Parece uma variação de 'Amor à queima roupa', costurada com alguma coisa de 'Assassinos por natureza', mas sem o apelo real da ambiguidade moral desses filmes. Não consegue carregar a pressão de estar à sombra daqueles.
Um filme delicado, feito todinho com esmero. Gosto particularmente da maneira contida e econômica com que utiiliza cada um de seus elementos para contar sua história. São poucos personagens, poucos lugares, poucas virtuoses narrativas, mas cada uma delas está extremamente bem entretecida às demais, formando um todo coeso, orgânico mesmo, que é ótimo de se ver. Dá a impressão de que tudo é muito artesanal, no melhor sentido da palavra, e as atuações de Bill Nighy e Emily Mortimer estão excelentes - especialmente por aquilo que expressam sem precisar verbalizar (mais um aspecto da economia do filme).
Ah, e tem um bônus para leitores e bibliófilos, que é o apelo estético das estantes, dos volumes enfileirados, das primeiras edições, dos livros se espalhando pelas escadas, pelas prateleiras, por aquela casinha antiga e charmosa daquele antigo e charmoso vilarejo à beira mar. A delicadeza da fotografia realmente cria um espaço para o drama, e com uma atmosfera romântica e ao mesmo tempo melancólica que são inefáveis.
O que faz o filme não ter um apelo à altura da história que conta, creio, é a dificuldade de empatia pelo protagonista. Se ele tivesse uma motivação mais clara, se nos permitisse entrever ao menos alguma coisa real, verdadeira, sobre si, quem sabe pudéssemos nos ter identificado com ele. Ele não era um extorsionista com propósitos nobres, nem um justiceiro não-ortodoxo, nem um pai de família atrás de proteger os seus, nem um caçador de falcatruas com senso moral particularmente aguçado.
Ele é um mitômano, um mentiroso compulsivo e habilidoso - patológico talvez se pudesse dizer. Mas como a sua mentira é, aparentemente, um fim em si mesmo, e não um meio para atingir algum fim, sentimo-nos como as pessoas com quem ele travou contato: como se tivéssemos "perdendo" nosso tempo com as extravagâncias ficcionais do protagonista.
Mas ainda assim, como é dito no início do filme: trata-se de uma história inspirada fortemente em fatos reais, o que torna tudo mais insano ainda - sobretudo em tempos de fake news. Nesse sentido, aliás, lembra um pouco aquele filme do Welles, 'F for Fake', o que não deixa de ser uma baita homenagem.
Gosto do 'Banana!' que deram para a necessidade do verossímil e, consequentemente, pelo aceno que deram à dimensão alegórica da coisa. É como se cruzassem um 'Vidas secas' ou um 'Tocaia grande' com temática distópica. Uau!
Do mesmo que havia o 'Blaxploitation', esse filme talvez seja um 'Nordestxploitation' ou algo do tipo. Tudo é tão real porque tão exagerado, e dá para sentir o cheiro da alma sendo lavada por causa mesmo desse exagero ficcional.
Me incomodou o fato de eles serem tão novinhos, sem querer ser moralista. Forçou a verossimilhança para além do que me pareceu de bom tom, isto é, sem que para isso tivesse um motivo realmente forte o bastante.
Tem boas sequências de ação, mas que sofrem na grandiosidade dramática por conta das proporções diminutas que enfrentam, seja pela situação em tela seja pela realidade de micro-cosmos da coisa toda. Tenho a impressão de que teria tido mais sorte se não estivesse tão compromissado com a revisão histórica do episódio em questão, e mais focada na exploração das implicações políticas dele - ou então no drama particular dos personagens.
Um filme deveras corajoso, e cuja feitura, a exemplo do relatório do qual fala, demorou a poder ser feita pelos mesmos motivos. Retirado o providencial drama injetado pelas atuações precisas de Driver e Benning, seria um documentário (como os do Michael Moore, mas com o sarcasmo mais discreto), e sem dever, nisto, ao apuro factual.
Creio ser necessário ressaltar, ao lado da coragem, o esforço tremendo que deve ter sido para roteirista e diretor dar conta de nos levar pela mão ao longo da enxurrada documental e do labirinto burocrático e legal da questão. São louváveis Virgílios desse inferno mais kafkiano que dantesco.
...e se a Terra explodisse e você, e sua tripulação, fossem os últimos representantes da raça humana? Aguentar-se-ia o impacto filosófico do episódio, a dor da perda e o peso da responsabilidade?
