Toni Erdmann me proporcionou uma experiência "mágica" de cinema: sala lotada e plateia reagindo com intensidade às cenas, chegando a aplaudir uma delas. Desde quando surgem os primeiros diálogos que nos introduzem ao protagonista e ao tipo de humor que virá pela frente, ficou bastante claro para mim que eu estava diante de um filme com um roteiro especial. São muitas piadas boas e sacadas criativas amarrando uma história bastante simples no fim das contas.
História simples e um pouco triste também. É que senti algo de trágico que talvez outras pessoas não tenham sentido. Na verdade, não acho que o filme se queira apenas como um alívio cômico para o espectador. Apesar de ter rido muito, saí do cinema melancólico e reflexivo. Isso porque através daquela relação entre pai e filha, somos guiados por temas bastante universais, tais como: a consciência da morte e como viver e dar sentido à própria vida munidos dessa consciência; o modo de vida que somos condicionados a adotar dentro das lógicas do capitalismo; a crescente sensação de desconexão em relação às outras pessoas, sejam elas familiares ou estranhas, e como isso nos desumaniza mais e mais. Toni Erdmann passa longe de qualquer pieguice ou panfletagem sobre esses assuntos, mas acaba pincelando-os de forma orgânica dentro de sua narrativa. É uma comédia com alma: diverte e afeta.
Sobre a duração do filme e comentários do tipo "longo demais", "arrastado" e afins, sempre tendo a achar isso uma não-questão, ou uma questão menor. O filme leva o tempo que a diretora achou necessário para contar sua história, que adorei. E pronto.
Sobre Oscar, não entendo que Toni Erdmann se encaixe bem no rol de obras premiadas pela Academia nessa categoria, mas seria ótimo vê-lo ao menos indicado. A indicação acho bem provável. E tomara que role indicação junto de Elle, que é outro filme que tampouco se encaixa nesse rol. Quem sabe o Oscar não surpreende?
Penso que o filme representa a história do ser humano entrelaçada a uma breve história do capitalismo, tratando dos limites da vida nesse sistema. Mas não só: fala sobre o tempo e a experiência de tempo regidos por essa lógica. E o choque que há quando infância, idade adulta e velhice se visitam enquanto fases da vida que vai sendo cerceada. Lembrei de uma fala do Antonio Candido que parece ecoar na beleza do filme: "Temos que entender que tempo não é dinheiro. Essa é uma brutalidade que o capitalismo faz como se o capitalismo fosse o senhor do tempo. Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida."
Aquilo que inicialmente parece um simples toque sobre um ombro, ao final, após bisbilhotarmos a narrativa daquela relação, revela carregar o peso de uma despedida angustiada e de uma derradeira declaração de amor. Depois disso, a reconciliação apaixonada ocorre com os olhos. Filme lindo e contido, sempre dizendo muito com tão pouco.
Esse texto aqui é muito esclarecedor sobre o tanto de problemas que o filme apresenta: blogs.indiewire. com/bent/ regressive-reductive-and-harmful-a-trans-womans-take-on-tom-hoopers-the-danish-girl-20151203
Pois eu valorizo a produção desses filmes simples, "feijão com arroz", focados em contar histórias singelas e não em revolucionar a linguagem de cinema. Não se ater a grandes invenções, reviravoltas ou momentos espetaculares pode ser uma virtude numa narrativa. Em Brooklyn, deparamos com a vida de uma pessoa fluindo, seus desejos, escolhas e questionamentos, e como isso não apenas constrói aquele ser humano, mas se conecta ao desenvolvimento de um bairro/cidade/país. E pronto. Por que isso não pode ser suficiente?
Reparei que várias vezes os enquadramentos mostram a Eilis mais alta que o moço italiano. Vi nessa imagem uma forma de reforçar que de algum modo ela estaria "acima" dele - alguém sem estudo, cujo trabalho é braçal etc. Considerando que depois ela abre mão de um bom partido (inclusive da mesma etnia que ela), fiquei achando a personagem mais bonita ainda.
QUE CENA quando Kate decide tocar ao piano uma música doce e leve, seguindo o indicado pela partitura (um script), como que tentando assimilar para ela mesma aquele estado. Até que então desiste de seguir aquele roteiro e se entrega ao que está de fato sentindo, vertendo, de cabeça, a pesada melodia que está dentro dela mesma.
