"Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississippi | Crítica
A terra não vê cor
Dirigido por Dee Rees. Roteiro por Virgil Williams e Dee Rees. Com Garrett Hedlund, Carey Mulligan, Jason Clarke, Jonathan Banks, Jason Mitchell, Rob Morgan, Mary J. Blige, Kerry Cahill, Dylan Arnold.
Assim como um texto – afinal provém de um –, um filme precisa estar sempre muito atento ao seu argumento, sob pena de fugir do tema ou ficar deveras abrangente. Mudbound se enquadra perfeitamente no segundo caso; embora costuradas competentemente, as diferentes premissas acabam por causar certo estranhamento ao espectador já que 130 minutos acabam sendo poucos para mostrar todas as chagas da sociedade.
A trama se passa na década de 40, quando a vida de duas famílias (uma negra e uma branca) se cruza no Mississippi. Os McAllan – compostos pela mulher submissa, duas filhas pequenas, o marido distante e seu pai racista – e os Jacksons – uma família negra com cinco filhos, claramente no intuito de ajudar na agricultura familiar. Mesmo com todas as limitações impostas pelo mundo, Hap Jackson (Morgan) permite sua família sonhar; tudo que eles quiserem ser, serão.
Narrado em diferentes momentos pelos seus mais diversos personagens, o filme ganha um tom introspectivo e melancólico. Entretanto, se por um lado o filme ganha alcance ao mostrar os dramas de cada um (sempre com o racismo de pano de fundo), por outro ele fica com aspecto raso por apenas pincelar algumas críticas: a esposa infeliz e submissa, por exemplo, fica esquecido em meio ao filme. Aliás, esse é outro ponto em que há uma quebra de expectativa no texto do filme, no momento em que Ronsel (Mitchell) e Jamie (Hedlund) retornam da guerra, o filme se vira para o relacionamento de ambos, de modo que os demais personagens, antes protagonistas, viram meros coadjuvantes. Até nisso há uma metáfora, enquanto Jamie, caucasiano, é capitão e piloto de jatos, Ronsel, negro, é sargento e dirige tanques.
O tempo dedicado às diferentes sequelas sociais acaba por deixando o filme moroso e arrastado. O impacto que certos momentos deveriam causar se perde nas diversas frentes abertas na obra, perdendo muito da intensidade.
Mudbound é um filme de elenco uniforme. Sendo uma produção da Netflix, não houve investimento massivo em atores consagrados, de sorte que o elenco é harmonioso em si. A indicação de Mary J. Blige nada mais é do que a culminação disso, pois não há uma cena isolada que justifique sua indicação. Contudo, a canção Mighty River, que também concorre ao prêmio da Academia, possui uma letra forte, pertinente e atual em relação aos problemas tratados.
A fotografia espetacular é responsável por dar razão ao título do filme, a lama e o barro são presenças constantes no ambiente. Está na roupa, na pele, na casa. De todos. Seja preto, branco, rico ou pobre, a terra é a mesma para todos, é ela que absorve o suor, as lágrimas e o sangue, e é para ela que todos vamos ao cabo.
Há um momento no filme em que Hap olha para Ronsel e diz "desiste, não adianta discutir, eles sempre vão vencer". A triste história de negros libertos mas que são inferiorizados e hostilizados até hoje. Ao fim, há a esperança de dias melhores. Nas palavras da bela Mighty River: o tempo não conta mentiras, ele continua mudando e se movendo até que passa. Se você tiver sorte, ele vai ser generoso, como um rio fluindo através do tempo.
Leia a crítica do Catacrese SEM SPOILERS de Marshall:
"Marshall | Crítica
Quando o machismo e o racismo medem forças
Dirigido por Reginald Hudlin. Roteiro por Jacob Koskoff e Michael Koskoff. Com Chadwick Boseman, Josh Gad, Kate Hudson, Sterling K. Brown, Dan Stevens, James Cromwell, Keesha Sharp, Roger Guenveur Smith, Derrick Baskin, Barrett Doss, Zanete Shadwick, John Megaro.
Em certo momento, após o primeiro encontro com seu cliente, Thurgood Marshall é questionado por Bertha Lacaster: por que mulheres mentiriam ser estupradas, Sr. Marshall? Essa pergunta retumbaria durante todo o resto do filme, em um caso que coloca frente a frente a discriminação de raça e a de gênero. Sem saber a resposta no momento, Marshall não compreende o peso que esse questionamento teria no futuro.
Com muito ímpeto, Marshall é um filme biográfico. A trama acompanha um dos primeiros casos do jovem Thurgood Marshall (Boseman), o primeiro juiz afro-americano da Corte Suprema Americana, que trata da defesa de Joseph Spell (Brown), um negro que trabalhava para Eleanor Strubing, uma socialite branca (Hudson) e submissa ao marido, que o acusa de estupro.
Assim, em ambos os lados, há pessoas oprimidas. Se por um lado temos um negro vivendo à margem no estado racista de Connecticut, de outro, temos a mulher que teme o desprezo, não só da comunidade, mas teme as agressões do marido. Aliado a isso, há Sam Friedman (Gad), o advogado judeu obrigado a atuar no caso, e Loren Willis (Stevens), o promotor elitista e racista que atua na acusação.
Se por um lado o argumento-base acaba trazendo uma discussão densa – quase uma provocação sobre qual preconceito predomina em relação ao outro –, o roteiro escrito por quatro mãos acaba cedendo aos clichês de um típico filme de tribunal. Estão lá vários dos recursos narrativos que estamos acostumados: os insuperáveis insights durante as oitivas das testemunhas, os silêncios dramáticos antes de uma resposta, a resistência do juiz (Cromwell) em acatar os pedidos da defesa. Assim, mesmo com potencial, esse empobrecimento do texto, aliado ao histórico do diretor em episódios de séries televisivas, faz o filme entrar em uma roda de closes sem impacto e plot twists previsíveis.
Ao mesmo tempo que o roteiro e a direção pendem para o usual, o elenco extraordinário faz a diferença e traz o grande destaque do filme. Enquanto Boseman faz uma grande atuação como Marshall, o verdadeiro destaque fica por conta de Gad e Brown. Enquanto o primeiro mostra a evolução perfeita do advogado mecânico para alguém que se (re)apaixona pelo ofício e assume seu papel na luta pela igualdade, o último, com seus olhos arregalados e lacrimejantes, justifica todos os prêmios ganhados por This Is Us e The People v. O.J. Simpson: American Crime Story, e nos emociona sempre que está em cena. Aliás, Dan Stevens e James Cromwell fecham o elenco principal de forma muito competente, reforçando o sentimento segregacionista existente até hoje. Kate Hudson tem grande atuação também no momento em que leva sua personalidade enigmática até o último segundo; não como discernir se Eleanor sente raiva, alívio culpa ou arrependimento, já que são emoções perfeitamente cabíveis no momento, mas que dependem da leitura de cada espectador.
Muito mais do que um mero longa de tribunal, Marshall tem o mérito de ser provocativo até onde seu roteiro permite e revitaliza o espírito trazido por O Sol é Para Todos (1962) de combate ao racismo incrustado na sociedade. Um caso emblemático em que um advogado negro foi proibido de falar em julgamento e, mesmo assim, lutou até o fim para defender o acusado. Enquanto alguns podem dizer que isso é mimimi, filmes assim são necessários até que a ferida sare. Como bem dito por Thurgood, enquanto alguns veem apenas um negro no banco dos réus, para ele, é uma nação inteira.
Dirigido por James Franco. Roteiro por Scott Neustadter e Michael H. Weber. Com Dave Franco, James Franco, Seth Rogen, Ari Graynor, Alison Brie, Jacki Weaver, Paul Scheer, Zac Efron, Josh Hutcherson, June Diane Raphael, Megan Mullally.
