Vi numa sala de cinema de shoping e tive a impressão de que muita muita muita gente na sala estava incomodada. Alguns saíram. Logo que termina o filme alguém do meu lado diz (para todo mundo ouvir): "Graças a Deus". Parte do público chega no cinema no hype do Oscar. Esse incômodo provocado em parte do público já mostra o quanto o filme é bom/instigante/terrível. O terror é que nada acontece. O terror é que não se vê nada. O terror é um jardim florido e bem cuidado. O terror é uma família em harmonia.
Ao mesmo tempo, há algo de contemporâneo no filme e, creio, daí vem também o incômodo de parte do público. O filme poderia se passar em qualquer lugar em que se avizinha o terror no muro ao lado. Em bairros de classe média alta. Em condomínios. Em países em guerra. Ou talvez nos faça pensar que o terror está em todo lugar.
O roteiro de uma cidade pequena em que um crime ou uma série de crimes faz vir à tona toda uma série de contradições, hipocrisias, crises, traições de uma comunidade é algo que provavelmente você já viu N -1 vezes. O que há de diferente aqui é a intensidade das mulheres da série sobretudo da Kate Winslet que faz o papel de uma mulher forte, sensível, ética, contraditória e plural. Não achem que encontrarão um grande roteiro, uma grande fotografia ou uma grande direção. Há sobretudo uma rica e complexa construção de personagem e uma ótima interpretação da protagonista.
Vou destacar apenas o que achei positivo na série: 1. mulheres fortes e inteligentes e homens fracos e bobos. Kleo, Ramona, Min, Brigitte e até mesmo a Margot Honecker são mulheres fortes. Os homens são patéticos nessa série. 2. A ambientação da Berlim do fim dos anos 1980 e início dos 1990 com os famosos prédios brutalistas de concreto da Alemanha Oriental, os papéis de parede, a ostalgie - estética de filmes sobre a DDR (longe da ostalgie alegre de Adeus Lênin ou do lado sombrio de A vida dos outros); 3. A trilha techno alienígena e até mesmo Scorpions em russo. O lado negativo: o roteiro é filme de ação americano demais no pior sentido do que isso signifique. Embora às vezes isso apareça de forma irônica e em tom de humor negro. Da perseguição de carro aos superpoderes intuitivos da Kleo.
O Brasil devia conhecer mais a obra de Virginie Despentes. A série me fez lembrar a obra de um outro escritor francês: Georges Perec. A série de fragmentos do passado que retornam das formas mais diversas não deixa ter uma referência à "Vida-Modo de Usar" do Perec. Achei Romain Duris maravilhoso interpretando Vernon. É uma série sobre um mundo que não existe mais. O mundo das lojas de LP e tudo que habitava no entorno. Me fez lembrar de shows nos sábados à tarde em frente da loja de livros e discos usados Baratos da Ribeiro em Copacabana, no Rio. Mas há algo além. Por aquilo que a sociedade rejeita, é possível ler a própria sociedade. E Vernon, um rejeitado, consegue ver o mundo de fora dele, em pequenos fragmentos. E há sempre algo do passado que quer ser escondido, algo que mesmo com todas as mudanças, resiste, e algo que carregaremos como uma enorme nostalgia, mas que nos constitui.
Achei os enquadramentos nos rostos dos personagens algo extremamente inteligente. Uma série de interpretações que vem do foco no rosto. O rosto, tema de filósofos como Levinas, de cineastas como Alain Resnais e de romances como o Retrato de Dorian Gray, aqui é trabalhado como expressão narrativa de comédia e drama. É no rosto que tudo se desenvolve nesse filme.
O diretor Nicolas Maury é impregnado/atravessado pelo personagem que ele interpreta na série Dix per cent. Há um pouco de Hervé em todo momento. Há algo também de inconsciente edipiano na busca de compreender as inseguranças, os erros e o ciúme doentio na volta à cabana do pai onde se escondem segredos que podem revelar uma espécie de ponto originário de onde tudo em nós emergiu.
