Ainda não vi os outros dois filmes da trilogia do silêncio, mas após ver Luz de Inverno, não temo dizer que este é possivelmente o mais profundo e implacável de todos os três filmes. O silêncio de Deus se faz sentir de modo especialmente dramático e aflitivo no desespero de um pai de família diante da ameaça de uma guerra nuclear, na frieza e na indiferença (ou até no rancor) com que o pastor lida com o amor sofrido de Marta por ele, indiferença esta que se estende para sua desilusão com a fé e se reflete na maneira quase mecânica com que ministra a missa. Tudo isso culmina naquilo que Algot afirma sobre a dor de Cristo em seu martírio. A ênfase na dor física de Cristo o faz parecer uma figura patética e mergulha toda a fé cristã numa pieguice sem sentido. O real sofrimento de Cristo, o seu verdadeiro martírio foi a solidão do abandono de Seu Pai, enfim a verdadeira dor consiste no desolador silêncio de Deus, o mesmo que aflige os personagens.
Combinação interessante de faroeste e suspense. Tudo sob medida, na dosagem certa, sem heroísmo exacerbado e coragem inabalável. O filme consegue transmitir toda a tensão de Will Kane durante 80 minutos. A música também merece destaque, assim como Grace Kelly (claro) em sua primeira atuação mais expressiva.
Embate sufocante entre um juiz e três artistas. Em uma hora e doze minutos, Bergman expõe os recantos mais remotos da alma de todos os quatro personagens. Onde situa-se o artista e sua arte? O filme remonta ao conflito irremediável entre o artista, com sua força criadora, e o público que o julga, muitas vezes sem entendê-lo. Uma sociedade fetichizada, que opera dentro da racionalidade fria da lógica mercantil é incapaz de ir além de um entendimento meramente racional, mecânico e pragmático, não percebe que o "entendimento" concernente a obra de arte é sensorial e transcende suas leis, suas regras e normas de conduta. Para “eles”, o artista é apenas uma espécie de comerciante que utiliza seu talento para vender um produto cujo fim é agradá-los e entretê-los. No filme, o interrogatório de Sebastian representou tal conflito com precisão. O sistema judiciário e as leis que ordenam a sociedade, representados na figura do juiz, sucumbem ao poder libertador da arte; por mais que façam uso de meios repressivos para censurá-la, no fim, prevalece o poder criativo e visionário do artista. Todo o sistema entra em pane
Esta é a adaptação definitiva de Os Irmãos Karamázov para o cinema. Não li, até hoje, romance melhor que este - aqui Dostoiévski beira a perfeição. É compreensível, portanto, que a tarefa de fazer um filme adaptando a obra não seja nada fácil. Não há como fazer uma adaptação perfeita desse livro - a obra é muito vasta, complexa e cheia de nuances que só a linguagem literária consegue transmitir em sua plenitude. O filme, no entanto, tem méritos consideráveis e conseguiu, na medida do possível, captar o espírito da obra. O "corte" de algumas passagens marcantes e vitais do livro - O Grande Inquisidor e os capítulos com as crianças (até hoje não vi na literatura nada mais comovente que as crianças de Dostoiévski) - poderia ser apontado como algo comprometedor no filme, mas são justamente essas passagens que fogem ao alcançe da linguagem cinematográfica, de modo que não incluí-las no filme acaba contribuindo para uma maior coesão do mesmo. O mérito maior do filme, e o que acaba sendo meu grande motivo para considerá-lo a adaptação definitiva d'Os Irmãos Karamázov, é a incrível fidelidade com que os atores interpretaram os personagens do livro. Nesse aspecto, o filme beira a perfeição, de fato.
Antonioni brinca com o espectador de maneira genial neste filme. Assim como o protagonista procura algo de extraordinário em suas fotos - um crime em andamento - o espectador é levado a procurar algo digno de nota naquilo que não passa de um dia normal na vida de Thomas. Logo no início, Bill, ao mostrar suas pinturas, afirma que ele primeiramente cria as imagens e só então ele interpreta, passa a dar sentido a elas - a forma e seu conteúdo propriamente dito. Algo análogo se dá com Thomas. E isso refltete-se no envolvimento do espectador com o filme. As três cenas fundamentais do filme - a conversa com Bill, o show de rock e a partida de tênis - jogam na cara do espectador a sua situação ao tentar entender Blow-Up. No fim, tentamos encontrar alguma história a ser contada, tentamos enxergar o desenvolvimento, o enredo num filme sem desdobramentos e sem rumo, onde o enredo não se realiza propriamente.