Filmes sobre filmes tem um carinho especial pelo público. Partindo dos medianos Trovão Tropical (2008) e Hitchcock (2012) até os premiados Ed Wood (1994) e Argo (2012), os filmes que tratam de filmagens sempre contaram com a vantagem de mostrar como funcionam os bastidores ao espectador, ou, até mesmo, recontar polêmicas por de trás das câmeras.
Artista do Desastre vai muito além. Não se trata de um filme de sucesso ou uma obra fictícia, era necessário que James Franco nos recontasse a história de um dos piores filmes já feitos (The Room). A trama adapta o livro The Disaster Artist: My Life Inside The Room, the Greatest Bad Movie Ever Made, escrito por Greg Sestero, vivido nas telonas por Dave Franco. Assim, o filme narra desde o momento em que Sestero encontra o peculiar Tommy Wiseau (James Franco) – idealizador do pior dos filmes – até sua premiére.
Para alcançar seu objetivo, o diretor e protagonista busca os trejeitos e a dicção de Wiseau, no intuito de dar verossimilhança aos problemas dos bastidores. Ao longo do enredo, podemos ver que são os atributos de Tommy que causam mal-estar nas filmagens; seja por sua malemolência, autoritarismo ou por sua aura de mistério, Wiseau nunca ganhou o respeito dos profissionais envolvidos na filmagem. Portanto, James Franco entregou-se de forma nunca que nunca o havia feito, tendo muito sucesso em sua empreitada. Possivelmente, a missão não teria tanto sucesso nas mãos de qualquer outro ator, uma vez que é requerida certa pachorra e senso de auto-depreciação.
Lógico, sozinho ele não haveria de conseguir. Para isso, trás para a obra sua famosa trupe que geralmente o acompanha. Dave Franco e Seth Rogen estão no elenco para reforçar o deboxe que é o causo que está sendo contado. A dedicação também é percebida nas cenas extraídas copiadas do filme original. Com alocações basicamente iguais, o elenco procura copiar as pífias atuações – em especial às de Wiseau – que tanto marcaram a produção.
À sua forma, Artista do Desastre é um filme de american dream. Um filme sobre aquela dupla fracassada que busca o sucesso em Los Angeles, mas enquanto um barra em sua própria incompetência, o outro empaca na gratidão que sente pelo amigo. Mesmo com todas as dificuldades – vocacionais, especialmente –, a dupla segue com seus ideais e não desistem perante às negativas.
Ao fim e ao cabo restou a vitória moral. O melhor dos piores, The Room adquiriu o status de cult por toda sua mística. Mesmo que o impacto não tenha sido o almejado por Wiseau (que queria seu drama concorredo ao Oscar), o filme alcança os sonhados aplausos. Acompanhados de boas gargalhadas é verdade. Mas, mesmo assim, ovacionado.
Nota: 4/6 (Bom)
PS: é importante destacar que, por mais excelência técnica que James Franco tenha demonstrado nas filmagens, sua ausência na lista dos indicados à melhor ator é pertinente. O profissional do cinema, independentemente da área ou de sua qualidade, é uma pessoa midiática, em que TODAS as suas atitudes ecoarão e repercutirão nas notícias. Considerando isso, o histórico dele como pessoa não indica tamanha recompensa. Para quem não sabe, Franco está envolvido em cinco casos de assédio em suas produções passadas. Não se trata de misturar o profissional com o pessoal; seus assédios foram feitos em ambiente de trabalho e – mesmo que fossem em qualquer outra circunstância – isso não pode ser corroborado pela Academia."
Em filme morno, Gary Oldman, auxiliado por uma maquiagem impecável, eleva o conceito do que é atuar
Dirigido por Joe Wright. Roteiro de Anthony McCarten. Com Gary Oldman, Kristin Scott Thomas, Ben Mendelsohn, Lily James, Ronald Pickup, Stephen Dillane, Richard Lumsden, Nicholas Jones, Samuel West, David Schofield.
Winston Churchill é um dos personagens mais icônicos da história contemporânea. Político, historiador, ganhador de Prêmio Nobel de Literatura, o estadista foi o Primeiro-Ministro que liderou o Reino Unido nas amarguras da Segunda Guerra Mundial. Famoso por suas idiossincrasias o personagem foi interpretado inúmeras vezes nas películas; duas apenas esse ano com Brian Cox (Churchill) e, por último, Gary Oldman, em O Destino de Uma Nação.
A trama do filme acompanha um momento muito específico na vida do político. A obra narra os primeiros trinta dias de seu governo, desde sua posse, até o momento em que em que dá seu famoso discurso We Shall Fight on the Beaches perante à Câmara dos Comuns. Durante esse período, Churchill precisou lutar contra a descrença do Rei George VI, as maquinações de rivais políticos, além de ter tomado a difícil decisão sobre a evacuação dos soldados britânicos na praia de Dunquerque (sim, aquele filme do Nolan).
O grande destaque do filme definitivamente é na atuação estupenda de Oldman e sua respectiva maquiagem. Hábil em capturar não só os maneirismos, mas também o timbre da voz de Churchill, o ator – que já emocionou nos papéis de Drácula, Beethoven e Sirius Black – mostra-se um verdadeiro camaleão, de modo que fica absolutamente irreconhecível no papel. Ben Mendelsohn consegue, também, dar o devido suporte ao ator, de sorte que seus diálogos (embora muito expositivos), são os grandes momentos do fraco roteiro.
Aliás, a fotografia do filme é muito eficiente no momento em que retrata os ambientes de forma escura e esfumaçada, o que causa constantemente uma sensação de sufoco. A poeira, constantemente realçada pelos feixes luminosos que adentram o parlamento, traça em paralelo com a nebulosidade londrina e a fumaça da guerra que se aproxima.
Assim, a beleza estética e a excelência técnica dos atores, acabam abafando um roteiro fraco, ineficiente em reverberar a profundidade do momento vivido, e que tenta compensar isso através de diálogos pseudoeloquentes, que narram coisas já absorvidas pelo expectador. O peso da decisão de sacrificar quatro mil soldados para salvar os trezentos mil de Dunquerque é apenas pincelado, sem nenhum impacto narrativo.
A importância histórica do Primeiro-Ministro seduz o cinema a cada vez mais a retratar sua vivência. Churchill, embora extremamente conservador e defensor da higiene racial (parte discretamente omitida ao mostrar o premiê dialogando de forma emocionante com um negro no metrô) foi, quem sabe, o indivíduo mais importante no levante contra Adolf Hitler, ao iniciar as tratativas para ingresso dos Estados Unidos – então liderado pelo Presidente Franklin Roosevelt – em apoio aos Aliados.
O Destino de Uma Nação é o maior exemplo de que obras cinematográficas dificilmente serão homogêneas. A atuação fenomenal de Gary Oldman e a maquiagem utilizada são evidentes muletas que amparam um filme que, se não as tivesse, seria no máximo ordinário.
Confira a crítica do Catacrese SEM SPOILERS para um dos favoritos ao Oscar de melhor filme!
"Três Anúncios Para um Crime | Crítica
Um dos maiores dilemas da vida em tela: o que diferencia a justiça da vingança
Dirigido e roteirizado por Martin McDonagh. Com Frances McDormand, Woody Harrelson, Sam Rockwell, Lucas Hedges, John Hawkes, Abbie Cornish, Samara Weaving, Peter Dinklage, Kerry Condon.
É muito complicado ter a visão eternamente analítica. Indubitavelmente um dia todos nós nos perderemos no limiar entre a justiça e a vingança. Enquanto a primeira é movida por valores éticos e morais, a segunda é o mais puro desejo de buscar a satisfação através da compensação. Assim nos foi ensinado, mas, mesmo que todos nós saibamos disso, é necessário sermos sensíveis e compreender outro ponto: a dor de uma perda cega, e, na perda, somem as barreiras.
