Os franceses tem um jeito todo especial, diferenciado, de retratar a infância, as suas crianças. O cineasta François Truffaut que o diga... "Le Petit Nicolas" foi uma grata surpresa: filme que encanta devido a sua simplicidade, em especial. É leve, divertido, gracioso. Os atores, a maioria desconhecidos do grande público, são incríveis. Não posso deixar de elogiar as crianças: mais do que carismáticos, esses meninos esbanjam talento. Ótima surpresa de fim de tarde!
Desconfio dessas produções norte-americanas que envolvem o Gael...O cara é tão talentoso, carismático, mas se envolve em cada produção (NORTE-AMERICANA) meia-boca...
"Chacun est son propre historien". O filme terminou e essa frase ficou martelando na minha cabeça. Interessante (e frustrante) recapitular o Maio de 68 e perceber, já em 1972, que a França nunca conseguiu romper com o status quo. Abordagem necessária sobre as relações trabalhistas. Interessante também a análise do papel dos meios de comunicação nesse tempo que não tem nada de novo...
The Devil's Eye é a prova concreta de que Bergman é excelente em tudo o que faz. Filme atípico do diretor sueco, O Olho do Diabo é uma comédia recheada de humor irônico, mas sem deixar de ser existencialista. Bergman expõe as suas incessantes inquietações acerca da onipresença de Deus através de um duelo entre o Céu e o Inferno, apesar deste ser mais enfatizado: "Uma pequena vitória no inferno pode ser muito mais profética do que um grande sucesso no céu". O estudo dos personagens é, como de praxe, excepcional. Bergman conduz a narrativa de tal forma que os personagens secundários sejam tão complexos quanto os principais. Assim, a mulher do pastor e o ajudante Pablo não perdem espaço para Don Juan. As inquietudes mascaradas da família são desvendadas ao longo da estória (o que é outra característica marcante do cinema de Ingmar), assim como também os vícios dos visitantes são traídos pela convivência com a família.
A maior prova da traição desses vícios é o fato de Don Juan se apaixonar por Britt-Marie
A composição estrutural do Inferno é bem dantesca (e isso foi um elogio). A alegoria do Diabo atormentado por um terçol causado pela castidade de uma jovem é genial. O final surpreendente é o tipo de coisa que dificilmente se vê hoje em dia.
Trono Manchado de Sangue é uma versão adaptada da peça Macbeth, "a tragédia da ambição", de Shakespeare. Kurosawa transpõe a narrativa shakesperiana da Inglaterra do séc. XVI para o contexto do Japão Feudal. Interessante notar a divergência de comportamento do casal principal. Enquanto Washizu / Macbeth é incapaz de tomar decisões sozinho (mesmo desejando que a profecia se cumpra, ele é incapaz de se autodeterminar, precisando sempre que a esposa o instigue a agir), Asaji / Lady Macbeth, ao contrário do marido, é fria e calculista. Ela não mede esforços para conseguir o que quer. Grande interpretação do casal protagonista. Kurosawa reproduziu com maestria o ambiente crepuscular, onírico e fantasioso da tragédia inglesa.
A floresta que se move, os corvos representando presságios, a aparição da bruxa (elemento fantasioso) na floresta...
Numa época em que o regicídio era considerado o pior dos crimes, é possível imaginar a intensidade do castigo a quem o comete. Grande filme!
"Vosso semblante, meu thane, é como um livro aberto Em que se podem desvendar coisas misteriosas. Certo Ao mundo aparentar para o mundo lograr. Sede cândido, na voz , nos modos e no olhar. Tentai assemelhar-se a uma flor inocente Mas sede, por detrás da flor, recôndita serpente (...)" Excerto do livro Macbeth, onde Lady Macbeth descreve o marido.
"Camille" é um romance classudo do "diretor de divas" George Cukor. Greta Garbo brilha no papel que já pertenceu às musas do cinema mudo Theda Bara e Alla Nazimova. Entretanto, quem me surpreendeu mesmo foi o jovem Robert Taylor, que não sucumbiu perante o magnetismo da deusa Garbo, conseguindo brilhar ao seu lado. Que casal interessante! Outro ponto positivo ficou por conta do belíssimo figurino de época: assisti ao filme uma segunda vez só para melhor apreciá-lo. De resto, acredito que o filme fez sim jus ao argumento do escritor francês Alexandre Dumas (o filho).
Hitchcock reúne os seus atores preferidos, o sempre ótimo Cary Grant e a bela Grace Kelly, neste suspense. Tem vários pontos positivos: o casal tem uma química incrível, a linda Riviera Francesa foi muito bem aproveitada pela lente do mestre inglês, os figurinos de festa desenhados por Edith Head - a designer queridinha de Hollywood - são divinos...Sem falar na genialidade do Hitch:
na cena em que Grace e Cary estão juntos no quarto e terminam se beijando, a câmera do diretor corta para a janela, onde vemos fogos de artifício estourando. Um sutil metáfora do diretor para dar a entender que ocorreu algo a mais que um beijo
A única coisa que me incomodou é que o final soou-me um tanto previsível: consegui prever o que aconteceria no final ainda na metade do filme.
Assisti à "Duplo Suicídio em Amijima" por indicação de um amante do cinema nipônico. Foi uma experiência gratificante, principalmente por ver elementos teatrais típicos atrelados à linguagem cinematográfica, interagindo com os personagens e até mesmo com o espectador. Gostei da abordagem (crítica) social, centrada na personagem da geisha (a sua exploração e o porquê dela se prostituir). Alguns momentos do filme parecem revestidos de oniricidade.
"To Rome with Love" não provocou em mim nem um décimo do encantamento/êxtase/deslumbre que "Midnight in Paris" conseguiu provocar, infelizmente. Poxa, o filme é todo rodado em Roma, porém a cidade é pouquíssimo explorada (e olhe que é uma das cidades mais lindas da Europa). Não que esteja esperando um city tour, mas os outros filmes eurocêntricos do Allen tiraram proveito melhor da locação. Alguns atores também ficaram muito aquém do esperado: Ellen Page é uma piada errante. Além disso, ela e o Jesse Eisenberg não tem um pingo de química. Alec Baldwin mais parece um papagaio de pirata. Fiquei surpresa com o Benigni, menos histrião que o de costume. O mais interessante da estória é ver que o Woody continua com o bom-humor (afiado) de sempre.
As cenas do soprano no chuveiro e a do ladrão com a moça no hotel são hilárias.
Mas o melhor de "Para Roma, com Amor", a meu ver, é a crítica ao sucesso imediatista (os famosos 15 minutinhos de fama) protagonizada por Roberto Benigni.
Os demais atores italianos foram uma grata surpresa. Aliás, só eu achei o Flavio Parente (o intérprete do Michelangelo) a cara do ator francês Louis Garrel?
"Ossessione" é o primeiro longa do mestre italiano e também o pioneiro do movimento neo-realista. Filme corajoso, uma afronta direta a um dos pilares do regime fascista: a família. Um destaque importante é o fato de Visconti nos mostrar uma face da Itália até então desconhecida, a região paupérrima do Vale do Pó. Achei bastante interessante também...
Quando a Giovanna conta a Gino como era a sua vida antes de se casar com Bragana. Ela conta ao amante que tinha uma vida miserável, as coisas que se obrigou a fazer para não morrer de fome. O casamento com Bragana lhe foi muito conveniente, nesse sentido. A abordagem de Visconti, nesta sequência, não deixa de ser uma crítica à situação marginalizada em que viviam as prostitutas. Em outro momento, Gino se encanta com uma "bailarina" que conheceu na cidade. A moça também é prostituta e, claro, vive numa situação precária. Enfim, essa é uma outra crítica que percebi neste filme...
