Revi o filme porque sofri um impacto estético incrível quando o assisti pela primeira vez. Concordando com a Leciane e a Amanda, avalio o filme como uma crítica à sociedade de classes — um modelo de sociedade que transforma o homem em canibal do próprio homem. A senhora Lovett faz o contraponto representando uma pessoa integrada ao jogo social do mercado e do consumo. Achei a música excepcionalmente boa, mas o diálogo cantado não me encantou. Tive uma educação pouco requintada na infância e, por isso, sou incapaz de apreciar ópera e espetáculos congêneres. A fotografia em cores parece em branco e preto dando maior impacto visual às manchas vermelhas de sangue. A trilha sonora e a tonalidade noir criam uma atmosfera tétrica que chegou em alguns momentos a assombrar. O título do filme poderia ser: Sweeney mão de navalha.
Fazia tempo que não via tantas atuações divertidas num mesmo filme. Todos os atores estão sensacionais, inclusive o gato. Os diálogos são primorosos. Achei empolgantes as músicas da Igreja. Muitas cenas hilariantes. Em certos momentos, a condução da narrativa chega a ser genial. Li todos os oito anos de comentários postados. Incrível a disparidade nas avaliações. Muitos odiaram o filme e nem conseguiram terminar de assistir. Outros o acharam genial e morreram de rir. Dava uma tese de doutorado. Entendo porque muita gente não gostou do filme. O humor é uma coisa muito pessoal, subjetiva. Tem inúmeras comédias que todo mundo adora, mas que não acho graça nenhuma. Por exemplo, Monty Python. Em busca do Cálice Sagrado. Tem 4,3 no Filmow. Dei nota 0,5.
Rei Lear de Shakespeare é um clássico por mostrar como a sede de poder, sendo mais forte que o amor entre pais e filhos, degrada a família patriarcal no universo da realeza. O sacramento do casamento era algo tão sagrado que exigia a permissão do papa para ser dissolvido. A visão shakespeariana é uma verdade eterna que podemos constatar até hoje nas famílias ricas onde os filhos brigam na disputa por bens e chegam até a ferrar os pais.
O leão no inverno coloca bastante açúcar no tema shakespeariano para torná-lo palatável para quem gosta de novela de televisão. Baixou o espírito hollywoodiano de Walt Disney no Andrei Konchalovsky e ele prova que o amor entre marido e mulher pode ser mais forte que o jogo de poder. A tragédia foi transformada em farsa; a obra prima virou lixo cultural.
Apesar de ser uma peça de teatro, Rei Lear inspirou filmes de muita ação como Ran. O leão no inverno tem diálogos intermináveis. Bom para quem gosta mais de teatro de entretenimento do que de cinema clássico.
Na Idade Média, a depravação do clero e a corrupção na Santa Sé favoreceram o surgimento de seitas cristãs dissidentes. Os denominados hereges desejavam retomar o modo de vida simples e pobre dos cristãos primitivos. Estes renunciavam à posse de bens e compartilhavam tudo numa verdadeira vida em comunidade onde tudo era de todos e todos eram iguais. Uma das seitas que surgiram no século XII foi o catarismo. Eles adotavam a vida pobre e renunciavam a qualquer tipo de violência, inclusive contra animais, deixando de comer carne. As mulheres tinham os mesmos direitos que o homem. Tudo era compartilhado, não existia divisão da sociedade em classes e nem dominação política. Adotavam uma espécie de anarquismo. A Igreja acusou os cátaros de praticarem perversão sexual. Suponho que os hereges ficaram desprovidos do sentimento de ciúme por terem se livrado do sentimento de posse. Desde que surge a civilização, a mulher e os filhos passaram a pertencer ao homem. Antes, nas antigas comunidades, isso era impensável. O monge Osmund questiona o catolicismo por proibir o amor dele por uma mulher enquanto legitima o assassinato bestial, brutal, cruel e selvagem de pessoas inocentes. No filme, cheguei a pensar que a comunidade comandada pela feiticeira loira era uma representação dos cátaros. Eu me enganei. Os cátaros eram contra qualquer tipo de violência. O catarismo crescia de forma assustadora. Ameaçava o projeto do papado de conquistar a supremacia da Igreja Católica sobre toda a Europa. O papa Inocêncio III convocou uma cruzada contra os cátaros e exterminou a seita de uma forma que nem Hitler teria sido capaz. A crueldade e a violência foram assustadoras. A Igreja Católica rompia com o mandamento que sentencia: Não matarás. As Cruzadas na Palestina e a Inquisição criada especialmente para perseguir e aniquilar os cátaros mostraram também uma violência bárbara. Morte negra faz uma crítica a essa tara assassina dos católicos medievais. Pena que não se baseou na comunidade cátara para caracterizar cinematograficamente a vila chacinada pelos soldados de Deus. Compreendo a posição de Christopher Smith que parece francamente agnóstica por não querer defender qualquer tipo de religião. Naqueles tempos de violência desbragada da Igreja, para quem acreditava na existência de Deus, Ele foi justo. A peste negra exterminou um terço da população da Europa que era quase toda católica. Quando a peste negra terminou, os católicos perceberam que rezar não servia para nada. A fé ruiu, a Igreja teve o seu poder comprometido, a decadência política foi inevitável. Surgia a era moderna.
O filme é bem açucarado em certos momentos, mas acrescenta uma pitada de sal para compensar a desidratação. Só no final fiquei sabendo que o enredo do filme narra o nascimento da Suécia.
Andei estudando a história da Igreja Católica. Nas cruzadas foram cometidas muitas atrocidades, inclusive em vilas e cidades cujos moradores eram cristãos. O filme pinta o cavaleiro templário como herói, mas acerta ao não mostrar o Sultão Saladino como um muçulmano bárbaro. O filme acertou também ao não esconder que Saladino derrotou as cruzadas e reconquistou Jerusalém em 1187. O filme não é tão ruim como eu imaginava. A produção é bem cuidada, a música é excelente, as paisagens fotografadas agradam, Bibi Andersson compensa a debilidade de algumas atuações. O enredo não chega a ser primoroso, mas consegue espantar o tédio, o bocejo e a chateação.
