Wesley

Deixando de lado o impecável trabalho de fotografia, sonoplastia, figurino e atuação, o filme de Selton Mello não pode ser reduzido a um "enredo típico de novela das oito"; é muito mais do que isso, é um filme inteligente, poético, sagaz e, sobretudo, coeso. Os fatos jogados aparentemente a esmo no início da história são de total relevância para o que se conta. O que tem de senso comum está lá de modo descomunal, para não dizer brilhante. O filme é um exemplo do quão longe pode ir o cinema nacional. Selton acertou em cheio. Devemos agradecê-lo por esse presente à nossa filmografia.

A atuação da Regina Casé é maravilhosa. O filme traz na bagagem uma crítica severa ao que eu chamaria de neoescravidão. A empregada, Val (Regina) é, a todo instante, tratada com muito carinho, mas, por trás disso, é tida como uma verdadeira escrava. O filme, fora isso, é bem sensível e mostra uma realidade crua de muitos brasileiros que, não havendo outra opção, migram para o Sul atrás de melhorias e, consequentemente, tendo que deixar filhos e/ou familiares para trás, o que aconteceu com Val e Jéssica, sua filha. O bacana do filme é ver uma empregada doméstica sendo a narradora e protagonista da história, contradizendo a cultura de que os empregados, além de obedecer sem regalias, precisam se esconder no quartinho atrás da cozinha. Em "Que horas ela volta?", Val tem voz.

Achei o filme maravilhoso. A atuação da Leandra está impecável, o que só me anima a não desistir do cinema nacional. Penso que, para quem escreve, esse filme é um verdadeiro tapa na cara, afinal, quem escreve sabe essa dor de querer ser outra coisa, de querer ser além, de como cansa, nos dias de solidão, apenas o autopertencimento. Camila é esse uivo no escuro, ou melhor, no quarto de um apartamento. Nunca desejei tanto morar sozinho. A busca é constante. Gosto da metafísica do filme, indico a todos.