Luchino Visconti ainda faria a sua obra-prima. Entretanto, "Ossessione" também tem o seu valor.
Segundo a mitologia grega, Pandora foi a primeira mulher criada por Zeus. Ela recebeu dos demais deuses do Olimpo virtudes como beleza, inteligência, etc. Eles também lhe deram uma caixa, que jamais deveria ser aberta. Pandora, entretanto, descumpriu as ordens dos deuses, abriu a caixa, espalhando o seu conteúdo (todos os males espirituais e físicos que atingem o homem, tais como doenças, inveja, dor...) pelo mundo todo. Lulu também tem muito de Pandora. De uma forma ou de outra, até mesmo inconsequentemente, a bailarina tem o dom de devastar a vida dos que se relacionam com ela. Um misto de prazer e culpa. E o pior de tudo: Lulu não tem a menor noção do estrago que provoca.
Uma cena em especial me marcou bastante. No tribunal, quando o promotor está lendo o seu parecer e pedi para que ela mostre o rosto para o fotógrafo. Quando a moça levanta o véu, o seu acusador fica praticamente estático, hipnotizado. O olhar dela consegue ser mais sensual do que a nudez de muitas atrizes hoje em dia. Outra coisa interessante é o fato do filme fazer uma alusão pioneira ao lesbianismo: a personagem de Alice Roberts demonstra, ainda que sutilmente, interesse pela personagem de Brooks.
A liberdade anárquica de Lulu é um deleite para os olhos. The Pandora's Box é a primeira parceria de Louise Brooks e o diretor alemão Georg Pabst. O filme foi censurado na época do seu lançamento, devido ao apelo erótico. Hoje é um clássico do cinema mudo e Louise Brooks é uma vanguardista, seja na batalha por melhores condições de trabalho em Hollywood, seja na luta pela liberdade sexual feminina.
Tenho que fazer coro com as pessoas aí embaixo que recomendam ler o livro antes de assistir ao filme. Vale cada uma das suas quase 1.500 páginas. Victor Hugo é um humanista maravilhoso, um autor consciente da realidade do seu tempo. Les Miserables não é apenas mais uma obra-prima literária, é um manifesto humanista singular. Sinceramente, pela densidade da obra e profundidade dos seus personagens, parece-me que três horas de filme é muito pouco. Na verdade, não sei como eles vão fazer, mas espero sinceramente que a estória não fique muito "cortada". No livro, há uma sucessão de eventos importantes, é de tirar o fôlego (e as lágrimas)do leitor. Observando o cast, senti falta (logo de imediato) do intérprete do menino-heroi Gavroche. Será que a produção vai omitir essa parte da estória?! Por enquanto, só podemos fazer conjecturas...Fico na expectativa de que a produção honre o belíssimo texto que tem em mãos, aproveitando o máximo dele.
"La Règle du jeu" é uma interessante sátira dos costumes da elite pertencente ao Realismo Poético Francês. A hipocrisia, a falsa moral burguesa e a relação patrão-empregado são explorados magistralmente pelo cineasta francês. Os personagens ostentam "máscaras". São hipócritas: fazem de tudo para manter as aparências, fingir uma dignidade que não existe. Neste ponto, o diretor é bem cético: Não adianta fingir uma moral(ou uma dignidade) inexistente, até porque cada um sabe da vida privada do outro. E todos sabem o que cada um é capaz de fazer para manter sua "máscara" intacta. Renoir é crítico, ácido e cético ao analisar o íntimo dos seus personagens. Claro que uma crítica dessa proporção, nessa época, não ia passar incólume pela censura: o filme recebeu inúmeras críticas negativas e chegou a ser censurado. Em alguns cinemas onde foi exibido, os espectadores não foram receptivos: há casos de pessoas que atearam fogo nas poltronas do cinema. Hodiernamente, A Regra do Jogo figura sempre entre os 10+ das listas de melhores filmes já produzidos. Renoir, com o seu cinema crítico e extremamente autoral, inovador ao ponto de gravar em locações externas e testar novos movimentos de câmera, influenciou bastante os críticos-cineastas da nouvelle vague. O próprio Truffaut afirmou ter assistido à "La Règle du Jeu" mais de trinta vezes. É incrível como este filme, rodado há mais de setenta anos, continua atual...“Vivemos numa época em que todos mentem. Os farmacêuticos, os políticos, o rádio, o cinema, os jornais. Então por que nós, simples cidadãos, não iríamos mentir?”
"La Strada" é um lindo filme de Federico Fellini. Sensível, poético, existencialista... um belo expoente do neo-realismo italiano. Embora, devo mencionar, vários críticos italianos tenham criticado o diretor, acusando-o de ter se afastado da questão social em La Strada. Imagine só! A questão social, tão presente nos filmes neo-realistas italianos, está presente em todo o filme. É só perceber, por exemplo, a forma como as vidas de Gelsomina e Zampanò se entrelaçam: ele a compra. Ele retira a moça de uma vida miserável para auxiliá-lo no seu trabalho. A vida de Zampanò também não é nenhum "mar de rosas". O diretor retrata com muita sensibilidade a vida (e as dificuldades) dos atores mambembes.
Gelsomina é a inocência, a doçura. É o tipo de personagem que nos leva ao riso com a mesma facilidade com que nos leva ao pranto. Giulietta Masina é uma clown maravilhosa, mas também é uma atriz dramática de primeira. Zampanò é o seu oposto: bruto, truculento, agressivo. Entretanto, os brutos também são capazes de amar... A vida dos dois tem uma reviravolta negativa quando um certo trapezista entra na estória...
Fellini teve que lutar para que o papel ficasse com Giulietta. Os produtores reconheciam o seu talento, mas achavam que ela não tinha o "tipo físico" exigido para uma protagonista. Masina conseguiu não apenas o papel, mas também o reconhecimento da crítica mundial. O nome de Federico Fellini também alcançou o estrelato graças a esse filme. "La Strada" lhe rendeu o seu primeiro oscar.
"As coisas precisam mudar para continuarem as mesmas".
"Il Gattopardo" é mais um representante dos filmes maravilhosos que foram desprezados pela crítica, nas suas respectivas épocas de lançamento, e que hoje são divinizados. O filme, vencedor da Palma de Ouro em Cannes (1963), é baseado num livro homônimo do nobre italiano Giuseppe Lampedusa. O personagem principal, o príncipe Fabrizio Salina, é baseado no próprio avô do escritor.