O filme é identificado como uma comédia, mas eu não consegui rir. Achei leve e achei denso. Não sei se isso é um elogio.
O episódio com Jude vale a temporada inteira. Interpretação foda, personagem complexo, um roteiro bem construído. Mas de uma forma geral é uma série bastante irregular. Tem um lado "mistura de culturas, pessoas, origens" sobre o jazz que é lindíssimo. Em geral filmes sobre jazz se concentram em subúrbios nova-iorquinos ou americanos e em bares esfumaçados. Esse tem leste europeu, países árabes, franceses, latinos. Mas a trama policial cansa. Estica. Não se resolve. Poderia ter mais Paris. Poderia ter menos esse lado de série policial.
Mesmo nas condições mais absurdas de repressão e violência, os corpos conseguem resistir. Mesmo nas condições mais absurdas de repressão e violência, um corpo feminino sempre será mais violentado que um corpo masculino. O corpo que resiste no filme é o corpo feminino.
Por qual razão sempre é a personagem gay que deve lutar pelo reconhecimento da família? Por qual razão sempre é a personagem gay que deve ser compreensiva sobre as dificuldades de ter um pai incompreensível e uma família violenta? Por qual razão cabe a essa personagem "revelar" à família o que se é? Achei a abordagem do filme bem convencional, com muita culpa sendo carregada até o desfecho fofinho-familiar. Mas a Sophia Lillis, personagem da sobrinha do Frank, a narradora, está bem construída e faz o filme, de alguma forma, valer muito a pena.
Um menino chato. Violento. Machista. Agride a mãe várias vezes. Mimado. Um roteiro descuidado. Parece que a única angústia de crescer/morar numa base militar é resolvida nas festas na praia e na piscina. Há ainda um olhar caricato de como as italianas desejam os americanos. Aliás, a Itália fica parecendo a praia de Jericoacoara nessa série.
Ninguém anda de metrô. Todo mundo usa roupa diferente todos os dias. As mulheres usam salto de manhã, de tarde e de noite. Paris ficou parecendo um Shoping Center de rico. White people problems.
Curiosamente cheguei no filme pelo livro do Julian Fuks, "A Ocupação". O livro não é uma adaptação do filme nem foi por ele inspirado, mas as narrativas sobre o Hotel Cambridge de duas linguagens artísticas diferentes (cinema e literatura) ajudam a complexificar mais as personagens, os espaços e os dramas. Eliane Caffé consegue enquadrar os espaços do Hotel em tomadas que nos remetem a um modernismo arquitetônico logo contraposto por cenas de dramas humanos, alguns mediados pelos meios digitais (relacionados a guerras pelo coltar no Congo). Talvez seja o que melhor o filme consegue realizar com doses de humor e meta-narrativas que nos remetem a Narradores de Javé: a racionalidade moderna (arquitetônica e digital) não necessariamente nos salvou do drama humano do abandono e da exclusão.
A série já poderia ser considerada excelente por conseguir no drama humano mostrar as contradições das personagens sem qualquer heroísmo nem vitimismo e no drama histórico por manter as contradições dos fatos narrados sem nenhuma preocupação de um encadeamento lógico e coerente. Mas o peso da narrativa está em trazer Dörte Helm como protagonista dando um reconhecimento histórico a quem na historiografia oficial da Bauhaus acabava sendo sempre colocada em segundo plano em relação a Walter Gropius, Kandinsky, Klee etc. Há outros nomes importantes que a série deu o devido reconhecimento como Johannes Itten e Gunta Stölzl. O único ponto fraco é que o roteiro não trouxe muita ousadia colocando as memórias a partir de uma entrevista com Gropius, embora isso não comprometa a tentativa de apresentar diferentes pontos de vista.
