Já dá pra começar a falar em um cinema brasileiro ecoando as grandes ruínas do progressismo reformista, criado na margem de um sistema político esgotado. Tivemos alguns exemplares importantes nos últimos anos (com todo o destaque para O Som ao Redor), mas é Depois da Chuva que começa a abordar de frente este grande mal-estar.
A Reabertura Democrática é quase sempre retratada como um período efervescente, de reformulação da esquerda, de lutas populares. São poucas as obras que contradizem o mito que foi criado entre as Diretas Já! e o Collor. Depois da Chuva é a visão mais deprimente desse período, um Terra em Transe reformulado. Atores políticos isolados e levados ao niilismo, conjuntura fragmentada, repetição eterna dos mesmos clichês (caminhando, cantando e morrendo de tédio). O filme todo se constrói sobre uma ruína de relacionamentos fracassados e de uma cidade destruída (a Salvador que aparece não é a Salvador da "vida real", arte não é ufanismo regional). A opção de fazer um filme de formação (que inclui até as primeiras experiências amorosas do personagem central) é bem estranha nesse cenário -- essa estranheza, porém, quase nos diz que não devemos ver isso de uma maneira séria, mas com um pouco de cinismo. A escola é uma transposição da ampla conjuntura nacional da época para um microcosmos mais simples de trabalhar, que permite uma redução de personagens e de pompa no tratamento do material. O uso desse microcosmos permite também uma exploração além do argumento do que viria a ser a vida política brasileira após o período retratado. Alianças, "governabilidade", está tudo lá.
O final é, de longe, um dos mais assombrosos do cinema recente. Incerto, negativo, um aprofundamento do tema ruinoso que permeia todo o filme.
O Cronenberg sempre foi hiperbólico. É um mecanismo narrativo muito caro a ele por violar com gosto o sentido de realidade que o cinema tenta recriar. Tendo isso em vista, não se deve levar o enredo de Maps to the Stars com uma visão naturalista da coisa. É exagerado e irreal por essência. Nada de muito novo nesse quesito.
A questão de forma, com marcação na edição, é interessante. O Sanders estava um pouco perdido no Cosmopolis, mas retoma bem aqui a linha ousada que ele tinha até o Crash, de 1996. Talvez fosse só questão de ter mais espaço e liberdade. As quebras e perdas de ritmo que acontecem durante o filme se encaixam de maneira bem orgânica com o roteiro.
Gosto bastante da linha que o Cronenberg anda seguindo, fugindo e se aproximando do passado dele próprio. Pode vir coisa boa por aí.
Talvez seja o melhor filme do Nolan (apesar d'eu não ter visto Interstellar ainda). A parte técnica, apesar de ser bem formal e sem surpresas (mas isso é ok, considerando que o filme é um blockbuster), é bem boa. O que eu gostei mesmo foi que ele finalmente conseguiu quebrar com o ranço dele por uma profundidade real na direção e no roteiro.
É um filme que não exige gráficos explicatórios (como é comum dele -- uma falsa complexidade para esconder falhas de roteiro), mas que gera uma subjetividade muito forte para um argumento bem banal. Toda discussão sobre como emerge uma sociedade fascista e autoritária, sobre como o privado age acima do público nas esferas políticas, isso é muito além do que se espera de um filme padrão de Hollywood. Claro que essas discussões, no filme, não são exatamente teses de sociologia, mas o Nolan consegue abordá-las sem didatismo, dando espaço para o espectador. O Batman, em si, é um personagem legalista, com disputas morais bem óbvias, é incrível conseguir criar algo decente em cima disso.
A estrutura do filme tem alguns problemas típicos de blockbuster (como um plot twist bem desnecessário e que não faz parte organicamente do resto da forma), mas é uma narrativa boa, fluída, coisa que ele aprendeu a fazer com os filmes anteriores da trilogia. Se ele se manter nessa pegada e parar de querer reinventar a roda da narração, pode até se tornar um diretor bom.
O Cronenberg, desde o A History of Violence, tem buscado alguma forma de romper com quem ele era, de sair do que já é esperado dele. Em Cosmopolis, ele alcança um meio termo entre a "época gloriosa" (1981-96) e essa forma mais refinada de direção. Acho que o clima do romance do DeLillo, com aquele realismo recheado de absurdo, funciona bem pra fazer essa mediação de estilo.
