de poesia (como em Coleridge, de onde vem parte da inspiração das falas) podia ser tão crível, tão verossimilhante como modo de expressão "corriqueiro". A grosseria do personagem e do seu modo de falar parece que fazem ser ainda mais trascendente seus trejeitos de dicção, de vocabulário, de entonação. Está-se no meio da sordidez que é a vida dos dois no lufa-lufa do farol, e subitamente erguem-se passagens de sublime poesia, como que a suspender o lodo e elevar o espírito para as alturas do inefável. Estou a ficar piegas.
Gosto muito da forma como a trama do filme e certas partes da Odisseia se conversam. A reinterpretação do significado de Penélope e Ulisses é sensacional.
Esse é daqueles filmes que valem mais pelo engajamento político do que pela realização propriamente artística. O que não pode ser considerado necessariamente como demérito, dado que essa é uma das dimensões fundamentais da arte. Havemos de concordar: nada mais justo do que buscar humanizar por meio da arte, sobretudo diante dos horrores kafkianos do tratamento manicomial ao longo da história.
Contudo, é preciso notar que a presença da "tese" do filme faz pesar a mão do roteiro, de algumas atuações e da direção, o que concorre para que ele ganhe aquele tom mais demonstrativo do que sugestivo, mais argumentativo do que insinuante, prejudicando algo que é, também, essencial às obras de arte. O campo em que melhor se pôde obter notas altas nessa dimensão foi nas atuações de Santoro e de alguns dos internos, que exigiam a visceralidade, o extravasamento propriamente dionisíaco da arte, contrabalançando em alguma medida o apolíneo do filme de "tese".
O Despertar de uma Paixão
3.9 541 Assista AgoraÓtimo filme. Achei que construiu um retrato respeitoso e bem informado sobre a situação da China, sem descair para o lado de estereótipos fáceis, e, também, sem açucarar demais em clichês românticos. Noutros termos: a China não é mero pano de fundo exótico para uma história de amor batida se desenrolar sobre; o lugar interfere na trama, altera a dinâmica do casal, faz evoluir seu relacionamento.
O equilíbrio aqui talvez venha da carga de drama vir antes da carga propriamente romântica do filme - donde o título em português ser péssimo, aliás. Talvez esse cuidado esteja amparado sobre a trama do livro do Maugham, que costumava ser muito cuidadoso nesse sentido.
Tolkien
3.5 162 Assista AgoraAchei que soube sublinhar as inspiraçãos reais da fantasia sem deixar de lado uma certa sutileza. E, um mérito inegável, consegue ser um filme que fica em pé mesmo sem ter praticamente nada que nossas expectativas gostariam que ali estivessem. Trocando em termos: consegue falar o tempo todo de 'O senhor dos anéis' sem necessariamente ter 'O senhor dos anéis'.
Ao final do filme, senti que Tolkien deixou de ser tão unidimensional, como se sua vida se resumisse à sua obra. Há tanto interesse no homem por trás da obra quanto na obra, ou quase isto.
Ninotchka
4.1 113 Assista AgoraIncomoda um pouco a caricatura que fizeram dos soviéticos, simplificando-os a partir de seus traços pretensamente mais marcantes - os quais não passam, muitas vezes, de perfis construídos a partir de estereótipos. A personagem da Greta Garbo se comporta como um robô absolutamente racional em tudo o que faz até ser conquistada pelos encantos ocidentais, como se os russos não tivessem alma (e qualquer que tenha lido alguma literatura russa sabe que eles têm, e como! Atormentadíssima!).
Mas dá-se um desconto nisto, nesse argumento subjacente à narrativa, por conta do fato de que quem operou a conversão de Ninotchka foi Paris. Quem não ficaria enamorado da Cidade Luz?
A Vida de Brian
4.2 560 Assista AgoraEsse é um filme bom pra indicar para todos aqueles que se indignaram com o especial de Natal do Porta dos Fundos, com a vantagem de que sempre se pode dizer, na maior cara de pau: 'Mas é sobre Brian, não Jesus.'
