Alguém disse no letterboxd e me vejo na obrigação de repassar aqui, pq sintetiza bem: "O filme é um insulto à cultura japonesa quase tão grande quanto o insulto que é para o próprio cinema"
A porção inicial cativou muito, mas alguma coisa aconteceu no meio do filme que as coisas desandaram e me frustrei (não sei precisar o momento). O filme está um pouco indigesto ainda na minha cabeça, fico pensando nele. Tornarei a assistir em breve pra desfazer os nós.
Em um momento do filme, quando Anna conversa com seu filho (uma criança), faz o seguinte comentário a respeito do rei: "De muitas formas, ele [o rei] era tão jovem quanto você." Efetivamente, Anna vai para Sião ser professoras dos filhos do rei, mas acaba por ser preceptora de todos no palácio real. O Sião é representado como um país de crianças. Atenção para o "representado", pois por mais que seja ~baseado em fatos reais~ trata-se sempre de uma representação. Esse é um dos aspectos em que o paradigma colonial é bastante forte no filme. Outro é o fardo do homem branco (neste caso, da mulher rsrs): Anna carrega o fardo de civilizar os outros atrasados do mundo.
Ao final, até tenta ir embora. Mas acaba decidindo ficar por apelo das crianças e do rei. Para retomar Kipling: "Tomai o fardo do Homem Branco /Envia teus melhores filhos / Vão, condenem seus filhos ao exílio / Para servirem aos seus cativos; / Para esperar, com arreios / Com agitadores e selváticos / Seus cativos, servos obstinados, / Metade demônio, metade criança."
Falar disso é chover no molhado, é claro. Já foi muito comentado este aspecto no filme, mas não por aqui. Por isso, me dei essa liberdade. Fato curioso é que o filme é proibido na Tailândia, pelos argumentos mencionados acima, mas certamente com muito mais peso para a representação não lá muito prestigiosa da figura do rei representado (Mogkut, Rama IV), cuja família é ainda hoje casa reinante no país. Pontuar isso também não significa jogar o filme na lata do lixo: eu endosso, ao mesmo tempo, todos os comentários abaixo sobre a beleza do filme, a atuação de Kerr e, principalmente, de Yul Brynner, a fotografia e etc, etc, etc.
O filme se passa na década de 1990 e tem como pano de fundo a guerra civil argelina, em que grupos islamistas fundamentalistas diversos entraram em confronto direto com o governo capitaneado pela Frente de Libertação Nacional. Eu acho interessante pensar em como Khadidja e Amel encarnam a história, a memória e a busca por um rumo da Argélia independente. Em um momento isso fica bastante evidente:
Após a soltura das duas pelos islamistas fundamentalistas, quando elas descem a montanha, há um diálogo em que Amel, a jovem doutora, começa a discutir com a Khadidja, uma velha enfermeira, a respeito da tentativa de encontrar Murad, o marido desaparecido de Amel. Aqui a discussão sobre a fracassada tentativa e a memória do passado nacional se entrelaçam: Amel se queixa por não ter pedido ajuda de Khadidja e diz que irá encontrar o marido sozinha; ao mesmo tempo, também se queixa da guerra de libertação contra a colonização francesa, da qual Khadidja participou. Não pediu que Khadidja fizesse nem um e nem outro, por que ter de arcar com as consequências dessa ação? A dominação francesa, este governo ou a peste: o que seria pior? Essa insatisfação demonstra a frustração com os descaminhos da Argélia pós-colonial, com seus conflitos e violência cotidiana. Khadidja responde: apesar de tudo, não fosse sua geração, as posteriores ainda estariam lustrando os sapatos dos franceses.
Na itinerância errante das duas podemos enxergar a própria errância de uma Argélia marcada pela violência em diferentes dimensões. Mais do que isso, de uma população em meio a essa violência toda: os traumas do passado colonial, os grupos fundamentalistas, as arbitrariedades do Estado pós-independência, a opressão de gênero, não saber se seus filhos estão mortos ou estão matando.
Esse filme me fascinou. A primeira vez que vi foi por ocasião da 11ª Mostra Mundo Árabe de Cinema (SP, 2016). Eu saí decepcionado, o filme me pareceu um tanto maçante, um amigo que me acompanhou na sessão dormiu uma boa parte e se queixou da minha escolha rsrs. Eu não discordei. Contudo, me peguei pensando no filme com frequência desde que o vi. Vez por outra as imagens fortes (da cidade, da vida política, da vida pessoal de Khaled, de seu filme) vinham-me a mente em meio às reflexões que me suscitaram. Pois bem, hoje (29 de dezembro de 2018), tive a possibilidade de topar com o filme enquanto zapeava na TV. Fiquei muito animado, apesar de um pouco triste por ter perdido o começo. O que mais me fascinou no filme acho que pode ser traduzido por meio de uma imagem que li Chico Buarque utilizar para definir uma de suas músicas (Pelas Tabelas, de 1984): uma barafunda entre o público e o privado. A mãe internada, as memórias, a amada que se vai, os apartamentos, o documentário, os amigos... tudo é permeado pela onipresente agitação da cidade nos últimos dias de um Cairo dominado por uma ditadura de 30 anos. A narrativa é por vezes confusa e fugidia. As imagens são bastante impactantes. Saio dessa segunda experiência com a fascinação reforçada e com novo impulso nas reflexões.