Luchino Visconti soube retratar como ninguém o declínio da aristocracia siciliana e a concomitante ascensão da burguesia. "O Leopardo" também poderia ter o seguinte codinome "crônica sobre o Risorgimento" (unificação italiana ocorrida no final do século XIX), sem nenhuma perda da sua essência. Para o papel do aristocrata Fabrizio Salina, havia um consenso de que era necessário contratar um ator com prestígio,com fama consolidada. Visconti queria Laurence Olivier, mas este encontrava-se adoentado na época. Então, numa manobra da produtora Titanius com a FOX, convenceram Burt Lancaster a assumir o papel, o que deixou o diretor italiano muito irritado. Luchino não gostava de ser contrariado, queria assumir todas as etapas da produção dos seus filmes, inclusive a escolha do ator principal. "E o que eu vou fazer com um gângster norte-americano?", vociferou o diretor, ao saber que a escolha do ator principal aconteceu "pelas suas costas", contudo, pouco tempo depois eles se tornaram amigos. O próprio Lancaster admitiu ter construído o seu personagem baseando-se no próprio diretor, que era descendente direto de nobres italianos (Visconti era conhecido como o "conde vermelho"; o conde italiano adepto do marxismo - que incongruência, não?). A crítica também não poupou Burt Lancaster. Eles não acreditavam que um ator hollywoodiano pudesse convencer no papel de um legítimo aristocrata siciliano. O ator nem ao menos falava italiano, teve que ser dublado!Mesmo diante de todos os impedimentos, o ator norte-americano e a crítica atual consideram esse o seu papel mais desafiador, a sua melhor interpretação. Fabrizio é um aristocrata consciente das mudanças pelas quais o seu País está vivendo. A cena do baile no Palácio de Pantaleone dá ao Leopardo (o príncipe de Salina, dom Fabrizio)a sua verdadeira dimensão no tempo: a decadência da sua classe. É perceptível, nesse momento, a ascensão da burguesia ambicionando, concomitantemente, a superação da aristocracia. Fabrizio começa a refletir sobre a sua vida, de como ela foi construída de forma tão falseada, plastificada. Vê-se como um velho decadente, chega até a almejar a morte. O príncipe de Salina é a personificação da própria aristocracia. Ela não tem mais como se manter sozinha na nova conjuntura política. O matrimônio de Tancredi (Alain Delon) e Angélica (Claudia Cardinale) é prova disso: a aristocracia, representada pelo personagem de Delon, entra com a tradição e o prestígio; enquanto a burguesia, personificada em Claudia, entra com o capital financeiro. Um precisa do outro. Angélica precisa do prestígio conferido pelo nome do sobrinho do príncipe. Mais até do que isso, ela precisa mostrar que foi aceita pelo mundinho reservado da nobreza, por isso ela se exibe numa valsa com dom Fabrizio. Angélica e tudo o que ela representa(a burguesia)venceram. E que personagem mais dúbio é esse Tancredi?! Ambíguo, caricatural, desprezível...É a representação mais fiel do soldado "vira-casaca": luta pelo que lhe é conveniente no MOMENTO. E os seus interesses são tão fugidios!!É um personagem ambicioso, soldado pelego, nobre falido (mais com nome respeitável)..um legítimo escroque suavizado pela sutil adaptação do livro. Para os que curtem o trabalho do Scorsese, as cenas de batalha do início o inspiraram em "Gangues de Nova York".
Quanto aos aspectos técnicos, o diretor italiano é um minimalista maravilhoso! Visconti é detalhista ao extremo: até as flores que enfeitavam a casa tinham que ser naturais e vindas de San Remo, já que o diretor não gostava das flores sicilianas, sendo que elas eram substituídas de dois em dois dias. Os cenários são suntuosos, possuem uma riqueza de detalhes que proporciona um verdadeiro "banquete visual". Considerava Edith Head como a minha figurinista favorita, mas depois deste filme e de "Morte em Veneza", Piero Tosi galgou o ápice da minha preferência no quesito figurino. Nino Rota é Nino Rota, simplesmente o maior compositor de trilhas sonoras cinematográficas de todos os tempos. Qualquer dúvida quanto a isso é só conferir a sua listinha de clientes: Visconti, Fellini, Coppola, Leone...A fotografia de Giuseppe Rotunno também merece destaque.
Il Gattopardo - apesar de ter sido um fiasco de bilheteria e de crítica (na época, nem a Itália aprovou o filme) -, além de ter consumido seis meses de filmagens (quase um mês gravando apenas a cena do baile) e três milhões de dólares (quase arruinou a produtora italiana Titanius), é um dos grandes filmes de Visconti e um dos melhores filmes já produzidos de todos os tempos. Ah! Só explicando (ou tentando explicar) a frase inicial do meu texto: não importa o que aconteça, sempre haverá uma classe privilegiada.
"É preciso explicar porque o mundo de hoje, que é horrível,é apenas um momento do longo desenvolvimento histórico e que a esperança sempre foi uma das forças dominantes das revoluções e das insurreições. Eu ainda sinto a esperança como a minha concepção de futuro" Jean Paul Sartre (1963).
A globalização é um fenômeno histórico, sendo que - consoante é apresentado por Milton Santos - caracteriza-se pela perversidade. No decorrer do filme é possível entender o porquê dessa caracterização. Conforme anteriormente exposto, a globalização é um fenômeno histórico, multifacetado, evidenciada pela intensificação das relações sociais mundiais que unem localidades distantes (Giddens). É pluralista, pois possui as mais variadas dimensões: social, política, econômica, cultural, dentre outras. Milton Santos acredita ser o colonialismo a primeira forma de globalização. Esta era marcada pela ocupação territorial orquestrada nos séculos XV e XVI. A segunda forma ocorreu no início do século XX, com a fragmentação dos territórios. O século XX entrou para a história como o século das revoluções (tecnológicas e por que não políticas?!). O humanismo foi atropelado pelo consumismo exacerbado (mácula fundamentalista do capitalismo). Há uma globalização da pobreza, assim como se acirrou a tensão entre o Norte desenvolvido e o Sul subdesenvolvido. A síntese disso é a existência paradoxal de três mundos em um só: a globalização como falam; a globalização como é, caracterizada pela perversidade e a globalização como pode ser, de uma outra forma. Cabe aos indivíduos, enquanto protagonistas sócio-políticos, criar as condições materiais para outra política de globalização: mais justa e igualitária. O Consenso de Washington (1989) é o maior exemplo de globalização como perversidade. Conhecido como “consenso neoliberal”, foi subscrito pelos Estados centrais do sistema mundial. Abrangia o futuro da economia global, as políticas de desenvolvimento e especialmente o papel do Estado na economia. A globalização econômica é sustentada por esse consenso que expressa, dentre outras coisas, a subordinação dos Estados Nacionais a organismos internacionais, como o FMI e o Banco Mundial (Boaventura de Sousa Santos). A imposição desse receituário neoliberal, para sanear as dificuldades econômicas, desencadeou um efeito em cadeia na América Latina: uma proliferação rápida e generalizada de efeitos negativos como privatizações, desemprego e miséria. A economia argentina, por exemplo, foi destroçada pelas políticas neoliberais. Fábricas argentinas fecharam e muitos trabalhadores se converteram em catadores de papel. Em Cochabamba, na Bolívia (em 2000), o governo - pressionado pelo FMI e pelo Banco Mundial – privatizou a água potável. Forças populares organizadas em prol da desprivatização da água sofreram represálias do governo. Todavia, o movimento popular saiu vitorioso e alcançou o seu objetivo. As grandes empresas não têm responsabilidade nem moral nem social, a exemplo da exploração da mão-de-obra nos países periféricos. No fato mostrado no documentário – que caracteriza essa exploração – um paletó de marca norte-americana, produzido em El Salvador, é vendido por 178 dólares, sendo que os trabalhadores receberam apenas 74 centavos para produzi-lo. Outra questão pertinente é a da fome, expressa pela péssima distribuição global (a Nigéria é, concomitantemente, um dos maiores produtores de grãos do planeta e um dos países com maior índice global de população subnutrida!). Como diria Josué de Castro em “Geopolítica da Fome” (1961): “O mundo se divide em dois grupos: o grupo dos que não comem e o grupo dos que não dormem com receio da revolta dos que não comem”. O capitalismo possui arcabouços que servem de sustentáculo para a sua proliferação desenfreada, como a mídia. Seis grandes empresas controlam a mídia internacional. A interpretação dos fatos, que constitui a notícia, é feita segundo convicções pré-estabelecidas. Ela retrata a globalização como uma “fábula” e a única crise que lhe interessa é a crise financeira. A nova ordem mundial consegue manter antagonismos nitidamente marcados como a evolução do modelo de desenvolvimento capitalista e a crescente mobilização das classes marginalizadas em defesa dos direitos sociais. Essa globalização cultural também contribui para a publicização mundial de questões polêmicas que ocorrem nos mais diversos países. Por fim, Milton Santos acredita que o período tecnológico da era humana está terminando, sendo sucedido pelo período democrático. Nessa nova fase, os novos protagonistas sociais serão as camadas de baixo, representantes dos países historicamente marginalizados.