É exatamente sobre isso que se trata Três Anúncios Para um Crime. Um filme denso, que mostra a vida de Mildred Hayes (McDormand) após o estupro e assassinato de sua filha. Desamparada pela ineficiência da polícia local, ela decide alugar três outdoors da estrada que leva a sua cidade, Ebbing, Missouri. Com o fundo vermelho e letras pretas de forma, ela questiona o que a polícia fez para resolver o crime. Com isso, desenrolam-se uma série de eventos típicos de uma comunidade pequena, enquanto alguns dizem que a polícia fez o que lhes era possível, outros apoiam as cobranças de Mildred.
Com um roteiro primoroso e atuações impecáveis, a obra se destaca por não apenas ser imparcial a ambas as visões, mas também estabelecer um background complexo para todos os personagens. Enquanto somos tocados pela vida de Mildred – eternamente afetada após a fatalidade –, percebemos também que polícia não podia fazer muito mais do que realmente fez (mas, mesmo assim, podia). McDormand mostra o quão versátil ela pode ser, mesmo atuando em grandes papéis como em Fargo, aqui, ela consegue se mostrar como se carregasse o peso do mundo nas costas, e estivesse prestes a desabar. Harrelson e Rockwell (como o Xerife Willoughby e o policial Jason Dixon, respectivamente) justificam suas indicações ao Oscar pela forma magistral com a qual aprofundaram e deram a importância a seus personagens. O elenco secundário trabalha com esmero em suas devidas cenas, não prejudicando o andamento do trabalho.
O maior mérito do trabalho é, definitivamente, questionar o direcionamento e o contágio da ira da protagonista. Enquanto no primeiro momento ela destinava suas forças contra a polícia, ao melhorar sua perspectiva, acaba precisando focar seus esforços no suposto culpado e, por fim, quando o maior dos desesperos toma conta, contra qualquer culpado. Na verdade, faz-se um bê-a-bá do nascimento do vigilantismo, onde o ódio é proporcional à insatisfação com a justiça.
Sem maniqueísmos, a obra justifica – mas jamais exculpa – o ato de cada um dos personagens. Enquanto Mildred age movida somente por desespero e remorso, o xerife apenas ri de sua própria incapacidade de fazer mais e Dixon é o policial imaturo que vive sob a asa da mãe controladora. Com todos seus grandes defeitos, mesmo assim não deixamos de torcer para que encontrem o que almejam. A mãe busca um encerramento; o xerife, paz; o policial, sucesso.
Sem sombra de dúvidas, Três Anúncios Para um Crime é uma das melhores produções a concorrer aos prêmios da academia. Atual, crítico e provocativo, o filme se destaca em todos os aspectos, principalmente por se relacionar ao mundo raivoso e sedento que vivemos. Que sirva de aviso a todos: no momento em que o ódio toma as rédeas, não há outro caminho senão a frustração.
tanto que no final do filme, mostra um carro com uma pessoa indo na direção que uma placa apontava Open House, mas não era a casa em que o Logan estava.
tirando isso, não tem mais nenhuma explicação possível. o filme não dá nenhum argumento para que se possa COMEÇAR a teorizar.
Como já diria o ditado: há sempre um pé torto para um chinelo velho.
Dirigido por Guillermo del Toro. Roteiro por Guillermo del Toro e Vanessa Taylor. Com Sally Hawkins, Michael Shannon, Richard Jenkins, Octavia Spencer, Michael Stuhlbarg, Doug Jones, David Hewlett, Nick Searcy.
De todas as formas que pode se manifestar, o amor é sentimento mais inexplicável que existe. Seja na paixão, no erotismo, na amizade, ou (nesse caso) na empatia, o sentimento mais belo surge de forma arrebatadora e muda a vida de todos que o envolvem.
Com isso em mente, del Toro – se recuperando do pífio, mas belo, A Colina Escarlate – nos traz a um mundo com ares de Amélie Poulain. A fotografia sombria e, por vezes, surrealista serve para dar o contorno de fábula que o romance precisa ser contado. Na trama, Elisa (Hawkins), muda desde que tem alguma lembrança, faxineira de uma base secreta norte-americana, se apaixona por um ser aquático (Jones), que é cobaia para experimentos durante a Guerra Fria.
A paleta azul-esverdeada, que muitas vezes é usada para lançar mão de tons frios, aqui muda sua ênfase para ficarmos submersos. Sem frieza alguma, somos convidados a nos afogar em um romance em sua forma mais pura. Elisa, nunca completamente compreendida em virtude de sua deficiência, e um ser anfíbio, retirado de seu habitat natural, mas com inteligência psicológica e emocional para compreender os seres humanos a sua volta.
O design de produção esplêndido é uma constante nos trabalhos do diretor e produtor. Com mise-en-scène belos e provocativos, o espectador sempre sente que algo destoa da realidade, mas nunca há grande certeza no quê. Seriam as cores? A disposição dos móveis? Ou seriam as cenas climáticas ao som de Carmen Miranda?
Se existe uma palavra capaz de definir o elenco como um todo é carisma. Sally Hawkins é uma gigante interpretando a muda Elisa; enquanto Octavia Spencer (Zelda), sempre com atuações seguras, é a amiga preocupada e compreensiva. Michael Shannon (Richard), talvez um dos atores mais talentosos hoje, é um vilão digno da fábula que o envolve e Richard Jenkins se destaca por sua serenidade e por suas singelas cenas com Elisa.
De forma doce, Guillermo del Toro surpreende trazendo conto de fadas sobre o descobrimento do amor. Não importam aqui as diferenças biológicas, aliás, isso nunca é argumentado no filme. Há, sim, curiosidades quanto a anatomia do ser anfíbio, mas a questão de que ambos são de diferentes espécies nunca foi uma barreira, nem pelos amantes, nem por aqueles que os orbitavam.
Definitivamente, del Toro consegue dar a volta por cima e entregar um romance com sua assinatura e carimbo, embora não inove no enredo. Com um tema clichê (a superioridade animal do ser humano), em um mundo em que espécies de animais vivem em constante perigo de extinção e a ganância do homem parece não enxergar as consequências de seus atos, é revigorante ver ainda que vale a pena lutar pelo bem de uma espécie e, principalmente, do amor."
Com bastante coisa a ser melhorada, a boa notícia é que a Warner parece finalmente ter encontrado o caminho
Dirigido por Zack Snyder. Roteiro por Chris Terrio e Joss Whedon. Com Ben Affleck, Henry Cavill, Amy Adams, Gal Gadot, Ezra Miller, Jason Momoa, Ray Fisher, Jeremy Irons, Diane Lane, Connie Nielsen, J.K. Simmons, Ciarán Hinds, Amber Heard, Joe Morton
Uma das máximas que sempre distinguiu as franquias da Marvel e da DC no cinemas foi o tom adotado pelos filmes. Com isso, ambas sofriam com os pós e os contras de suas escolhas. Enquanto a primeira é adepta do humor leve e descompromissado (deixando seus filmes menos inovadores e mais descartáveis, por assim dizer), a última era mais solene e filosófica em demonstrar um mundo com super-heróis.
Infelizmente essa abordagem mais séria não caiu nas graças do público, de modo que as maiores críticas passaram a ser no tocante à melancolia de suas produções. Assim, a Warner viu-se na urgência de mudar o tom empregado – como já visto em Mulher-Maravilha –, sob pena ver ruir uma de suas maiores fontes de renda.
Nesse novo toar, Liga da Justiça, de muitas formas, se soma ao que Mulher-Maravilha já havia nos mostrado. Com muita aventura e engatinhando no humor, o filme que une alguns dos maiores heróis da DC contrasta em absoluto com Batman v Superman, seu antecessor cronológico.
Na trama, o mundo vive em desesperança após a morte de Superman (Cavill). Autoflagelado por culpa, Bruce Wayne (Affleck) segue na luta para reunir uma equipe de pessoas com poderes e, assim, poder combater a grande ameaça que se aproxima (Lobo da Estepe, vivido por Ciarán Hinds). Para isso, conta com a ajuda de Diana (Gadot) para recrutar Aquaman (Momoa), Flash (Miller) e Ciborgue (Fisher).