O filme dialoga com uma cinematografia alemã do começo do século XX de personagens que tomados por uma força inexplicável cometem crimes violentos como o Dr. Mabuse (Fritz Lang) e O Gabinete do Dr. Caligari. Achei que a interpretação do ator Jonas Dassler aproximou ainda mais o filme dessa cinematografia "monstruosa" do cinema alemão. Curiosamente o filme foi lançado quase no mesmo ano de um filme argentino que também trata de um psicopata dos anos 1970: O Anjo (dir: Luis Ortega). Enquanto no filme argentino, há uma tentativa de construção de um "enfant terrible" jovem, ousado e bonito, nesse filme alemão o diretor Fatih Akin aborda com muita crueza e de forma a causar nojo no público a forma como lidar com história/memória na Alemanha. Achei um filme densamente político pela denúncia de invisibilidade dos corpos velhos, pela xenofobia latente (sobretudo aos gregos), misoginia como traço cultural e pela representação sem glamour do bairro de St. Pauli em Hamburgo.
Mais um roteiro de filme em que a África é representada por jovens com metralhadora, bandidos traficando minerais e rituais macabros. Os europeus brancos são sempre os bonzinhos em filmes assim e não fugiu a regra. Um filme bem limitado e ruim de verdade.
Michel Gondry e Wes Anderson, de "Grande Hotel Budapeste", são diretores que nos despertam a vontade de entrar no filme deles mesmo com uma certa melancolia nas imagens. Aquela sensação barroca de bonito e triste juntos. Gosto da direção do Gondry nos clipes da Bjork e do Radiohead. Há sempre um peso maior nas imagens do que nos diálogos. Uma certa ressignificação do significado original dos objetos e uma fusão de memória do passado, sonhos e realidade do presente que marca a obra dele. Achei muito parecido com outro filme dele "La Science des reves" com uma Charlotte Gainsbourg entediadíssima com a paixão boba do Gael García Bernal. Achei o Romain Duris a nota dissonante do filme. Desde os filmes "Paris" que ele não emplaca uma interpretação dramática. Funciona na comédia, mas cai muito na parte "triste" do filme. Não achei o filme entediante não como a maioria dos críticos reclamou. Acho que a maioria do público tende a estranhar (e se cansar) em filmes que prevalecem imagem demais e roteiro de menos. Ainda mais agora que entrou no catálogo do Netflix brasileiro tão cheio dos "Velozes e Furiosos" da vida.
Desde que num momento perdido nos anos 1980, ainda criança, acordei e o Corujão passava "Inferno na Torre" criei uma simpatia pelos filmes-catástrofe. Um gênero repetitivo em que alguém alerta a todos do perigo iminente, mas ninguém acredita até o momento em que as coisas acontecem, o cara vira herói e os arrogantes viram humildes reavaliando a vida. Eis que numa madrugada de insônia, em pleno Netflix (muita coisa mudou desde os anos 1980) vejo "Tornado". Até pensei que tendo Berlim como cenário o filme poderia se transformar naqueles trash-cult em que é possível enxergar metáforas de uma Berlim historicamente destruída e reconstruída n vezes. Mas o filme explora pouco a cidade. Sequer há lógica no caminho que o tornado traça (liberdade poética?). Não há diálogo. Não há tensão. Não há conflito. As personagens não carregam nenhuma complexidade. Ainda que como filme catástrofe, um verdadeiro desastre! Serve pra "dessacralizar" o cinema alemão que, por aqui, sempre é visto como um cinema difícil e inteligente.
Wachowskis bebem numa fonte teórica de autores do pós-humano a partir das tecnologias como Skirky, Castells, Levy, Baudrillard e enchem a série de referências acadêmicas. A ideia de que é possível conectar pontos positivos de pessoas de outros espaços para sanar nossas fraquezas é bem desenvolvida na série. Mas pq só se acessa o lado positivo e não o lado negativo? Pq o outro a quem estão conectados só vem para os salvar? O ser humano perfeito seria aquele que reunisse o somatório de 8 identidades diferentes? Não seria então mais frágil já que seria 1/8 de alguém bem diferente do super-homem que reuniria todas as qualidades sobrenaturais num único ser? É uma ótima série já que as personagens são instigadas em todo episódio a tomar decisões morais e pessoais entre o certo, o talvez certo e o correto, longe da dicotomia banal do bem contra o mal. Há ainda uma permanente referência a Blade Runner quando as personagens são instigadas a descobrir de onde vem. Gostei do protagonismo de uma transexual. Os maiores momentos frágeis da série, a meu ver, são os exageros do modelo "no último segundo que a bomba for explodir vem alguém/acontece algo e faz o impossível". É o momento Rambo. O momento Rocky Balboa. Não sei porque insistem em momentos assim meio True Lies.