"El Cid" foi o primeiro filme do Anthony Mann que assisti. Charlton Heston foi a escolha mais acertada, aliás, o cara nasceu para interpretar épicos. O cenário é divino e a música de Miklos Rozsa caiu como uma luva. Só pecou por ser demasiadamente longo (muito mais que 89 minutos!), não conseguindo manter o ritmo até o final. Dos filmes épicos, ainda prefiro Ben-Hur e Quo Vadis.
Que grata surpresa ver o trabalho de Demián Bichir ser apreciado pela Academia!
Acredito que, ao se ter um filho, projetamos nele tudo de bom que poderíamos ter possuído ou feito, queremos que ele seja uma pessoa melhor do que nós mesmos poderíamos ter sido. Filho, de uma forma ou de outra, é uma perpetuação dos pais, é uma forma de manter-se vivo. "A better life" não é mais um filme clichê sobre imigração ilegal. O foco é a relação entre Carlos Galindo e Luís, pai e filho, as dificuldades do pai - imigrante latino ilegal - de orientar o garoto, de fazer dele um homem de bem com um futuro decente.
"Eu te tive por mim", responde Carlos quando Luís lhe pergunta por que quis tê-lo
Acredito que o diretor foi muito feliz ao romper com o estereótipo imposto aos latinos por Hollywood. O personagem principal é um homem que vive envolto em um ambiente hostil, mas que não se curva diante das circunstâncias. Sem falar que Carlos tem um caráter incontestável! É muito bom ver um protagonista latino, melhor ainda quando ele é íntegro, decente. Uma ótima lição sobre valores, criação e amor incondicional.
Deixando de lado a discussão que Eisenstein sempre provoca, acerca de seus filmes terem um caráter mais revisionista do que propriamente materialista, tem-se que dar o braço a torcer: o cara é o rei da montagem. A alegoria do pavão representando a egolatria do primeiro- ministro Kerensky é divina. Os planos gerais são muito bem utilizados para representar o ambiente megalomaníaco da época. Mais do que um filme, um registro histórico sui generis.
Agora que reparei o quão interessante ficou o título em português! Bem criativo e condizente com o argumento do filme. Alain Delon c'est moi DIVO!Magnifique.
Amo demais esta fase mais madura do Bergman, de análise das relações familiares, de "queda das máscaras", que vai de Persona até Saraband. "Sonata de Outono" é mais um maravilhoso filme do diretor sueco. fruto da sua maturidade artística. Um fator interessante na sua filmografia é o fato dele estar sempre cercado de atores sublimes. Em Sonata de Outono, vemos dois monstros sagrados do cinema, Liv Ullmann e Ingrid Bergman, se degladiando num visceral acerto de contas entre mãe e filha. Liv interpreta Eva, filha carente de Charlotte(Ingrid Bergman, divina), que vive à sombra do sucesso da mãe e sofre com o "amor superficial" destinado-lhe pela genitora. Charlotte não deseja qualquer tentativa de real aproximação com as filhas (Eva tem uma irmã,Helena). Suas atitudes para com as duas são superficiais demais, beiram à encenação, como fragmentos de uma peça de teatro. Até que, num certo momento, todas as angústias acumuladas durante anos vem à tona, desembocando numa das cenas mais lindas da filmografia do diretor. Outono é tempo de renovação. Bergman utiliza o trocadilho para expor a dor e a dificuldade de mãe e filha se perdoarem (sim, a dor é recíproca). Sonata também retoma, mais uma vez, a religiosidade, centrada especialmente em Eva. O filme seria perfeito só pelo argumento e roteiro maravilhosos, mas ainda tem a impecável fotografia de Sven Nykvist,a música adorável de Chopin e uma coadjuvante de peso (Lena Nyman). Ingmar Bergman precisa ser apreciado e "descoberto" por mais pessoas!
"Mãe e filha, que mistura terrível de sentimentos, confusão e destruição (...) As cicatrizes da mãe são passadas para a filha. As falhas da mãe são pagas pela filha. A infelicidade da mãe é a infelicidade da filha. Parece que o cordão umbilical nunca foi cortado. É isso? Será a infelicidade da filha o triunfo da mãe? Será que a minha tristeza é a sua satisfação secreta?"
"Você realmente acredita que a beleza pode ser fruto do trabalho?A beleza nasce espontaneamente, indiferente ao seu trabalho e ao meu. Ela preexiste à nossa presunção de artistas (...) A realidade apenas nos distrai e nos degrada"
"Mort a Venise" é um FILME-ARTE, poético, sensível e extremamente filosófico. Vários aspectos da teoria platônica, especialmente da Teoria das Idéias, podem ser reconhecidos nesta obra-prima. Em linhas gerais, o filme narra a estória de um músico (Aschenbach) obcecado pela beleza, que se vê transtornado quando conhece o jovem Tadzio. O iniciante Bjorn Andrésen, jovem de traços delicados e beleza descomunal, foi escolhido pelo próprio Visconti depois de uma seleta "peneira" de atores. Tadzio é, para Aschenbach, o próprio ideal de Beleza e, como tal, é inacessível. Penso que, tanto Thomas Mann quanto Visconti, inspiraram-se na filosofia platônica para retratar a paixão avassaladora do músico: Aschenbach é o tipo de artista que está sempre em busca da perfeição. E Tadzio é a perfeição personificada, é a Beleza (conceito ideal de Platão; que serve de molde para as outras formas de "beleza", embora estas sejam imperfeitas e sujeitas ao desgaste pelo tempo) em seu estado Ideal. A importância desse amor platônico é tanta que provoca uma fusão: artista e homem são um só, espiritualmente falando. A mesma paixão o levará à decadência, na cena mais linda que eu já vi no cinema.
É um filme que merece ser visto e revisto porque, além da estória ser maravilhosa (baseada num livro igualmente maravilhoso), Visconti é um artista minimalista. O próprio diretor cuidou de cada detalhe para que o filme incorporasse fielmente a aura do começo do século XX. A música de Gustav Mahler é divina e os figurinos de Piero Tosi são encantadores. E ainda tem Dirk Bogarde brindando-nos com uma interpretação visceral, apaixonada e apaixonante. 5 estrelas é pouco!
"Diga-me o que existe na base daquilo que agrada a todos? A mediocridade". DIVINO!
O Pequeno Nicolau
4.1 965Os franceses tem um jeito todo especial, diferenciado, de retratar a infância, as suas crianças. O cineasta François Truffaut que o diga...
"Le Petit Nicolas" foi uma grata surpresa: filme que encanta devido a sua simplicidade, em especial. É leve, divertido, gracioso. Os atores, a maioria desconhecidos do grande público, são incríveis. Não posso deixar de elogiar as crianças: mais do que carismáticos, esses meninos esbanjam talento. Ótima surpresa de fim de tarde!
Z
2.7 8Desconfio dessas produções norte-americanas que envolvem o Gael...O cara é tão talentoso, carismático, mas se envolve em cada produção (NORTE-AMERICANA) meia-boca...
Doce de Mãe
4.0 351A cena na qual a Picucha corre atrás do mendigo, chamando-o de Jesus, é impagável!