O Ronald Sanders, editor habitual do trabalho do Cronenberg, parece ter sentido essa mudança e tenta acompanhar. No A History of Violence, ele fez um trabalho excepcional, mas aqui ele vacila um pouco. Cosmopolis deve ter sido um pouco desafiador pra essa equipe (além do Sanders, tem o Peter Suschitzky, cinegrafista também habitual), é um filme bem diferente dos outros trabalhos que eles fizeram juntos, muito focado em uma fragmentação de um espaço centralizado. Infelizmente, isso levou a um pouco de desacerto. A edição não acompanha bem o fluxo narrativo e o trabalho de câmera ficou mais limitado.
O que me surpreendeu positivamente foi o Robert Pattinson. O início da carreira dele foi bem irregular, cheio de filmes horríveis, mas ele tem provado que é um bom ator. Aqui e em The Rover, ele mostrou um trabalho bem consistente. Se continuar se afastando das porcarias e procurando diretores bons, pode ser um dos melhores atores desta geração.
Em tempos de roteiros bem formais, inclusive entre aqueles que costumavam atacar o estabelecido, Leviatã é assombroso. Recheado de furos intencionais, de espaços vazios e de uma falta crônica de um centro, sempre circundando, pela margem, uma espécie de espírito russo do século XXI. A história em si explica pouquíssimo e nem se importa em dar profundidade para os desvelados passados e futuros, com presença absoluta do presente das ações. É uma In medias res radical.
A direção, acompanhando o roteiro, se esforça ao máximo para fragmentar tudo que for possível, quebrando linhas de personagens e, junto com a edição, estabelecendo cortes difíceis de acompanhar (o que não é um problema). O trabalho de arte e de fotografia também é ousado. O filme todo se preenche de azul, branco e vermelho (as cores da bandeira russa), acompanhado por uma iluminação opaca, sem brilho.
A falta de esperança e de perspectiva para a geração pós-União Soviética e para aquela que já nasceu sob o domínio de Putin consegue se fazer sentir muito mais do que entender. É um filme essencialmente político, mas nenhum pouco panfletário.
Tô pra dizer que este é o filme mais importante do Godard -- o filme no qual ele conseguiu fazer tudo que sempre quis desde o início da carreira. O assassinato total do mito do cinema puro, a construção de uma continuidade que não depende da montagem (coisa que uma galera tentou antes, com resultados variados). O uso das seis câmeras (apresentadas com destaque nos créditos finais) e a não separação entre elas e o diretor é uma aproximação da quebra entre arte e técnica, uma retomada de noções gregas muito antigas. No fim, o filme é exatamente sobre isso, avanço e recuo, ambos ao mesmo tempo, como uma possibilidade política, uma simetria (ele andou lendo um bocado de antropologia contemporânea, por mais que só cite os seus ídolos de sempre) muito bem exposta na falsa divisão entre Natureza/Cultura.
E o cachorrinho é muito massa também (e bem mais expressivo que muitos """atores""" por aí, hehe).
Citaram aí embaixo, muito corretamente, o Tarkovsky. Também me lembrou muito A Woman Under the Influence, do Cassavetes, que trata sobre questões muito próximas e é igualmente focado no desempenho de uma atriz (há até uma semelhança entre a Gena Rowlands e a Essie Davis no que se refere à composição da personagem).
Enfim, Babadook não é um filme de terror. Ele se reveste falsamente dentro de um gênero, abusa de um jeito inteligente de alguns clichês deste (da centralização no som até alguns detalhes mais banais, como o livro amaldiçoado), mas vai muito além. Assim, constitui um dos melhores casos que já vi de "falso gênero".
O filme tem um controle técnico incrível (edição, fotografia, roteiro) pra uma diretora em seu primeiro trabalho de longa-metragem. A Jennifer Kent é alguém pra acompanhar bem de perto.
Faltou desenvolver mais o roteiro. Perde muito tempo com coisas irrelevantes e esquece de aprofundar decentemente os co-protagonistas. O diretor também precisa perder alguns cacoetes de filme de ação hollywoodiano (slow motion em 2014 não, gente).
No mais, é razoável. Poderia ser bem melhor. O cinema indie americano anda com um problema sério de falta de aprimoramento técnico -- coisa bem clara aqui.