Logo de início, percebemos que o compasso da produção é bem mais rápido que seus antecessores. Algumas vezes até rápido demais. Sofrendo pela escolha de unir a equipe de heróis antes mesmo de serem apresentados em um filme solo, o filme precisa esbanjar de diálogos inverossímeis (então o famoso primogênito da Rainha de Atlântida, mestiço com humano, mas que não quer a coroa, e vive atormentado por viver entre dois mundos e não pertencer a eles, voltou, hein? Ninguém fala tantos apostos assim) para nos prover com o background que não temos. E isso se segue até metade do segundo ato.
Passada a correria exaustiva, um dos pontos altos do filmes vem justamente do relacionamento entre os integrantes da equipe. Individualmente, são poucas as informações para sustentarem os novatos em tela. Enquanto Ciborgue se mostra um dos mais interessantes personagens a ser explorados, Aquaman decepciona um pouco por ser apenas um clichê de macho man e Flash é apenas um jovem carente e bem humorado. Entretanto, quando juntos, fica muito mais fácil administrar as novidades. As piadas de Flash funcionam muito bem com o ar carrancudo dos demais. Mulher-Maravilha e o Batman, mais veteranos, são o elo forte do time e são muito bem explorados pelo roteiro para fazerem o que o fã espera: Batman usa de sua inteligência para persuadir a equipe a tomar determinada atitude e a Princesa de Themyscira desperta a nobreza de todos com suas palavras.
Outra grande qualidade da obra foi a forma com que retrataram Superman. As cores do uniforme mais vivas e – ainda que poucos – seus momentos isolados com cada integrante da Liga mostram um herói revitalizado e com grande potencial para novos filmes solos.
Muitos dos méritos se deram por conta da vinda de Joss Whedon, que, por sua vez, trouxe consigo Danny Elfman para a trilha sonora, sem medo de trazer as trilhas clássicas. Estão presentes os novos hinos, como a música da Mulher Maravilha (composta por Hans Zimmer e Junkie XL), mas há também o tema clássico de Superman (de John Williams) e o tema do Batman de Tim Burton (composto pelo próprio Elfman). Com isso, somos agraciados com um constante diálogo entre o novo e o velho, onde as músicas conversam e compõem algo completamente novo.
Ainda é muito perceptiva a presença de Zack Snyder, os easter-eggs e as cenas em slow-motion ainda existem aos montes. Entretanto, mais uma vez, ficou comprovado que, para o crescimento da franquia, o afastamento do diretor é medida impositiva.
Aliás, mais uma vez o diretor consegue denegrir sua imagem com a hiper-sexualização das amazonas tão bem construídas por Patty Jenkins. É berrante a diferença adotada por ambos. Enquanto a diretora nos mostrou guerreiras fortes e de armaduras verossímeis, Snyder pareceu ser mais adepto das mínimas tiras de couro. Além disso, todos os momentos que Gal Gadot estava em cena, a câmera optava por um plano americano contra-plongée para facilitar a visão de suas nádegas para os nerds pueris.
O vilão (Hinds) novamente perece ante sua linearidade e falta de motivação. Desde sua chegada, que parece muito aleatória, Lobo da Estepe nunca foi uma ameaça icônica. Na verdade, o General Zod continua sendo a maior ameaça enfrentada. Tomado por computação gráfica de má qualidade, Hinds, fica irreconhecível, servindo tão somente como a frágil motivação que uniu os super-heróis.
Se por um lado a Liga da Justiça mostra evolução em uma análise contextual, ela ainda paga pelos pecados de um início de universo compartilhado corrido e mal planejado. Um dos maiores acertos foi, definitivamente, o afastamento de Snyder da direção. O que antes era um futuro visto com pessimismo, agora, assim como o retorno esperançoso de Superman, virou um farol de esperança.
Confira a crítica do Catacrese com POUCOS SPOILERS:
"Thor: Ragnarok | Crítica
Muito colorido, Thor vive sua melhor aventura solo nos cinemas, mostrando potencial para seguir no panteão após a Fase 3
Dirigido por Taika Watiti. Roteiro por Eric Pearson, Craig Kyle e Christopher Yost. Com Chris Hemsworth, Tom Hiddleston, Cate Blanchett, Idris Elba, Jeff Goldblum, Tessa Thompson, Karl Urban, Mark Ruffalo, Anthony Hopkins, Benedict Cumberbatch, Tadanobu Asano, Zachary Levi, Ray Stevenson.
De todos os heróis do MCU adaptados ao cinema, Thor sempre foi o mais contestado. Seja no Thor, de Kenneth Branagh, ou em Thor: O Mundo Sombrio, de Alan Taylor, o Deus do Trovão sempre pareceu estar aquém de seu verdadeiro potencial, perdendo-se em tramas amorosas e aventuras insípidas. Tamanha é falta de convicção que, em seu terceiro filme, Kevin Feige traz um terceiro diretor, cujo estilo destoa demais dos dois anteriores; era chegada a hora de Taika Watiti, e isso não poderia ser mais acertado.
Em seu último filme dessa trilogia, Thor precisa enfrentar Hela, a Deusa da Morte e primogênita de Odin, a qual pretende ir muito além dos Nove Reinos. A trama simplista serve para fazer o que se espera: dar liga aos eventos que se sucedem. Com isso, entendemos como Thor vai parar em Sakaar e por que o Hulk aparece.
Hemsworth definitivamente encontrou sua melhor abordagem como asgardiano. Falhando um pouco quando lhe era exigido o elemento dramático, o ator demonstra um excelente timing cômico auto-debochado e depreciativo. Hiddleston também cresce como Loki no momento em que se despe da figura de grande antagonista e incorpora o papel de quase vilão, indo um pouco além do clássico anti-herói. Ruffalo (que funciona apenas enquanto Gigante Esmeralda) e Thompson não conseguem acompanhar os irmãos asgardianos e acabam lançando mão de caras e bocas desnecessárias para manter a caricatura.
Um dos personagens mais engraçados, com certeza, fica por conta de Korg, feito por captura de movimento do diretor, que busca o famoso humor sincero de Drax, mas, dessa vez, um pouco mais singelo e inocente.
Se por um lado os dois primeiros filmes sempre tentaram dar ao Thor certo impacto emocional e falharam, agora, Watiti definitivamente desiste disso. Na verdade, a escolha é inteligente a partir do momento em que, fazendo o filme funcionar com a engrenagem da comédia, os poucos momentos introspectivos acabam funcionando sem muito esforço por destoarem do contexto.
Entretanto, essa independência proclamada por Watiti traz consigo alguns ônus que prejudicam o universo cinematográfico. Ao mesmo tempo que inova trazendo um tom divertido - coisa já feita pelos Guardiões da Galáxia, então nem é tanta novidade assim -, o diretor se mostra incapaz de fazer mudanças cruciais no MCU, tal qual os irmãos Russo o fizeram. A autonomia do roteiro acaba por frustrar a expectativa de muitos dos fãs. Já nos primeiros cinco minutos, o protagonista faz um monólogo para esquecermos as Jóias do Infinito. Portanto, o diretor tira o pé do acelerador e tenta fazer um filme mais impessoal; tão distante que descarta (ou não mostra), sem o mínimo de consideração ou importância, atores e atrizes coadjuvantes.
Jeff Goldblum e Cate Blanchett foram as grandes sacadas da obra. Embora caindo na velha fórmula de tentar conquistar o universo, a Deusa da Morte mostra ser uma verdadeira ameaça com sua frieza maquiavélica. Já o Graõ-Mestre parece que foi idealizado com Goldblum em mente, suas suas maneirices e idiossincrasias fazem dele uma das escalações mais acertadas de todo o universo cinematográfico. Ele com certeza precisa voltar. Além disso, somos contemplados com cameos engraçadíssimos de Matt Damon e Sam Neill.
A trilha sonora faz homenagem a toda a jornada do Thor, o que mostra seu peso consolidado na franquia como um todo. Passeamos desde Thor: O Mundo Sombrio, a Vingadores: A Era de Ultron e começamos e terminamos com Immigrant Song, de Led Zeppelin (casualmente também dos anos setenta. Guardiões feelings).