Uma ótima comédia nacional.
Tudo Vai Bem
3.9 15"Chacun est son propre historien". O filme terminou e essa frase ficou martelando na minha cabeça.
Interessante (e frustrante) recapitular o Maio de 68 e perceber, já em 1972, que a França nunca conseguiu romper com o status quo. Abordagem necessária sobre as relações trabalhistas. Interessante também a análise do papel dos meios de comunicação nesse tempo que não tem nada de novo...
O Olho do Diabo
4.3 90The Devil's Eye é a prova concreta de que Bergman é excelente em tudo o que faz. Filme atípico do diretor sueco, O Olho do Diabo é uma comédia recheada de humor irônico, mas sem deixar de ser existencialista. Bergman expõe as suas incessantes inquietações acerca da onipresença de Deus através de um duelo entre o Céu e o Inferno, apesar deste ser mais enfatizado:
"Uma pequena vitória no inferno pode ser muito mais profética do que um grande sucesso no céu".
O estudo dos personagens é, como de praxe, excepcional. Bergman conduz a narrativa de tal forma que os personagens secundários sejam tão complexos quanto os principais. Assim, a mulher do pastor e o ajudante Pablo não perdem espaço para Don Juan. As inquietudes mascaradas da família são desvendadas ao longo da estória (o que é outra característica marcante do cinema de Ingmar), assim como também os vícios dos visitantes são traídos pela convivência com a família.
A maior prova da traição desses vícios é o fato de Don Juan se apaixonar por Britt-Marie
A composição estrutural do Inferno é bem dantesca (e isso foi um elogio). A alegoria do Diabo atormentado por um terçol causado pela castidade de uma jovem é genial. O final surpreendente é o tipo de coisa que dificilmente se vê hoje em dia.
Quando pensamos que o Inferno triunfou, Bergman nos apresenta um Don Juan apaixonado!
Trono Manchado de Sangue
4.4 121 Assista AgoraTrono Manchado de Sangue é uma versão adaptada da peça Macbeth, "a tragédia da ambição", de Shakespeare. Kurosawa transpõe a narrativa shakesperiana da Inglaterra do séc. XVI para o contexto do Japão Feudal.
Interessante notar a divergência de comportamento do casal principal. Enquanto Washizu / Macbeth é incapaz de tomar decisões sozinho (mesmo desejando que a profecia se cumpra, ele é incapaz de se autodeterminar, precisando sempre que a esposa o instigue a agir), Asaji / Lady Macbeth, ao contrário do marido, é fria e calculista. Ela não mede esforços para conseguir o que quer. Grande interpretação do casal protagonista.
Kurosawa reproduziu com maestria o ambiente crepuscular, onírico e fantasioso da tragédia inglesa.
A floresta que se move, os corvos representando presságios, a aparição da bruxa (elemento fantasioso) na floresta...
Numa época em que o regicídio era considerado o pior dos crimes, é possível imaginar a intensidade do castigo a quem o comete. Grande filme!
"Vosso semblante, meu thane, é como um livro aberto
Em que se podem desvendar coisas misteriosas. Certo
Ao mundo aparentar para o mundo lograr.
Sede cândido, na voz , nos modos e no olhar.
Tentai assemelhar-se a uma flor inocente
Mas sede, por detrás da flor, recôndita serpente (...)"
Excerto do livro Macbeth, onde Lady Macbeth descreve o marido.
A General
4.4 175 Assista AgoraO triângulo amoroso mais inusitado do cinema...
Johnny, sua "General" e uma tal de Annabelle...
Uma graça!
A Dama das Camélias
4.0 61 Assista Agora"Camille" é um romance classudo do "diretor de divas" George Cukor. Greta Garbo brilha no papel que já pertenceu às musas do cinema mudo Theda Bara e Alla Nazimova. Entretanto, quem me surpreendeu mesmo foi o jovem Robert Taylor, que não sucumbiu perante o magnetismo da deusa Garbo, conseguindo brilhar ao seu lado. Que casal interessante! Outro ponto positivo ficou por conta do belíssimo figurino de época: assisti ao filme uma segunda vez só para melhor apreciá-lo. De resto, acredito que o filme fez sim jus ao argumento do escritor francês Alexandre Dumas (o filho).
Ladrão de Casaca
3.7 259Hitchcock reúne os seus atores preferidos, o sempre ótimo Cary Grant e a bela Grace Kelly, neste suspense. Tem vários pontos positivos: o casal tem uma química incrível, a linda Riviera Francesa foi muito bem aproveitada pela lente do mestre inglês, os figurinos de festa desenhados por Edith Head - a designer queridinha de Hollywood - são divinos...Sem falar na genialidade do Hitch:
na cena em que Grace e Cary estão juntos no quarto e terminam se beijando, a câmera do diretor corta para a janela, onde vemos fogos de artifício estourando. Um sutil metáfora do diretor para dar a entender que ocorreu algo a mais que um beijo
A única coisa que me incomodou é que o final soou-me um tanto previsível: consegui prever o que aconteceria no final ainda na metade do filme.
Duplo Suicídio em Amijima
4.2 11Assisti à "Duplo Suicídio em Amijima" por indicação de um amante do cinema nipônico. Foi uma experiência gratificante, principalmente por ver elementos teatrais típicos atrelados à linguagem cinematográfica, interagindo com os personagens e até mesmo com o espectador.
Gostei da abordagem (crítica) social, centrada na personagem da geisha (a sua exploração e o porquê dela se prostituir). Alguns momentos do filme parecem revestidos de oniricidade.
como na cena em que eles consumam o seu amor perto de um templo do vilarejo
Não poderia terminar este comentário sem elogiar a belíssima tristeza de Hoharu. Shima Iwashita é adorável.
Para Roma Com Amor
3.4 1,3K Assista Agora"To Rome with Love" não provocou em mim nem um décimo do encantamento/êxtase/deslumbre que "Midnight in Paris" conseguiu provocar, infelizmente. Poxa, o filme é todo rodado em Roma, porém a cidade é pouquíssimo explorada (e olhe que é uma das cidades mais lindas da Europa). Não que esteja esperando um city tour, mas os outros filmes eurocêntricos do Allen tiraram proveito melhor da locação. Alguns atores também ficaram muito aquém do esperado: Ellen Page é uma piada errante. Além disso, ela e o Jesse Eisenberg não tem um pingo de química. Alec Baldwin mais parece um papagaio de pirata. Fiquei surpresa com o Benigni, menos histrião que o de costume.
O mais interessante da estória é ver que o Woody continua com o bom-humor (afiado) de sempre.
As cenas do soprano no chuveiro e a do ladrão com a moça no hotel são hilárias.
Os demais atores italianos foram uma grata surpresa. Aliás, só eu achei o Flavio Parente (o intérprete do Michelangelo) a cara do ator francês Louis Garrel?
Obsessão
3.9 32 Assista Agora"Ossessione" é o primeiro longa do mestre italiano e também o pioneiro do movimento neo-realista. Filme corajoso, uma afronta direta a um dos pilares do regime fascista: a família. Um destaque importante é o fato de Visconti nos mostrar uma face da Itália até então desconhecida, a região paupérrima do Vale do Pó.
Achei bastante interessante também...
Quando a Giovanna conta a Gino como era a sua vida antes de se casar com Bragana. Ela conta ao amante que tinha uma vida miserável, as coisas que se obrigou a fazer para não morrer de fome. O casamento com Bragana lhe foi muito conveniente, nesse sentido. A abordagem de Visconti, nesta sequência, não deixa de ser uma crítica à situação marginalizada em que viviam as prostitutas. Em outro momento, Gino se encanta com uma "bailarina" que conheceu na cidade. A moça também é prostituta e, claro, vive numa situação precária. Enfim, essa é uma outra crítica que percebi neste filme...