O que não estava à altura dessa premissa era o roteiro e as atuações. Um pouco mais de tragicidade nos conflitos, um pouco mais de virulência nas atuações, e o filme teria conseguido dar uma volta e completado seu arco catártico.
a cena final deixou-lhes sugerido Adão e Eva, ou era somente um último e dramático suspiro de um filme romântico? O pano de fundo da trama, tentativa de colonização da lua de Júpiter, parece fazer pender a hipótese para o primeiro caso. O desenvolvimento da relação dos dois personagens principais, no entanto, argumenta a favor da segunda hipótese.
Duas estrelas e meia é em consideração à tradição do Rambo.
É violência gratuita demais, trama apelativa demais. É como se assistíssemos a 'Esqueceram de mim', mas o Macaulay Culkin é um geriatra sádico, num rampage de vingança que a classificação indicativa permite lançar-se às mais sanguinolentas formas de matar. Troque a casa dos McCallister do filme de 1990 pelos túneis da americaníssima fazendo do Rambo e, pronto!, a transição está feita.
Aliás, a câmera afastar-se deixando-o ao final do filme sentado na cadeira de balança da indefectível varanda de madeira tem qualquer coisa de ressonância patriótica, não? Aumenta a densidade de dramalhão da coisa toda. Tsc, tsc!
Preciso dizer ainda algo: a literariedade tosca com que Rambo diz que vai 'arrancar o coração do peito' do bandidão assim como o seu fora arrancado tem algo de poético, ainda que de um jeito troglodítico. Essa é a poética do Rambo: sem floreios, sem sutilezas, tosca, bruta, praticamente bestial. Quem diria que aquele personagem do 'First blood' daria nisto.
Me agrada o uso do espaço para fins contemplativos, com a vastidão do vazio exterior servindo de escopo à introspecção,e esse filme consegue fazer isso muito bem. É claro que isso tende a forçar o equilíbrio entre a ação (o aspecto thriller), e a porção propriamente filosófica da Ficção Científica, mas isso não chegou a constituir problema aqui, penso.
Menção honrosa aqui para a edição de som, que é espetacular. Aquela sequência na lua, com alternância entre silêncio espacial, estampidos surdos de disparos, sons abafados do choque, o barulho do ar se esvaindo do traje (etc.etc.etc.) é muito bem construído, e tem papel fundamental na construção climática da cena.
Entendo que a medula dramática do filme inclui um tema edípico, com a relação entre pai e filho, portanto, desempenhando papel-chave na construção da trama (o protagonista menciona sua inabilidade emocional no início do filme, e pouco a pouco descobrimos a ausência paterna como elemento causal forte nisto). E esse é o motivo pelo qual, penso, o filme não atingiu suas mais altas notas catárticas: a participação do pai (Tommy Lee Jones) e, consequentemente, a relação e o diálogo com o filho (Brad Pitt) foram muito rápidos. O filme todo nos prepara para isto e a cena se resolve com muita facilidade, durando tempo de menos diante da importância vital dela para a consumação do enredo.
Em tempo, que se note a beleza poética do fato de que o impulso que leva o protagonista de volta para a Terra, com seus conflitos paternos e individuais resolvidos, é a explosão da estação espacial do pai, o projeto ao qual este havia sacrificado tudo, inclusive o convívio com o filho. Parecia Zaratustra dizendo que é preciso enterrar os ídolos dos pais.
Já sentindo o cheiro da acusação de heresia, permito-me dizer que esse filme ficou aquém da expectativa. Ainda que seja preciso considerar que ao ver 'Quentin Tarantino' o sarrafo suba imediata e acentuadamente, devo dizer que fiquei com a impressão de gratuidade.
Vamos por partes: os personagens continuam excelentes, assim como a cinematografia, que, aliás, me pareceu mais esmerada ainda do que nos outros filmes (a cena do Cliff no Rancho Span já é imortal para mim). A ideia da reconstrução de uma época, retrato de um momento da história de Hollywood, é executada à perfeição. Tenho a impressão de que os programas de rádio foram onde isso se deu com maior cuidado, secundado pelos anúncios televisivos e nos outdoors. Imagino que deva haver ali um trabalho realmente artesanal (beirando o obsessivo) para dar conta de restituir com tamanha vivacidade aquela realidade.