Interessante que o filme invade clichês do cinema teen estadunidense, apropria-se deles e muitas vezes os envelhece melancolicamente, o que é uma escolha arriscada, um caminho mais difícil para a crítica ali implicada, mas que pra mim se mostrou eficaz. Sim, trata-se de uma comédia de humor negro etc. que pode ser facilmente descartada, mas algo nela me chamou muito a atenção (resolvi escrever quase duas semanas depois de assistir). O que o filme tem de entretenimento, tem de estranho, agônico. Fiquei intrigado e pensativo, principalmente com o final, além de impressionado com o poder de as cenas me causarem um constrangimento agudo (ponto para a Charlize Theron!). E pensar que gente como a Mavis pode servir de modelo se notarmos os programas de TV que pipocam durante o filme...
A vida de Mavis não passa de uma farsa, de uma completa alienação sobre si mesma, já que ela de fato recria tudo a sua volta de maneira a se convencer sobre a sua realização como indivíduo. O mais assustador e angustiante é como a possibilidade de choque/transformação que ela vivencia se converte em mais uma forma de reforço para a sua personalidade capenga. Desestruturada, ela chega a constatar “eu preciso mudar”, mas em seguida se reorganiza e torna a ser a mesma de sempre. Ela começa e termina o filme da mesma maneira, inclusive com a mesma roupa, o que assinala a sua impossibilidade de mudança.
A verdade é que a personagem de culpada tem pouco, pois ela é mais um produto do esvaziamento que a modernidade propicia aos indivíduos. Isso é nítido quando ela pergunta qual a expressão facial de alguém que não sente nada. Por sinal, essa passagem é excelente e o filme está repleto de outras “cenas rápidas que dizem muito”, passando quase despercebidas, ao passo que cenas mais longas parecem dizer absolutamente nada... Seria isso uma forma de acentuar o quanto estamos perdidos, presos à superfície e cegos diante daquilo que realmente importa? A direção parece não querer sublinhar nada, e sim sugerir. Nossa capacidade de reflexão não é subestimada, embora o filme possa soar como uma simples e boba comédia para uma parcela do público – o que configura uma complexa e talvez necessária ambiguidade estrutural para o espectador de hoje.
No espetáculo em que vivemos, as possibilidades de mudança no ser humano degradam-se e limitam-se ao leque de bens de consumo dispostos numa prateleira, como os zilhões de esmaltes tão bem destacados em uma cena. Tudo já está dado e é só escolher e comprar o que você quer ser: as transformações em Mavis são sempre no plano da aparência, jamais se dando em sua psique. Isto é, a mudança não se cumpre de fato. Nesse falso mundo, o livro que Mavis escreve (mas do qual não tem necessariamente o status de autora) costura-se com sua própria realidade, só que de maneira a negá-la em todo seu vazio e insignificância. A narrativa do livro torna-se o delírio de sua autoimagem. Prova disso é que ao final ela vê o “real” pisado que se impõe diante dela, porém mais uma vez o distorce para torná-lo suportável e, pior, promissor. Mesmo destroçada, sua atitude é a de se estabilizar pela ilusão de que o fracasso são os outros e de que ela é especial, não tem problemas e muito menos precisa agir sobre eles e modificar-se como ser humano. E aí surge uma última ambiguidade: podemos de imediato rejeitar Mavis e achá-la um monstro que nada tem a ver conosco ou, então, podemos observá-la e enxergar o quanto dela carregamos em nós mesmos e em nosso mundo de aparências, apatia e ruínas.
Que engraçado gostar de um filme sobre um músico country decadente. Deve ser aquilo que dizem quando uma obra atinge o caráter "universal": não tem nada a ver comigo, não me interesso pelo tipo de música abordado, mas a história em si me atinge e me comove, é humana. Não esperava nada e fui arrebatado em um crescente: fui me envolvendo à medida que o filme avançava - da indiferença à expectativa. O argumento é todo bem simples, até batido, mas o roteiro o desenvolve tão bem e sobriamente, com um desfecho que não se rende ao chafariz de ilusões a que estamos habituados, que fiquei surpreso. Dispensando comentários sobre o excelente elenco (Maggie Gyllenhaal, faça mais filmes bons, per favore!), gostei bastante da fotografia e da direção de arte tendo de fato uma função no filme ao darem o tom dark/sufocante referente à vida do protagonista.
