Isabela Brito

"Andando aqui, piso na sua dor. E foi nesse local, no coração de todas as Nathalies, que decidi me esconder."
Porque é utópico pensar que Nathalie vá esquecer. Nathalie se constitui de inúmeras Nathalies ao longo de sua existência, ela está em construção, o amor deles está, todos sempre estão se construindo e se reconstituindo.

Também acho um filme sem final. Confesso que me agradaria um final mais duro e mais real, um suicídio ou uma tentativa, é algo ao quais muitas crianças trans*gênerxs recorrem ao se verem na situação que Michael (e me refiro assim pois é quem a criança é e quer ser). Mas pensando em um outro filme com a mesma temática, Minha vida em cor-de-rosa, Ludovic passou pelas mesmas imposições e intolerâncias familiares, mas esse filme mostra muito mais, ao meu ver, uma criança já com a convicção do que é, muito menos aquela busca de Ludovic em determinados momentos do filme (sou menino ou sou menina?), mas mais uma certeza, criando assim uma vida alternativa, um Michael, para que nele essa criança pudesse realizar todos os atos cotidianos que os meninos cisgênerxs nem percebessem a importância, como poder andar sem blusa, jogar bola, entre outras atividades. É complicado falar de crianças, crianças estão muito
submissas às regras, imposições pessoais e culturais da família e da sociedade em si. Mas o que há em comum nessas crianças e, o que eu acho que deva ser uma possibilidade de intepretação desse filme, é que a luta da criança trans*gênerxs começa em si mesma e percorre muitos outros caminhos, muitas outras verdades dogmáticas ainda precisarão ser questionadas pelos familiares e pelas pessoas ao seu redor para que elas consigam ser plenamente felizes, completas e enxergarem em seu corpo si mesmas.

Me encantei com esse filme pela forma doce como é retratada, pelo olhar de Ludovic, um olhar infantil e sonhador em busca de sua identidade, um olhar em busca de algo que elx sente, o conflito entre o eu interior e as imposições sociais, seus próprios questionamentos em relação a si. Elx é pequenx demais para entender que a sociedade é heteronormativa, homofóbica, transfóbica, intolerante e medieval demais para fazer a distinção plena entre gênero, sexo biológico e orientação sexual, para compreender as individualidades do outro, para enxergar as pessoas não como pênis e vaginas mas como seres humanos. Elx é pequenx demais para perceber que terá um árduo caminho pela frente, inundado de taxações, de rispidez, de ignorância, de sanções sociais, de dor. Mas elx não é pequenx demais pra entender o que é, para perceber que a obrigação de ser o que algo que não sente ser não é saudável, não é para o bem delx. Não é pequenx demais, principalmente, para entender que podemos ser o que somos.