Isso, contudo, contribui para acabrunhar o filme, depositar-lhe sobre os ombros tamanha responsabilidade de reconstrução que o pano de fundo torna-se quase prioritário à trama. Não fosse a trajetória do personagem de Di Caprio e de Cliff, o filme seria "somente" uma ode à Hollywood clássica na passagem para os anos digressivos que viriam. Essa divisão de tempo e, consequentemente, a proporção dada a cada um dos elementos fundantes dao filme, operou de modo negativo à consecução dele, forçando-o a alternar entre dois blocos: o relativo à estória dos dois personagens (que, note-se, já são dois), e o relativo ao colossal pano de fundo (do qual a Sharon Tate faz parte, quase como sua projeção, donde não ser fundamental à trama). Assim, eis o dilema, pareceu-me que o pano de fundo mobilizava a trama, e não a trama o pano de fundo, concorrendo para que o filme fosse mais panorâmico do que guiado pela estória (story-driven, para usar termo cativo da crítica gringa). Donde, aliás, a sensação de gratuidade que mencionei no início.
Aproveito para expor uma inquietação e ver se ela é compartilhada: tenho a impressão de que Tarantino deliberadamente opera com base nas expectativas que temos por conta do resto de sua filmografia. Esperávamos isto e aquilo (diálogos nonsense e violência extremada, por exemplo), e ele foi se auto-referenciando seguidamente, ora indulgindo-nos, ora privando-nos. É discutível o quanto essas marcas constituem ou não quebras de expectativa ou não, mas o meu ponto é: a quantidade de auto-referência é tamanha, e ela tem se tornado cada vez mais condensada e orgânica, que me pergunto se o Tarantino não vai se tornar um conceito. Me pergunto se ele não está se tornando cada vez mais e mais conceitual quanto às suas idiossincrasias, polindo-as à exaustão até deixá-las todas tão imbricadas no filme que ele ficará mais intuído que expresso, explícito. O fato de ele se auto-referenciar mais frequentemente nesse filme, e o fato de ele operar conscientemente sobre nossas expectativas, não o faz correr o risco de, eventualmente, tornar-se um conceito de si mesmo (ou pior, uma paródia, um pastiche de si próprio)?
Falo isso como especulação, evidentemente. Mas adoraria ler comentários sobre.
Um filme politicamente sóbrio e cinematograficamente feito com esmero, que em momentos decisivos tem guinadas dramáticas excelentes, atreladamente aos dilemas éticos em que se metem os personagens. A trama é costuradinha e muito bem conduzida para levar a essas situações-limite. Os momentos de ouro do filme (em termos de atuação, direção e narrativa) são exatamente estes.
Me agrada sobretudo a reserva que o filme tem com relação ao adesionismo: não há aquelas paixões chorosas contra esta ou aquela ideologia, e isso sem deixar de ter posição. O humanismo do filme e seu senso artístico estão equilibrados, donde a sobriedade e o acerto no tom da estória. Em suma: esqueça o filme-propaganda, mas não esqueça o engajamento. Me lembrou muito um outro filme alemão excelente, 'A vida dos outros'.
Sinto muito em dizê-lo, mas esse filme me desagradou profundamente. Fiquei chocado (não no bom sentido do termo) com as reviravoltas que ocorrem depois dos 30 minutos, e não consegui mais levar o filme a sério. Fui ler resenhas e críticas e vi o pessoal se esforçando muito para gostar do filme, chamando-o de "ousado" e de "parábola social", mas, sinceramente, me pareceu uma ideia interessante mas mal executada: os diálogos são sofríveis e a condução arrastadíssima, com silêncios enormes e inserções desavisadas de musical que em nada contribuem para a medula narrativa e/ou dramática do filme.
O troço ficou tão mirabolante dos 30 minutos em diante que, a meu ver, não se trata daquelas 'quebras de expectativa' que se costuma louvar como atitude corajosa do diretor ou do roteiro. Penso que a coisa toda beira a incoerência.
O que me pareceu é que o filme mergulhou com tanta ênfase no grotesco que acabou por perder de vista a função dramática da fantasia, do lobisomem, nesse caso. Não sendo alçado à condição de elemento catalisador do drama, como peça expressiva do sentido do filme (social, moral, estético etc.), ficou-se com o grotesco pelo grotesco, o horror pelo horror. E quando buscou-se trazer a criatura de volta do reino bestial para o reino humano, tentando humanizá-la mesmo, o efeito já havia se perdido. Fiquei com impressão de ser um 'A forma da água' naufragado, em que o gosto pelo gore acabou extrapolando nossa capacidade de empatia com os personagens e com a situação.