Jesus Cristo Superstar
3.8 187 Assista AgoraComo todo bom musical, tem sua própria concepção rocambolesca de verossimilhança. Os anacronismos deliberados, junção de baixo orçamento com crítica engajada do presente, são maravilhosos, cheios de subtextos. A sobreposição do imperialismo romano com o imperialismo guerra-fria foi muito bem feito, diga-se de passagem.
Ah, e a leitura de Judas proposta por esse filme é muito interessante. Eu diria que torna ele o personagem mais fecundo, em termos dramáticos, entre todos os que estão em tela.
Justiça Brutal
3.6 153 Assista AgoraO filme é horizontal demais, e é assolado ou por gargalos dramáticos fracos (casamento do Vaughn ou o bullying da filha do Mel Gibson) ou então por clichês (corrupção policial, treta com a corregedoria, policiais machões mas também humanos, ladrão com irmão paraplégico etc.). O perfil durão dos dois policiais ficou com cara de falta de expressividade, dificultando a empatia das horas decisivas, e as sequências focadas sobre a linha narrativa dos ladrões ficou demasiado enxuta, causando o mesmo efeito.
Um detalhe me incomodou sobremaneira: como os persongens se dispõem a morrer (ou se sacrificar) ao primeiro ferimento. O sujeito que engoliu a chave, o bandidão de dentro da van, o personagem do Vince Vaughn. Isso enfraquece a humanidade com que o filme tão ostensivamente tentou cercar os personagens.
Zumbilândia: Atire Duas Vezes
3.4 612 Assista AgoraExtrapolou em demasia o que havia sido definido pelo primeiro. Entendo que é um recurso estético, mas um pseudo-realismo (é, eu sei que esse é um termo merda, mas vá lá) que o primeiro conseguia manter foi aqui perdido. Tem vezes que o grupelho protagonista é formado de super heróis. Isso se percebe naquela sequência inicial, nos campos ao redor da Casa Branca, mas está presente também nas sequências finais.
Em compensação, as partes de comédia continuam sendo ótimas.
O momento de ouro, pra mim, é quando eles encontram seus duplos. Aquela parte é de chorar de rir.
Judy: Muito Além do Arco-Íris
3.4 356É de fato sensacional como o filme consegue te arrastar na melancolia com a situação decadente de Garland, e ainda assim ter momentos gloriosos de sensibilidade humanista. Renée Zellweger está terrivelmente bela no papel de Judy Garland, com direito a insinuações quaisquer de metalinguagem e de uma verossimilhança aterradora.
Ford vs Ferrari
3.9 715 Assista AgoraProvavelmente tem mil e uma romantizações para tornar a história mais interessante, mas dane-se, porque o filme é muito bom. Acho a construção dramática da corrida, fazendo com que cada detalhe importasse e cada jogada fosse decisiva, um dos grandes trunfos do filme.
Ah, a pegada meio redneck turrão do personagem do Bale é excelente. Tempera bem toda a trama de relações: entre ele e o Matt Damon, entre ele e os executivos da Ford etc.
Frozen II
3.6 785Não tem como não colocar diante do primeiro e medir sua estatura. E nesse caso esse segundo filme tem menos força que aquele primeiro, assim como não tem uma música tão cativante. Ao fim e ao cabo, é um filme divertido, que soube entender o feedback do primeiro e aprimorar sua fórmula narrativa, seja expandindo o papel de alívio cômico do Olaf, seja (felizmente!) da manutenção da Elsa como princesa solo.
Seria um desastre se tentassem casar a Elsa.
Moby Dick
3.8 93 Assista AgoraEmbora pese nele aquela grandiloquência da dramaturgia de outrora, por vezes forçando nossos gostos de verossimilhança, é um grande filme. Eu diria até que, dada a densidade filosófica do romance de Melville, seu estilo rebuscado e exuberante, a grandiloquência impostada ajudou a compor a atmosfera da estória. A face dura, granítica de Gregory Peck-Ahab é verdadeiramente inesquecível.
Devo dizer ainda que, para um filme dos anos 1950, os efeitos especiais estão excelentes. Adotou-se uma técnica parecida com aquela que mais tarde estaria também no 'Tubarão' do Spielberg: usar o mar como aliado para as limitações técnicas. Nesse sentido também não há contradição com o livro: a baleia branca está presente no livro inteiro, é o fulcro da trama, mas pela boca dos personagens; só aparece de fato nas porções finais do romance.