Denzel Washington de "O Voo" parece o Denzel Washington de "Dia de Treinamento" que parece com o Denzel Washington de "O Gângster" que parece com o Denzel Washington de.... pena que o Robert Zemeckis não pareça mais o mesmo diretor criativo que foi nos anos 1980/1990. O filme estava fadado ao esquecimento e a palestras de auto-ajuda do AA. Ninguém comentava mais. Até o Netflix colocar no catálogo...
Eu não sei se o filme merece ser analisado/comentado como cinema ou como propaganda. Em qualquer dos dois casos, muito frágil como proposta. Como cinema, escolha o item que quiser e constatará um desastre: fotografia, roteiro, elenco, trilha sonora (!!!). Como propaganda, longe de ser sofisticado, prega uma ortodoxia perigosa e intolerante (o muçulmano malvado e o chinês submisso). Lembrei de uma musiquinha cantada pelo Gorpo, personagem do He-Man: "O bem vence o mal, espanta o temporal" com o professor malvado e o aluno bonzinho. Alguém ainda cai nessa dicotomia bem x mal? Por que é tão difícil construir personagens cheios de complexidades e contradições? Mas me rendeu alguns bons risos e que sirva de lição: quando o carro de vocês pifar, tenham fé que ele vai funcionar. Um teatrinho de adolescente de igreja. Ruim demais esse filme!
A proliferação de documentários sobre dieta, estilo de vida e "bem-estar" já merece ser destacada como subgênero. Algo como "healthy movies" que desde Super Size Me seguem o mesmo modelo: personagens que experimentam determinada dieta e vêem a reação dela no seu organismo, documentando e selecionando imagens daquilo que quer que o público veja/acredita. Gostei bastante do primeiro filme dessa série. Achei equilibrado por construir uma narrativa que mostrava ângulos diferentes da questão e por deixar claro que a "reboot diet" deve ser feita com acompanhamento. O segundo filme tem momentos legais como a fala do psicólogo comportamental explicando porque algumas pessoas voltam a ganhar peso depois do sacrifício de uma dieta, mas termina como sendo um grande filme propaganda da empresa do diretor Joe Cross que passou a viver de palestras e de uma comunidade virtual de apoio mútuo para quem faz a dieta do suco detox. Falta ainda uma comprovação científica para as teses defendidas pelos dois filmes, portanto o que havia de experimental e ousado no primeiro filme termina numa coletânea de depoimentos de sucesso no segundo filme, sem investigar os fracassos e frustrações de quem não conseguiu acompanhar a proposta de se beber suco verde por alguns dias e meses. Só há histórias de sucesso. De superação. De pessoas felizes. Vale a pena ver os dois filmes, mas com um certo distanciamento crítico faria bem.
The Idol (1ª Temporada)
1.7 146 Assista AgoraDe longe, a pior série que eu já vi.
Zona de Interesse
3.6 594 Assista AgoraVi numa sala de cinema de shoping e tive a impressão de que muita muita muita gente na sala estava incomodada. Alguns saíram. Logo que termina o filme alguém do meu lado diz (para todo mundo ouvir): "Graças a Deus". Parte do público chega no cinema no hype do Oscar. Esse incômodo provocado em parte do público já mostra o quanto o filme é bom/instigante/terrível. O terror é que nada acontece. O terror é que não se vê nada. O terror é um jardim florido e bem cuidado. O terror é uma família em harmonia.