Quem reclamou desse filme deve ter esquecido dos outros filmes de Scorsese, porque tudo aquilo que se costuma adorar em 'Os bons companheiros', 'Cassino' e 'Os infiltrados' está aqui. A capacidade narrativa do Scorsese é estupenda, e não atrapalha o caminho dos personagens em nenhum momento.
O único ponto que me deixou meio assustado foi a maquiagem digital que puseram no De Niro e no Pesci na época da história em que eram mais jovens. Eles ficaram parecendo aqueles bobble heads.
Filme todo cuidadoso, com personagens interessantes e uma história upbeat pra caramba. Ótima recomendação de um filme família sem ser demasiado água-com-açúcar ou emocionalmente apelativo.
Parecia aquele filme 'A ilha', mas ambientado no país das maravilhas de Alice: uma proposta muito boa e com uma estética estonteante (o cartaz do filme é maravilhoso!). Acabou que ficou só na estética mesmo, naufraga miseravelmente pouco além dela.
Tenho a impressão de que a época em que os personagens de John Hughes tinham condição de serem figuras minimamente dramáticas já passou. Pensando bem, talvez eles só possam sê-lo no cinema mesmo, porque na vida...pegam mal, parecem demasiado reclamação de barriga cheia.
Filme bom, sobretudo por fazer matar a saudade da série e pela atuação inspirada do Aaron Paul, mas de fato foi um pouco anti-climático. De qualquer modo, uma excelente indicação para os nostálgicos de Breaking Bad.
Acho que dá para dizer que é um western contemporâneo.
Um filme muito bem curado, com cinematografia esmerada e uma premissa interessante, mas que acabou não sendo sobre nada. Tudo bem contido, mas no fundo um tanto gratuito.
A sensaboria da protagonista definitivamente não ajuda: ela é peculiar demais para despertar empatia.
Um bom filme, mas assim como o livro do Doctorow que lhe deu origem, tenta de tal modo abraçar a totalidade do período histórico, criar uma ambientação histórica rica e sistemática, que temos dificuldade de encontrar o fio da linha dramática da obra.
O resultado disto é um ótimo painel histórico, mas um filme dramático mediano.
O que mais gostei foi o fato de eles ficarem o filme inteiro procurando Jesus e não encontrá-lo, descobrindo por fim que ele estava onde eles estavam o tempo todo. Oscilo em como categorizar a obra: ou é o filme mais religioso ou o filme menos religioso que já vi na vida.
A questão que mais me pegou, a que no seu interior tem mais densidade filosófica, é o conjunto de duas sequências: o ensaio para o Murray Franklin Show, que Coringa faz em casa; e a ocasião do show propriamente dita. Na primeira ele simula o suicídio, na segunda ele comete o assassinato. Me pego pensando se não há aí a expressão de uma proximidade subjetiva: querer se matar, e matar aos outros que fizeram-no querer se matar. Quantas implicações morais e psicológicas não temos baseada nessa proximidade.
Pode ser que tenha a ver com o impacto que causaram em mim, mas essas duas sequências contém o filme inteiro condensado nelas.
Acho que não estava no estado de espírito certo, porque Jim Jarmusch manda bem e eu não gostei desse filme. Achei que os personagens são desajustados e morosos demais para despertar simpatia.
Um Amor e Uma 45
3.3 21Parece uma variação de 'Amor à queima roupa', costurada com alguma coisa de 'Assassinos por natureza', mas sem o apelo real da ambiguidade moral desses filmes. Não consegue carregar a pressão de estar à sombra daqueles.
A Livraria
3.6 218 Assista AgoraUm filme delicado, feito todinho com esmero. Gosto particularmente da maneira contida e econômica com que utiiliza cada um de seus elementos para contar sua história. São poucos personagens, poucos lugares, poucas virtuoses narrativas, mas cada uma delas está extremamente bem entretecida às demais, formando um todo coeso, orgânico mesmo, que é ótimo de se ver. Dá a impressão de que tudo é muito artesanal, no melhor sentido da palavra, e as atuações de Bill Nighy e Emily Mortimer estão excelentes - especialmente por aquilo que expressam sem precisar verbalizar (mais um aspecto da economia do filme).