Argumento mínimo, roteiro minimalizado, trabalho de arte excepcional (passa do Kenneth Anger até o Cronenberg, milhares de referências), edição cheia de variações de ritmo (das cenas na van, com cortes de dois segundos, até aqueles planos longos)... É um apanhado do melhor que tem sido feito no cinema inglês desta década. É muito bom ver que o Glazer se recuperou daquela palhaçada hollywoodiana que é o Birth e retomou um trabalho sério.
Fazia muito tempo que eu não via um diretor tão obcecado pelo trabalho de câmera. Ele constrói o filme inteiro em violações de aspectos básicos -- formalmente, é muito interessante. Parece que os personagens estão sempre submergindo para fora da tela. O trabalho de iluminação também é riquíssimo, com destaque para a luz natural agindo nos ambientes e para as formas de iluminar os olhos.
Porém, algumas coisas me pareceram problemáticas. Faltou um pouco mais de cuidado na edição. Tem momentos nos quais ela é impecável, mas em outros fica sem ritmo. Talvez pela ousadia formal com a câmera, eu estava esperando uma ousadia formal com o roteiro. Ele é correto demais... Não sei.
O Reitman fez um filme bom (Thank You for Smoking) e uma porrada de medíocres, mas aqui, pela primeira vez, ele consegui fazer um filme genuinamente ruim.
O problema principal é a questão da forma. Tudo converge na tentativa fracassada de emular uma possível forma estética da internet, sincrônica e fragmentada. Para isso, ele faz linhas de histórias que se aproximam e avançam na mesma estrutura. Porém, isso tem sido feito desde, pelo menos, os anos 1970 -- vira mais do mesmo do que um uso formal que dialoga com a mídia. Além, as linhas são clichês esperados quando se fala de internet e se desenvolvem de um jeito fraco. Lá pela metade do filme, eu já nem tinha mais vontade de acompanhar nada. A edição vai pelo mesmo caminho, tentando rachar com uma ideia mais comum de tempo em um avanço sem muito padrão, mas só consegue se tornar sem ritmo.
Os problemas menores são a falta absoluta de profundidade e expressão dos personagens (não sei se isso foi intencional -- caso sim, mais uma péssima ideia), o desastre que é essa mise-en-scène irritantemente acadêmica e a tentativa de abordar um sem número de temas (no fim, ele não conseguiu falar de um jeito decente de nenhum deles).
Tem alguma coisa de transpor a tradição argentina da narrativa curta literária pro cinema e funciona bem demais. O filme transita bem entre gêneros e entre camadas sociais e mais reflexivas sobre a natureza humana. A montagem ágil e precisa e o trabalho de câmera sempre buscando ângulos inesperados demonstram um controle bom de técnica pelo diretor e pela equipe. Merece todos os elogios que anda recebendo.
Falta esmero e limpeza no roteiro, coisa que deixa muitas cenas e personagens desnecessárias pro desenrolar do argumento. Combinando isso com o problema de ritmo de edição, o resultado é um filme que se arrasta e que, depois de um determinado tempo, continua por continuar, sem jogar nenhuma informação nova ou relevante.
O Ferrara é um caso bizarro de um artista que se prende quase sempre aos mesmos temas (Poder, autoridade, vício), mas que tem uma variação absoluta de estética (o que torna a carreira dele genial, porém irregular). Dado isso e conhecendo a "história real" que precede o filme, o que se tem é uma puta análise das grandes instituições econômicas, baseada em uma aproximação totalizante da figura de uma única personagem. Como se não bastasse, o filme é cheio de sub-textos indiretos sobre raça e a posição das mulheres nas relações de Poder. É muito mais forte e profundo do que os filmes atuais que buscam tratar sobre o mercado econômico (The Wolf of Wall Street, Wall Street II, Le Capital).
Sobre o trabalho de direção, é o que citei antes: a estética inesperada, coisa que, na obra dele, sempre serviu pra criar ainda mais incômodo no espectador. É um dos melhores filmes da carreira do Ferrara.
Não é surpresa que o filme tenha um roteiro muito bem trabalhado e enxuto, uma fotografia (do gênio da raça Darius Khondji) e uma edição cuidadosas e tal. Em aspectos técnicos, como já falaram aqui, é um dos melhores filmes do ano.
Porém, não adiciona absolutamente nada na estética do Woody Allen (cujo último avanço foi em Cassandra's Dream, sete anos atrás) e muito menos na reflexão dos seus temas costumeiros. É um filme que diz as mesmas coisas que ele vem dizendo desde, sei lá, Annie Hall em 77. Até a personagem sarcástica e descrente já conseguiu perder a graça pra quem acompanha de perto a carreira do Woody Allen.