"Tempo implacável por sua falta de consideração." E, mais adiante: "lento ma non troppo." Fragmentos da pena de Santiago que muito me tocaram. Melhor dizendo, da Hamilton de Santiago.
Assistir a este filme foi uma das experiências mais desagradáveis da minha vida, principalmente por causa da abordagem do documentarista. É evidente que entre aquele que filma e aqueles que são retratados existem negociações, mas isso não significa dizer que não existem assimetrias. O documentarista explora as mazelas e os sofrimentos das três mulheres retratadas, em uma intromissão enojante em diversos momentos: ao explorar o sofrimento de Poroca quando ela foi abandonada, jogando com a paixão que Maroca diz ter por ele, tratando isso com tom jocoso, trazendo Dalvinha quando ela claramente não queria participar naquele momento e etc etc. As figuras retratadas participam do jogo e se dispuseram a isso, mas acho ingênuo ignorar a desigualdade de poder na confecção deste documentário (faço questão de reiterar).
Excelente filme de ação/suspense, mas me chamaram a atenção as diversas falas dos piratas, que explicitam os condicionamentos e limites de possibilidades impostas às personagens: "Capitão Phillips: Deve existir outra coisa além de ser um pescador e um sequestrador. Muse: Talvez na América, irlandês. Talvez na América."
A minha frustração foi o final abrupto após a briga. O conflito entre as masculinidades de Jonathan e Skip não poderia terminar de outra forma, mas esperava que se desse maior atenção à situação de Ellen.
O título do filme é uma referência a uma música que africanos escravizados cantavam quando eram remetidos às Índias Ocidentais - "Ó, sol". Se, durante séculos, europeus moveram para lá e para cá nas margens do Atlântico negros africanos e dominaram e exploram suas terras e seus povos, por outro lado, são surpreendidos no momento em que descobrem que esses negros pretos africanos não só tem vontade própria como decidem conhecer a tão louvada e preciosa metrópole. No caso do filme, a "doce França" que era "terra de nossos ancestrais, os gauleses". A presença desse indivíduo - o imigrante - no território metropolitano desloca o ambiente e traz à tona as tensões então veladas nesse espaço. Como diz o velho barbudo, é nos territórios ultramarinos que a barbárie que é a "civilização" europeia, burguesa e capitalista desfila em toda sua nudez; contudo, ela emerge no cenário metropolitano de maneira indesejada justamente por causa dessa presença. Junto de si, o imigrante Jean não carrega apenas sua maleta e seus sonhos de ir "para casa" (chez moi). Ou, ao menos, àquela que lhe foi ensinada como sendo sua. Sua presença carrega a experiência colonial que os (neo)colonialistas se esforçam para não ver e esquecer.
A França, porém, logo se revela amarga. Na viagem para a metropolitana e "doce França", Jean se vê obrigado a fazer, ao mesmo tempo, uma viagem para dentro de si. O colonialismo é violento e a ruptura com ele não conhece outra via que não seja a violência. Jean encarna as histórias que se entrelaçaram e os territórios que foram sobrepostos. Assim, no filme de Med Hondo observamos a trajetória do imigrante Jean em seu processo de tomada de consciência política e de si. O processo de tomada de consciência, de descolonização da mente, é doloroso.
Afinal de contas, o que fazer do que fizeram da gente?
Comprar Ingressos
Este site usa cookies para oferecer a melhor experiência possível. Ao navegar em nosso site, você concorda com o uso de cookies.
Se você precisar de mais informações e / ou não quiser que os cookies sejam colocados ao usar o site, visite a página da Política de Privacidade.
Um Sonho Possível
4.0 2,4K Assista AgoraUm belo exemplo de como se pode transbordar racismo enquanto se tenta pagar de antirracista. Filme cheio de estereotipias e apelativo que só.
Os Japão
2.3 4Alguém disse no letterboxd e me vejo na obrigação de repassar aqui, pq sintetiza bem:
"O filme é um insulto à cultura japonesa quase tão grande quanto o insulto que é para o próprio cinema"
Diário de um Pároco de Aldeia
4.1 48A porção inicial cativou muito, mas alguma coisa aconteceu no meio do filme que as coisas desandaram e me frustrei (não sei precisar o momento). O filme está um pouco indigesto ainda na minha cabeça, fico pensando nele. Tornarei a assistir em breve pra desfazer os nós.