Ao mesmo tempo, há algo de contemporâneo no filme e, creio, daí vem também o incômodo de parte do público. O filme poderia se passar em qualquer lugar em que se avizinha o terror no muro ao lado. Em bairros de classe média alta. Em condomínios. Em países em guerra. Ou talvez nos faça pensar que o terror está em todo lugar.
Mare of Easttown
4.4 655 Assista AgoraO roteiro de uma cidade pequena em que um crime ou uma série de crimes faz vir à tona toda uma série de contradições, hipocrisias, crises, traições de uma comunidade é algo que provavelmente você já viu N -1 vezes. O que há de diferente aqui é a intensidade das mulheres da série sobretudo da Kate Winslet que faz o papel de uma mulher forte, sensível, ética, contraditória e plural. Não achem que encontrarão um grande roteiro, uma grande fotografia ou uma grande direção. Há sobretudo uma rica e complexa construção de personagem e uma ótima interpretação da protagonista.
Kleo (1ª Temporada)
3.8 32 Assista AgoraVou destacar apenas o que achei positivo na série: 1. mulheres fortes e inteligentes e homens fracos e bobos. Kleo, Ramona, Min, Brigitte e até mesmo a Margot Honecker são mulheres fortes. Os homens são patéticos nessa série. 2. A ambientação da Berlim do fim dos anos 1980 e início dos 1990 com os famosos prédios brutalistas de concreto da Alemanha Oriental, os papéis de parede, a ostalgie - estética de filmes sobre a DDR (longe da ostalgie alegre de Adeus Lênin ou do lado sombrio de A vida dos outros); 3. A trilha techno alienígena e até mesmo Scorpions em russo. O lado negativo: o roteiro é filme de ação americano demais no pior sentido do que isso signifique. Embora às vezes isso apareça de forma irônica e em tom de humor negro. Da perseguição de carro aos superpoderes intuitivos da Kleo.
Vernon Subutex
4.0 1O Brasil devia conhecer mais a obra de Virginie Despentes. A série me fez lembrar a obra de um outro escritor francês: Georges Perec. A série de fragmentos do passado que retornam das formas mais diversas não deixa ter uma referência à "Vida-Modo de Usar" do Perec. Achei Romain Duris maravilhoso interpretando Vernon. É uma série sobre um mundo que não existe mais. O mundo das lojas de LP e tudo que habitava no entorno. Me fez lembrar de shows nos sábados à tarde em frente da loja de livros e discos usados Baratos da Ribeiro em Copacabana, no Rio. Mas há algo além. Por aquilo que a sociedade rejeita, é possível ler a própria sociedade. E Vernon, um rejeitado, consegue ver o mundo de fora dele, em pequenos fragmentos. E há sempre algo do passado que quer ser escondido, algo que mesmo com todas as mudanças, resiste, e algo que carregaremos como uma enorme nostalgia, mas que nos constitui.
Garoto Chiffon
3.5 5Achei os enquadramentos nos rostos dos personagens algo extremamente inteligente. Uma série de interpretações que vem do foco no rosto. O rosto, tema de filósofos como Levinas, de cineastas como Alain Resnais e de romances como o Retrato de Dorian Gray, aqui é trabalhado como expressão narrativa de comédia e drama. É no rosto que tudo se desenvolve nesse filme.
O diretor Nicolas Maury é impregnado/atravessado pelo personagem que ele interpreta na série Dix per cent. Há um pouco de Hervé em todo momento. Há algo também de inconsciente edipiano na busca de compreender as inseguranças, os erros e o ciúme doentio na volta à cabana do pai onde se escondem segredos que podem revelar uma espécie de ponto originário de onde tudo em nós emergiu.
O filme é identificado como uma comédia, mas eu não consegui rir. Achei leve e achei denso. Não sei se isso é um elogio.
The Eddy
3.9 24 Assista AgoraO episódio com Jude vale a temporada inteira. Interpretação foda, personagem complexo, um roteiro bem construído. Mas de uma forma geral é uma série bastante irregular. Tem um lado "mistura de culturas, pessoas, origens" sobre o jazz que é lindíssimo. Em geral filmes sobre jazz se concentram em subúrbios nova-iorquinos ou americanos e em bares esfumaçados. Esse tem leste europeu, países árabes, franceses, latinos. Mas a trama policial cansa. Estica. Não se resolve. Poderia ter mais Paris. Poderia ter menos esse lado de série policial.