Mais um filme edificante para brancos. Essa linha tá em alta, hein? Vide o recente vexame "The help". Vi mais pela curiosidade com a Sandra Bullock (completamente ok, por sinal), pois já esperava por uma bombinha no pior estilo Sessão da Tarde.
Sinto uma forte agonia quando um filme descaradamente quer me manipular e esse daí faz isso da forma mais bobinha possível. Sutileza é algo que morreu diante de um festival de maniqueísmos simplistas, personagens unidimensionais e cenas artificialmente apelativas. Tudo isso sem deixar de recorrer, claro, àquela típica ladainha do branco generoso e salvador do negro, esta criatura incapaz de ser agente de sua própria história. Uma pena subaproveitarem atrizes tão boas numa forma há muito batida de se tratar do tema da segregação racial e suas implicações. E ainda vão enterrar essa coisa com prêmios. :(
É um drama adolescente que vai além do drama adolescente. Existe uma lógica que cerceia a vida de Mia e dos outros pertencentes àquele ambiente representado (alguma periferia inglesa, certo?) e que torna as pessoas quase que criaturas animalizadas, violentas, revoltadas umas com as outras de forma aparentemente gratuita. O personagem de classe mais alta surge como um mistério que se revela aos poucos, e que trata de catar o peixe com as próprias mãos, mas não para comê-lo e sim para deixá-lo apodrecer. "Os peixes são estúpidos, dá pra pegar fácil". É aí que se entende que aquelas pessoas, naqueles "cortiços" (aquários?), funcionam como animaizinhos num zoológico, algo exótico e nada mais além disso, sem perspectivas de ultrapassar o que é sua própria prisão. Há uma série de planos que trabalham por reforçar esse aspecto, inclusive os enquadramentos de caráter quase claustrofóbico. Achei muito bem feitas as conexões entre "cubos que aprisionam": a televisão, o hamster na gaiola, a Mia naquele apartamento azul em que dança, os próprios apartamentos.. a casa que não é assim é o lugar por onde se entra pelos fundos, por invasão, e onde se mija no chão como um bicho. Dentro dessa estrutura, os sonhos são rebaixados, a liberdade da égua é impossível e o lugar da pirralhinha não é a água; a cena do balão é "otimamente desoladora".
"Nunca me custou estar só. Pelo contrário, sentia grande necessidade de solidão. Sempre, desde pequeno gostava de estar só, brincar só, andar por aí sem companhia. A solidão nunca foi um problema para mim. Mas depois tive esses vinte e quatro anos excepcionais com Ingrid, em que experimentei algo extraordinário: uma profunda relação. Que não se poderá recriar. Assim voltei à minha solidão. Mas a isso agora devo juntar um profundo sentido de perda. Porque o trago comigo todos os dias. Apesar de que a minha necessidade de companhia... não mudou de maneira alguma, continua a ser inexistente."
Acho que a questão que o Thiago levanta é quase o cerne do filme, eu só mudaria para "o que fazer quando ninguém acredita que estamos tentando mudar?", já que a personagem se encontra ainda nesse processo. É muito difícil vencer a desconfiança e convencer as pessoas a sua volta de que você quer ser alguém melhor quando já houve um julgamento categoricamente negativo. Interessante como a Sherry recorre às drogas justamente ao não se sentir acolhida e perceber que os receios do irmão e da cunhada foram depositados na filha pequena. Até então ela estava limpa, mas não dá conta desse fato e se droga. Um viciado precisa tanto de apoio familiar, tanto, mas que pessoa tem preparo para sustentar alguém, no sentido mais pesado da palavra? Gostei do filme e da Maggie Gyllenhaal e entendi que a mistura de cenas "vulgares" (nudez, sexo e drogas) com as de apelo maternal (trabalho com crianças e tentativa da personagem se aproximar da filha) captam a contradição do processo de mudança que ela enfrenta.
Leon Hirszman é foda, você percebe como cada detalhe é minimamente planejado e serve à narrativa. Com um texto do Graciliano Ramos e tratando-se de o protagonista estar escrevendo a história a que assistimos, considero a narração em off mais do que justificada, quase uma necessidade. O triste é estarmos todos muito mais para Paulo Honório do que para Madalena: onde o desumano reina, o humano morre de desgosto.