Bacurau
4.3 2,7K Assista AgoraUm tapinha nas costas da esquerda progressista acompanhado de um sorriso de comiseração e um "vai ficar tudo bem".
O Rei e Eu
3.9 77Em um momento do filme, quando Anna conversa com seu filho (uma criança), faz o seguinte comentário a respeito do rei: "De muitas formas, ele [o rei] era tão jovem quanto você." Efetivamente, Anna vai para Sião ser professoras dos filhos do rei, mas acaba por ser preceptora de todos no palácio real. O Sião é representado como um país de crianças. Atenção para o "representado", pois por mais que seja ~baseado em fatos reais~ trata-se sempre de uma representação.
Esse é um dos aspectos em que o paradigma colonial é bastante forte no filme. Outro é o fardo do homem branco (neste caso, da mulher rsrs): Anna carrega o fardo de civilizar os outros atrasados do mundo.
Ao final, até tenta ir embora. Mas acaba decidindo ficar por apelo das crianças e do rei. Para retomar Kipling: "Tomai o fardo do Homem Branco /Envia teus melhores filhos / Vão, condenem seus filhos ao exílio / Para servirem aos seus cativos; / Para esperar, com arreios / Com agitadores e selváticos / Seus cativos, servos obstinados, / Metade demônio, metade criança."
Falar disso é chover no molhado, é claro. Já foi muito comentado este aspecto no filme, mas não por aqui. Por isso, me dei essa liberdade. Fato curioso é que o filme é proibido na Tailândia, pelos argumentos mencionados acima, mas certamente com muito mais peso para a representação não lá muito prestigiosa da figura do rei representado (Mogkut, Rama IV), cuja família é ainda hoje casa reinante no país.
Pontuar isso também não significa jogar o filme na lata do lixo: eu endosso, ao mesmo tempo, todos os comentários abaixo sobre a beleza do filme, a atuação de Kerr e, principalmente, de Yul Brynner, a fotografia e etc, etc, etc.
O Professor Substituto
3.7 70 Assista Agorafazia muito tempo que um filme não me deixava apreensivo do início ao fim
Barakat!
3.0 4O filme se passa na década de 1990 e tem como pano de fundo a guerra civil argelina, em que grupos islamistas fundamentalistas diversos entraram em confronto direto com o governo capitaneado pela Frente de Libertação Nacional.
Eu acho interessante pensar em como Khadidja e Amel encarnam a história, a memória e a busca por um rumo da Argélia independente. Em um momento isso fica bastante evidente:
Após a soltura das duas pelos islamistas fundamentalistas, quando elas descem a montanha, há um diálogo em que Amel, a jovem doutora, começa a discutir com a Khadidja, uma velha enfermeira, a respeito da tentativa de encontrar Murad, o marido desaparecido de Amel. Aqui a discussão sobre a fracassada tentativa e a memória do passado nacional se entrelaçam: Amel se queixa por não ter pedido ajuda de Khadidja e diz que irá encontrar o marido sozinha; ao mesmo tempo, também se queixa da guerra de libertação contra a colonização francesa, da qual Khadidja participou. Não pediu que Khadidja fizesse nem um e nem outro, por que ter de arcar com as consequências dessa ação? A dominação francesa, este governo ou a peste: o que seria pior? Essa insatisfação demonstra a frustração com os descaminhos da Argélia pós-colonial, com seus conflitos e violência cotidiana.
Khadidja responde: apesar de tudo, não fosse sua geração, as posteriores ainda estariam lustrando os sapatos dos franceses.
Na itinerância errante das duas podemos enxergar a própria errância de uma Argélia marcada pela violência em diferentes dimensões. Mais do que isso, de uma população em meio a essa violência toda: os traumas do passado colonial, os grupos fundamentalistas, as arbitrariedades do Estado pós-independência, a opressão de gênero, não saber se seus filhos estão mortos ou estão matando.
Nos Últimos Dias da Cidade
3.4 4Esse filme me fascinou.
A primeira vez que vi foi por ocasião da 11ª Mostra Mundo Árabe de Cinema (SP, 2016). Eu saí decepcionado, o filme me pareceu um tanto maçante, um amigo que me acompanhou na sessão dormiu uma boa parte e se queixou da minha escolha rsrs. Eu não discordei. Contudo, me peguei pensando no filme com frequência desde que o vi. Vez por outra as imagens fortes (da cidade, da vida política, da vida pessoal de Khaled, de seu filme) vinham-me a mente em meio às reflexões que me suscitaram.
Pois bem, hoje (29 de dezembro de 2018), tive a possibilidade de topar com o filme enquanto zapeava na TV. Fiquei muito animado, apesar de um pouco triste por ter perdido o começo.