Beckett
3.1 165 Assista AgoraMirou no cinema político do Costa Gravas e acertou num misto de McGyver de Profissão Perigo com Velozes e Furiosos.
Dente Canino
3.8 1,2K Assista AgoraMesmo nas condições mais absurdas de repressão e violência, os corpos conseguem resistir. Mesmo nas condições mais absurdas de repressão e violência, um corpo feminino sempre será mais violentado que um corpo masculino. O corpo que resiste no filme é o corpo feminino.
Tio Frank
3.9 240 Assista AgoraPor qual razão sempre é a personagem gay que deve lutar pelo reconhecimento da família? Por qual razão sempre é a personagem gay que deve ser compreensiva sobre as dificuldades de ter um pai incompreensível e uma família violenta? Por qual razão cabe a essa personagem "revelar" à família o que se é? Achei a abordagem do filme bem convencional, com muita culpa sendo carregada até o desfecho fofinho-familiar. Mas a Sophia Lillis, personagem da sobrinha do Frank, a narradora, está bem construída e faz o filme, de alguma forma, valer muito a pena.
We Are Who We Are (1ª Temporada)
3.8 132Um menino chato. Violento. Machista. Agride a mãe várias vezes. Mimado. Um roteiro descuidado. Parece que a única angústia de crescer/morar numa base militar é resolvida nas festas na praia e na piscina. Há ainda um olhar caricato de como as italianas desejam os americanos. Aliás, a Itália fica parecendo a praia de Jericoacoara nessa série.
Emily em Paris (1ª Temporada)
3.6 391 Assista AgoraNinguém anda de metrô. Todo mundo usa roupa diferente todos os dias. As mulheres usam salto de manhã, de tarde e de noite. Paris ficou parecendo um Shoping Center de rico. White people problems.
Era o Hotel Cambridge
4.2 99Curiosamente cheguei no filme pelo livro do Julian Fuks, "A Ocupação". O livro não é uma adaptação do filme nem foi por ele inspirado, mas as narrativas sobre o Hotel Cambridge de duas linguagens artísticas diferentes (cinema e literatura) ajudam a complexificar mais as personagens, os espaços e os dramas. Eliane Caffé consegue enquadrar os espaços do Hotel em tomadas que nos remetem a um modernismo arquitetônico logo contraposto por cenas de dramas humanos, alguns mediados pelos meios digitais (relacionados a guerras pelo coltar no Congo). Talvez seja o que melhor o filme consegue realizar com doses de humor e meta-narrativas que nos remetem a Narradores de Javé: a racionalidade moderna (arquitetônica e digital) não necessariamente nos salvou do drama humano do abandono e da exclusão.
O Anjo
3.6 190A releitura do "Seja Marginal. Seja Herói" numa versão argentina. Intenso, queer, poético e trágico.
Bauhaus: A New Era (1ª Temporada)
4.4 6A série já poderia ser considerada excelente por conseguir no drama humano mostrar as contradições das personagens sem qualquer heroísmo nem vitimismo e no drama histórico por manter as contradições dos fatos narrados sem nenhuma preocupação de um encadeamento lógico e coerente. Mas o peso da narrativa está em trazer Dörte Helm como protagonista dando um reconhecimento histórico a quem na historiografia oficial da Bauhaus acabava sendo sempre colocada em segundo plano em relação a Walter Gropius, Kandinsky, Klee etc. Há outros nomes importantes que a série deu o devido reconhecimento como Johannes Itten e Gunta Stölzl. O único ponto fraco é que o roteiro não trouxe muita ousadia colocando as memórias a partir de uma entrevista com Gropius, embora isso não comprometa a tentativa de apresentar diferentes pontos de vista.