Anteriormente foi dito que o filme fica comprometido pelo próprio roteiro, pois supõe-se que "a guerra seria o elemento propulsor dos conflitos entre os personagens", mas que "pode ser facilmente substituída por qualquer evento". Porém, talvez não seja esse o "envolvimento" que Bergman desejasse entre a guerra, os personagens e o espectador. O afastamento e rompimento do casal protagonista não são exatamente causados pela guerra (e nem precisam ser), a guerra pode ter intensificado os conflitos pessoais, mas ela mesma não é um drama pessoal, individual e restrito - a guerra é um drama humano e, por vezes, global. A intenção do diretor, me parece, era colocar em perspectiva os absurdos e as contradições da guerra de modo cru, real, objetivo. Neste sentido, percebe-se o caos, o afastamento entre as pessoas, que são jogadas em campos e prisões e são tranferidas como coisas, peças de um jogo; a polarização entre inimigos e aliados, sem sequer considerar a possibilidade de que alguém não seja nem um, nem outro - aqui, nem as crianças escapam; e, sobretudo, a solidão típica do sentimento de insegurança, da sensação de que não há mais sequer um refúgio, um lugar onde se possa viver seguro. A guerra é indiferente aos problemas de um indivíduo ou de um casal, ela vem e muda ou intensifica tudo, sem pedir licença. Neste sentido, qual seria o impacto da guerra no casal de Ullmann e Sydow? A proximidade com a guerra, leva-os ao extremo, faz emergir, de modo mais notável, tudo o que um tinha contra o outro. Alguns poderiam supor que o envolvimento com a guerra, faria o casal se unir, numa espécie de esforço e cuidado mútuo, apazigüando seus conflitos para, unidos, lidarem com a situação. Mas não é proposta do filme contar um história de amor ou aprofundar na história do casal propriamente dito. Como já afirmei, a proposta é apresentar a guerra e seus tormentos reais de modo cru. Neste sentido, acredito que ocorra o inverso do que foi dito anteriormente - não é a guerra o elemento dispensável no roteiro. Na verdade, o próprio casal e seus problemas pessoais são os elementos dispensáveis na guerra - o sentimento que reina aqui é a indiferença.
Em alguns momentos o filme é até engraçado e rende algumas risadas, mas para mim o saldo foi negativo. Quando soube, antes de ver o filme, que se tratava de uma comédia com referências a literatura russa (basicamente Tolstoi e Dostoievski), Ingmar Bergman (Persona e O Sétimo Selo) e O Encouraçado de Potemkin, imaginava um humor inteligente, muito bem elaborado e referências mais originais a estas obras e a estes artistas. O que vi, no entanto, foi um humor muito forçado, regado a referências também forçadas e insípidas, além de brincadeiras (pseudo)filosóficas pretensiosas e vazias. O momento em que Woody chegou mais perto de conseguir algo realmente cômico e inteligente, foi o momento do duelo, onde ele satiriza o conde Pierre Bezúkhov de Guerra e Paz. Enfim, eu esperava um humor mais refinado e bem pensado, dadas as referências que a obra faz.
Assistir o filme uma vez não é suficiente. Duas, tampouco. Entretanto, acredito que já seja possível compartilhar algumas impressões. Aqui, realidade, lembranças e sonhos mesclam-se e exigem máxima atenção para o acompanhamento da obra. Através da metalinguagem, da psicanálise e de uma atmosfera onírica, Felini desenvolve o tema da criatividade e da natureza do processo de criação no cinema, oferecendo um filme com uma (des)estrutura narrativa peculiar e que acaba por ser o grande mérito da obra. Conforme o filme se desenrola diante dos olhos, não se consegue prever ou enxergar o enredo, tudo que há em cada instante é uma dúvida pelo que se segue, o que transmite a mesma sensação do protagonista em crise criativa. A coisa foi tão perfeita que o filme realmente passa a impressão de que não há exatamente uma narrativa, mas uma série de acontecimentos que se sucedem sem um planejamento, sem uma ordem, sem uma finalidade. A sensação é de estar vendo o próprio Felini criando Oito e Meio agora mesmo, naquele instante, em busca de uma ideia no meio do nada.