Uma tocante história de amor e amizade. Inclusive, uma admirável história de amor à ciência. Ciência que é feita não só com ideias geniais mas também com muito suor, paciência e lágrimas. Aquele brilho cintilante no laboratório escuro foi uma das imagens mais emocionantes que já vi no cinema. A vida difícil da cientista antes de chegar a Paris acho que enfatizaria o caráter grandioso das conquistas dela no campo da ciência. Ela precisou trabalhar como professora particular de crianças ricas e estudou sozinha nos tempos livres. O filme não mostra detalhadamente as condições precárias de vida que ela suportava em Paris passando fome e frio, precisando dar aulas à noite para pagar o aluguel do sótão. A história é tão bonita e envolvente que não se tornaria maçante mesmo que o filme durasse três horas. A grande sorte na vida de Marie Skłodowska foi encontrar um companheiro como Pierre Curie. Antes de ver o filme, não sabia o quanto Marie Curie foi importante na história da Ciência. As escolas deviam passar esse filme para estimular nos jovens o amor à pesquisa científica.
Não recomendo para quem estiver habituado a curtir novela de televisão porque irá odiar o filme. A empregada não foi produzido para proporcionar um entretenimento tipo fast food. Ele mostra a realidade do jeito que é e não da forma como gostaríamos que fosse, com os bons vencendo sempre os maus. Na realidade da sociedade de classes, quem é que sempre acaba ficando numa boa? Os oprimidos são convencidos pela religião a aguardar o retorno de Cristo para que a justiça seja feita.
O filme mostra que os oprimidos sempre acabam de ferrando.
Im Sang-soo não produziu um cinema escapista que produz uma catarse, um deleite inócuo, que leva ao conformismo. O enredo vai alimentando a raiva nos espectadores, mas frustra a expectativa de todos.
Im Sang-Soo conduz a narrativa com maestria admirável. Música de qualidade artística inegável. O filme carrega uma crítica à sociedade de classes que uma novela de televisão não suportaria. Se fosse um dramalhão qualquer,
os maus seriam punidos e a empregada escrava apareceria no final como a mocinha que venceu os canalhas.
Viraria um consolo escapista para os explorados e oprimidos. Pelo contrário, o filme não segue a mesma pegada do cristianismo que consola aqueles que têm sede de justiça prometendo-lhes o paraíso num outro mundo e cultivando assim o conformismo.
Em suma, a punição dos opressores no final do filme
esvaziaria o sentimento de revolta dos espectadores que cultivaram uma empatia em relação à empregada faz-tudo. O filme não descamba num moralismo politicamente estéril ao não imputar a perversidade propriamente aos ricos mas ao sistema social caracterizado pelo domínio do dinheiro sobre o homem. Tanto que Nami, a menina que faz parte da família rica, não foi contaminada pelo convívio com o dinheiro. É um anjo que brotou num ambiente que consideramos desumano. Enfim, a perversidade não faz parte da natureza humana. Ela nasce de um sistema social perverso. Ao contrário das ciências da natureza, as ciências sociais não produzem verdades absolutas, mas probabilísticas. Nem todo indivíduo submetido a uma sociedade injusta e pertencente à classe dos opressores será necessariamente opressor. Nami não personifica o sistema social perverso em que todos os problemas são resolvidos mediante o dinheiro enfiado num envelope. Porém, é certamente maior a probabilidade de as crianças que nascem em uma família burguesa personificarem o sistema social opressivo calcado na exploração do outro. Por essas e outras, achei o filme de Sang-Soo 장엄한.
Os meus faroestes preferidos do diretor Anthony Mann são: O homem dos olhos frios e Winchester 73. O homem do Oeste tem uma música belíssima na introdução, uma das que mais gosto. Achei a fotografia em CinemaScope deslumbrante quando mostra as paisagens semiáridas dos EUA. Anthony Mann parece não acreditar que a perversidade seja algo inerente ao homem. As pessoas podem se redimir desde que tenham oportunidade para isso. No filme, Link Jones e Sam Beasley exemplificam essa tese. O amor trágico de Billie Ellis por Link Jones é comovente. O mesmo pode-se dizer da veneração de Claude por Dock Tobin. O faroeste de Mann tem um conteúdo dramático. Entretanto, as duas cenas finais, com muitos tiros, mostram que se trata de um faroeste de verdade.
Desde o século XIX, a política externa dos Estados Unidos foi orientada pela doutrina do Destino Manifesto. Segundo essa doutrina, a nação estadunidense foi eleita por Deus para civilizar os povos estrangeiros bárbaros. Essa ideologia serviu para camuflar os interesses imperialistas e colonialistas, de natureza geopolítica e econômica, que moviam os ianques quando invadiam ou interferiam em outros países. Oliver Stone propõe a derrota na guerra do Vietnã como um troco bem merecido por todas as atrocidades que os americanos perpetraram contra outros povos. A força militar mais poderosa do planeta foi enxotada de forma humilhante por guerrilheiros municiados com recursos precários. Como disse o Marcos dos Santos há 4 anos atrás: “Os americanos levaram o maior pau e saíram de lá com o rabo no meio das pernas.” No começo do filme aparece uma citação bíblica: “Jovem, regozija-te na juventude”. Jovens que poderiam estar namorando, vivendo como os hippies, participando do Festival de Woodstock, viajando pela Rota 66, curtindo a vida numa Universidade, sonhando com um futuro promissor, — jovens que tinham toda uma vida pela frente —, foram mandados para uma guerra estúpida. Stone mostra que foram enviados para o inferno. O principal trabalho do diretor foi recriar cinematograficamente esse inferno representando o terror físico, moral e psicológico vivido pelos personagens. A recriação foi magnífica, nos deixando boquiabertos. Sorte de quem viu o filme no cinema com som de ótima qualidade.