Ah, e tem um bônus para leitores e bibliófilos, que é o apelo estético das estantes, dos volumes enfileirados, das primeiras edições, dos livros se espalhando pelas escadas, pelas prateleiras, por aquela casinha antiga e charmosa daquele antigo e charmoso vilarejo à beira mar. A delicadeza da fotografia realmente cria um espaço para o drama, e com uma atmosfera romântica e ao mesmo tempo melancólica que são inefáveis.
O Desinformante!
2.9 232 Assista AgoraO que faz o filme não ter um apelo à altura da história que conta, creio, é a dificuldade de empatia pelo protagonista. Se ele tivesse uma motivação mais clara, se nos permitisse entrever ao menos alguma coisa real, verdadeira, sobre si, quem sabe pudéssemos nos ter identificado com ele. Ele não era um extorsionista com propósitos nobres, nem um justiceiro não-ortodoxo, nem um pai de família atrás de proteger os seus, nem um caçador de falcatruas com senso moral particularmente aguçado.
Ele é um mitômano, um mentiroso compulsivo e habilidoso - patológico talvez se pudesse dizer. Mas como a sua mentira é, aparentemente, um fim em si mesmo, e não um meio para atingir algum fim, sentimo-nos como as pessoas com quem ele travou contato: como se tivéssemos "perdendo" nosso tempo com as extravagâncias ficcionais do protagonista.
Mas ainda assim, como é dito no início do filme: trata-se de uma história inspirada fortemente em fatos reais, o que torna tudo mais insano ainda - sobretudo em tempos de fake news. Nesse sentido, aliás, lembra um pouco aquele filme do Welles, 'F for Fake', o que não deixa de ser uma baita homenagem.
Bacurau
4.3 2,8K Assista AgoraGosto do 'Banana!' que deram para a necessidade do verossímil e, consequentemente, pelo aceno que deram à dimensão alegórica da coisa. É como se cruzassem um 'Vidas secas' ou um 'Tocaia grande' com temática distópica. Uau!
Do mesmo que havia o 'Blaxploitation', esse filme talvez seja um 'Nordestxploitation' ou algo do tipo. Tudo é tão real porque tão exagerado, e dá para sentir o cheiro da alma sendo lavada por causa mesmo desse exagero ficcional.
Bons Meninos
3.5 227Me incomodou o fato de eles serem tão novinhos, sem querer ser moralista. Forçou a verossimilhança para além do que me pareceu de bom tom, isto é, sem que para isso tivesse um motivo realmente forte o bastante.
O Cerco de Jadotville
3.8 158 Assista AgoraTem boas sequências de ação, mas que sofrem na grandiosidade dramática por conta das proporções diminutas que enfrentam, seja pela situação em tela seja pela realidade de micro-cosmos da coisa toda. Tenho a impressão de que teria tido mais sorte se não estivesse tão compromissado com a revisão histórica do episódio em questão, e mais focada na exploração das implicações políticas dele - ou então no drama particular dos personagens.
O Relatório
3.5 111 Assista AgoraUm filme deveras corajoso, e cuja feitura, a exemplo do relatório do qual fala, demorou a poder ser feita pelos mesmos motivos. Retirado o providencial drama injetado pelas atuações precisas de Driver e Benning, seria um documentário (como os do Michael Moore, mas com o sarcasmo mais discreto), e sem dever, nisto, ao apuro factual.
Creio ser necessário ressaltar, ao lado da coragem, o esforço tremendo que deve ter sido para roteirista e diretor dar conta de nos levar pela mão ao longo da enxurrada documental e do labirinto burocrático e legal da questão. São louváveis Virgílios desse inferno mais kafkiano que dantesco.
3022
2.5 8É uma premissa interessante, não há dúvida:
...e se a Terra explodisse e você, e sua tripulação, fossem os últimos representantes da raça humana? Aguentar-se-ia o impacto filosófico do episódio, a dor da perda e o peso da responsabilidade?
O que não estava à altura dessa premissa era o roteiro e as atuações. Um pouco mais de tragicidade nos conflitos, um pouco mais de virulência nas atuações, e o filme teria conseguido dar uma volta e completado seu arco catártico.
Aproveito para pedir:
a cena final deixou-lhes sugerido Adão e Eva, ou era somente um último e dramático suspiro de um filme romântico? O pano de fundo da trama, tentativa de colonização da lua de Júpiter, parece fazer pender a hipótese para o primeiro caso. O desenvolvimento da relação dos dois personagens principais, no entanto, argumenta a favor da segunda hipótese.