Ousada, mas nem tanto; assim poderíamos definir a reinvenção de Thor ao fim de sua trilogia. O asgardiano definitivamente encontrou seu caminho nas mãos de Taika Watiti, mas poderia ter feito tão mais que terminamos o filme com um gosto agridoce na boca. Thor: Ragnarok é um dos filmes mais divertidos da Marvel e mostra um potencial até então inimaginável: fazer o Deus do Trovão ter seus filmes no rol dos mais esperados do ano.
Dirigido e roteirizado por Noah Baumbach. Com Adam Sandler, Grace Van Patten, Dustin Hoffman, Elizabeth Marvel, Emma Thompson, Ben Stiller, Judd Hirsch, Adam Driver, Sigourney Weaver.
Esse texto contém spoilers da trama.
Ao ouvir que um filme com Adam Sandler e Ben Stiller terminou em meio a aplausos e lágrimas no Festival de Cannes, o sentimento só podia ser um: incredulidade. Seria possível que os atores dos péssimos Sandy Wexler e Zoolander 2 conseguiriam recuperar o prestígio perdido em filmes comerciais? Em meio a essa névoa de dúvidas Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe estreia na Netflix e promete apimentar ainda mais a discussão: por que raios filmes de streaming são preteridos em relação aos do circuito de cinemas?
O enredo é sobre um dramédia familiar que gira em torno de Harold (Hoffman), um homem desajustado, com quatro casamentos e que possui três filhos (dois no primeiro, um no segundo). Com isso, somos apresentados a Danny (Sandler), Jean (Marvel) e Matthew (Stiller), o preferido, filho do novo casamento, o qual, casualmente, não seguiu a veia artística da família. Assim, após um acidente com o pai, os meio-irmãos são obrigados a conviver após muito tempo.
Mais do que um filme sobre laços familiares, Os Meyerowitz é obra sobre escolhas, aceitação e resignação. Com atuações primorosas, Sandler e Stiller traçam caminhos inversos aceitando o invencível: enquanto o primeiro vive o filho que ama o pai, mas é rejeitado por ele, o outro encarna o filho distante, mas que tem a admiração incondicional do patriarca. Esses dilemas acabam gerando diálogos excelentes entre os irmãos que vão desde o mero ciúmes até o fardo de ter que marcar presença na vida de quem não lhe dá valor.
Sandler busca alguns elementos de Embriagado de Amor, mas, dessa vez, apaixonado por sua filha e poder lhe oferecer tudo que seu pai não pôde contribuir para seu crescimento. Considerando as devidas proporções, o ator parece ter bebido da mesma fonte que inspirou Casey Affleck em Manchester À Beira-Mar, pois sempre parece estar rondando um ataque de nervos. Stiller – o maior destaque, sem dúvidas – novamente nos mostra que ele é capaz de oferecer muito mais do que faz normalmente. Buscando os elementos que cativaram o público em A Vida Secreta de Walter Mitty, o ator se mostra menos histérico e mais contemplativo. Marvel, que inicia com ares lúdicos, a medida que o longa passa, vai adquirindo contornos dramáticos que servem muito bem para ilustrar o início de uma reconexão entre os irmãos.
O diretor (Baumbach, que nos cativou com A Lula e a Baleia) continua almejando atingir o mesmo nicho de telespectador que Woody Allen. A estrutura episódica do trabalho, que intercala cenas através de fade outs é bem interessante a partir do momento em que se conhece o título original do filme. Horrendamente traduzido como Família Não Se Escolhe, o conteúdo original é Histórias dos Meyerowitz (Novas e Selecionadas), ou seja, assim como na vida, os capítulos se encerram para que novas fases possam surgir, seja essa troca sutil ou não.
Aliás a obra tem uma intimidade crescente muito evidente. No início os diálogos eram marcados por ouvintes desinteressados e perguntas protocolares. Perguntas educadas para alguém que não lhe daria resposta, mas faria outra pergunta educada. À medida que o filme passa, as respostas começam a vir; e vem acompanhadas de desabafos, lágrimas, gritos e brigas. Assim, os irmãos passam de desconhecidos a amigos, e de amigos a confidentes.
Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe é um filme sutil sobre as diversas formas de relações familiares. No final das contas, todos se mostram responsáveis por seu próprio caminho, mas querendo dar seu melhor. Uns resignados, outros motivados a mudar. O que realmente importa é tentar ser feliz.
É muito satisfatório a indicação de progresso da Academia em dar atenção especial aos filmes de ficção científica. Distrito 9, Avatar, Gravidade e Perdido em Marte são exemplos de obras indicadas de um cinema que antes era preterido por ter sido considerado de gênero. Invasão alienígena é um tema extremamente explorado no cinema. De repente, dentro da ficção científica, seja o assunto com maior enfoque. Nesse pensamento, há vários elos que necessariamente trazemos junto ao se deparar com um filme assim: explosões, heroísmo, guerras e batalhas épicas. A Chegada quebra esse paradigma criado pelos blockbusters.
O enredo inicia como qualquer outro. Em um dia aleatório, a humanidade presencia a chegada de doze naves extraterrestres de formato ovalado (Conchas, como eles chamam). Imponentes, mas inofensivas, as naves pairam sobre o solo inertes. Com o background clichê estabelecido, o filme pode crescer no ponto que nasce sua beleza, o desenvolvimento. Suspeitando das intenções dos alienígenas, o exército norte-americano (representado na figura de Forrest Whitaker), procura a especialista em linguagem, Dra. Louise Banks (Amy Adams) e o matemático teórico Ian Donnely (Jeremy Renner), para estabelecerem contato com a civilização desconhecida.
Construindo a obra em clima de melancolia e desamparo, o excelente diretor, Denis Villeneuve, constrói seu clássico científico (com grandeza equivalente a 2001: Uma Odisseia no Espaço, Interestelar e Contato). Estreando na área da ficção espacial, Villeneuve demonstra, mais uma vez, ser um dos profissionais mais competentes de sua área, na atualidade. Passando por Incêndios, Os Suspeitos e Sicário: Terra de Ninguém, o diretor apresenta um leque infinito de recursos, sem repetir características e aprimorando sua estilística.
O elenco basicamente é Adams. Renner está ali para dar certo apoio, mas é com a Dra. Louise que vivemos a atmosfera de temor pelo desconhecido. Os primeiros minutos do filme servem para justificar a tristeza no semblante da personagem: perdeu sua filha, ainda adolescente. Sentimos o que a Dra. Banks sente. Após isso, na medida em que vai tentando se comunciar com os alienígenas, vivenciamos uma série de flashbacks pertinenentes ao momento. Uma verdadeira injustiça a ausência de sua indicação para o Oscar.
Misturando temas complexos como tempo, linguagem, história e memórias, o filme se desenvolve em ritmo lento, quase parando, algumas horas. Essa parada é necessária, durante todo o tempo somos guiados em clima de apreensão e trauma. Uma mulher sofrida em uma humanidade em crise. Aliás, não obstante a paleta fria e taciturna, a produção evolui com uma sensibilidade cativante. Ao mesmo tempo que descobre formas de contato, a protagonista se descobre e entende seu papel, não só na história, como na sua vida. Assim como em nossa mente, o filme mistura recordação e projeção. Não existe separação concreta entre ambos; a bem da verdade, no emaranhado de neurônios, as sinapses muitas vezes perdem a noção de tempo, misturando fatos e juntando eventos independentes (ou até fictícios).
A trilha sonora é um espetáculo à parte. Jóhann Jóhannssson fecha perfeitamente com a obra e pauta o filme em musicais transcendentais, indicando sempre epifanias e revelações. Ao cabo, finaliza com melodias sublimes, indicando a aceitação da protagonista com seu aprendizado.
Na terça parte, um plot twist sofisticado fecha a obra de forma primorosa e emocionante, unindo as várias temáticas, outrora sem relação alguma.