Só não gostei muito do ator que faz o Fabiano. Mas ficou muito bom mesmo o filme. Algumas passagens do livro até se engrandecem, como sinhá Vitória com dificuldade pra falar sobre o inferno enquanto há labareda e vapor logo atrás dela: aquela única imagem já fala por ela. E a tentativa frustrada de eles usarem sapatos ficou muito bem realizada na
A boa fotografia em preto e branco funciona muito bem e só enriquece a idéia de secura. A questão dos diálogos parcos se preservou, ficando muito expressiva a cena em que Vitória e Fabiano, após mal falarem durante boa parte do filme, põem-se em disparo simultâneo "monologando em dupla". Sem mencionar como as partes afetivas se devem exclusivamente à cachorra. Enfim, ótima adaptação.
Me senti mal ao ver o filme, não pela triste vida de sua protagonista, mas por tudo ser tão malfeito, descompassado e apelativo que não consegui me sensibilizar com nada. O que deveria ser um drama é transformado numa caricatura tosca e descartável.
As Faces de Toni Erdmann
3.8 257 Assista AgoraToni Erdmann me proporcionou uma experiência "mágica" de cinema: sala lotada e plateia reagindo com intensidade às cenas, chegando a aplaudir uma delas. Desde quando surgem os primeiros diálogos que nos introduzem ao protagonista e ao tipo de humor que virá pela frente, ficou bastante claro para mim que eu estava diante de um filme com um roteiro especial. São muitas piadas boas e sacadas criativas amarrando uma história bastante simples no fim das contas.
História simples e um pouco triste também. É que senti algo de trágico que talvez outras pessoas não tenham sentido. Na verdade, não acho que o filme se queira apenas como um alívio cômico para o espectador. Apesar de ter rido muito, saí do cinema melancólico e reflexivo. Isso porque através daquela relação entre pai e filha, somos guiados por temas bastante universais, tais como: a consciência da morte e como viver e dar sentido à própria vida munidos dessa consciência; o modo de vida que somos condicionados a adotar dentro das lógicas do capitalismo; a crescente sensação de desconexão em relação às outras pessoas, sejam elas familiares ou estranhas, e como isso nos desumaniza mais e mais. Toni Erdmann passa longe de qualquer pieguice ou panfletagem sobre esses assuntos, mas acaba pincelando-os de forma orgânica dentro de sua narrativa. É uma comédia com alma: diverte e afeta.
Sobre a duração do filme e comentários do tipo "longo demais", "arrastado" e afins, sempre tendo a achar isso uma não-questão, ou uma questão menor. O filme leva o tempo que a diretora achou necessário para contar sua história, que adorei. E pronto.
Sobre Oscar, não entendo que Toni Erdmann se encaixe bem no rol de obras premiadas pela Academia nessa categoria, mas seria ótimo vê-lo ao menos indicado. A indicação acho bem provável. E tomara que role indicação junto de Elle, que é outro filme que tampouco se encaixa nesse rol. Quem sabe o Oscar não surpreende?
O Menino e o Mundo
4.3 735 Assista AgoraPenso que o filme representa a história do ser humano entrelaçada a uma breve história do capitalismo, tratando dos limites da vida nesse sistema. Mas não só: fala sobre o tempo e a experiência de tempo regidos por essa lógica. E o choque que há quando infância, idade adulta e velhice se visitam enquanto fases da vida que vai sendo cerceada. Lembrei de uma fala do Antonio Candido que parece ecoar na beleza do filme: "Temos que entender que tempo não é dinheiro. Essa é uma brutalidade que o capitalismo faz como se o capitalismo fosse o senhor do tempo. Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida."
Carol
3.9 1,5K Assista AgoraAquilo que inicialmente parece um simples toque sobre um ombro, ao final, após bisbilhotarmos a narrativa daquela relação, revela carregar o peso de uma despedida angustiada e de uma derradeira declaração de amor. Depois disso, a reconciliação apaixonada ocorre com os olhos. Filme lindo e contido, sempre dizendo muito com tão pouco.