E cá entre nós, o filme definitivo dele sobre "Deus não existe e essas coisas" é o Crimes and Misdemeanors.
Tem um espírito de vérité e funciona bem. É difícil fazer um filme sobre política estudantil sem cair nos clichês clássicos, coisa da qual o filme escapa com desenvoltura.
Rola uns problemas menores de roteiro e uma dificuldade em aprofundar as personagens secundárias (o que é importante dado o tema e a rede de relações), mas nada muito drástico.
O Jarmusch recupera a forma de escrever do início da carreira (o roteiro despojado e cheio de pistas falsas que, na real, não conta nenhuma história no formato padrão de Hollywood -- e isso explica o motivo do filme ser "parado") pra bater firme contra a decadência econômica dos Estados Unidos. É mais profundo do que aparenta.
Além disso, o fato de ter vampiros é uma homenagem ao cinema estadunidense de "monstro" dos anos 50 que marcou bastante a infância do Jarmusch.
Como falaram por aí, a direção de arte e a montagem do cenário é bem feita e interessante, mas o resto não acompanha. Não é nada que vá sujar a carreira do Resnais, porém a sensação que poderia ser melhor fica.
Demorei pra ver, mas ó: é coisa fina. Usa bastante recursos visuais e sonoros pra dar força pra um argumento um pouco fraco e, por consequência, consegue se livrar bem do perigo eterno de cair no blá blá blá literário. Atuações muito boas, principalmente do Kevin criança. Vou correr atrás dos outros filmes da Ramsay.
Perto do que o Cronenberg andava fazendo na época, é um pouco abaixo da média. Porém, tem aquela direção firme e classuda dele e o Walken sendo o Walken.
É uma das poucas obras artísticas que conseguiu captar os meandros da política institucional brasileira, e que, de quebra, ainda provou que o cenário nunca se alterna (afinal, nada mudou entre a visão de 1969 e o panorama atual). Além disso, a construção do drama, focado em uma tragédia política, é incrível -- compete palmo a palmo com o Il Vangelo Secondo Matteo do Pasolini. O único ponto fraco, ao meu ver, fica por conta de algumas atuações, mas nada que diminua o filme.
A segunda parte é bem superior. O Lars faz o filme "engatar" -- acerta o roteiro comportadinho, bagunça a edição e toca o terror nas discussões propostas. Apesar de tudo, dá pra ver que ele ficou chateado com a expulsão de Cannes: grande parte do filme gira em torno dele se defendendo (e atacando) de maneira direta. O centro gravitacional, entre Haneke e Tarkovsky, é incrível: dois sensos morais se chocando na visão feminina de um cara que foi constantemente acusado de misógino.
Ainda bem que resolveu deixar de ser um rebelde de gabinete.
Representar o estado do multiculturalismo na França usando duas personagens brancas (queria ver se ia ser tão aclamado se fosse com duas árabes de alguma favela da periferia de Paris) e mostrando uma tonelada de preconceito estereotipado contra a classe trabalhadora do país é algo interessante de se ver.
Filmezinho mequetrefe e editado de uma maneira bizonha. Pode ser legal de ir ver em algum Espaço Itaú da vida e sair comentando sobre a grandeza da posição política da classe média francesa (e brasileira, claro), mas não resiste a um sopro de teoria de verdade.
The Wolf of Wall Street não ter sequer sido indicado pro Oscar de edição é mais uma prova cabal que até uma porta entende mais de cinema do que os bróders de Hollywood.
Depois da Chuva
2.9 50Já dá pra começar a falar em um cinema brasileiro ecoando as grandes ruínas do progressismo reformista, criado na margem de um sistema político esgotado. Tivemos alguns exemplares importantes nos últimos anos (com todo o destaque para O Som ao Redor), mas é Depois da Chuva que começa a abordar de frente este grande mal-estar.