Rambo: Até o Fim
3.2 551 Assista AgoraDuas estrelas e meia é em consideração à tradição do Rambo.
É violência gratuita demais, trama apelativa demais. É como se assistíssemos a 'Esqueceram de mim', mas o Macaulay Culkin é um geriatra sádico, num rampage de vingança que a classificação indicativa permite lançar-se às mais sanguinolentas formas de matar. Troque a casa dos McCallister do filme de 1990 pelos túneis da americaníssima fazendo do Rambo e, pronto!, a transição está feita.
Aliás, a câmera afastar-se deixando-o ao final do filme sentado na cadeira de balança da indefectível varanda de madeira tem qualquer coisa de ressonância patriótica, não? Aumenta a densidade de dramalhão da coisa toda. Tsc, tsc!
Preciso dizer ainda algo: a literariedade tosca com que Rambo diz que vai 'arrancar o coração do peito' do bandidão assim como o seu fora arrancado tem algo de poético, ainda que de um jeito troglodítico. Essa é a poética do Rambo: sem floreios, sem sutilezas, tosca, bruta, praticamente bestial. Quem diria que aquele personagem do 'First blood' daria nisto.
Ad Astra: Rumo às Estrelas
3.3 852 Assista AgoraMe agrada o uso do espaço para fins contemplativos, com a vastidão do vazio exterior servindo de escopo à introspecção,e esse filme consegue fazer isso muito bem. É claro que isso tende a forçar o equilíbrio entre a ação (o aspecto thriller), e a porção propriamente filosófica da Ficção Científica, mas isso não chegou a constituir problema aqui, penso.
Menção honrosa aqui para a edição de som, que é espetacular. Aquela sequência na lua, com alternância entre silêncio espacial, estampidos surdos de disparos, sons abafados do choque, o barulho do ar se esvaindo do traje (etc.etc.etc.) é muito bem construído, e tem papel fundamental na construção climática da cena.
Entendo que a medula dramática do filme inclui um tema edípico, com a relação entre pai e filho, portanto, desempenhando papel-chave na construção da trama (o protagonista menciona sua inabilidade emocional no início do filme, e pouco a pouco descobrimos a ausência paterna como elemento causal forte nisto). E esse é o motivo pelo qual, penso, o filme não atingiu suas mais altas notas catárticas: a participação do pai (Tommy Lee Jones) e, consequentemente, a relação e o diálogo com o filho (Brad Pitt) foram muito rápidos. O filme todo nos prepara para isto e a cena se resolve com muita facilidade, durando tempo de menos diante da importância vital dela para a consumação do enredo.
Em tempo, que se note a beleza poética do fato de que o impulso que leva o protagonista de volta para a Terra, com seus conflitos paternos e individuais resolvidos, é a explosão da estação espacial do pai, o projeto ao qual este havia sacrificado tudo, inclusive o convívio com o filho. Parecia Zaratustra dizendo que é preciso enterrar os ídolos dos pais.
Era Uma Vez em... Hollywood
3.8 2,3K Assista AgoraJá sentindo o cheiro da acusação de heresia, permito-me dizer que esse filme ficou aquém da expectativa. Ainda que seja preciso considerar que ao ver 'Quentin Tarantino' o sarrafo suba imediata e acentuadamente, devo dizer que fiquei com a impressão de gratuidade.
Vamos por partes: os personagens continuam excelentes, assim como a cinematografia, que, aliás, me pareceu mais esmerada ainda do que nos outros filmes (a cena do Cliff no Rancho Span já é imortal para mim). A ideia da reconstrução de uma época, retrato de um momento da história de Hollywood, é executada à perfeição. Tenho a impressão de que os programas de rádio foram onde isso se deu com maior cuidado, secundado pelos anúncios televisivos e nos outdoors. Imagino que deva haver ali um trabalho realmente artesanal (beirando o obsessivo) para dar conta de restituir com tamanha vivacidade aquela realidade.