A Garota Dinamarquesa
4.0 2,2K Assista AgoraEsse texto aqui é muito esclarecedor sobre o tanto de problemas que o filme apresenta: blogs.indiewire. com/bent/ regressive-reductive-and-harmful-a-trans-womans-take-on-tom-hoopers-the-danish-girl-20151203
Brooklin
3.8 1,1KPois eu valorizo a produção desses filmes simples, "feijão com arroz", focados em contar histórias singelas e não em revolucionar a linguagem de cinema. Não se ater a grandes invenções, reviravoltas ou momentos espetaculares pode ser uma virtude numa narrativa. Em Brooklyn, deparamos com a vida de uma pessoa fluindo, seus desejos, escolhas e questionamentos, e como isso não apenas constrói aquele ser humano, mas se conecta ao desenvolvimento de um bairro/cidade/país. E pronto. Por que isso não pode ser suficiente?
Reparei que várias vezes os enquadramentos mostram a Eilis mais alta que o moço italiano. Vi nessa imagem uma forma de reforçar que de algum modo ela estaria "acima" dele - alguém sem estudo, cujo trabalho é braçal etc. Considerando que depois ela abre mão de um bom partido (inclusive da mesma etnia que ela), fiquei achando a personagem mais bonita ainda.
45 Anos
3.7 254 Assista AgoraQUE CENA quando Kate decide tocar ao piano uma música doce e leve, seguindo o indicado pela partitura (um script), como que tentando assimilar para ela mesma aquele estado. Até que então desiste de seguir aquele roteiro e se entrega ao que está de fato sentindo, vertendo, de cabeça, a pesada melodia que está dentro dela mesma.
Pleasantville: A Vida em Preto e Branco
4.1 382 Assista AgoraFiona Apple <3
Adeus, Primeiro Amor
3.3 191Achei o casal enjoado, mas gostei do filme e a cena final foi das mais bonitas que vejo em um tempo.
Jovens Adultos
3.0 874 Assista AgoraInteressante que o filme invade clichês do cinema teen estadunidense, apropria-se deles e muitas vezes os envelhece melancolicamente, o que é uma escolha arriscada, um caminho mais difícil para a crítica ali implicada, mas que pra mim se mostrou eficaz. Sim, trata-se de uma comédia de humor negro etc. que pode ser facilmente descartada, mas algo nela me chamou muito a atenção (resolvi escrever quase duas semanas depois de assistir). O que o filme tem de entretenimento, tem de estranho, agônico. Fiquei intrigado e pensativo, principalmente com o final, além de impressionado com o poder de as cenas me causarem um constrangimento agudo (ponto para a Charlize Theron!). E pensar que gente como a Mavis pode servir de modelo se notarmos os programas de TV que pipocam durante o filme...
A vida de Mavis não passa de uma farsa, de uma completa alienação sobre si mesma, já que ela de fato recria tudo a sua volta de maneira a se convencer sobre a sua realização como indivíduo. O mais assustador e angustiante é como a possibilidade de choque/transformação que ela vivencia se converte em mais uma forma de reforço para a sua personalidade capenga. Desestruturada, ela chega a constatar “eu preciso mudar”, mas em seguida se reorganiza e torna a ser a mesma de sempre. Ela começa e termina o filme da mesma maneira, inclusive com a mesma roupa, o que assinala a sua impossibilidade de mudança.
A verdade é que a personagem de culpada tem pouco, pois ela é mais um produto do esvaziamento que a modernidade propicia aos indivíduos. Isso é nítido quando ela pergunta qual a expressão facial de alguém que não sente nada. Por sinal, essa passagem é excelente e o filme está repleto de outras “cenas rápidas que dizem muito”, passando quase despercebidas, ao passo que cenas mais longas parecem dizer absolutamente nada... Seria isso uma forma de acentuar o quanto estamos perdidos, presos à superfície e cegos diante daquilo que realmente importa? A direção parece não querer sublinhar nada, e sim sugerir. Nossa capacidade de reflexão não é subestimada, embora o filme possa soar como uma simples e boba comédia para uma parcela do público – o que configura uma complexa e talvez necessária ambiguidade estrutural para o espectador de hoje.