Vi o filme pela 3° vez e reafirma-se a convicção de que a obra se encontra não somente entre os melhores filmes já produzidos, mas entre as grandes obras de arte de todos os tempos. Eu não acreditava no cinema até descobrir Bergman e O Sétimo Selo - aqui se percebe como o cinema pode ser poderoso e marcante, assim como a música e a literatura. A metáfora que fundamenta o filme é sensacional. O homem jogando xadrez com a morte é o homem que busca conhecer o significado da vida e da morte, do mundo e do além mundo, é o homem que, em seus instantes derradeiros, deseja adiar o momento final para enfim tentar entender racionalmente o porquê de tudo e dar sentido a tudo, mas a morte é o inexorável destino e não pode ser vencida. É todo um questionamento da religiosidade, da fé e do seu alcançe para o bem estar humano - de reconfortante a fé passa a instisfação e logo produz a inquietação que impele o homem à dúvida. É o prelúdio da crise do mundo e dos valores medievais e cristãos. Diante da visão apocalíptica que a peste desencadeia, emerge e prevalece o medo da morte e seu vazio, e as crenças reconfortantes da felicidade eterna perdem espaço. O destaque é a cena da execução, arrepiante pela força com que passa, em síntese, todos os sentimentos que dão o tom do filme. Ali, naquela cena, Antonius Block depara-se com a morte de uma forma mais terrível e intensa do que quando a própria lhe aparece para levá-lo. Enfim, filme indispensável para todos que desejam saber a grandeza da qual o cinema é capaz.
Welles foi perfeito ao transformar em filme o ambiente, os labirintos e a atmosfera kafkiana contida n'O Processo. No aspecto visual, a adaptação ficou perfeita, no entanto os personagens do filme não convencem, não se nota uma identificação tão estreita com os personagens do livro; além disso, o filme limitou numa proporção desnecessária a abordagem do livro. Mesmo fazendo uso de várias metáforas, o filme não conseguiu ir além das reflexões acerca do sistema judiciário, das leis e da burocracia; sem se aprofundar muito no indíviduo em si, na opressão que ele sofre, na culpa, na consciência e na própria condição humana.
Filme realmente grandioso, repleto de cenas memoráveis e com uma trilha sonora espetacular de Dmitri Shostakovitch. Acredito que a grandeza do filme transcende o rótulo de "propaganda". Embora contenha um claro apelo ao coletivo, notável pela ausência de individualidade dos personagens, o filme retrata a repressão política bem real sob o regime czarista, que voltaria a se repetir, numa traição contra os próprios revolucionários perseguidos por Stalin.
Filme de roteiro simplório, mas muito bem feito, intenso e comovente, ditado pela belíssima atuação de Tatyana Samojilova e repleto de cenas fantásticas. Um dos grandes méritos é retratar de maneira fidedigna como a guerra repercute na vida das pessoas, destruindo bruscamente seus projetos e sonhos, e lançando-as num caminho de dúvidas para o qual não estavam preparadas.
O filme é perfeito do início ao fim. O início calmo, lento e com a repentina chegada do trem que, ao ir embora, mergulha a estação num novo silêncio carregado de suspense, tensão e expectativa pelo que se segue. E então o silêncio é novamente quebrado, dessa vez de um modo mais sutil, pela gaita de um sujeito estranho e misterioso que entoa uma melodia arrastada e ressonante. Daí o que se segue é a pura genialidade de Sergio Leone até o épico duelo final. Claudia Cardinale no ápice, Henry Fonda interpretando espetacularmente bem o papel do vil e temível Frank. Filme primoroso, sem mais.