A Reabertura Democrática é quase sempre retratada como um período efervescente, de reformulação da esquerda, de lutas populares. São poucas as obras que contradizem o mito que foi criado entre as Diretas Já! e o Collor. Depois da Chuva é a visão mais deprimente desse período, um Terra em Transe reformulado. Atores políticos isolados e levados ao niilismo, conjuntura fragmentada, repetição eterna dos mesmos clichês (caminhando, cantando e morrendo de tédio). O filme todo se constrói sobre uma ruína de relacionamentos fracassados e de uma cidade destruída (a Salvador que aparece não é a Salvador da "vida real", arte não é ufanismo regional). A opção de fazer um filme de formação (que inclui até as primeiras experiências amorosas do personagem central) é bem estranha nesse cenário -- essa estranheza, porém, quase nos diz que não devemos ver isso de uma maneira séria, mas com um pouco de cinismo. A escola é uma transposição da ampla conjuntura nacional da época para um microcosmos mais simples de trabalhar, que permite uma redução de personagens e de pompa no tratamento do material. O uso desse microcosmos permite também uma exploração além do argumento do que viria a ser a vida política brasileira após o período retratado. Alianças, "governabilidade", está tudo lá.
O final é, de longe, um dos mais assombrosos do cinema recente. Incerto, negativo, um aprofundamento do tema ruinoso que permeia todo o filme.
Mapas para as Estrelas
3.3 478 Assista AgoraO Cronenberg sempre foi hiperbólico. É um mecanismo narrativo muito caro a ele por violar com gosto o sentido de realidade que o cinema tenta recriar. Tendo isso em vista, não se deve levar o enredo de Maps to the Stars com uma visão naturalista da coisa. É exagerado e irreal por essência. Nada de muito novo nesse quesito.
A questão de forma, com marcação na edição, é interessante. O Sanders estava um pouco perdido no Cosmopolis, mas retoma bem aqui a linha ousada que ele tinha até o Crash, de 1996. Talvez fosse só questão de ter mais espaço e liberdade. As quebras e perdas de ritmo que acontecem durante o filme se encaixam de maneira bem orgânica com o roteiro.
Gosto bastante da linha que o Cronenberg anda seguindo, fugindo e se aproximando do passado dele próprio. Pode vir coisa boa por aí.
Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge
4.2 6,4K Assista AgoraTalvez seja o melhor filme do Nolan (apesar d'eu não ter visto Interstellar ainda). A parte técnica, apesar de ser bem formal e sem surpresas (mas isso é ok, considerando que o filme é um blockbuster), é bem boa. O que eu gostei mesmo foi que ele finalmente conseguiu quebrar com o ranço dele por uma profundidade real na direção e no roteiro.
É um filme que não exige gráficos explicatórios (como é comum dele -- uma falsa complexidade para esconder falhas de roteiro), mas que gera uma subjetividade muito forte para um argumento bem banal. Toda discussão sobre como emerge uma sociedade fascista e autoritária, sobre como o privado age acima do público nas esferas políticas, isso é muito além do que se espera de um filme padrão de Hollywood. Claro que essas discussões, no filme, não são exatamente teses de sociologia, mas o Nolan consegue abordá-las sem didatismo, dando espaço para o espectador. O Batman, em si, é um personagem legalista, com disputas morais bem óbvias, é incrível conseguir criar algo decente em cima disso.
A estrutura do filme tem alguns problemas típicos de blockbuster (como um plot twist bem desnecessário e que não faz parte organicamente do resto da forma), mas é uma narrativa boa, fluída, coisa que ele aprendeu a fazer com os filmes anteriores da trilogia. Se ele se manter nessa pegada e parar de querer reinventar a roda da narração, pode até se tornar um diretor bom.
Cosmópolis
2.7 1,0K Assista AgoraO Cronenberg, desde o A History of Violence, tem buscado alguma forma de romper com quem ele era, de sair do que já é esperado dele. Em Cosmopolis, ele alcança um meio termo entre a "época gloriosa" (1981-96) e essa forma mais refinada de direção. Acho que o clima do romance do DeLillo, com aquele realismo recheado de absurdo, funciona bem pra fazer essa mediação de estilo.
O Ronald Sanders, editor habitual do trabalho do Cronenberg, parece ter sentido essa mudança e tenta acompanhar. No A History of Violence, ele fez um trabalho excepcional, mas aqui ele vacila um pouco. Cosmopolis deve ter sido um pouco desafiador pra essa equipe (além do Sanders, tem o Peter Suschitzky, cinegrafista também habitual), é um filme bem diferente dos outros trabalhos que eles fizeram juntos, muito focado em uma fragmentação de um espaço centralizado. Infelizmente, isso levou a um pouco de desacerto. A edição não acompanha bem o fluxo narrativo e o trabalho de câmera ficou mais limitado.