Luchino Visconti ainda faria a sua obra-prima. Entretanto, "Ossessione" também tem o seu valor.
A Caixa de Pandora
4.2 88 Assista AgoraSegundo a mitologia grega, Pandora foi a primeira mulher criada por Zeus. Ela recebeu dos demais deuses do Olimpo virtudes como beleza, inteligência, etc. Eles também lhe deram uma caixa, que jamais deveria ser aberta. Pandora, entretanto, descumpriu as ordens dos deuses, abriu a caixa, espalhando o seu conteúdo (todos os males espirituais e físicos que atingem o homem, tais como doenças, inveja, dor...) pelo mundo todo.
Lulu também tem muito de Pandora. De uma forma ou de outra, até mesmo inconsequentemente, a bailarina tem o dom de devastar a vida dos que se relacionam com ela. Um misto de prazer e culpa. E o pior de tudo: Lulu não tem a menor noção do estrago que provoca.
Uma cena em especial me marcou bastante. No tribunal, quando o promotor está lendo o seu parecer e pedi para que ela mostre o rosto para o fotógrafo. Quando a moça levanta o véu, o seu acusador fica praticamente estático, hipnotizado. O olhar dela consegue ser mais sensual do que a nudez de muitas atrizes hoje em dia. Outra coisa interessante é o fato do filme fazer uma alusão pioneira ao lesbianismo: a personagem de Alice Roberts demonstra, ainda que sutilmente, interesse pela personagem de Brooks.
A liberdade anárquica de Lulu é um deleite para os olhos. The Pandora's Box é a primeira parceria de Louise Brooks e o diretor alemão Georg Pabst. O filme foi censurado na época do seu lançamento, devido ao apelo erótico. Hoje é um clássico do cinema mudo e Louise Brooks é uma vanguardista, seja na batalha por melhores condições de trabalho em Hollywood, seja na luta pela liberdade sexual feminina.
Os Miseráveis
4.1 4,2K Assista AgoraTenho que fazer coro com as pessoas aí embaixo que recomendam ler o livro antes de assistir ao filme. Vale cada uma das suas quase 1.500 páginas. Victor Hugo é um humanista maravilhoso, um autor consciente da realidade do seu tempo. Les Miserables não é apenas mais uma obra-prima literária, é um manifesto humanista singular. Sinceramente, pela densidade da obra e profundidade dos seus personagens, parece-me que três horas de filme é muito pouco. Na verdade, não sei como eles vão fazer, mas espero sinceramente que a estória não fique muito "cortada". No livro, há uma sucessão de eventos importantes, é de tirar o fôlego (e as lágrimas)do leitor. Observando o cast, senti falta (logo de imediato) do intérprete do menino-heroi Gavroche. Será que a produção vai omitir essa parte da estória?! Por enquanto, só podemos fazer conjecturas...Fico na expectativa de que a produção honre o belíssimo texto que tem em mãos, aproveitando o máximo dele.
A Regra do Jogo
4.1 122 Assista Agora"La Règle du jeu" é uma interessante sátira dos costumes da elite pertencente ao Realismo Poético Francês. A hipocrisia, a falsa moral burguesa e a relação patrão-empregado são explorados magistralmente pelo cineasta francês. Os personagens ostentam "máscaras". São hipócritas: fazem de tudo para manter as aparências, fingir uma dignidade que não existe. Neste ponto, o diretor é bem cético: Não adianta fingir uma moral(ou uma dignidade) inexistente, até porque cada um sabe da vida privada do outro. E todos sabem o que cada um é capaz de fazer para manter sua "máscara" intacta. Renoir é crítico, ácido e cético ao analisar o íntimo dos seus personagens. Claro que uma crítica dessa proporção, nessa época, não ia passar incólume pela censura: o filme recebeu inúmeras críticas negativas e chegou a ser censurado. Em alguns cinemas onde foi exibido, os espectadores não foram receptivos: há casos de pessoas que atearam fogo nas poltronas do cinema. Hodiernamente, A Regra do Jogo figura sempre entre os 10+ das listas de melhores filmes já produzidos.
Renoir, com o seu cinema crítico e extremamente autoral, inovador ao ponto de gravar em locações externas e testar novos movimentos de câmera, influenciou bastante os críticos-cineastas da nouvelle vague. O próprio Truffaut afirmou ter assistido à "La Règle du Jeu" mais de trinta vezes.
É incrível como este filme, rodado há mais de setenta anos, continua atual...“Vivemos numa época em que todos mentem. Os farmacêuticos, os políticos, o rádio, o cinema, os jornais. Então por que nós, simples cidadãos, não iríamos mentir?”
A Estrada da Vida
4.3 228"La Strada" é um lindo filme de Federico Fellini. Sensível, poético, existencialista... um belo expoente do neo-realismo italiano. Embora, devo mencionar, vários críticos italianos tenham criticado o diretor, acusando-o de ter se afastado da questão social em La Strada. Imagine só! A questão social, tão presente nos filmes neo-realistas italianos, está presente em todo o filme. É só perceber, por exemplo, a forma como as vidas de Gelsomina e Zampanò se entrelaçam: ele a compra. Ele retira a moça de uma vida miserável para auxiliá-lo no seu trabalho. A vida de Zampanò também não é nenhum "mar de rosas". O diretor retrata com muita sensibilidade a vida (e as dificuldades) dos atores mambembes.
Gelsomina é a inocência, a doçura. É o tipo de personagem que nos leva ao riso com a mesma facilidade com que nos leva ao pranto. Giulietta Masina é uma clown maravilhosa, mas também é uma atriz dramática de primeira. Zampanò é o seu oposto: bruto, truculento, agressivo. Entretanto, os brutos também são capazes de amar... A vida dos dois tem uma reviravolta negativa quando um certo trapezista entra na estória...
Fellini teve que lutar para que o papel ficasse com Giulietta. Os produtores reconheciam o seu talento, mas achavam que ela não tinha o "tipo físico" exigido para uma protagonista. Masina conseguiu não apenas o papel, mas também o reconhecimento da crítica mundial. O nome de Federico Fellini também alcançou o estrelato graças a esse filme. "La Strada" lhe rendeu o seu primeiro oscar.
O Leopardo
4.2 105 Assista Agora"As coisas precisam mudar para continuarem as mesmas".
"Il Gattopardo" é mais um representante dos filmes maravilhosos que foram desprezados pela crítica, nas suas respectivas épocas de lançamento, e que hoje são divinizados.
O filme, vencedor da Palma de Ouro em Cannes (1963), é baseado num livro homônimo do nobre italiano Giuseppe Lampedusa. O personagem principal, o príncipe Fabrizio Salina, é baseado no próprio avô do escritor.