Luz de Inverno
4.3 173Ainda não vi os outros dois filmes da trilogia do silêncio, mas após ver Luz de Inverno, não temo dizer que este é possivelmente o mais profundo e implacável de todos os três filmes. O silêncio de Deus se faz sentir de modo especialmente dramático e aflitivo no desespero de um pai de família diante da ameaça de uma guerra nuclear, na frieza e na indiferença (ou até no rancor) com que o pastor lida com o amor sofrido de Marta por ele, indiferença esta que se estende para sua desilusão com a fé e se reflete na maneira quase mecânica com que ministra a missa. Tudo isso culmina naquilo que Algot afirma sobre a dor de Cristo em seu martírio. A ênfase na dor física de Cristo o faz parecer uma figura patética e mergulha toda a fé cristã numa pieguice sem sentido. O real sofrimento de Cristo, o seu verdadeiro martírio foi a solidão do abandono de Seu Pai, enfim a verdadeira dor consiste no desolador silêncio de Deus, o mesmo que aflige os personagens.
Matar ou Morrer
4.1 205 Assista AgoraCombinação interessante de faroeste e suspense. Tudo sob medida, na dosagem certa, sem heroísmo exacerbado e coragem inabalável. O filme consegue transmitir toda a tensão de Will Kane durante 80 minutos. A música também merece destaque, assim como Grace Kelly (claro) em sua primeira atuação mais expressiva.
O Rito
4.0 46Embate sufocante entre um juiz e três artistas. Em uma hora e doze minutos, Bergman expõe os recantos mais remotos da alma de todos os quatro personagens. Onde situa-se o artista e sua arte? O filme remonta ao conflito irremediável entre o artista, com sua força criadora, e o público que o julga, muitas vezes sem entendê-lo. Uma sociedade fetichizada, que opera dentro da racionalidade fria da lógica mercantil é incapaz de ir além de um entendimento meramente racional, mecânico e pragmático, não percebe que o "entendimento" concernente a obra de arte é sensorial e transcende suas leis, suas regras e normas de conduta. Para “eles”, o artista é apenas uma espécie de comerciante que utiliza seu talento para vender um produto cujo fim é agradá-los e entretê-los. No filme, o interrogatório de Sebastian representou tal conflito com precisão. O sistema judiciário e as leis que ordenam a sociedade, representados na figura do juiz, sucumbem ao poder libertador da arte; por mais que façam uso de meios repressivos para censurá-la, no fim, prevalece o poder criativo e visionário do artista. Todo o sistema entra em pane
e o juiz - firme em suas razões e conceitos mumificados, mas de coração frágil, não suporta toda aquela carga sensível - e morre de ataque cardíaco.
Os Irmãos Karamázov
4.0 9Esta é a adaptação definitiva de Os Irmãos Karamázov para o cinema. Não li, até hoje, romance melhor que este - aqui Dostoiévski beira a perfeição. É compreensível, portanto, que a tarefa de fazer um filme adaptando a obra não seja nada fácil. Não há como fazer uma adaptação perfeita desse livro - a obra é muito vasta, complexa e cheia de nuances que só a linguagem literária consegue transmitir em sua plenitude. O filme, no entanto, tem méritos consideráveis e conseguiu, na medida do possível, captar o espírito da obra. O "corte" de algumas passagens marcantes e vitais do livro - O Grande Inquisidor e os capítulos com as crianças (até hoje não vi na literatura nada mais comovente que as crianças de Dostoiévski) - poderia ser apontado como algo comprometedor no filme, mas são justamente essas passagens que fogem ao alcançe da linguagem cinematográfica, de modo que não incluí-las no filme acaba contribuindo para uma maior coesão do mesmo. O mérito maior do filme, e o que acaba sendo meu grande motivo para considerá-lo a adaptação definitiva d'Os Irmãos Karamázov, é a incrível fidelidade com que os atores interpretaram os personagens do livro. Nesse aspecto, o filme beira a perfeição, de fato.
Blow-Up: Depois Daquele Beijo
3.9 370 Assista AgoraAntonioni brinca com o espectador de maneira genial neste filme. Assim como o protagonista procura algo de extraordinário em suas fotos - um crime em andamento - o espectador é levado a procurar algo digno de nota naquilo que não passa de um dia normal na vida de Thomas. Logo no início, Bill, ao mostrar suas pinturas, afirma que ele primeiramente cria as imagens e só então ele interpreta, passa a dar sentido a elas - a forma e seu conteúdo propriamente dito. Algo análogo se dá com Thomas. E isso refltete-se no envolvimento do espectador com o filme. As três cenas fundamentais do filme - a conversa com Bill, o show de rock e a partida de tênis - jogam na cara do espectador a sua situação ao tentar entender Blow-Up. No fim, tentamos encontrar alguma história a ser contada, tentamos enxergar o desenvolvimento, o enredo num filme sem desdobramentos e sem rumo, onde o enredo não se realiza propriamente.