O que mais me fascinou no filme acho que pode ser traduzido por meio de uma imagem que li Chico Buarque utilizar para definir uma de suas músicas (Pelas Tabelas, de 1984): uma barafunda entre o público e o privado. A mãe internada, as memórias, a amada que se vai, os apartamentos, o documentário, os amigos... tudo é permeado pela onipresente agitação da cidade nos últimos dias de um Cairo dominado por uma ditadura de 30 anos. A narrativa é por vezes confusa e fugidia. As imagens são bastante impactantes. Saio dessa segunda experiência com a fascinação reforçada e com novo impulso nas reflexões.
Santiago
4.1 134"Tempo implacável por sua falta de consideração." E, mais adiante: "lento ma non troppo."
Fragmentos da pena de Santiago que muito me tocaram. Melhor dizendo, da Hamilton de Santiago.
Sabrina
4.1 331 Assista AgoraNão sei, acho que meu ódio de classe não me deixou curtir o filme
A Pessoa é para o que Nasce
4.1 64Assistir a este filme foi uma das experiências mais desagradáveis da minha vida, principalmente por causa da abordagem do documentarista. É evidente que entre aquele que filma e aqueles que são retratados existem negociações, mas isso não significa dizer que não existem assimetrias.
O documentarista explora as mazelas e os sofrimentos das três mulheres retratadas, em uma intromissão enojante em diversos momentos: ao explorar o sofrimento de Poroca quando ela foi abandonada, jogando com a paixão que Maroca diz ter por ele, tratando isso com tom jocoso, trazendo Dalvinha quando ela claramente não queria participar naquele momento e etc etc.
As figuras retratadas participam do jogo e se dispuseram a isso, mas acho ingênuo ignorar a desigualdade de poder na confecção deste documentário (faço questão de reiterar).
Capitão Phillips
4.0 1,6K Assista AgoraExcelente filme de ação/suspense, mas me chamaram a atenção as diversas falas dos piratas, que explicitam os condicionamentos e limites de possibilidades impostas às personagens:
"Capitão Phillips: Deve existir outra coisa além de ser um pescador e um sequestrador.
Muse: Talvez na América, irlandês. Talvez na América."
Casa Comigo?
3.6 1,5K Assista AgoraColetânea de clichês, mas até que consegue ter seus momentos.
Uma Questão de Classe
3.4 28 Assista AgoraSurpreendeu, confesso que quando comecei estava com a expectativa baixa. Mas me diverti verdadeiramente; dei boas risadas e fiquei apreensivo...
...pensando se o Skip entregaria mesmo o Jonathan como vingança (talvez ingenuidade minha).
A personagem de Jonathan me cativou em particular: acho que me identifico com o jovem estabanado e etc etc.
A minha frustração foi o final abrupto após a briga. O conflito entre as masculinidades de Jonathan e Skip não poderia terminar de outra forma, mas esperava que se desse maior atenção à situação de Ellen.
Ó, Sol
4.2 4O título do filme é uma referência a uma música que africanos escravizados cantavam quando eram remetidos às Índias Ocidentais - "Ó, sol". Se, durante séculos, europeus moveram para lá e para cá nas margens do Atlântico negros africanos e dominaram e exploram suas terras e seus povos, por outro lado, são surpreendidos no momento em que descobrem que esses negros pretos africanos não só tem vontade própria como decidem conhecer a tão louvada e preciosa metrópole. No caso do filme, a "doce França" que era "terra de nossos ancestrais, os gauleses". A presença desse indivíduo - o imigrante - no território metropolitano desloca o ambiente e traz à tona as tensões então veladas nesse espaço. Como diz o velho barbudo, é nos territórios ultramarinos que a barbárie que é a "civilização" europeia, burguesa e capitalista desfila em toda sua nudez; contudo, ela emerge no cenário metropolitano de maneira indesejada justamente por causa dessa presença. Junto de si, o imigrante Jean não carrega apenas sua maleta e seus sonhos de ir "para casa" (chez moi). Ou, ao menos, àquela que lhe foi ensinada como sendo sua. Sua presença carrega a experiência colonial que os (neo)colonialistas se esforçam para não ver e esquecer.
A França, porém, logo se revela amarga. Na viagem para a metropolitana e "doce França", Jean se vê obrigado a fazer, ao mesmo tempo, uma viagem para dentro de si. O colonialismo é violento e a ruptura com ele não conhece outra via que não seja a violência. Jean encarna as histórias que se entrelaçaram e os territórios que foram sobrepostos. Assim, no filme de Med Hondo observamos a trajetória do imigrante Jean em seu processo de tomada de consciência política e de si. O processo de tomada de consciência, de descolonização da mente, é doloroso.
Afinal de contas, o que fazer do que fizeram da gente?