O tempo (cronológico e psicológico) é uma das grandezas da física que ainda não conseguimos superar. Na verdade, assusta muito quando esse dia chegar. Se soubéssemos nosso futuro, será que repetiríamos os mesmos erros? Alguns sim; os amores mais belos, mesmo que vividos apenas uma vez, serão lembrados para sempre.
Após cinquenta anos, finalmente um diretor entendeu a mensagem por trás do romance de Philip K. Dick
Dirigido por Denis Villeneuve. Roteiro por Hampton Fancher e Michael Green. Com Ryan Gosling, Dave Bautista, Robin Wright, Ana de Armas, Jared Leto, Sylvia Hoeks, Harrison Ford, Edward James Olmos, Lennie James.
Em 1982, em lua-de-mel com o público após revelar uma das protagonistas femininas mais fortes do cinema (Ripley, Alien – O Oitavo Passageiro), o diretor Ridley Scott inova o mundo do cinema; trazendo um filme que se passa em um futuro distópico, unindo elementos do noir e do steampunk, adaptando a obra de Philip K. Dick, nasce Blade Runner: O Caçador de Andróides.
Liberdades criativas à parte, por mais revolucionário e importante que fosse o filme de Scott, o diretor sempre deixou passar elementos importantes do romance, os quais tiravam muito do espírito da obra. Em 2017, ansiando por trazer novamente a história as telas, o diretor Denis Villeneuve é convocado unicamente com uma missão: revitalizar o mundo de Deckard e trazer a ele o que faltou na obra de 35 anos atrás, uma alma.
Na trama, trinta anos após os eventos do primeiro filme, o blade runner K (Gosling) se depara com uma revelação que tem o poder de mudar completamente a realidade que ele conhece. Para isso, precisa descobrir o paradeiro de um antigo blade runner, Rick Deckard (Ford).
Vários elementos foram mantidos em relação ao original, criando o vínculo com o espectador e homenageando, com justiça, o filme original. O sobretudo que K utiliza lembra muito o que Deckard trajava, além disso a visão panorâmica da cidade despida de natureza, bem como os constantes planos com neons das grandes corporações (mantendo a Coca-Cola, e trocando a Atari pela Sony), são alguns do elementos que remetem ao mundo mostrado por Scott em 1982.
Entretanto, ao mesmo tempo que entrega repetições do primeiro longa, Villeneuve mostra que sua obra traz identidade própria, com sua visão do mundo de Dick. Já na primeira cena, ao revelar uma árvore, tenta-se nos fazer subentender que esse não é o Blade Runner da década de oitenta. Abandonando o elemento noir e apenas mostrando a superfície do steampunk, o diretor pende muito mais para a ficção científica de Joseph Krosinski, de Tron e Oblivion, com elementos claros e arquitetura harmônica, o que deixa uma atmosfera meio Black Mirror por vezes. Claro, dentro do prédio de Wallace (Leto), o jogo de chiaroscuro é uma constante, sempre no objetivo de remeter que Wallace ao calçado vestido por Tyrrel no filme passado.
No mesmo passo que o filme, Hans Zimmer conduz a trilha sonora de forma magistral. Atualmente, arriscando mais em sintetizadores, o compositor se despe um pouco da indentidade orquestral que adquiriu. Claro, sempre dialogando com a trilha de Vangelis, principalmente nos momentos com Harrison Ford.
De muitas formas, Blade Runner 2049 é mais explícito em suas ideias do que foi O Caçador de Andróides. Seja nos diálogos ou no próprio mise-en-scène, o filme não deixa margem para interpretações dúbias ou, quando deixa, é por total intenção disto (como o diálogo entre Wallace e Deckard). Aliás, agora, em 2017, o filme finalmente atinge o âmago existencial provocado por Dick, cinquenta anos atrás. A partir do momento em que os andróides tem memórias, sentimentos próprios, e livre-arbítrio, o que os difere dos nascidos naturalmente (e precisa-se falar naturalmente já que a humanidade é condição adquirida e não de nascença)?
Enquanto Scott focou em um filme de ação com o romance entre dois personagens, Villeneuve preza as provocações da obra original, mostrando um filme de sensações incompletas. Somos submetidos às torturas do amar sem poder tocar, o amor fraternal sem poder ver crescer, criar sem poder ver, e o querer ser sem nascer.
Ao contrário do carisma de Harrison Ford, Gosling nos faz ver o filme de forma mais analítica. Até certo ponto, isso funciona muito bem considerando sua natureza, mas, com isso, não criamos os mesmos vínculos com o protagonista, o que nos faz ficar esperando Ford constantemente. A bem da verdade não há atuações de grande destaque na produção, de modo que as melhores cenas ficam por conta de Joi (de Armas), a qual experiencia o toque pela primeira vez na chuva, sendo uma sequencia realmente tocante.
Humildemente se curvando ao filme original, Blade Runner 2049 é muito maior do que o antecessor. Cortês na medida certa, a obra sabe onde respeitar os limites delineados pelo primeiro filme e sabe onde ir além. Villeneuve mais uma vez se superou e nos encantou. Que diretor fantástico!
Ano que variou entre altos e baixos nas adaptações de Stephen King tem mais um ótimo acréscimo
Dirigido por Mike Flanagan. Roteiro por Mike Flanagan e Jeff Howard. Com Carla Gugino, Bruce Greenwood, Henry Thomas, Carel Struycken, Kate Siegel, Chiara Aurelia, Natalie Roers, Gwendolyn Mulamba.
Em 1992, antes do movimento feminista ter a força que tem hoje, Stephen King surpreendeu o mundo com uma história que, nas mão de qualquer outro escritor, seria maçante. Como narrar, com eficiência, trezentas páginas sobre uma mulher algemada em uma cama? Trazendo elementos sensíveis como abuso sexual, machismo e relações interpessoais, o Mestre do Terror nos encanta com o Jogo Perigoso. Em 2017 o livro ganhou uma adaptação para as telas, exclusiva da Netflix, que faz jus à fama.
Não é demérito nem vergonha reconhecer que as produções da Netflix possuem um orçamento muito menor que os demais filmes das produtoras mainstream. Entretanto, dentro de suas limitações, a empresa de streaming tem surpreendido bastante em filmes como The Fundamentals of Caring, Beasts of No Nation, Barry, First They Killed My Father. Todavia, após trazer o péssimo O Nevoeiro – também baseada em um conto do escritor – para o Brasil com seu selo, a Netflix se desculpa com uma ótima adaptação.
No enredo, tentando reacender a chama do relacionamento, um casal de meia idade vai à casa de campo praticar jogos sexuais que consistem em algemar a mulher na cama. As coisas começam a ficar meio tensas quando, após uma discussão, o marido tem um ataque cardíaco, deixando a mulher algemada e isolada.
Gugino (que vive Jessie, a esposa) tem o trabalho predominantemente para si e o faz de forma muito eficiente. Fazendo diversas cenas complexas, a atriz entrega a Jessie idealizada pelo escritor lá em 1992. Mulher traumatizada, mas forte. Já Greenwood muda um pouco em relação ao Gerald do livro. Naturalmente, o ator é mais atraente que o personagem descrito nas páginas e, mesmo sendo um canalha, ainda é muito menos abusivo que aquele do livro.
Quem leu o romance pode se incomodar com alguns pontos adaptados; enquanto nas páginas, os delírios de Jessie eram diálogos entre personificações dela mesma (Ruth, Bobrinha, OVNIs e a Esposa Perfeita), na película, o diretor optou por dar a Gerald o papel da Esposa Perfeita, deixando a mensagem mais difícil de ser transmitida. Ora, Jogo Perigoso sempre foi sobre o conflito de uma mulher abusada pelo pai na infância e pelo marido quando adulta contra a mulher que ela gostaria de ser. Assim, é muito claro que Ruth e a Esposa Perfeita eram dois extremos de uma mesma pessoa, a primeira sendo feminista ativista e a segunda sendo a mulher moldada pela sociedade patriarcal.