Isso, contudo, contribui para acabrunhar o filme, depositar-lhe sobre os ombros tamanha responsabilidade de reconstrução que o pano de fundo torna-se quase prioritário à trama. Não fosse a trajetória do personagem de Di Caprio e de Cliff, o filme seria "somente" uma ode à Hollywood clássica na passagem para os anos digressivos que viriam. Essa divisão de tempo e, consequentemente, a proporção dada a cada um dos elementos fundantes dao filme, operou de modo negativo à consecução dele, forçando-o a alternar entre dois blocos: o relativo à estória dos dois personagens (que, note-se, já são dois), e o relativo ao colossal pano de fundo (do qual a Sharon Tate faz parte, quase como sua projeção, donde não ser fundamental à trama). Assim, eis o dilema, pareceu-me que o pano de fundo mobilizava a trama, e não a trama o pano de fundo, concorrendo para que o filme fosse mais panorâmico do que guiado pela estória (story-driven, para usar termo cativo da crítica gringa). Donde, aliás, a sensação de gratuidade que mencionei no início.
Aproveito para expor uma inquietação e ver se ela é compartilhada: tenho a impressão de que Tarantino deliberadamente opera com base nas expectativas que temos por conta do resto de sua filmografia. Esperávamos isto e aquilo (diálogos nonsense e violência extremada, por exemplo), e ele foi se auto-referenciando seguidamente, ora indulgindo-nos, ora privando-nos. É discutível o quanto essas marcas constituem ou não quebras de expectativa ou não, mas o meu ponto é: a quantidade de auto-referência é tamanha, e ela tem se tornado cada vez mais condensada e orgânica, que me pergunto se o Tarantino não vai se tornar um conceito. Me pergunto se ele não está se tornando cada vez mais e mais conceitual quanto às suas idiossincrasias, polindo-as à exaustão até deixá-las todas tão imbricadas no filme que ele ficará mais intuído que expresso, explícito. O fato de ele se auto-referenciar mais frequentemente nesse filme, e o fato de ele operar conscientemente sobre nossas expectativas, não o faz correr o risco de, eventualmente, tornar-se um conceito de si mesmo (ou pior, uma paródia, um pastiche de si próprio)?
Falo isso como especulação, evidentemente. Mas adoraria ler comentários sobre.
A Revolução Silenciosa
3.8 18Um filme politicamente sóbrio e cinematograficamente feito com esmero, que em momentos decisivos tem guinadas dramáticas excelentes, atreladamente aos dilemas éticos em que se metem os personagens. A trama é costuradinha e muito bem conduzida para levar a essas situações-limite. Os momentos de ouro do filme (em termos de atuação, direção e narrativa) são exatamente estes.
Me agrada sobretudo a reserva que o filme tem com relação ao adesionismo: não há aquelas paixões chorosas contra esta ou aquela ideologia, e isso sem deixar de ter posição. O humanismo do filme e seu senso artístico estão equilibrados, donde a sobriedade e o acerto no tom da estória. Em suma: esqueça o filme-propaganda, mas não esqueça o engajamento. Me lembrou muito um outro filme alemão excelente, 'A vida dos outros'.
As Boas Maneiras
3.5 649 Assista AgoraSinto muito em dizê-lo, mas esse filme me desagradou profundamente. Fiquei chocado (não no bom sentido do termo) com as reviravoltas que ocorrem depois dos 30 minutos, e não consegui mais levar o filme a sério. Fui ler resenhas e críticas e vi o pessoal se esforçando muito para gostar do filme, chamando-o de "ousado" e de "parábola social", mas, sinceramente, me pareceu uma ideia interessante mas mal executada: os diálogos são sofríveis e a condução arrastadíssima, com silêncios enormes e inserções desavisadas de musical que em nada contribuem para a medula narrativa e/ou dramática do filme.
O troço ficou tão mirabolante dos 30 minutos em diante que, a meu ver, não se trata daquelas 'quebras de expectativa' que se costuma louvar como atitude corajosa do diretor ou do roteiro. Penso que a coisa toda beira a incoerência.
O que me pareceu é que o filme mergulhou com tanta ênfase no grotesco que acabou por perder de vista a função dramática da fantasia, do lobisomem, nesse caso. Não sendo alçado à condição de elemento catalisador do drama, como peça expressiva do sentido do filme (social, moral, estético etc.), ficou-se com o grotesco pelo grotesco, o horror pelo horror. E quando buscou-se trazer a criatura de volta do reino bestial para o reino humano, tentando humanizá-la mesmo, o efeito já havia se perdido. Fiquei com impressão de ser um 'A forma da água' naufragado, em que o gosto pelo gore acabou extrapolando nossa capacidade de empatia com os personagens e com a situação.