No espetáculo em que vivemos, as possibilidades de mudança no ser humano degradam-se e limitam-se ao leque de bens de consumo dispostos numa prateleira, como os zilhões de esmaltes tão bem destacados em uma cena. Tudo já está dado e é só escolher e comprar o que você quer ser: as transformações em Mavis são sempre no plano da aparência, jamais se dando em sua psique. Isto é, a mudança não se cumpre de fato. Nesse falso mundo, o livro que Mavis escreve (mas do qual não tem necessariamente o status de autora) costura-se com sua própria realidade, só que de maneira a negá-la em todo seu vazio e insignificância. A narrativa do livro torna-se o delírio de sua autoimagem. Prova disso é que ao final ela vê o “real” pisado que se impõe diante dela, porém mais uma vez o distorce para torná-lo suportável e, pior, promissor. Mesmo destroçada, sua atitude é a de se estabilizar pela ilusão de que o fracasso são os outros e de que ela é especial, não tem problemas e muito menos precisa agir sobre eles e modificar-se como ser humano. E aí surge uma última ambiguidade: podemos de imediato rejeitar Mavis e achá-la um monstro que nada tem a ver conosco ou, então, podemos observá-la e enxergar o quanto dela carregamos em nós mesmos e em nosso mundo de aparências, apatia e ruínas.
Coração Louco
3.7 544 Assista AgoraQue engraçado gostar de um filme sobre um músico country decadente. Deve ser aquilo que dizem quando uma obra atinge o caráter "universal": não tem nada a ver comigo, não me interesso pelo tipo de música abordado, mas a história em si me atinge e me comove, é humana. Não esperava nada e fui arrebatado em um crescente: fui me envolvendo à medida que o filme avançava - da indiferença à expectativa. O argumento é todo bem simples, até batido, mas o roteiro o desenvolve tão bem e sobriamente, com um desfecho que não se rende ao chafariz de ilusões a que estamos habituados, que fiquei surpreso. Dispensando comentários sobre o excelente elenco (Maggie Gyllenhaal, faça mais filmes bons, per favore!), gostei bastante da fotografia e da direção de arte tendo de fato uma função no filme ao darem o tom dark/sufocante referente à vida do protagonista.
Um Sonho Possível
4.0 2,4K Assista AgoraMais um filme edificante para brancos. Essa linha tá em alta, hein? Vide o recente vexame "The help". Vi mais pela curiosidade com a Sandra Bullock (completamente ok, por sinal), pois já esperava por uma bombinha no pior estilo Sessão da Tarde.
Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres
4.2 3,1K Assista AgoraCena de tortura tocando Enya! Taí uma coisa que eu nunca teria imaginado (muito talvez porque eu goste dela).
Histórias Cruzadas
4.4 3,8K Assista AgoraSinto uma forte agonia quando um filme descaradamente quer me manipular e esse daí faz isso da forma mais bobinha possível. Sutileza é algo que morreu diante de um festival de maniqueísmos simplistas, personagens unidimensionais e cenas artificialmente apelativas. Tudo isso sem deixar de recorrer, claro, àquela típica ladainha do branco generoso e salvador do negro, esta criatura incapaz de ser agente de sua própria história. Uma pena subaproveitarem atrizes tão boas numa forma há muito batida de se tratar do tema da segregação racial e suas implicações. E ainda vão enterrar essa coisa com prêmios. :(
Aquário
3.6 163É um drama adolescente que vai além do drama adolescente. Existe uma lógica que cerceia a vida de Mia e dos outros pertencentes àquele ambiente representado (alguma periferia inglesa, certo?) e que torna as pessoas quase que criaturas animalizadas, violentas, revoltadas umas com as outras de forma aparentemente gratuita. O personagem de classe mais alta surge como um mistério que se revela aos poucos, e que trata de catar o peixe com as próprias mãos, mas não para comê-lo e sim para deixá-lo apodrecer. "Os peixes são estúpidos, dá pra pegar fácil". É aí que se entende que aquelas pessoas, naqueles "cortiços" (aquários?), funcionam como animaizinhos num zoológico, algo exótico e nada mais além disso, sem perspectivas de ultrapassar o que é sua própria prisão. Há uma série de planos que trabalham por reforçar esse aspecto, inclusive os enquadramentos de caráter quase claustrofóbico. Achei muito bem feitas as conexões entre "cubos que aprisionam": a televisão, o hamster na gaiola, a Mia naquele apartamento azul em que dança, os próprios apartamentos.. a casa que não é assim é o lugar por onde se entra pelos fundos, por invasão, e onde se mija no chão como um bicho. Dentro dessa estrutura, os sonhos são rebaixados, a liberdade da égua é impossível e o lugar da pirralhinha não é a água; a cena do balão é "otimamente desoladora".