O Bar Luva Dourada
3.6 340O filme dialoga com uma cinematografia alemã do começo do século XX de personagens que tomados por uma força inexplicável cometem crimes violentos como o Dr. Mabuse (Fritz Lang) e O Gabinete do Dr. Caligari. Achei que a interpretação do ator Jonas Dassler aproximou ainda mais o filme dessa cinematografia "monstruosa" do cinema alemão. Curiosamente o filme foi lançado quase no mesmo ano de um filme argentino que também trata de um psicopata dos anos 1970: O Anjo (dir: Luis Ortega). Enquanto no filme argentino, há uma tentativa de construção de um "enfant terrible" jovem, ousado e bonito, nesse filme alemão o diretor Fatih Akin aborda com muita crueza e de forma a causar nojo no público a forma como lidar com história/memória na Alemanha. Achei um filme densamente político pela denúncia de invisibilidade dos corpos velhos, pela xenofobia latente (sobretudo aos gregos), misoginia como traço cultural e pela representação sem glamour do bairro de St. Pauli em Hamburgo.
Troia: A Queda de uma Cidade
3.1 55Uma das maiores narrativas da história da humanidade transformada numa novela da TV Record...
O Caderno de Sara
2.9 53Mais um roteiro de filme em que a África é representada por jovens com metralhadora, bandidos traficando minerais e rituais macabros. Os europeus brancos são sempre os bonzinhos em filmes assim e não fugiu a regra. Um filme bem limitado e ruim de verdade.
A Espuma dos Dias
3.7 479 Assista AgoraMichel Gondry e Wes Anderson, de "Grande Hotel Budapeste", são diretores que nos despertam a vontade de entrar no filme deles mesmo com uma certa melancolia nas imagens. Aquela sensação barroca de bonito e triste juntos. Gosto da direção do Gondry nos clipes da Bjork e do Radiohead. Há sempre um peso maior nas imagens do que nos diálogos. Uma certa ressignificação do significado original dos objetos e uma fusão de memória do passado, sonhos e realidade do presente que marca a obra dele. Achei muito parecido com outro filme dele "La Science des reves" com uma Charlotte Gainsbourg entediadíssima com a paixão boba do Gael García Bernal. Achei o Romain Duris a nota dissonante do filme. Desde os filmes "Paris" que ele não emplaca uma interpretação dramática. Funciona na comédia, mas cai muito na parte "triste" do filme. Não achei o filme entediante não como a maioria dos críticos reclamou. Acho que a maioria do público tende a estranhar (e se cansar) em filmes que prevalecem imagem demais e roteiro de menos. Ainda mais agora que entrou no catálogo do Netflix brasileiro tão cheio dos "Velozes e Furiosos" da vida.
Tornado - Alerta Vermelho
1.9 21 Assista AgoraDesde que num momento perdido nos anos 1980, ainda criança, acordei e o Corujão passava "Inferno na Torre" criei uma simpatia pelos filmes-catástrofe. Um gênero repetitivo em que alguém alerta a todos do perigo iminente, mas ninguém acredita até o momento em que as coisas acontecem, o cara vira herói e os arrogantes viram humildes reavaliando a vida. Eis que numa madrugada de insônia, em pleno Netflix (muita coisa mudou desde os anos 1980) vejo "Tornado". Até pensei que tendo Berlim como cenário o filme poderia se transformar naqueles trash-cult em que é possível enxergar metáforas de uma Berlim historicamente destruída e reconstruída n vezes. Mas o filme explora pouco a cidade. Sequer há lógica no caminho que o tornado traça (liberdade poética?). Não há diálogo. Não há tensão. Não há conflito. As personagens não carregam nenhuma complexidade. Ainda que como filme catástrofe, um verdadeiro desastre! Serve pra "dessacralizar" o cinema alemão que, por aqui, sempre é visto como um cinema difícil e inteligente.