O Irlandês
4.0 1,5K Assista AgoraQuem reclamou desse filme deve ter esquecido dos outros filmes de Scorsese, porque tudo aquilo que se costuma adorar em 'Os bons companheiros', 'Cassino' e 'Os infiltrados' está aqui. A capacidade narrativa do Scorsese é estupenda, e não atrapalha o caminho dos personagens em nenhum momento.
O único ponto que me deixou meio assustado foi a maquiagem digital que puseram no De Niro e no Pesci na época da história em que eram mais jovens. Eles ficaram parecendo aqueles bobble heads.
Cadê Você, Bernadette?
3.4 146 Assista AgoraFilme todo cuidadoso, com personagens interessantes e uma história upbeat pra caramba. Ótima recomendação de um filme família sem ser demasiado água-com-açúcar ou emocionalmente apelativo.
Presas no Paraíso
2.5 126Parecia aquele filme 'A ilha', mas ambientado no país das maravilhas de Alice: uma proposta muito boa e com uma estética estonteante (o cartaz do filme é maravilhoso!). Acabou que ficou só na estética mesmo, naufraga miseravelmente pouco além dela.
Construindo uma Carreira
3.4 263 Assista AgoraTenho a impressão de que a época em que os personagens de John Hughes tinham condição de serem figuras minimamente dramáticas já passou. Pensando bem, talvez eles só possam sê-lo no cinema mesmo, porque na vida...pegam mal, parecem demasiado reclamação de barriga cheia.
El Camino: Um Filme de Breaking Bad
3.7 843 Assista AgoraFilme bom, sobretudo por fazer matar a saudade da série e pela atuação inspirada do Aaron Paul, mas de fato foi um pouco anti-climático. De qualquer modo, uma excelente indicação para os nostálgicos de Breaking Bad.
Acho que dá para dizer que é um western contemporâneo.
Uma Noite Infernal
2.5 89 Assista AgoraUm filme muito bem curado, com cinematografia esmerada e uma premissa interessante, mas que acabou não sendo sobre nada. Tudo bem contido, mas no fundo um tanto gratuito.
A sensaboria da protagonista definitivamente não ajuda: ela é peculiar demais para despertar empatia.
Klaus
4.3 610 Assista AgoraQue ótimas sacadas para dar um aspecto realista à história do Noel. Não lembro de ter visto uma abordagem tão crível sobre, e poucas tão tocantes.
Me encanta isto e a estética exagerada e extremamente fluida da animação. Elas importam uma dinâmica feérica à estória toda.
Na Época do Ragtime
3.8 34 Assista AgoraUm bom filme, mas assim como o livro do Doctorow que lhe deu origem, tenta de tal modo abraçar a totalidade do período histórico, criar uma ambientação histórica rica e sistemática, que temos dificuldade de encontrar o fio da linha dramática da obra.
O resultado disto é um ótimo painel histórico, mas um filme dramático mediano.
Central do Brasil
4.1 1,8K Assista AgoraUau! Porque é que eu fui esperar tanto tempo para ver esse filme?
O que mais gostei foi o fato de eles ficarem o filme inteiro procurando Jesus e não encontrá-lo, descobrindo por fim que ele estava onde eles estavam o tempo todo. Oscilo em como categorizar a obra: ou é o filme mais religioso ou o filme menos religioso que já vi na vida.
Coringa
4.4 4,1K Assista AgoraQue bom que esse filme não tentou ser uma fábula moral. Ufa!
A questão que mais me pegou, a que no seu interior tem mais densidade filosófica, é o conjunto de duas sequências: o ensaio para o Murray Franklin Show, que Coringa faz em casa; e a ocasião do show propriamente dita. Na primeira ele simula o suicídio, na segunda ele comete o assassinato. Me pego pensando se não há aí a expressão de uma proximidade subjetiva: querer se matar, e matar aos outros que fizeram-no querer se matar. Quantas implicações morais e psicológicas não temos baseada nessa proximidade.
Pode ser que tenha a ver com o impacto que causaram em mim, mas essas duas sequências contém o filme inteiro condensado nelas.
Estranhos no Paraíso
3.9 113 Assista AgoraAcho que não estava no estado de espírito certo, porque Jim Jarmusch manda bem e eu não gostei desse filme. Achei que os personagens são desajustados e morosos demais para despertar simpatia.