Nietsche sugeriu que o cristianismo concebeu as energias vitais que borbulham no corpo humano como forças demoníacas. O catolicismo reprimiu a sexualidade e viu na mulher a encarnação do diabo. Shakespeare não escapou dessa herança e produziu uma peça em que Lady Macbeth representa a serpente do mal que conduz Macbeth à perdição. Como Eva fez com Adão. Que perdição é essa? Como em Crime e castigo, vemos que, vivendo em sociedade, o homem desenvolve, através da educação, aquilo que Freud denominou superego. O superego é o representante da sociedade na mente do indivíduo. Ele nos força a respeitar os valores que fundam e preservam a ordem social. Se o indivíduo investe contra esses valores significa perdição, desestruturação da mente, perda da paz. O conjunto desses valores funciona como um sistema operacional de um computador. O sistema entra em pane se o programa que o criou for corrompido. Atentar contra um valor fundamental da vida em sociedade é corromper o programa que constitui a mente humana, é como corromper um sistema operacional de um computador. Macbeth violou valores fundamentais e sua mente entrou em parafuso. O superego pune o indivíduo. A modernidade supõe que o indivíduo é livre para fazer escolhas. Exercendo a liberdade, Macbeth faz uma escolha que o leva à perdição. Esse é um paradoxo da liberdade humana. O indivíduo é verdadeiramente livre ou faz aquilo que é determinado pelo superego, isto é, pela sociedade? A modernidade seria um embuste? Analisando a peça de Shakespeare, o destino traçado por forças sobrenaturais e a perdição de Macbeth mostram que a liberdade do indivíduo moderno tem limites. É certo que as virtudes de Macbeth, ou de Lady Macbeth, possibilitaram a conquista do poder. Ou seja, essa conquista dependeu também da habilidade de um indivíduo, de seu livre-arbítrio. Porém, o casal real, mesmo conhecendo o destino, não conseguiu alterá-lo. Maquiavel é considerado o fundador da teoria política moderna por propor que o governante deve ser orientado por princípios diferentes daqueles que orientam a conduta do homem comum. Se é vedado ao homem comum tirar a vida de um semelhante, o governante pode mandar matar se o assassinato salvaguardar o bem coletivo. Shakespeare não colocou essa questão em sua peça magnífica. Macbeth viola um princípio fundamental da cultura, o respeito à vida do semelhante, não para perseguir o interesse coletivo da nação, mas para satisfazer apenas a sua sede de poder, deixando-se seduzir por sua mulher. Seu ato não é eminentemente político, direcionado ao interesse público, mas determinado por um interesse privado, de caráter pessoal. Macbeth não é, por isso, uma peça verdadeiramente política. Kurosawa prioriza a narrativa, ao contrário de Orson Welles que prioriza o diálogo conferindo um tom teatral e literário ao filme, sendo assim mais fiel à peça de Shakespeare. Achei a narrativa do diretor nipônico soberba. Ela é límpida, envolvente, fascinante, tensa, literalmente dramática. Também por isso, Trono manchado de sangue é melhor avaliado pelo público. Em Macbeth, de Welles, o enredo é obscuro e, por isso, pouco cativante.
Não desenvolvi sensibilidade cultural suficiente para apreciar teatro clássico. Por isso, assistir essa versão filmada da renomada peça de Shakespeare não foi algo simples. Não gosto de filmes em que os diálogos são priorizados em detrimento da narrativa de uma história envolvente. Gosto menos ainda quando os diálogos são versificados. Aproveitei para curtir a belíssima fotografia em branco e preto. Queria ter tido uma educação refinada desde a infância para gostar de ballet, ópera, teatro shakespeariano, música sinfônica e dodecafônica, poesia, pintura abstrata, escultura, cinema de arte, etc. Infelizmente, da mesma forma que a grande maioria dos brasileiros, não nasci num berço de ouro e não tive pais cultos. Sei que isso explica, mas não justifica.
Na minha infância, tendo nascido numa família pobre, vivi num ambiente cultural miserável. Só tive acesso a televisão, era colecionador de gibis, adorava filmes de faroeste, Tarzan era o meu grande ídolo, ouvia música de péssima qualidade, tinha preguiça de ler livros, aprendi a ser corintiano, quase virei coroinha, nunca fui ver uma peça de teatro, nem sabia que existia algo chamado orquestra sinfônica, na rua da minha casa desfilava uma escola de samba. Em países capitalistas colonizados como o Brasil, pobre não tem direito a formação cultural erudita. Os índios são culturalmente muito mais ricos que nós. Isso explica por que não gostei de Henrique V. Não desenvolvi refinamento cultural suficiente para gostar de um filme desses. Fiz até um esforço, mas não deu. Admiro quem tenha vibrado assistindo esse filme.
A fotografia belíssima compõe uma imagem mítica do Velho Oeste. Achei o roteiro bem estruturado, embora eu prefira histórias sem tantos rodeios, como a de Rastros do ódio. Shelley Winters, ainda jovem, consegue aparecer com certo brilho. James Stewart, sem cacoetes, fica mesmo melhor fotografado em branco e preto. Anthony Mann arremata tudo sem delongas. É um grande mestre do faroeste. A música de introdução do filme Homem do Oeste, acho a mais bela da história do western. Da mesma forma que acho a canção da cena final de Matar ou morrer a mais emocionante da história do western. O final de Shane não fica muito atrás. São músicas que jamais vou esquecer. Quando John Wayne pega a Natalie Wood no colo e diz “Let’s go home, Debbie”, é impossível não se emocionar. A cena final desse filme é também memorável. Por essas e outras, não consigo gostar de faroeste italiano. A música de Ennio Morricone, por melhor que seja, parece que corrompe algo que minha alma nostálgica considera puro e sagrado.
A luta cotidiana pela sobrevivência é a condição trágica de 99% de indivíduos desde o começo da história do homem. No entanto, a grande maioria dos roteiros de cinema ignora esse fato tão dramático que atormenta o sono de bilhões de pessoas no mundo todo. Ladrões de bicicleta é um dos filmes que aborda o tema de forma primorosa. O banheiro do papa não fica muito atrás. Li todos os comentários sobre o filme. A Gláucia Renata Beretta escreveu há sete anos: “Muito triste, sofri muito com esse filme. Lindo.” Percebi que quase todos se identificaram com o Beto porque o personagem exprime a vida de todos nós que luta para sobreviver e sonha com uma vida melhor no futuro. Por isso, muita gente achou o filme triste. Nunca vi a mesma palavra repetida tantas vezes aqui no Filmow. Um papel importante do cinema é retratar o povo, a vida do povo, nas telas. O banheiro do papa cumpre bem esse papel. As novelas de televisão retratam a vida do povo, mas de uma forma acrítica e alienante. O banheiro do papa expõe uma crítica ácida à Igreja que traslada a esperança das pessoas para a vida pós morte. Beto não engole esse embuste. Ele luta para ter uma vida digna para ele e para a sua família aqui mesmo na Terra.