O que me surpreendeu positivamente foi o Robert Pattinson. O início da carreira dele foi bem irregular, cheio de filmes horríveis, mas ele tem provado que é um bom ator. Aqui e em The Rover, ele mostrou um trabalho bem consistente. Se continuar se afastando das porcarias e procurando diretores bons, pode ser um dos melhores atores desta geração.
Leviatã
3.8 299Em tempos de roteiros bem formais, inclusive entre aqueles que costumavam atacar o estabelecido, Leviatã é assombroso. Recheado de furos intencionais, de espaços vazios e de uma falta crônica de um centro, sempre circundando, pela margem, uma espécie de espírito russo do século XXI. A história em si explica pouquíssimo e nem se importa em dar profundidade para os desvelados passados e futuros, com presença absoluta do presente das ações. É uma In medias res radical.
A direção, acompanhando o roteiro, se esforça ao máximo para fragmentar tudo que for possível, quebrando linhas de personagens e, junto com a edição, estabelecendo cortes difíceis de acompanhar (o que não é um problema). O trabalho de arte e de fotografia também é ousado. O filme todo se preenche de azul, branco e vermelho (as cores da bandeira russa), acompanhado por uma iluminação opaca, sem brilho.
A falta de esperança e de perspectiva para a geração pós-União Soviética e para aquela que já nasceu sob o domínio de Putin consegue se fazer sentir muito mais do que entender. É um filme essencialmente político, mas nenhum pouco panfletário.
Adeus à Linguagem
3.5 118 Assista AgoraTô pra dizer que este é o filme mais importante do Godard -- o filme no qual ele conseguiu fazer tudo que sempre quis desde o início da carreira. O assassinato total do mito do cinema puro, a construção de uma continuidade que não depende da montagem (coisa que uma galera tentou antes, com resultados variados). O uso das seis câmeras (apresentadas com destaque nos créditos finais) e a não separação entre elas e o diretor é uma aproximação da quebra entre arte e técnica, uma retomada de noções gregas muito antigas. No fim, o filme é exatamente sobre isso, avanço e recuo, ambos ao mesmo tempo, como uma possibilidade política, uma simetria (ele andou lendo um bocado de antropologia contemporânea, por mais que só cite os seus ídolos de sempre) muito bem exposta na falsa divisão entre Natureza/Cultura.
E o cachorrinho é muito massa também (e bem mais expressivo que muitos """atores""" por aí, hehe).
O Babadook
3.5 2,0KCitaram aí embaixo, muito corretamente, o Tarkovsky. Também me lembrou muito A Woman Under the Influence, do Cassavetes, que trata sobre questões muito próximas e é igualmente focado no desempenho de uma atriz (há até uma semelhança entre a Gena Rowlands e a Essie Davis no que se refere à composição da personagem).
Enfim, Babadook não é um filme de terror. Ele se reveste falsamente dentro de um gênero, abusa de um jeito inteligente de alguns clichês deste (da centralização no som até alguns detalhes mais banais, como o livro amaldiçoado), mas vai muito além. Assim, constitui um dos melhores casos que já vi de "falso gênero".
O filme tem um controle técnico incrível (edição, fotografia, roteiro) pra uma diretora em seu primeiro trabalho de longa-metragem. A Jennifer Kent é alguém pra acompanhar bem de perto.
O Sinal: Frequência do Medo
2.9 373Faltou desenvolver mais o roteiro. Perde muito tempo com coisas irrelevantes e esquece de aprofundar decentemente os co-protagonistas. O diretor também precisa perder alguns cacoetes de filme de ação hollywoodiano (slow motion em 2014 não, gente).
No mais, é razoável. Poderia ser bem melhor. O cinema indie americano anda com um problema sério de falta de aprimoramento técnico -- coisa bem clara aqui.
Sob a Pele
3.2 1,4K Assista AgoraArgumento mínimo, roteiro minimalizado, trabalho de arte excepcional (passa do Kenneth Anger até o Cronenberg, milhares de referências), edição cheia de variações de ritmo (das cenas na van, com cortes de dois segundos, até aqueles planos longos)... É um apanhado do melhor que tem sido feito no cinema inglês desta década. É muito bom ver que o Glazer se recuperou daquela palhaçada hollywoodiana que é o Birth e retomou um trabalho sério.