Vergonha
4.3 118Anteriormente foi dito que o filme fica comprometido pelo próprio roteiro, pois supõe-se que "a guerra seria o elemento propulsor dos conflitos entre os personagens", mas que "pode ser facilmente substituída por qualquer evento". Porém, talvez não seja esse o "envolvimento" que Bergman desejasse entre a guerra, os personagens e o espectador. O afastamento e rompimento do casal protagonista não são exatamente causados pela guerra (e nem precisam ser), a guerra pode ter intensificado os conflitos pessoais, mas ela mesma não é um drama pessoal, individual e restrito - a guerra é um drama humano e, por vezes, global. A intenção do diretor, me parece, era colocar em perspectiva os absurdos e as contradições da guerra de modo cru, real, objetivo. Neste sentido, percebe-se o caos, o afastamento entre as pessoas, que são jogadas em campos e prisões e são tranferidas como coisas, peças de um jogo; a polarização entre inimigos e aliados, sem sequer considerar a possibilidade de que alguém não seja nem um, nem outro - aqui, nem as crianças escapam; e, sobretudo, a solidão típica do sentimento de insegurança, da sensação de que não há mais sequer um refúgio, um lugar onde se possa viver seguro. A guerra é indiferente aos problemas de um indivíduo ou de um casal, ela vem e muda ou intensifica tudo, sem pedir licença. Neste sentido, qual seria o impacto da guerra no casal de Ullmann e Sydow? A proximidade com a guerra, leva-os ao extremo, faz emergir, de modo mais notável, tudo o que um tinha contra o outro. Alguns poderiam supor que o envolvimento com a guerra, faria o casal se unir, numa espécie de esforço e cuidado mútuo, apazigüando seus conflitos para, unidos, lidarem com a situação. Mas não é proposta do filme contar um história de amor ou aprofundar na história do casal propriamente dito. Como já afirmei, a proposta é apresentar a guerra e seus tormentos reais de modo cru. Neste sentido, acredito que ocorra o inverso do que foi dito anteriormente - não é a guerra o elemento dispensável no roteiro. Na verdade, o próprio casal e seus problemas pessoais são os elementos dispensáveis na guerra - o sentimento que reina aqui é a indiferença.
A Última Noite de Boris Grushenko
4.0 218 Assista AgoraEm alguns momentos o filme é até engraçado e rende algumas risadas, mas para mim o saldo foi negativo. Quando soube, antes de ver o filme, que se tratava de uma comédia com referências a literatura russa (basicamente Tolstoi e Dostoievski), Ingmar Bergman (Persona e O Sétimo Selo) e O Encouraçado de Potemkin, imaginava um humor inteligente, muito bem elaborado e referências mais originais a estas obras e a estes artistas. O que vi, no entanto, foi um humor muito forçado, regado a referências também forçadas e insípidas, além de brincadeiras (pseudo)filosóficas pretensiosas e vazias. O momento em que Woody chegou mais perto de conseguir algo realmente cômico e inteligente, foi o momento do duelo, onde ele satiriza o conde Pierre Bezúkhov de Guerra e Paz. Enfim, eu esperava um humor mais refinado e bem pensado, dadas as referências que a obra faz.
8½
4.3 409 Assista AgoraAssistir o filme uma vez não é suficiente. Duas, tampouco. Entretanto, acredito que já seja possível compartilhar algumas impressões. Aqui, realidade, lembranças e sonhos mesclam-se e exigem máxima atenção para o acompanhamento da obra. Através da metalinguagem, da psicanálise e de uma atmosfera onírica, Felini desenvolve o tema da criatividade e da natureza do processo de criação no cinema, oferecendo um filme com uma (des)estrutura narrativa peculiar e que acaba por ser o grande mérito da obra. Conforme o filme se desenrola diante dos olhos, não se consegue prever ou enxergar o enredo, tudo que há em cada instante é uma dúvida pelo que se segue, o que transmite a mesma sensação do protagonista em crise criativa. A coisa foi tão perfeita que o filme realmente passa a impressão de que não há exatamente uma narrativa, mas uma série de acontecimentos que se sucedem sem um planejamento, sem uma ordem, sem uma finalidade. A sensação é de estar vendo o próprio Felini criando Oito e Meio agora mesmo, naquele instante, em busca de uma ideia no meio do nada.