Luchino Visconti soube retratar como ninguém o declínio da aristocracia siciliana e a concomitante ascensão da burguesia. "O Leopardo" também poderia ter o seguinte codinome "crônica sobre o Risorgimento" (unificação italiana ocorrida no final do século XIX), sem nenhuma perda da sua essência. Para o papel do aristocrata Fabrizio Salina, havia um consenso de que era necessário contratar um ator com prestígio,com fama consolidada. Visconti queria Laurence Olivier, mas este encontrava-se adoentado na época. Então, numa manobra da produtora Titanius com a FOX, convenceram Burt Lancaster a assumir o papel, o que deixou o diretor italiano muito irritado. Luchino não gostava de ser contrariado, queria assumir todas as etapas da produção dos seus filmes, inclusive a escolha do ator principal. "E o que eu vou fazer com um gângster norte-americano?", vociferou o diretor, ao saber que a escolha do ator principal aconteceu "pelas suas costas", contudo, pouco tempo depois eles se tornaram amigos. O próprio Lancaster admitiu ter construído o seu personagem baseando-se no próprio diretor, que era descendente direto de nobres italianos (Visconti era conhecido como o "conde vermelho"; o conde italiano adepto do marxismo - que incongruência, não?). A crítica também não poupou Burt Lancaster. Eles não acreditavam que um ator hollywoodiano pudesse convencer no papel de um legítimo aristocrata siciliano. O ator nem ao menos falava italiano, teve que ser dublado!Mesmo diante de todos os impedimentos, o ator norte-americano e a crítica atual consideram esse o seu papel mais desafiador, a sua melhor interpretação. Fabrizio é um aristocrata consciente das mudanças pelas quais o seu País está vivendo. A cena do baile no Palácio de Pantaleone dá ao Leopardo (o príncipe de Salina, dom Fabrizio)a sua verdadeira dimensão no tempo: a decadência da sua classe. É perceptível, nesse momento, a ascensão da burguesia ambicionando, concomitantemente, a superação da aristocracia. Fabrizio começa a refletir sobre a sua vida, de como ela foi construída de forma tão falseada, plastificada. Vê-se como um velho decadente, chega até a almejar a morte. O príncipe de Salina é a personificação da própria aristocracia. Ela não tem mais como se manter sozinha na nova conjuntura política. O matrimônio de Tancredi (Alain Delon) e Angélica (Claudia Cardinale) é prova disso: a aristocracia, representada pelo personagem de Delon, entra com a tradição e o prestígio; enquanto a burguesia, personificada em Claudia, entra com o capital financeiro. Um precisa do outro. Angélica precisa do prestígio conferido pelo nome do sobrinho do príncipe. Mais até do que isso, ela precisa mostrar que foi aceita pelo mundinho reservado da nobreza, por isso ela se exibe numa valsa com dom Fabrizio. Angélica e tudo o que ela representa(a burguesia)venceram. E que personagem mais dúbio é esse Tancredi?! Ambíguo, caricatural, desprezível...É a representação mais fiel do soldado "vira-casaca": luta pelo que lhe é conveniente no MOMENTO. E os seus interesses são tão fugidios!!É um personagem ambicioso, soldado pelego, nobre falido (mais com nome respeitável)..um legítimo escroque suavizado pela sutil adaptação do livro. Para os que curtem o trabalho do Scorsese, as cenas de batalha do início o inspiraram em "Gangues de Nova York".
Quanto aos aspectos técnicos, o diretor italiano é um minimalista maravilhoso! Visconti é detalhista ao extremo: até as flores que enfeitavam a casa tinham que ser naturais e vindas de San Remo, já que o diretor não gostava das flores sicilianas, sendo que elas eram substituídas de dois em dois dias. Os cenários são suntuosos, possuem uma riqueza de detalhes que proporciona um verdadeiro "banquete visual". Considerava Edith Head como a minha figurinista favorita, mas depois deste filme e de "Morte em Veneza", Piero Tosi galgou o ápice da minha preferência no quesito figurino. Nino Rota é Nino Rota, simplesmente o maior compositor de trilhas sonoras cinematográficas de todos os tempos. Qualquer dúvida quanto a isso é só conferir a sua listinha de clientes: Visconti, Fellini, Coppola, Leone...A fotografia de Giuseppe Rotunno também merece destaque.
Il Gattopardo - apesar de ter sido um fiasco de bilheteria e de crítica (na época, nem a Itália aprovou o filme) -, além de ter consumido seis meses de filmagens (quase um mês gravando apenas a cena do baile) e três milhões de dólares (quase arruinou a produtora italiana Titanius), é um dos grandes filmes de Visconti e um dos melhores filmes já produzidos de todos os tempos. Ah! Só explicando (ou tentando explicar) a frase inicial do meu texto: não importa o que aconteça, sempre haverá uma classe privilegiada.
Encontro com Milton Santos: O Mundo Global Visto do Lado …
4.4 91 Assista Agora"É preciso explicar porque o mundo de hoje, que é horrível,é apenas um momento do longo desenvolvimento histórico e que a esperança sempre foi uma das forças dominantes das revoluções e das insurreições. Eu ainda sinto a esperança como a minha concepção de futuro" Jean Paul Sartre (1963).
Segue um resumo do filme que fiz pra faculdade:)
A globalização é um fenômeno histórico, sendo que - consoante é apresentado por Milton Santos - caracteriza-se pela perversidade. No decorrer do filme é possível entender o porquê dessa caracterização.
Conforme anteriormente exposto, a globalização é um fenômeno histórico, multifacetado, evidenciada pela intensificação das relações sociais mundiais que unem localidades distantes (Giddens). É pluralista, pois possui as mais variadas dimensões: social, política, econômica, cultural, dentre outras. Milton Santos acredita ser o colonialismo a primeira forma de globalização. Esta era marcada pela ocupação territorial orquestrada nos séculos XV e XVI. A segunda forma ocorreu no início do século XX, com a fragmentação dos territórios. O século XX entrou para a história como o século das revoluções (tecnológicas e por que não políticas?!). O humanismo foi atropelado pelo consumismo exacerbado (mácula fundamentalista do capitalismo). Há uma globalização da pobreza, assim como se acirrou a tensão entre o Norte desenvolvido e o Sul subdesenvolvido. A síntese disso é a existência paradoxal de três mundos em um só: a globalização como falam; a globalização como é, caracterizada pela perversidade e a globalização como pode ser, de uma outra forma. Cabe aos indivíduos, enquanto protagonistas sócio-políticos, criar as condições materiais para outra política de globalização: mais justa e igualitária.
O Consenso de Washington (1989) é o maior exemplo de globalização como perversidade. Conhecido como “consenso neoliberal”, foi subscrito pelos Estados centrais do sistema mundial. Abrangia o futuro da economia global, as políticas de desenvolvimento e especialmente o papel do Estado na economia. A globalização econômica é sustentada por esse consenso que expressa, dentre outras coisas, a subordinação dos Estados Nacionais a organismos internacionais, como o FMI e o Banco Mundial (Boaventura de Sousa Santos). A imposição desse receituário neoliberal, para sanear as dificuldades econômicas, desencadeou um efeito em cadeia na América Latina: uma proliferação rápida e generalizada de efeitos negativos como privatizações, desemprego e miséria. A economia argentina, por exemplo, foi destroçada pelas políticas neoliberais. Fábricas argentinas fecharam e muitos trabalhadores se converteram em catadores de papel. Em Cochabamba, na Bolívia (em 2000), o governo - pressionado pelo FMI e pelo Banco Mundial – privatizou a água potável. Forças populares organizadas em prol da desprivatização da água sofreram represálias do governo. Todavia, o movimento popular saiu vitorioso e alcançou o seu objetivo.
As grandes empresas não têm responsabilidade nem moral nem social, a exemplo da exploração da mão-de-obra nos países periféricos. No fato mostrado no documentário – que caracteriza essa exploração – um paletó de marca norte-americana, produzido em El Salvador, é vendido por 178 dólares, sendo que os trabalhadores receberam apenas 74 centavos para produzi-lo. Outra questão pertinente é a da fome, expressa pela péssima distribuição global (a Nigéria é, concomitantemente, um dos maiores produtores de grãos do planeta e um dos países com maior índice global de população subnutrida!). Como diria Josué de Castro em “Geopolítica da Fome” (1961): “O mundo se divide em dois grupos: o grupo dos que não comem e o grupo dos que não dormem com receio da revolta dos que não comem”. O capitalismo possui arcabouços que servem de sustentáculo para a sua proliferação desenfreada, como a mídia. Seis grandes empresas controlam a mídia internacional. A interpretação dos fatos, que constitui a notícia, é feita segundo convicções pré-estabelecidas. Ela retrata a globalização como uma “fábula” e a única crise que lhe interessa é a crise financeira.