Ida
3.7 439Fazia muito tempo que eu não via um diretor tão obcecado pelo trabalho de câmera. Ele constrói o filme inteiro em violações de aspectos básicos -- formalmente, é muito interessante. Parece que os personagens estão sempre submergindo para fora da tela. O trabalho de iluminação também é riquíssimo, com destaque para a luz natural agindo nos ambientes e para as formas de iluminar os olhos.
Porém, algumas coisas me pareceram problemáticas. Faltou um pouco mais de cuidado na edição. Tem momentos nos quais ela é impecável, mas em outros fica sem ritmo. Talvez pela ousadia formal com a câmera, eu estava esperando uma ousadia formal com o roteiro. Ele é correto demais... Não sei.
Homens, Mulheres & Filhos
3.6 670 Assista AgoraO Reitman fez um filme bom (Thank You for Smoking) e uma porrada de medíocres, mas aqui, pela primeira vez, ele consegui fazer um filme genuinamente ruim.
O problema principal é a questão da forma. Tudo converge na tentativa fracassada de emular uma possível forma estética da internet, sincrônica e fragmentada. Para isso, ele faz linhas de histórias que se aproximam e avançam na mesma estrutura. Porém, isso tem sido feito desde, pelo menos, os anos 1970 -- vira mais do mesmo do que um uso formal que dialoga com a mídia. Além, as linhas são clichês esperados quando se fala de internet e se desenvolvem de um jeito fraco. Lá pela metade do filme, eu já nem tinha mais vontade de acompanhar nada. A edição vai pelo mesmo caminho, tentando rachar com uma ideia mais comum de tempo em um avanço sem muito padrão, mas só consegue se tornar sem ritmo.
Os problemas menores são a falta absoluta de profundidade e expressão dos personagens (não sei se isso foi intencional -- caso sim, mais uma péssima ideia), o desastre que é essa mise-en-scène irritantemente acadêmica e a tentativa de abordar um sem número de temas (no fim, ele não conseguiu falar de um jeito decente de nenhum deles).
E aquela tentativa de suicídio causada por perder a conta do jogo foi a coisa que mais me fez rir no cinema neste ano.
Relatos Selvagens
4.4 2,9K Assista AgoraTem alguma coisa de transpor a tradição argentina da narrativa curta literária pro cinema e funciona bem demais. O filme transita bem entre gêneros e entre camadas sociais e mais reflexivas sobre a natureza humana. A montagem ágil e precisa e o trabalho de câmera sempre buscando ângulos inesperados demonstram um controle bom de técnica pelo diretor e pela equipe. Merece todos os elogios que anda recebendo.
Attila Marcel
3.8 35 Assista AgoraFalta esmero e limpeza no roteiro, coisa que deixa muitas cenas e personagens desnecessárias pro desenrolar do argumento. Combinando isso com o problema de ritmo de edição, o resultado é um filme que se arrasta e que, depois de um determinado tempo, continua por continuar, sem jogar nenhuma informação nova ou relevante.
Nem o Proust pode com tantos problemas técnicos.
Bem-vindo a Nova York
3.3 56 Assista AgoraO Ferrara é um caso bizarro de um artista que se prende quase sempre aos mesmos temas (Poder, autoridade, vício), mas que tem uma variação absoluta de estética (o que torna a carreira dele genial, porém irregular). Dado isso e conhecendo a "história real" que precede o filme, o que se tem é uma puta análise das grandes instituições econômicas, baseada em uma aproximação totalizante da figura de uma única personagem. Como se não bastasse, o filme é cheio de sub-textos indiretos sobre raça e a posição das mulheres nas relações de Poder. É muito mais forte e profundo do que os filmes atuais que buscam tratar sobre o mercado econômico (The Wolf of Wall Street, Wall Street II, Le Capital).
Sobre o trabalho de direção, é o que citei antes: a estética inesperada, coisa que, na obra dele, sempre serviu pra criar ainda mais incômodo no espectador. É um dos melhores filmes da carreira do Ferrara.
Magia ao Luar
3.4 569 Assista AgoraNão é surpresa que o filme tenha um roteiro muito bem trabalhado e enxuto, uma fotografia (do gênio da raça Darius Khondji) e uma edição cuidadosas e tal. Em aspectos técnicos, como já falaram aqui, é um dos melhores filmes do ano.