O Sétimo Selo
4.4 1,0KVi o filme pela 3° vez e reafirma-se a convicção de que a obra se encontra não somente entre os melhores filmes já produzidos, mas entre as grandes obras de arte de todos os tempos. Eu não acreditava no cinema até descobrir Bergman e O Sétimo Selo - aqui se percebe como o cinema pode ser poderoso e marcante, assim como a música e a literatura. A metáfora que fundamenta o filme é sensacional. O homem jogando xadrez com a morte é o homem que busca conhecer o significado da vida e da morte, do mundo e do além mundo, é o homem que, em seus instantes derradeiros, deseja adiar o momento final para enfim tentar entender racionalmente o porquê de tudo e dar sentido a tudo, mas a morte é o inexorável destino e não pode ser vencida. É todo um questionamento da religiosidade, da fé e do seu alcançe para o bem estar humano - de reconfortante a fé passa a instisfação e logo produz a inquietação que impele o homem à dúvida. É o prelúdio da crise do mundo e dos valores medievais e cristãos. Diante da visão apocalíptica que a peste desencadeia, emerge e prevalece o medo da morte e seu vazio, e as crenças reconfortantes da felicidade eterna perdem espaço. O destaque é a cena da execução, arrepiante pela força com que passa, em síntese, todos os sentimentos que dão o tom do filme. Ali, naquela cena, Antonius Block depara-se com a morte de uma forma mais terrível e intensa do que quando a própria lhe aparece para levá-lo. Enfim, filme indispensável para todos que desejam saber a grandeza da qual o cinema é capaz.
O Processo
4.0 128 Assista AgoraWelles foi perfeito ao transformar em filme o ambiente, os labirintos e a atmosfera kafkiana contida n'O Processo. No aspecto visual, a adaptação ficou perfeita, no entanto os personagens do filme não convencem, não se nota uma identificação tão estreita com os personagens do livro; além disso, o filme limitou numa proporção desnecessária a abordagem do livro. Mesmo fazendo uso de várias metáforas, o filme não conseguiu ir além das reflexões acerca do sistema judiciário, das leis e da burocracia; sem se aprofundar muito no indíviduo em si, na opressão que ele sofre, na culpa, na consciência e na própria condição humana.
O Encouraçado Potemkin
4.2 343 Assista AgoraFilme realmente grandioso, repleto de cenas memoráveis e com uma trilha sonora espetacular de Dmitri Shostakovitch. Acredito que a grandeza do filme transcende o rótulo de "propaganda". Embora contenha um claro apelo ao coletivo, notável pela ausência de individualidade dos personagens, o filme retrata a repressão política bem real sob o regime czarista, que voltaria a se repetir, numa traição contra os próprios revolucionários perseguidos por Stalin.
Quando Voam as Cegonhas
4.3 72Filme de roteiro simplório, mas muito bem feito, intenso e comovente, ditado pela belíssima atuação de Tatyana Samojilova e repleto de cenas fantásticas. Um dos grandes méritos é retratar de maneira fidedigna como a guerra repercute na vida das pessoas, destruindo bruscamente seus projetos e sonhos, e lançando-as num caminho de dúvidas para o qual não estavam preparadas.
Era uma Vez no Oeste
4.4 730 Assista AgoraO filme é perfeito do início ao fim. O início calmo, lento e com a repentina chegada do trem que, ao ir embora, mergulha a estação num novo silêncio carregado de suspense, tensão e expectativa pelo que se segue. E então o silêncio é novamente quebrado, dessa vez de um modo mais sutil, pela gaita de um sujeito estranho e misterioso que entoa uma melodia arrastada e ressonante. Daí o que se segue é a pura genialidade de Sergio Leone até o épico duelo final. Claudia Cardinale no ápice, Henry Fonda interpretando espetacularmente bem o papel do vil e temível Frank. Filme primoroso, sem mais.