A nova ordem mundial consegue manter antagonismos nitidamente marcados como a evolução do modelo de desenvolvimento capitalista e a crescente mobilização das classes marginalizadas em defesa dos direitos sociais. Essa globalização cultural também contribui para a publicização mundial de questões polêmicas que ocorrem nos mais diversos países. Por fim, Milton Santos acredita que o período tecnológico da era humana está terminando, sendo sucedido pelo período democrático. Nessa nova fase, os novos protagonistas sociais serão as camadas de baixo, representantes dos países historicamente marginalizados.
El Cid
4.1 74 Assista Agora"El Cid" foi o primeiro filme do Anthony Mann que assisti. Charlton Heston foi a escolha mais acertada, aliás, o cara nasceu para interpretar épicos. O cenário é divino e a música de Miklos Rozsa caiu como uma luva. Só pecou por ser demasiadamente longo (muito mais que 89 minutos!), não conseguindo manter o ritmo até o final.
Dos filmes épicos, ainda prefiro Ben-Hur e Quo Vadis.
Uma Vida Melhor
3.6 159 Assista AgoraQue grata surpresa ver o trabalho de Demián Bichir ser apreciado pela Academia!
Acredito que, ao se ter um filho, projetamos nele tudo de bom que poderíamos ter possuído ou feito, queremos que ele seja uma pessoa melhor do que nós mesmos poderíamos ter sido. Filho, de uma forma ou de outra, é uma perpetuação dos pais, é uma forma de manter-se vivo. "A better life" não é mais um filme clichê sobre imigração ilegal. O foco é a relação entre Carlos Galindo e Luís, pai e filho, as dificuldades do pai - imigrante latino ilegal - de orientar o garoto, de fazer dele um homem de bem com um futuro decente.
"Eu te tive por mim", responde Carlos quando Luís lhe pergunta por que quis tê-lo
Acredito que o diretor foi muito feliz ao romper com o estereótipo imposto aos latinos por Hollywood. O personagem principal é um homem que vive envolto em um ambiente hostil, mas que não se curva diante das circunstâncias. Sem falar que Carlos tem um caráter incontestável! É muito bom ver um protagonista latino, melhor ainda quando ele é íntegro, decente.
Uma ótima lição sobre valores, criação e amor incondicional.
Outubro
4.0 51 Assista AgoraDeixando de lado a discussão que Eisenstein sempre provoca, acerca de seus filmes terem um caráter mais revisionista do que propriamente materialista, tem-se que dar o braço a torcer: o cara é o rei da montagem. A alegoria do pavão representando a egolatria do primeiro- ministro Kerensky é divina. Os planos gerais são muito bem utilizados para representar o ambiente megalomaníaco da época. Mais do que um filme, um registro histórico sui generis.
O Sol Por Testemunha
4.2 92 Assista AgoraAgora que reparei o quão interessante ficou o título em português! Bem criativo e condizente com o argumento do filme.
Alain Delon c'est moi DIVO!Magnifique.
Sonata de Outono
4.5 491"O sentimento está longe da sentimentalidade"
Amo demais esta fase mais madura do Bergman, de análise das relações familiares, de "queda das máscaras", que vai de Persona até Saraband.
"Sonata de Outono" é mais um maravilhoso filme do diretor sueco. fruto da sua maturidade artística. Um fator interessante na sua filmografia é o fato dele estar sempre cercado de atores sublimes. Em Sonata de Outono, vemos dois monstros sagrados do cinema, Liv Ullmann e Ingrid Bergman, se degladiando num visceral acerto de contas entre mãe e filha.
Liv interpreta Eva, filha carente de Charlotte(Ingrid Bergman, divina), que vive à sombra do sucesso da mãe e sofre com o "amor superficial" destinado-lhe pela genitora. Charlotte não deseja qualquer tentativa de real aproximação com as filhas (Eva tem uma irmã,Helena). Suas atitudes para com as duas são superficiais demais, beiram à encenação, como fragmentos de uma peça de teatro. Até que, num certo momento, todas as angústias acumuladas durante anos vem à tona, desembocando numa das cenas mais lindas da filmografia do diretor.
Outono é tempo de renovação. Bergman utiliza o trocadilho para expor a dor e a dificuldade de mãe e filha se perdoarem (sim, a dor é recíproca). Sonata também retoma, mais uma vez, a religiosidade, centrada especialmente em Eva.
O filme seria perfeito só pelo argumento e roteiro maravilhosos, mas ainda tem a impecável fotografia de Sven Nykvist,a música adorável de Chopin e uma coadjuvante de peso (Lena Nyman). Ingmar Bergman precisa ser apreciado e "descoberto" por mais pessoas!
"Mãe e filha, que mistura terrível de sentimentos, confusão e destruição (...) As cicatrizes da mãe são passadas para a filha. As falhas da mãe são pagas pela filha. A infelicidade da mãe é a infelicidade da filha. Parece que o cordão umbilical nunca foi cortado. É isso? Será a infelicidade da filha o triunfo da mãe? Será que a minha tristeza é a sua satisfação secreta?"
Morte em Veneza
4.0 210 Assista Agora"Você realmente acredita que a beleza pode ser fruto do trabalho?A beleza nasce espontaneamente, indiferente ao seu trabalho e ao meu. Ela preexiste à nossa presunção de artistas (...) A realidade apenas nos distrai e nos degrada"
"Mort a Venise" é um FILME-ARTE, poético, sensível e extremamente filosófico. Vários aspectos da teoria platônica, especialmente da Teoria das Idéias, podem ser reconhecidos nesta obra-prima. Em linhas gerais, o filme narra a estória de um músico (Aschenbach) obcecado pela beleza, que se vê transtornado quando conhece o jovem Tadzio. O iniciante Bjorn Andrésen, jovem de traços delicados e beleza descomunal, foi escolhido pelo próprio Visconti depois de uma seleta "peneira" de atores. Tadzio é, para Aschenbach, o próprio ideal de Beleza e, como tal, é inacessível. Penso que, tanto Thomas Mann quanto Visconti, inspiraram-se na filosofia platônica para retratar a paixão avassaladora do músico: Aschenbach é o tipo de artista que está sempre em busca da perfeição. E Tadzio é a perfeição personificada, é a Beleza (conceito ideal de Platão; que serve de molde para as outras formas de "beleza", embora estas sejam imperfeitas e sujeitas ao desgaste pelo tempo) em seu estado Ideal. A importância desse amor platônico é tanta que provoca uma fusão: artista e homem são um só, espiritualmente falando. A mesma paixão o levará à decadência, na cena mais linda que eu já vi no cinema.
É um filme que merece ser visto e revisto porque, além da estória ser maravilhosa (baseada num livro igualmente maravilhoso), Visconti é um artista minimalista. O próprio diretor cuidou de cada detalhe para que o filme incorporasse fielmente a aura do começo do século XX. A música de Gustav Mahler é divina e os figurinos de Piero Tosi são encantadores. E ainda tem Dirk Bogarde brindando-nos com uma interpretação visceral, apaixonada e apaixonante. 5 estrelas é pouco!
"Diga-me o que existe na base daquilo que agrada a todos? A mediocridade". DIVINO!