Sense8 (1ª Temporada)
4.4 2,1K Assista AgoraWachowskis bebem numa fonte teórica de autores do pós-humano a partir das tecnologias como Skirky, Castells, Levy, Baudrillard e enchem a série de referências acadêmicas. A ideia de que é possível conectar pontos positivos de pessoas de outros espaços para sanar nossas fraquezas é bem desenvolvida na série. Mas pq só se acessa o lado positivo e não o lado negativo? Pq o outro a quem estão conectados só vem para os salvar? O ser humano perfeito seria aquele que reunisse o somatório de 8 identidades diferentes? Não seria então mais frágil já que seria 1/8 de alguém bem diferente do super-homem que reuniria todas as qualidades sobrenaturais num único ser? É uma ótima série já que as personagens são instigadas em todo episódio a tomar decisões morais e pessoais entre o certo, o talvez certo e o correto, longe da dicotomia banal do bem contra o mal. Há ainda uma permanente referência a Blade Runner quando as personagens são instigadas a descobrir de onde vem. Gostei do protagonismo de uma transexual. Os maiores momentos frágeis da série, a meu ver, são os exageros do modelo "no último segundo que a bomba for explodir vem alguém/acontece algo e faz o impossível". É o momento Rambo. O momento Rocky Balboa. Não sei porque insistem em momentos assim meio True Lies.
O Voo
3.6 1,4K Assista AgoraDenzel Washington de "O Voo" parece o Denzel Washington de "Dia de Treinamento" que parece com o Denzel Washington de "O Gângster" que parece com o Denzel Washington de.... pena que o Robert Zemeckis não pareça mais o mesmo diretor criativo que foi nos anos 1980/1990. O filme estava fadado ao esquecimento e a palestras de auto-ajuda do AA. Ninguém comentava mais. Até o Netflix colocar no catálogo...
Deus Não Está Morto
2.8 1,4K Assista AgoraEu não sei se o filme merece ser analisado/comentado como cinema ou como propaganda. Em qualquer dos dois casos, muito frágil como proposta. Como cinema, escolha o item que quiser e constatará um desastre: fotografia, roteiro, elenco, trilha sonora (!!!). Como propaganda, longe de ser sofisticado, prega uma ortodoxia perigosa e intolerante (o muçulmano malvado e o chinês submisso). Lembrei de uma musiquinha cantada pelo Gorpo, personagem do He-Man: "O bem vence o mal, espanta o temporal" com o professor malvado e o aluno bonzinho. Alguém ainda cai nessa dicotomia bem x mal? Por que é tão difícil construir personagens cheios de complexidades e contradições? Mas me rendeu alguns bons risos e que sirva de lição: quando o carro de vocês pifar, tenham fé que ele vai funcionar. Um teatrinho de adolescente de igreja. Ruim demais esse filme!
Gordo, Doente e Quase Morto 2
3.5 9 Assista AgoraA proliferação de documentários sobre dieta, estilo de vida e "bem-estar" já merece ser destacada como subgênero. Algo como "healthy movies" que desde Super Size Me seguem o mesmo modelo: personagens que experimentam determinada dieta e vêem a reação dela no seu organismo, documentando e selecionando imagens daquilo que quer que o público veja/acredita. Gostei bastante do primeiro filme dessa série. Achei equilibrado por construir uma narrativa que mostrava ângulos diferentes da questão e por deixar claro que a "reboot diet" deve ser feita com acompanhamento. O segundo filme tem momentos legais como a fala do psicólogo comportamental explicando porque algumas pessoas voltam a ganhar peso depois do sacrifício de uma dieta, mas termina como sendo um grande filme propaganda da empresa do diretor Joe Cross que passou a viver de palestras e de uma comunidade virtual de apoio mútuo para quem faz a dieta do suco detox. Falta ainda uma comprovação científica para as teses defendidas pelos dois filmes, portanto o que havia de experimental e ousado no primeiro filme termina numa coletânea de depoimentos de sucesso no segundo filme, sem investigar os fracassos e frustrações de quem não conseguiu acompanhar a proposta de se beber suco verde por alguns dias e meses. Só há histórias de sucesso. De superação. De pessoas felizes. Vale a pena ver os dois filmes, mas com um certo distanciamento crítico faria bem.