O enredo é bem elaborado. Mesmo vendo o filme pela segunda vez, não perdi o interesse pelo andamento da história. A personagem da Raquel Welch desponta com um brilho especial mesmo para quem ache que a atriz só tem corpo. Dean Martin, o canastrão de sempre. James Stewart aparece bem, mesmo cansado. O formato widescreen valoriza o filme mostrando as belas paisagens do Sul dos EUA.
Faroeste família. Um pistoleiro abandona a vida de matança para curtir os encantos de um lar. Merecia um prêmio da National Rifle Association que defende o direito de todo cidadão americano comprar quantas armas quiser. O filme mostra como é importante ter uma arma na mão.
Apesar de fraco, o filme trata de um tema muito interessante. Um oficial do exército nortista introduz questões pessoais na guerra contra os sulistas e conduz os seus soldados à morte de forma criminosa. Um oficial do exército sulista procede da mesma forma. Conclusão: a guerra é uma grande imbecilidade. Aqueles que dela participam são ludibriados por ideais que encobrem os interesses das classes dominantes.
Os cristãos primitivos seguiam uma recomendação deixada por Jesus: vai, vende o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Naquele tempo ancestral, ninguém tinha nada, tudo era compartilhado numa comunhão universal de bens. Quando o cristianismo se tornou religião oficial do Estado romano, tudo começou a mudar. A Igreja Católica tornou-se riquíssima. Com o tempo, tornou-se poderosíssima a ponto de destituir imperadores romano-germânicos. Riqueza e poder favoreceram a corrupção. O clero entregou-se à luxúria e à avareza acumulando bens, vivendo no luxo, entregue aos prazeres mundanos. Surgiram seitas defendendo o retorno à vida pobre e comunitária dos cristãos primitivos. Foram taxados de hereges e condenados à fogueira pela Santa Inquisição. O Nome da rosa mostra a discussão da Santa Sé com os franciscanos que defendiam o retorno à vida pobre e simples que seria a essência primordial do cristianismo. No começo do filme aparecem pobres brigando pela lavagem despejada pelos monges que viviam no mosteiro. Era assim que a Igreja partilhava o pão. O sacramento da santa comunhão era uma farsa. A Igreja precisava manter o poder para preservar a ordem e garantir a posse de bens. Um dos suportes desse poder era o domínio ideológico do cérebro dos vivos. Para as autoridades eclesiásticas, a luz era propiciada pela fé e não pelo conhecimento. Não podiam permitir o uso da razão na busca da verdade, como preconizava Aristóteles. Era preciso impedir que pessoas comuns tivessem acesso aos textos considerados diabólicos como os do filósofo grego. O enredo do filme gira em torno dessa questão. William de Baskerville faz uso da razão para descobrir a verdade.
Difícil engolir a história. O roteirista não podia deixar o casal abandonar a casa correndo porque senão o filme terminaria em 30 minutos. Esse furo deixa o filme interminável. Quem tiver um pouco de paciência, quem não levar o filme muito a sério, pode até curti-lo.
Domingos de Oliveira narra a vida de um casal que luta pela sobrevivência. A fase triste foi filmada em branco e preto. A fase feliz, em cores. As cenas das duas fases de vida aparecem entrelaçadas, num bom trabalho de edição. A fase triste se passa na cidade. O marido trabalha numa empresa como contador e enfrenta as inevitáveis frustrações pessoais e profissionais acarretadas pela sociedade capitalista. A fase feliz se passa numa casa de campo em contato estreito com a natureza. O marido trabalha como caseiro. A esposa aparece como mãe e dona de casa numa época em que as mulheres eram ainda simples apêndices do homem. O tema do filme aparecia com pelo menos uma década de atraso. Tratava-se do ideal hippie de rejeição da sociedade de consumo e de retorno à mãe natureza. Na fase triste, constatamos como o mundo mudou nos últimos 40 anos: a máquina de escrever dominava as escrivaninhas de escritório; as pessoas telefonavam em orelhões; famílias pobres tinham aparelhos de televisão antigos que viviam com defeito; os homens de terno e gravata usavam pastas 007; as ruas eram dominadas por Kombis e Fuscas; os filmes feitos para a TV eram produzidos em formato de tela standard, 4x3. Se tivesse havido estímulo do Estado para a produção de filmes desse tipo, o cinema nacional poderia ter se transformado numa indústria bem estruturada, gerando milhares de empregos. Infelizmente, continuamos sendo um país colonizado, econômica e culturalmente.
O filme deve agradar a cinéfilos. No cinema, gosto de uma história bem contada, logicamente consistente. O Círculo do poder, por exemplo, não abandonou a narrativa lógica e fez uma crítica contundente ao estalinismo sem se posicionar de forma ambígua jamais. Respeito quem valoriza apenas os aspectos estéticos de um filme entendendo o cinema como arte.
Fiquei curioso em saber como eles conseguem proteína. Vi algumas galinhas, mas não vi pesca. Parece que não criam gado. Incrível. Conseguiram montar 50 hidrelétricas, com geradores, pegando sucata da mineradora abandonada. Num dos diálogos, um dos habitantes da ilha disse que eles compartilham tudo. Seria uma sociedade comunista?
Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet
3.9 2,2K Assista AgoraRevi o filme porque sofri um impacto estético incrível quando o assisti pela primeira vez.
Concordando com a Leciane e a Amanda, avalio o filme como uma crítica à sociedade de classes — um modelo de sociedade que transforma o homem em canibal do próprio homem. A senhora Lovett faz o contraponto representando uma pessoa integrada ao jogo social do mercado e do consumo.
Achei a música excepcionalmente boa, mas o diálogo cantado não me encantou. Tive uma educação pouco requintada na infância e, por isso, sou incapaz de apreciar ópera e espetáculos congêneres.
A fotografia em cores parece em branco e preto dando maior impacto visual às manchas vermelhas de sangue. A trilha sonora e a tonalidade noir criam uma atmosfera tétrica que chegou em alguns momentos a assombrar.