Portanto, os debates entre as ilusões de Gerald (Esposa Perfeita) e Jessie (Ruth) ficam menos óbvios no momento em que, sim, sabemos que ambos são criações da mente da esposa, mas não fica claro se Gerald fala o que ela realmente pensa ou o que ela deduz que ele falaria. Assim, a produção perde força ao evidenciar menos o conflito interno de Jessie, pois dá à suas vozes novas facetas.
Outro ponto é que a introdução de Joubert é muito mais óbvia do que mero jogo de luz e sombra como diz o livro, tirando o tom provocativo que o romance estabelece na discussão se ele é real ou não. Contudo, isso em nada prejudica a produção, apenas a diferencia da obra original.
Assim como o livro, a quantidade mínima de ambientes e personagens do trabalho contribuiu para que a Netflix pudesse adaptar esse excelente roteiro. O diretor, Mike Flanagan, que já tinha surpreendido com Hush: A Morte Ouve e patinado com Ouija: Origem do Mal faz um excelente trabalho. Jogo Perigoso é um dos poucos casos em que, devido a sua coesão textual, bem como o empenho dos que nele trabalharam, facilmente, agradará não só os cinéfilos de plantão, mas também os fãs do autor, juntando-se a IT – A Coisa como uma das melhores adaptações já feitas de seus romances.
Travestida de bucolismo, Aronofsky nos entrega sua masterpiece, provocando angústia em metáfora da teoria criacionista
Dirigido e escrito por Darren Aronofsky. Com Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Ed Harris, Michelle Pfeiffer, Brian Gleeson, Domhnall Gleeson, Jovan Adepo, Amanda Chiu, Patricia Summersett, Kristen Wiig.
Atenção: esse texto conterá spoilers do enredo.
É sempre uma experiência exaustiva ir ver um filme de Darren Aronofsky. Independentemente de juízo de valores, seus filmes indubitavelmente nos levarão à falência psicológica. Depois da derrapada em Noé, onde fez uma abordagem mais “carnal”, por assim dizer. O diretor volta aos temas religiosos, mas, dessa vez, através da metáfora e melhor do que nunca.
É muito complicado tentar entrar nas miudezas do roteiro sem entregar muita parte das intenções do filme. Na trama, um casal que vive tranquilamente em sua casa de campo vê a rotina mudar bruscamente quando um homem desconhecido bate à sua porta.
A atuação impecável de Jennifer Lawrence, rendida à situação que a cerca é sufocante. Ao se ver em meio de um total descontrole, a atriz, sozinha, nos contagia com seu pavor. Javier Bardem, ora carinhoso, ora irado, vira um verdadeiro antagonista, pois nos desperta desconfiança e suspeita. Ed Harris – em uma fase espetacular após sua atuação em Westworld – e Michelle Pfeiffer são os responsáveis por trazer, com maestria, ares de O Bebê de Rosemary, pois aparentam saber mais do que revelam aos seus anfitriões, muitas vezes, parecendo compartilhar de algum segredo junto a Bardem.
A fotografia do filme é irretocável a partir do instante em que, quando sozinhos em casa, a casa é arejada, iluminada, e os planos são abertos e agradáveis. À medida que vão chegando desconhecidos, a câmera fica gradativamente mais perto de Lawrence, aumentando a agorafobia. Aliás, quando feliz (Lawrence, a mãe), o campo que cerca a residência é belo, com a floresta longínqua e inofensiva; a partir do momento que o ambiente vai ficando hostil, a floresta parece se aproximar, a ponto de ameaçar engolir a casa inteira. Aliás, a trilha sonora, inexistente em certos momentos, contribui para a construção da atmosfera tensa.
Estabelecido pelo espectador que o filme é uma alegoria religiosa – o próprio Bardem, em um dos momentos mais didáticos do filme, revela que cada um entendeu seu poema de forma diferente – cabe a cada um de nós entender o que nos for mais conveniente.
Bardem (O Poeta, Artista), é Deus, nos créditos apenas identificado como Ele. Com isso, a Mãe (Lawrence) é vista como a Natureza. Note que é ela quem constrói a Casa (a Terra), sempre pensando em como agradaria mais o Poeta (você realmente o ama, já diria Pfeiffer). A partir do momento em Ele sofre de um bloqueio artístico, a casa se vê invadida por um casal, Harris e Pfeiffer (personificando Adão e Eva) e seus filhos (Caim e Abel). Todos os elementos remetem à teoria criacionista, inclusive, o assassinato de um irmão pelo outro.
Após comerem o fruto proibido (a destruição do cristal e o sexo), os estranhos são expulsos e o casal volta a viver em paz, e ela engravida. Coincidentemente, a inspiração para a nova poesia vem no mesmo momento, de sorte que, ao ficar pronta, a editora (Wiig, fazendo o papel da Igreja) é a responsável por distribui-la (disseminar a palavra). A partir desse momento, vemos todos os males do mundo: guerra, brigas de rua, fanatismo religioso, doenças, saqueamentos, execuções, etc.
Ao nascer a criança, roubada por Ele, o povo a ergue de braços abertos; o bebê é quebrado e comido - o corpo e o sangue de Cristo -, causando a fúria da Mãe/Maria. Ao explodir a casa, o único que sobra intacto é Ele (eu sou o que sou), que reconstrói a casa ao lado de outra Musa.
Da mesma forma que se vê Bardem como Deus, considerando se tratar de um filme de Aronofsky, que sempre trabalha com excelentes personagens femininas (vide Cisne Negro), o inverso também pode ser verdade (cada um entende o poema de forma diferente, não se esqueçam). Aqui, embora muitos elementos se assemelhem, Lawrence seria a própria Entidade Divina – é ela que entrega seu coração nos cartazes –, enquanto ele seria a religião/crença. A crença precisa da Mãe para se inspirar. Vejam que é ela quem constrói a casa sozinha – na Bíblia, quem constrói o Éden é Deus. Assim, ao ver todo o caos que impera pela palavra da religião, a Mãe percebe que o único jeito seria ela destruir a casa (Terra, no livro do Apocalipse), mesmo que isso cause sua morte. Entretanto, a religião sobrevive, e, mesmo com a morte da Entidade Divina, ela encontra outro ser para idolatrar, começando novamente o ciclo.
Das duas hipóteses, a mais niilista seria a segunda e, considerando o espírito, do diretor e roteirista, não seria de se espantar que fosse sua real intenção. Aliás, embora ambas tenham elementos da teoria criacionista, a segunda versão se enquadra mais no conceito geral de crença e religião – esgotamento pela fé – de modo que eu, particularmente, prefiro pensar que o diretor quis ser mais abrangente.
Idealizado para ser gigante e provocativo, mãe! vai muito além da religiosidade. Misturando Stanley Kubrick e Lars Von Trier, Aronofsky nos esmigalha e deprime através da matáfora com elementos como machismo, misoginia, intolerância e a sociedade autofágica como um todo.
Digna do título que carrega, a obra é admirável em todos seus espectros. Uma verdadeira obra-prima, assim como nossas mães.
Filme sobre guerra civil no Camboja, dirigido por Angelina Jolie, vai representar o país para o prêmio de melhor filme estrangeiro no Oscar 2018
Dirigido por Angelina Jolie. Roteiro por Angelina Jolie e Loung Ung. Com Sereum Srey Moch, Phoeung Kompheak, Sveng Socheata, Mun Kimhak, Heng Dara, Khoun Sothea, Sarun Nika, Run Malyna, Oun Srey Neang.
A guerra por si só é uma catástrofe. Não existe outra definição. Sejam soldados, sejam civis, toda e qualquer vida perdida inocente. Enquanto os engravatados que decretaram o estado de guerra ficam em seus bunkers e suas salas secretas, os menos afortunados se veem por entre os tiros, perdendo membros e vidas, e depois enterrados em uma cova rasa.