Ingmar Bergman: Reflections on Life, Death, and Love
4.1 5"Nunca me custou estar só. Pelo contrário, sentia grande necessidade de solidão. Sempre, desde pequeno gostava de estar só, brincar só, andar por aí sem companhia. A solidão nunca foi um problema para mim. Mas depois tive esses vinte e quatro anos excepcionais com Ingrid, em que experimentei algo extraordinário: uma profunda relação. Que não se poderá recriar. Assim voltei à minha solidão. Mas a isso agora devo juntar um profundo sentido de perda. Porque o trago comigo todos os dias. Apesar de que a minha necessidade de companhia... não mudou de maneira alguma, continua a ser inexistente."
SherryBaby
3.4 20Acho que a questão que o Thiago levanta é quase o cerne do filme, eu só mudaria para "o que fazer quando ninguém acredita que estamos tentando mudar?", já que a personagem se encontra ainda nesse processo. É muito difícil vencer a desconfiança e convencer as pessoas a sua volta de que você quer ser alguém melhor quando já houve um julgamento categoricamente negativo. Interessante como a Sherry recorre às drogas justamente ao não se sentir acolhida e perceber que os receios do irmão e da cunhada foram depositados na filha pequena. Até então ela estava limpa, mas não dá conta desse fato e se droga. Um viciado precisa tanto de apoio familiar, tanto, mas que pessoa tem preparo para sustentar alguém, no sentido mais pesado da palavra? Gostei do filme e da Maggie Gyllenhaal e entendi que a mistura de cenas "vulgares" (nudez, sexo e drogas) com as de apelo maternal (trabalho com crianças e tentativa da personagem se aproximar da filha) captam a contradição do processo de mudança que ela enfrenta.
Melancolia
3.8 3,1K Assista AgoraAlgum dia vou escrever algo mais aprofundado aqui, mas por enquanto preciso dizer que: meldels, o que é ver a cena final desse filme no cinema?
A angústia é tão forte e impactante que, assim como elas estão de mãos dadas, dá vontade de que alguém segure a nossa mão também.
São Bernardo
4.1 66Leon Hirszman é foda, você percebe como cada detalhe é minimamente planejado e serve à narrativa. Com um texto do Graciliano Ramos e tratando-se de o protagonista estar escrevendo a história a que assistimos, considero a narração em off mais do que justificada, quase uma necessidade. O triste é estarmos todos muito mais para Paulo Honório do que para Madalena: onde o desumano reina, o humano morre de desgosto.
Vidas Secas
3.9 276Só não gostei muito do ator que faz o Fabiano. Mas ficou muito bom mesmo o filme. Algumas passagens do livro até se engrandecem, como sinhá Vitória com dificuldade pra falar sobre o inferno enquanto há labareda e vapor logo atrás dela: aquela única imagem já fala por ela. E a tentativa frustrada de eles usarem sapatos ficou muito bem realizada na
modernosa elipse calçados/descalços.
A boa fotografia em preto e branco funciona muito bem e só enriquece a idéia de secura. A questão dos diálogos parcos se preservou, ficando muito expressiva a cena em que Vitória e Fabiano, após mal falarem durante boa parte do filme, põem-se em disparo simultâneo "monologando em dupla". Sem mencionar como as partes afetivas se devem exclusivamente à cachorra. Enfim, ótima adaptação.
Missão Madrinha de Casamento
3.2 1,7K Assista AgoraNão dava nada por esse filme e acabei rindo as tripas. Uma ótima e despretensiosa comédia. E de quebra ainda toca Fiona Apple numa cena. x)
Rock Brasília – Era de Ouro
4.0 194Abertura do Festival de Brasília o/
Minha Adorável Lavanderia
3.5 72Daniel Day-Lewis em versão homo (L)
Atração Fatal
3.6 442 Assista AgoraUma coisa a dizer: MEDA DA GLENN CLOSE PSICÓTICA. No mais, supermoralista o filme, né?
Preciosa: Uma História de Esperança
4.0 2,0K Assista AgoraMe senti mal ao ver o filme, não pela triste vida de sua protagonista, mas por tudo ser tão malfeito, descompassado e apelativo que não consegui me sensibilizar com nada. O que deveria ser um drama é transformado numa caricatura tosca e descartável.