O título do filme poderia ser: Sweeney mão de navalha.
Matadores de Velhinha
3.1 499 Assista AgoraFazia tempo que não via tantas atuações divertidas num mesmo filme. Todos os atores estão sensacionais, inclusive o gato. Os diálogos são primorosos. Achei empolgantes as músicas da Igreja.
Muitas cenas hilariantes. Em certos momentos, a condução da narrativa chega a ser genial.
Li todos os oito anos de comentários postados. Incrível a disparidade nas avaliações. Muitos odiaram o filme e nem conseguiram terminar de assistir. Outros o acharam genial e morreram de rir. Dava uma tese de doutorado.
Entendo porque muita gente não gostou do filme. O humor é uma coisa muito pessoal, subjetiva. Tem inúmeras comédias que todo mundo adora, mas que não acho graça nenhuma. Por exemplo, Monty Python. Em busca do Cálice Sagrado. Tem 4,3 no Filmow. Dei nota 0,5.
O Leão no Inverno
3.2 10Rei Lear de Shakespeare é um clássico por mostrar como a sede de poder, sendo mais forte que o amor entre pais e filhos, degrada a família patriarcal no universo da realeza. O sacramento do casamento era algo tão sagrado que exigia a permissão do papa para ser dissolvido. A visão shakespeariana é uma verdade eterna que podemos constatar até hoje nas famílias ricas onde os filhos brigam na disputa por bens e chegam até a ferrar os pais.
O leão no inverno coloca bastante açúcar no tema shakespeariano para torná-lo palatável para quem gosta de novela de televisão. Baixou o espírito hollywoodiano de Walt Disney no Andrei Konchalovsky e ele prova que o amor entre marido e mulher pode ser mais forte que o jogo de poder. A tragédia foi transformada em farsa; a obra prima virou lixo cultural.
Apesar de ser uma peça de teatro, Rei Lear inspirou filmes de muita ação como Ran. O leão no inverno tem diálogos intermináveis. Bom para quem gosta mais de teatro de entretenimento do que de cinema clássico.
Morte Negra
3.2 260Na Idade Média, a depravação do clero e a corrupção na Santa Sé favoreceram o surgimento de seitas cristãs dissidentes. Os denominados hereges desejavam retomar o modo de vida simples e pobre dos cristãos primitivos. Estes renunciavam à posse de bens e compartilhavam tudo numa verdadeira vida em comunidade onde tudo era de todos e todos eram iguais.
Uma das seitas que surgiram no século XII foi o catarismo. Eles adotavam a vida pobre e renunciavam a qualquer tipo de violência, inclusive contra animais, deixando de comer carne. As mulheres tinham os mesmos direitos que o homem. Tudo era compartilhado, não existia divisão da sociedade em classes e nem dominação política. Adotavam uma espécie de anarquismo.
A Igreja acusou os cátaros de praticarem perversão sexual. Suponho que os hereges ficaram desprovidos do sentimento de ciúme por terem se livrado do sentimento de posse. Desde que surge a civilização, a mulher e os filhos passaram a pertencer ao homem. Antes, nas antigas comunidades, isso era impensável.
O monge Osmund questiona o catolicismo por proibir o amor dele por uma mulher enquanto legitima o assassinato bestial, brutal, cruel e selvagem de pessoas inocentes.
No filme, cheguei a pensar que a comunidade comandada pela feiticeira loira era uma representação dos cátaros. Eu me enganei. Os cátaros eram contra qualquer tipo de violência.
O catarismo crescia de forma assustadora. Ameaçava o projeto do papado de conquistar a supremacia da Igreja Católica sobre toda a Europa.
O papa Inocêncio III convocou uma cruzada contra os cátaros e exterminou a seita de uma forma que nem Hitler teria sido capaz. A crueldade e a violência foram assustadoras. A Igreja Católica rompia com o mandamento que sentencia: Não matarás.
As Cruzadas na Palestina e a Inquisição criada especialmente para perseguir e aniquilar os cátaros mostraram também uma violência bárbara.
Morte negra faz uma crítica a essa tara assassina dos católicos medievais. Pena que não se baseou na comunidade cátara para caracterizar cinematograficamente a vila chacinada pelos soldados de Deus. Compreendo a posição de Christopher Smith que parece francamente agnóstica por não querer defender qualquer tipo de religião.
Naqueles tempos de violência desbragada da Igreja, para quem acreditava na existência de Deus, Ele foi justo. A peste negra exterminou um terço da população da Europa que era quase toda católica. Quando a peste negra terminou, os católicos perceberam que rezar não servia para nada. A fé ruiu, a Igreja teve o seu poder comprometido, a decadência política foi inevitável. Surgia a era moderna.
Arn: O Reino ao Final da Jornada
3.6 25Achei bem fraquinho o enredo deste segundo filme. O bom é que mostra o
sultão Saladino derrotando as Cruzadas.
O filme é bem açucarado em certos momentos, mas acrescenta uma pitada de sal para compensar a desidratação.
Só no final fiquei sabendo que o enredo do filme narra o nascimento da Suécia.
Arn: O Cavaleiro Templário
3.4 128 Assista AgoraAndei estudando a história da Igreja Católica. Nas cruzadas foram cometidas muitas atrocidades, inclusive em vilas e cidades cujos moradores eram cristãos.
O filme pinta o cavaleiro templário como herói, mas acerta ao não mostrar o Sultão Saladino como um muçulmano bárbaro. O filme acertou também ao não esconder que Saladino derrotou as cruzadas e reconquistou Jerusalém em 1187.
O filme não é tão ruim como eu imaginava. A produção é bem cuidada, a música é excelente, as paisagens fotografadas agradam, Bibi Andersson compensa a debilidade de algumas atuações.
O enredo não chega a ser primoroso, mas consegue espantar o tédio, o bocejo e a chateação.
Madame Curie
4.0 25Uma tocante história de amor e amizade. Inclusive, uma admirável história de amor à ciência. Ciência que é feita não só com ideias geniais mas também com muito suor, paciência e lágrimas.
Aquele brilho cintilante no laboratório escuro foi uma das imagens mais emocionantes que já vi no cinema.