O Zoológico de Varsóvia
3.9 275 Assista AgoraTem um subtexto mesmo se esquecermos que é baseado em uma história verídica: ter que esconder pessoas no lixo e mantê-las num zoológico para poder salvá-las devia nos dizer o suficiente sobre o que é o fascismo. Mas esse nosso final de década está aí...
Forças do Destino
3.0 253 Assista AgoraÉ incrível como o Ben Affleck fica bem em papéis de sujeito apático, quase banana. Compare esse personagem com aquele de 'Garota exemplar', ou, em outro espectro, com o impassível Bruce Wayne (não com o Batman, bem entendido) ou, ainda, o mocinho de 'Live by night'.
A Sociedade Literária e A Torta de Casca de Batata
4.0 486 Assista AgoraÉ meio piegas sim, mas também é delicado e costurado a partir de uma história muito curiosa e cheia de humanismo. Além disso, tem pequenos mimos para leitores contumazes e bibliófilos, nesse sentido, aliás, lembrando muito 'A livraria'.
Fome de Poder
3.6 830 Assista AgoraGosto muito de como esse filme consegue transitar ousada e perigosamente pelos dois lados do "American way": há o senso de voluntarismo e engenhosidade retratados como virtude, mas também sua degeneração e transformação em algo destrutivo.
É o "sonho" e o "pesadelo" americanos numa única obra.
Estrada Sem Lei
3.6 242 Assista AgoraEsse filme é como que o Lado B do clássico 'Bonnie e Clyde', de 1967. É uma inversão de perspectiva muito interessante, fazendo a estória ficar focada sobre os rangers responsáveis pelo fim do casal Robin Hood da Grande Depressão. Tamanho foi o cuidado do diretor em não se deixar sequestrar pela trajetória dos ilustres Bonnie e Clyde que o filme deliberadamente se afasta deles, tornando-os parte do pano de fundo histórico - quase não se vê os atores que os interpretam. O bom é que, muito equilibradamente, o filme não se deixa levar para a demonização destes nem para a heroicização dos rangers - o clime noir garante aquela atmosfera mais dúbia, cheia de sombras morais e imorais sobre todos os personagens.
Embora grande parte do apelo do filme seja a reconstituição histórica (seu valor historiográfico, digamos), a performance de Harrelson e Costner é excelente, fazendo com que o filme tenha interesse mesmo para quem não esteja exatamente interessado nos episódios históricos de que ele trata.
Muito Bem Acompanhada
3.5 542 Assista AgoraTá pra nascer alguém com mais cara e trejeitos de canastrão que esse tal de Dermot Mulroney. E o pior, dá muito a impressão de que, apesar do pastiche, ele se levar a sério pra caramba como sex symbol.
Ah, mais uma coisa: a Holland Taylor mais uma vez como a sogra ou mãe megera. Parece que ela está desgostosa com tudo e todos o tempo inteiro.
Dois Papas
4.1 963 Assista AgoraFilme delicado e com excelentes diálogos. Como o assunto, o tema e os personagens se impõem a quem vê, há momentos belíssimos de cinematografia que ficam um tanto obscurecidos, como quando o primeiro diálogo entre os papas é entabulado no palácio papal, e tem como tema as crises contemporâneas da Igreja: enquanto falam sobre isto, andam os dois num labirinto, e Bento XVI, visivelmente perdido, acaba indo para fora do jardim, numa parte mais erma dele. Ali, ele senta-se e conversa ainda um pouco mais com Bergoglio, e ao fim é este quem o traz de volta para a parte cuidada do jardim.
Outras coisas que aprecio ainda: o início da narrativa, usando os grafites para resumir a trajetória do futuro papa de modo muito engenhoso; ou então o esmero com que cada cena com os dois papas foi filmada: a luminosidade intensa, quase celestial, ou a incorporação deliberada da indumentária e dos símbolos religiosas como elemento artístico do filme - tem um cuidado quase kubrickiano por vezes com isto.