Porém, não adiciona absolutamente nada na estética do Woody Allen (cujo último avanço foi em Cassandra's Dream, sete anos atrás) e muito menos na reflexão dos seus temas costumeiros. É um filme que diz as mesmas coisas que ele vem dizendo desde, sei lá, Annie Hall em 77. Até a personagem sarcástica e descrente já conseguiu perder a graça pra quem acompanha de perto a carreira do Woody Allen.
E cá entre nós, o filme definitivo dele sobre "Deus não existe e essas coisas" é o Crimes and Misdemeanors.
O Estudante
3.1 16 Assista AgoraTem um espírito de vérité e funciona bem. É difícil fazer um filme sobre política estudantil sem cair nos clichês clássicos, coisa da qual o filme escapa com desenvoltura.
Rola uns problemas menores de roteiro e uma dificuldade em aprofundar as personagens secundárias (o que é importante dado o tema e a rede de relações), mas nada muito drástico.
Amantes Eternos
3.8 782 Assista AgoraO Jarmusch recupera a forma de escrever do início da carreira (o roteiro despojado e cheio de pistas falsas que, na real, não conta nenhuma história no formato padrão de Hollywood -- e isso explica o motivo do filme ser "parado") pra bater firme contra a decadência econômica dos Estados Unidos. É mais profundo do que aparenta.
Além disso, o fato de ter vampiros é uma homenagem ao cinema estadunidense de "monstro" dos anos 50 que marcou bastante a infância do Jarmusch.
Amar, Beber e Cantar
3.0 42 Assista AgoraComo falaram por aí, a direção de arte e a montagem do cenário é bem feita e interessante, mas o resto não acompanha. Não é nada que vá sujar a carreira do Resnais, porém a sensação que poderia ser melhor fica.
Precisamos Falar Sobre o Kevin
4.1 4,2K Assista AgoraDemorei pra ver, mas ó: é coisa fina. Usa bastante recursos visuais e sonoros pra dar força pra um argumento um pouco fraco e, por consequência, consegue se livrar bem do perigo eterno de cair no blá blá blá literário. Atuações muito boas, principalmente do Kevin criança. Vou correr atrás dos outros filmes da Ramsay.
Na Hora da Zona Morta
3.6 323 Assista AgoraPerto do que o Cronenberg andava fazendo na época, é um pouco abaixo da média. Porém, tem aquela direção firme e classuda dele e o Walken sendo o Walken.
O Bravo Guerreiro
3.9 18É uma das poucas obras artísticas que conseguiu captar os meandros da política institucional brasileira, e que, de quebra, ainda provou que o cenário nunca se alterna (afinal, nada mudou entre a visão de 1969 e o panorama atual). Além disso, a construção do drama, focado em uma tragédia política, é incrível -- compete palmo a palmo com o Il Vangelo Secondo Matteo do Pasolini. O único ponto fraco, ao meu ver, fica por conta de algumas atuações, mas nada que diminua o filme.
Ninfomaníaca: Volume 2
3.6 1,6K Assista AgoraA segunda parte é bem superior. O Lars faz o filme "engatar" -- acerta o roteiro comportadinho, bagunça a edição e toca o terror nas discussões propostas. Apesar de tudo, dá pra ver que ele ficou chateado com a expulsão de Cannes: grande parte do filme gira em torno dele se defendendo (e atacando) de maneira direta. O centro gravitacional, entre Haneke e Tarkovsky, é incrível: dois sensos morais se chocando na visão feminina de um cara que foi constantemente acusado de misógino.
Ainda bem que resolveu deixar de ser um rebelde de gabinete.
Azul é a Cor Mais Quente
3.7 4,3K Assista AgoraRepresentar o estado do multiculturalismo na França usando duas personagens brancas (queria ver se ia ser tão aclamado se fosse com duas árabes de alguma favela da periferia de Paris) e mostrando uma tonelada de preconceito estereotipado contra a classe trabalhadora do país é algo interessante de se ver.
Filmezinho mequetrefe e editado de uma maneira bizonha. Pode ser legal de ir ver em algum Espaço Itaú da vida e sair comentando sobre a grandeza da posição política da classe média francesa (e brasileira, claro), mas não resiste a um sopro de teoria de verdade.
O Lobo de Wall Street
4.1 3,4K Assista AgoraThe Wolf of Wall Street não ter sequer sido indicado pro Oscar de edição é mais uma prova cabal que até uma porta entende mais de cinema do que os bróders de Hollywood.