A vida difícil da cientista antes de chegar a Paris acho que enfatizaria o caráter grandioso das conquistas dela no campo da ciência. Ela precisou trabalhar como professora particular de crianças ricas e estudou sozinha nos tempos livres.
O filme não mostra detalhadamente as condições precárias de vida que ela suportava em Paris passando fome e frio, precisando dar aulas à noite para pagar o aluguel do sótão.
A história é tão bonita e envolvente que não se tornaria maçante mesmo que o filme durasse três horas.
A grande sorte na vida de Marie Skłodowska foi encontrar um companheiro como Pierre Curie.
Antes de ver o filme, não sabia o quanto Marie Curie foi importante na história da Ciência. As escolas deviam passar esse filme para estimular nos jovens o amor à pesquisa científica.
A Empregada
3.1 193 Assista AgoraNão recomendo para quem estiver habituado a curtir novela de televisão porque irá odiar o filme. A empregada não foi produzido para proporcionar um entretenimento tipo fast food. Ele mostra a realidade do jeito que é e não da forma como gostaríamos que fosse, com os bons vencendo sempre os maus.
Na realidade da sociedade de classes, quem é que sempre acaba ficando numa boa?
Os oprimidos são convencidos pela religião a aguardar o retorno de Cristo para que a justiça seja feita.
O filme mostra que os oprimidos sempre acabam de ferrando.
Im Sang-soo não produziu um cinema escapista que produz uma catarse, um deleite inócuo, que leva ao conformismo. O enredo vai alimentando a raiva nos espectadores, mas frustra a expectativa de todos.
A Empregada
3.1 193 Assista AgoraIm Sang-Soo conduz a narrativa com maestria admirável. Música de qualidade artística inegável.
O filme carrega uma crítica à sociedade de classes que uma novela de televisão não suportaria. Se fosse um dramalhão qualquer,
os maus seriam punidos e a empregada escrava apareceria no final como a mocinha que venceu os canalhas.
Viraria um consolo escapista para os explorados e oprimidos. Pelo contrário, o filme não segue a mesma pegada do cristianismo que consola aqueles que têm sede de justiça prometendo-lhes o paraíso num outro mundo e cultivando assim o conformismo.
Em suma, a punição dos opressores no final do filme
esvaziaria o sentimento de revolta dos espectadores que cultivaram uma empatia em relação à empregada faz-tudo.
O filme não descamba num moralismo politicamente estéril ao não imputar a perversidade propriamente aos ricos mas ao sistema social caracterizado pelo domínio do dinheiro sobre o homem. Tanto que Nami, a menina que faz parte da família rica, não foi contaminada pelo convívio com o dinheiro. É um anjo que brotou num ambiente que consideramos desumano. Enfim, a perversidade não faz parte da natureza humana. Ela nasce de um sistema social perverso.
Ao contrário das ciências da natureza, as ciências sociais não produzem verdades absolutas, mas probabilísticas. Nem todo indivíduo submetido a uma sociedade injusta e pertencente à classe dos opressores será necessariamente opressor. Nami não personifica o sistema social perverso em que todos os problemas são resolvidos mediante o dinheiro enfiado num envelope. Porém, é certamente maior a probabilidade de as crianças que nascem em uma família burguesa personificarem o sistema social opressivo calcado na exploração do outro.
Por essas e outras, achei o filme de Sang-Soo 장엄한.
O Homem do Oeste
3.8 46 Assista AgoraOs meus faroestes preferidos do diretor Anthony Mann são: O homem dos olhos frios e Winchester 73.
O homem do Oeste tem uma música belíssima na introdução, uma das que mais gosto. Achei a fotografia em CinemaScope deslumbrante quando mostra as paisagens semiáridas dos EUA.
Anthony Mann parece não acreditar que a perversidade seja algo inerente ao homem. As pessoas podem se redimir desde que tenham oportunidade para isso. No filme, Link Jones e Sam Beasley exemplificam essa tese.
O amor trágico de Billie Ellis por Link Jones é comovente. O mesmo pode-se dizer da veneração de Claude por Dock Tobin.
O faroeste de Mann tem um conteúdo dramático. Entretanto, as duas cenas finais, com muitos tiros, mostram que se trata de um faroeste de verdade.
Platoon
4.0 624 Assista AgoraDesde o século XIX, a política externa dos Estados Unidos foi orientada pela doutrina do Destino Manifesto. Segundo essa doutrina, a nação estadunidense foi eleita por Deus para civilizar os povos estrangeiros bárbaros. Essa ideologia serviu para camuflar os interesses imperialistas e colonialistas, de natureza geopolítica e econômica, que moviam os ianques quando invadiam ou interferiam em outros países.
Oliver Stone propõe a derrota na guerra do Vietnã como um troco bem merecido por todas as atrocidades que os americanos perpetraram contra outros povos. A força militar mais poderosa do planeta foi enxotada de forma humilhante por guerrilheiros municiados com recursos precários. Como disse o Marcos dos Santos há 4 anos atrás: “Os americanos levaram o maior pau e saíram de lá com o rabo no meio das pernas.”
No começo do filme aparece uma citação bíblica: “Jovem, regozija-te na juventude”. Jovens que poderiam estar namorando, vivendo como os hippies, participando do Festival de Woodstock, viajando pela Rota 66, curtindo a vida numa Universidade, sonhando com um futuro promissor, — jovens que tinham toda uma vida pela frente —, foram mandados para uma guerra estúpida. Stone mostra que foram enviados para o inferno. O principal trabalho do diretor foi recriar cinematograficamente esse inferno representando o terror físico, moral e psicológico vivido pelos personagens. A recriação foi magnífica, nos deixando boquiabertos. Sorte de quem viu o filme no cinema com som de ótima qualidade.
Trono Manchado de Sangue
4.4 121 Assista AgoraNietsche sugeriu que o cristianismo concebeu as energias vitais que borbulham no corpo humano como forças demoníacas. O catolicismo reprimiu a sexualidade e viu na mulher a encarnação do diabo. Shakespeare não escapou dessa herança e produziu uma peça em que Lady Macbeth representa a serpente do mal que conduz Macbeth à perdição. Como Eva fez com Adão.