História de um Casamento
4.0 1,9K Assista AgoraAcho seguro dizer que esse filme é um 'Kramer vs. Kramer' mais visceral, com mais gravitas.
Esse filme é um primor de narrativa, e consegue o inegável mérito de equilibrar as duas partes litigantes de modo tão perfeito, que é muito difícil para o espectador escolher um lado, pois fica sempre a considerar o de lá. O protagonismo é tão bem dividido, os quiproquós sentimentais e judiciais tão bem conduzidos como parte orgânica da narrativa geral, que me senti profundamente angustiado com toda a situação retratada. Gosto especialmente de como o diretor não poupa nas partes dolorosas, mas também não recai sobre a amargura de tal modo que não consiga de lá sair. O filme é cheio de rancor, ressentimento, raiva mesmo, mas ainda assim é cheio de amor, de compreensões silenciosas, de solidariedades afetivas. É como se dissesse: 'Isso é o casamento, misto de amor e ódio.'
Lucy In The Sky: Uma Lágrima na Imensidão
2.6 56 Assista AgoraUma premissa tão legal, com atores tão qualificados...para cair no marasmo arrastado que é esse filme. Tem momentos interessantes de cinematografia (como quando ela sai de casa e a câmera segue sem cortes alternando o ângulo da filmagem) e de narrativa (como quando
ao fim, ela remove o traje protetor para lidar com as abelhas, expressando a pegada experimentativa e ousada dela, a sede com que ela busca beber do sumo da vida).
Mas esses são só momentos interessantes mesmo, não chegam a constituir o filme de todo. Suspeito que a frieza da personagem tenha feito a empatia mais difícil, e assim dificultado que se pudesse jogar sobre ela aquele manto da ambiguidade moral que costuma cobrir os bons personagens.
Meu Nome é Dolemite
3.8 362 Assista AgoraConsigo até ouvir os coaches de plantão planejando usar o filme como exemplo da perseverança, do 'não desistir nunca' etc.
O Farol
3.8 1,6K Assista AgoraÉ como se Wolf Larsen, o lobo do mar do romance do Jack London, tivesse se aposentado e ido trabalhar num farol. Que baita filme! Diálogos incríveis, poeticíssimos, cheio de referências, econômico nos elementos e extraindo deles o sumo dramático máximo, cinematografia primorosa e, evidentemente, Willem Dafoe!
Gosto muito dele, especialmente em 'A última tentação de Cristo', mas nesse filme...ele está estupendo, visceral, até as últimas. Nunca achei que a linguagem ostensiva de poesia (como em Coleridge, de onde vem parte da inspiração das falas) podia ser tão crível, tão verossimilhante como modo de expressão "corriqueiro". A grosseria do personagem e do seu modo de falar parece que fazem ser ainda mais trascendente seus trejeitos de dicção, de vocabulário, de entonação. Está-se no meio da sordidez que é a vida dos dois no lufa-lufa do farol, e subitamente erguem-se passagens de sublime poesia, como que a suspender o lodo e elevar o espírito para as alturas do inefável. Estou a ficar piegas.
O Desprezo
4.0 266Gosto muito da forma como a trama do filme e certas partes da Odisseia se conversam. A reinterpretação do significado de Penélope e Ulisses é sensacional.
Bicho de Sete Cabeças
4.0 1,1K Assista AgoraEsse é daqueles filmes que valem mais pelo engajamento político do que pela realização propriamente artística. O que não pode ser considerado necessariamente como demérito, dado que essa é uma das dimensões fundamentais da arte. Havemos de concordar: nada mais justo do que buscar humanizar por meio da arte, sobretudo diante dos horrores kafkianos do tratamento manicomial ao longo da história.
Contudo, é preciso notar que a presença da "tese" do filme faz pesar a mão do roteiro, de algumas atuações e da direção, o que concorre para que ele ganhe aquele tom mais demonstrativo do que sugestivo, mais argumentativo do que insinuante, prejudicando algo que é, também, essencial às obras de arte. O campo em que melhor se pôde obter notas altas nessa dimensão foi nas atuações de Santoro e de alguns dos internos, que exigiam a visceralidade, o extravasamento propriamente dionisíaco da arte, contrabalançando em alguma medida o apolíneo do filme de "tese".