Que perdição é essa? Como em Crime e castigo, vemos que, vivendo em sociedade, o homem desenvolve, através da educação, aquilo que Freud denominou superego. O superego é o representante da sociedade na mente do indivíduo. Ele nos força a respeitar os valores que fundam e preservam a ordem social.
Se o indivíduo investe contra esses valores significa perdição, desestruturação da mente, perda da paz. O conjunto desses valores funciona como um sistema operacional de um computador. O sistema entra em pane se o programa que o criou for corrompido. Atentar contra um valor fundamental da vida em sociedade é corromper o programa que constitui a mente humana, é como corromper um sistema operacional de um computador. Macbeth violou valores fundamentais e sua mente entrou em parafuso. O superego pune o indivíduo.
A modernidade supõe que o indivíduo é livre para fazer escolhas. Exercendo a liberdade, Macbeth faz uma escolha que o leva à perdição. Esse é um paradoxo da liberdade humana. O indivíduo é verdadeiramente livre ou faz aquilo que é determinado pelo superego, isto é, pela sociedade? A modernidade seria um embuste?
Analisando a peça de Shakespeare, o destino traçado por forças sobrenaturais e a perdição de Macbeth mostram que a liberdade do indivíduo moderno tem limites. É certo que as virtudes de Macbeth, ou de Lady Macbeth, possibilitaram a conquista do poder. Ou seja, essa conquista dependeu também da habilidade de um indivíduo, de seu livre-arbítrio. Porém, o casal real, mesmo conhecendo o destino, não conseguiu alterá-lo.
Maquiavel é considerado o fundador da teoria política moderna por propor que o governante deve ser orientado por princípios diferentes daqueles que orientam a conduta do homem comum. Se é vedado ao homem comum tirar a vida de um semelhante, o governante pode mandar matar se o assassinato salvaguardar o bem coletivo. Shakespeare não colocou essa questão em sua peça magnífica. Macbeth viola um princípio fundamental da cultura, o respeito à vida do semelhante, não para perseguir o interesse coletivo da nação, mas para satisfazer apenas a sua sede de poder, deixando-se seduzir por sua mulher. Seu ato não é eminentemente político, direcionado ao interesse público, mas determinado por um interesse privado, de caráter pessoal. Macbeth não é, por isso, uma peça verdadeiramente política.
Kurosawa prioriza a narrativa, ao contrário de Orson Welles que prioriza o diálogo conferindo um tom teatral e literário ao filme, sendo assim mais fiel à peça de Shakespeare.
Achei a narrativa do diretor nipônico soberba. Ela é límpida, envolvente, fascinante, tensa, literalmente dramática. Também por isso, Trono manchado de sangue é melhor avaliado pelo público. Em Macbeth, de Welles, o enredo é obscuro e, por isso, pouco cativante.
Macbeth: Reinado de Sangue
4.0 43 Assista AgoraNão desenvolvi sensibilidade cultural suficiente para apreciar teatro clássico. Por isso, assistir essa versão filmada da renomada peça de Shakespeare não foi algo simples.
Não gosto de filmes em que os diálogos são priorizados em detrimento da narrativa de uma história envolvente. Gosto menos ainda quando os diálogos são versificados.
Aproveitei para curtir a belíssima fotografia em branco e preto.
Queria ter tido uma educação refinada desde a infância para gostar de ballet, ópera, teatro shakespeariano, música sinfônica e dodecafônica, poesia, pintura abstrata, escultura, cinema de arte, etc. Infelizmente, da mesma forma que a grande maioria dos brasileiros, não nasci num berço de ouro e não tive pais cultos. Sei que isso explica, mas não justifica.
Henrique V
3.3 20 Assista AgoraNa minha infância, tendo nascido numa família pobre, vivi num ambiente cultural miserável. Só tive acesso a televisão, era colecionador de gibis, adorava filmes de faroeste, Tarzan era o meu grande ídolo, ouvia música de péssima qualidade, tinha preguiça de ler livros, aprendi a ser corintiano, quase virei coroinha, nunca fui ver uma peça de teatro, nem sabia que existia algo chamado orquestra sinfônica, na rua da minha casa desfilava uma escola de samba. Em países capitalistas colonizados como o Brasil, pobre não tem direito a formação cultural erudita. Os índios são culturalmente muito mais ricos que nós.
Isso explica por que não gostei de Henrique V. Não desenvolvi refinamento cultural suficiente para gostar de um filme desses. Fiz até um esforço, mas não deu.
Admiro quem tenha vibrado assistindo esse filme.
Winchester '73
4.0 53 Assista AgoraA fotografia belíssima compõe uma imagem mítica do Velho Oeste. Achei o roteiro bem estruturado, embora eu prefira histórias sem tantos rodeios, como a de Rastros do ódio.
Shelley Winters, ainda jovem, consegue aparecer com certo brilho. James Stewart, sem cacoetes, fica mesmo melhor fotografado em branco e preto.
Anthony Mann arremata tudo sem delongas. É um grande mestre do faroeste. A música de introdução do filme Homem do Oeste, acho a mais bela da história do western. Da mesma forma que acho a canção da cena final de Matar ou morrer a mais emocionante da história do western. O final de Shane não fica muito atrás. São músicas que jamais vou esquecer.
Quando John Wayne pega a Natalie Wood no colo e diz “Let’s go home, Debbie”, é impossível não se emocionar. A cena final desse filme é também memorável.
Por essas e outras, não consigo gostar de faroeste italiano. A música de Ennio Morricone, por melhor que seja, parece que corrompe algo que minha alma nostálgica considera puro e sagrado.
O Banheiro do Papa
4.0 157A luta cotidiana pela sobrevivência é a condição trágica de 99% de indivíduos desde o começo da história do homem. No entanto, a grande maioria dos roteiros de cinema ignora esse fato tão dramático que atormenta o sono de bilhões de pessoas no mundo todo.
Ladrões de bicicleta é um dos filmes que aborda o tema de forma primorosa. O banheiro do papa não fica muito atrás.
Li todos os comentários sobre o filme. A Gláucia Renata Beretta escreveu há sete anos: “Muito triste, sofri muito com esse filme. Lindo.”
Percebi que quase todos se identificaram com o Beto porque o personagem exprime a vida de todos nós que luta para sobreviver e sonha com uma vida melhor no futuro. Por isso, muita gente achou o filme triste. Nunca vi a mesma palavra repetida tantas vezes aqui no Filmow.
Um papel importante do cinema é retratar o povo, a vida do povo, nas telas. O banheiro do papa cumpre bem esse papel.
As novelas de televisão retratam a vida do povo, mas de uma forma acrítica e alienante. O banheiro do papa expõe uma crítica ácida à Igreja que traslada a esperança das pessoas para a vida pós morte. Beto não engole esse embuste. Ele luta para ter uma vida digna para ele e para a sua família aqui mesmo na Terra.
O Preço de um Covarde
3.6 15 Assista AgoraO enredo é bem elaborado. Mesmo vendo o filme pela segunda vez, não perdi o interesse pelo andamento da história. A personagem da Raquel Welch desponta com um brilho especial mesmo para quem ache que a atriz só tem corpo. Dean Martin, o canastrão de sempre. James Stewart aparece bem, mesmo cansado. O formato widescreen valoriza o filme mostrando as belas paisagens do Sul dos EUA.
A Arma de um Bravo
3.3 5 Assista AgoraFaroeste família. Um pistoleiro abandona a vida de matança para curtir os encantos de um lar. Merecia um prêmio da National Rifle Association que defende o direito de todo cidadão americano comprar quantas armas quiser. O filme mostra como é importante ter uma arma na mão.
A Grande Cilada
2.7 3Apesar de fraco, o filme trata de um tema muito interessante. Um oficial do exército nortista introduz questões pessoais na guerra contra os sulistas e conduz os seus soldados à morte de forma criminosa. Um oficial do exército sulista procede da mesma forma. Conclusão: a guerra é uma grande imbecilidade. Aqueles que dela participam são ludibriados por ideais que encobrem os interesses das classes dominantes.
O Nome da Rosa
3.9 775 Assista AgoraOs cristãos primitivos seguiam uma recomendação deixada por Jesus: vai, vende o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Naquele tempo ancestral, ninguém tinha nada, tudo era compartilhado numa comunhão universal de bens.
Quando o cristianismo se tornou religião oficial do Estado romano, tudo começou a mudar. A Igreja Católica tornou-se riquíssima. Com o tempo, tornou-se poderosíssima a ponto de destituir imperadores romano-germânicos. Riqueza e poder favoreceram a corrupção.
O clero entregou-se à luxúria e à avareza acumulando bens, vivendo no luxo, entregue aos prazeres mundanos.
Surgiram seitas defendendo o retorno à vida pobre e comunitária dos cristãos primitivos. Foram taxados de hereges e condenados à fogueira pela Santa Inquisição.
O Nome da rosa mostra a discussão da Santa Sé com os franciscanos que defendiam o retorno à vida pobre e simples que seria a essência primordial do cristianismo. No começo do filme aparecem pobres brigando pela lavagem despejada pelos monges que viviam no mosteiro. Era assim que a Igreja partilhava o pão. O sacramento da santa comunhão era uma farsa.
A Igreja precisava manter o poder para preservar a ordem e garantir a posse de bens. Um dos suportes desse poder era o domínio ideológico do cérebro dos vivos. Para as autoridades eclesiásticas, a luz era propiciada pela fé e não pelo conhecimento. Não podiam permitir o uso da razão na busca da verdade, como preconizava Aristóteles. Era preciso impedir que pessoas comuns tivessem acesso aos textos considerados diabólicos como os do filósofo grego. O enredo do filme gira em torno dessa questão. William de Baskerville faz uso da razão para descobrir a verdade.
Terror em Amityville
3.3 291 Assista AgoraDifícil engolir a história. O roteirista não podia deixar o casal abandonar a casa correndo porque senão o filme terminaria em 30 minutos. Esse furo deixa o filme interminável.
Quem tiver um pouco de paciência, quem não levar o filme muito a sério, pode até curti-lo.
Vida Vida
3.9 4 Assista AgoraDomingos de Oliveira narra a vida de um casal que luta pela sobrevivência. A fase triste foi filmada em branco e preto. A fase feliz, em cores. As cenas das duas fases de vida aparecem entrelaçadas, num bom trabalho de edição.
A fase triste se passa na cidade. O marido trabalha numa empresa como contador e enfrenta as inevitáveis frustrações pessoais e profissionais acarretadas pela sociedade capitalista.
A fase feliz se passa numa casa de campo em contato estreito com a natureza. O marido trabalha como caseiro. A esposa aparece como mãe e dona de casa numa época em que as mulheres eram ainda simples apêndices do homem.
O tema do filme aparecia com pelo menos uma década de atraso. Tratava-se do ideal hippie de rejeição da sociedade de consumo e de retorno à mãe natureza.
Na fase triste, constatamos como o mundo mudou nos últimos 40 anos: a máquina de escrever dominava as escrivaninhas de escritório; as pessoas telefonavam em orelhões; famílias pobres tinham aparelhos de televisão antigos que viviam com defeito; os homens de terno e gravata usavam pastas 007; as ruas eram dominadas por Kombis e Fuscas; os filmes feitos para a TV eram produzidos em formato de tela standard, 4x3.
Se tivesse havido estímulo do Estado para a produção de filmes desse tipo, o cinema nacional poderia ter se transformado numa indústria bem estruturada, gerando milhares de empregos. Infelizmente, continuamos sendo um país colonizado, econômica e culturalmente.
Vermelhos e Brancos
4.0 18O filme deve agradar a cinéfilos.
No cinema, gosto de uma história bem contada, logicamente consistente. O Círculo do poder, por exemplo, não abandonou a narrativa lógica e fez uma crítica contundente ao estalinismo sem se posicionar de forma ambígua jamais.
Respeito quem valoriza apenas os aspectos estéticos de um filme entendendo o cinema como arte.
A Revolução dos Cocos
4.4 27Fiquei curioso em saber como eles conseguem proteína. Vi algumas galinhas, mas não vi pesca. Parece que não criam gado.
Incrível. Conseguiram montar 50 hidrelétricas, com geradores, pegando sucata da mineradora abandonada.
Num dos diálogos, um dos habitantes da ilha disse que eles compartilham tudo. Seria uma sociedade comunista?