Ciente disso, o início do filme dirigido pela excelente Angelina Jolie não poderia ser mais didático. Ao som de Sympathy for the Devil – não coincidentemente lançada durante o Regime do Khmer Vermelho –, dos Rolling Stones, a obra começa intercalando falas de Richard Nixon (presidente que capitaneou a Guerra do Vietnã) com os bombardeios nas florestas com napalms. Nós não iremos desrespeitar a posição neutra do Camboja, dizia o presidente, as fronteiras do Camboja com o Vietnã serão respeitadas, acrescentava ele.
A trama adapta o livro de Loung Ung, também roteirista aqui, sobre sua vida no país enquanto o Khmer Vermelho toma o poder, quando ela tinha cinco anos. Treinada no período para ser uma soldada em um campo de trabalho para órfãos, Ung viu seus seis irmãos serem mandados para outros campos de trabalhos forçados. O regime durou de 1975 até 1979, quando as tropas vietnamitas conseguiram tirar o regime tirano do poder.
Filmado de forma quase documental, First The Killed My Father tem pouquíssimo diálogos. Através dos olhos de uma criança (Moch), acompanhamos o êxodo de uma família, cujo pai trabalhava para o governo rendido ao regime comunista (apoiado pelos EUA, mas que perderam após eles mesmo retiraram suas tropas com o rabo entre as pernas). Devido às quantidades mínimas de conversa, a trilha sonora, idealizada por Marco Beltrami, foi feita com esmero, pois, sem chamar muito a atenção, ela precisava pautar, não só o sentimento, mas preencher as lacunas deixadas pela ausência das palavras, o que, certos momentos, coadunava com os tiros e com os bombardeios, tornando a plasticidade sonora homogênea.
A fotografia é feita com beleza e humildade. As tomadas aéreas, variando entre o panorâmico e o perpendicular, mostram a dureza dos campos comandados pelo Angkar e a fuga dos civis da capital Phnom Penh – aqui, havendo um jogo de cores elementar e claro, onde os que fugiam trajavam branco ou laranja, e a milícia que ingressava na capital vestia preto e vermelho.
Outro grande acerto é o elenco ser integralmente cambojano. Sem espaços para marketing ou whitewashing, Jolie e Ung subvertem a tendência de hollywoodizar um filme que perderia muito de seu elemento crítico nas (talentosas) mãos de um Steven Spielberg, Mel Gibson ou Oliver Stone da vida.
Feito de forma sincera e sensível por Angelina Jolie, essa, motivada por seu filho, Maddox Jolie-Pitt, produtor executivo da obra e cambojano de nascença, First They Killed My Father exige ser visto de forma sensível também por seu espectador. Sem grandes explosões, mas com momentos de violência, o filme choca de forma íntima. Aqui, a lágrima choca tanto quanto o sangue e, mesmo com todo seu silêncio, os olhares são ensurdecedores.
Direção de Andy Muschietti. Roteiro por Chase Palmer, Cary Fukunaga e Gary Dauberman. Com Jaeden Lieberher, Jeremy Ray Taylor, Sophia Lillis, Finn Wolfhard, Chosen Jacobs, Jack Dylan Grazer, Wyatt Oleff, Bill Skarsgård, Nicholas Hamilton, Jake Sim, Logan Thompson, Owen Teague, Jackson Robert Scott, Stephen Bogaert.
A Coisa é um dos maiores romances de Stephen King. Escrito e idealizado com capacidade ímpar, o Mestre do Terror, ao longo do livro, mostra que o monstro que nos assola vai muito além do palhaço que come criancinhas. Em 1990, a primeira adaptação do livro em minissérie tornou-se cult tão somente pela atuação fantástica de Tim Curry. Mas não passou nem perto de sua essência. O mesmo não pode se dizer de 2017.
Na trama, Bill (Lieberher), após perder seu irmão caçula, Georgie (Scott), percebe que a cidade está sendo assolada por um palhaço assassino (Skarsgård). Ao conversar com seus amigos, percebem que esse é um mau recorrente e que, a cada 27 anos, Derry sofre com catástrofes e tragédias.
Passando-se na década de 80, o filme pode parecer cópia de Stranger Things (para ajudar, Wolfhardt é um desses garotos) para os mais desavisados, mas não se esqueçamos que o romance foi publicado em 1986. Enquanto a obra televisiva intercalava o período adulto com a infância (mostrando Seth Green como Ritchie Tozier e Annette O’Toole como Beverly Marsh adulta), aqui o filme é mais linear, de sorte que foi dividido em duas partes. Portanto, apenas as crianças aparecem dessa vez.
Extremamente profissionais, os pré-adolescentes conseguem cativar e emocionar. Com a câmera na altura deles, os adultos constantemente aparecem em contra-plongeé e são mais ameaçadores que o normal. Nesse ponto o acerto é evidente. No romance, o Clube dos Otários percebe que a Coisa dominou a cidade inteira, de modo que ela ignora e, até mesmo, colabora, para suas tragédias – uma releitura perfeita das descrenças da época adulta. Em cenas rápidas como um casal de idosos ignorando quando Ben (Taylor, parecendo ter saído diretamente dos livros) apanha dos bullers ilustra perfeitamente a influência do monstro na cidade.
Com muita competência, o diretor argentino, Andy Muschietti, consegue constrastar a placidez da cidade pequena, com a violência com que o palhaço ataca, ou uma casa mal-assombrada e claustrofóbica – diga-se de passagem, com um mise-en-scéne clássico dos filmes de terror antigos. Outro grande acerto argumentativo, foi dar ênfase no relacionamento de Bev (Lillis) com seu pai abusivo (Bogaert). Intencionalmente, a personagem aqui foi feita mais forte e mais presente que no romance original, sendo uma das mais profundas – embora todos seja muito bem trabalhados. Na verdade, Bev só vê a Coisa quando está junto dos outros garotos, já que seu monstro é real e vive com ela.
Dessa vez temos um Pennywise muito diferente do de Tim Curry. Independentemente de ser melhor ou pior, Skarsgård tem um approach menos amistoso que Curry, o que o afasta um pouco da essência do personagem. Na verdade, a Coisa sempre precisou se alimentar de medo, mas, para isso, se aproximava de suas vítimas de forma amigável e carismática (o que, de fato, fazia o contraste entre a aparência inofensiva e a real ameaça); agora, Skarsgård, desde o início parece aterrorizante, fazendo, inclusive, menos piadas, afastando-se do Pennywise original.
O roteiro, escrito a seis mãos, acerta ao remover os momentos mais polêmicos do romance (a cena de sexo entre as crianças e a do animal morto na geladeira, pouco teriam a acrescer), transformando-os em outros menos impactantes, já que a mensagem do elo entre eles poderia ficar distorcida. Com isso, manteve-se pura a ligação entre todos.
Um dos maiores atributos de Stephen King é a capacidade de transformar em personagens as cidades em que passam suas tramas. Tal qual Aluísio Azevedo (O Cortiço), o autor norte-americano em romances como Os Estranhos, Trocas Macabras, A Coisa, Sob a Redoma, consegue dar vida a um sentimento coletivo e local. De repente, essa seria a maior dificuldade em transferir a literatura para o cinema. Em sua primeira adaptação (1990) It: A Coisa não conseguiu fazer Derry falar, agora, em 2017, podemos vê-la pronunciando suas primeiras sílabas. Isso é fantástico.
Filme dos “Vingadores Russos” está bem longe de convencer, mas nos garante alguma diversão com um urso gigante carregando uma metralhadora nas costas
Dirigido por Sarik Andreasyan. Roteiro por Andrey Gavrilov. Com Anton Pampushnyy, Sanjar Madi, Sebastien Sisak, Alina Lanina, Valeriya Shkirando, Vyacheslav, Stanislav Shirin, Aleksandr Komissarov, Nikolay Shestak, Mila Maksimova, Igor Maslov.
Em meados de 2016, começou a circular na internet um trailer de um filme russo que tratava sobre um grupo de heróis que precisava unir forças contra um mal comum. O furor, com o tempo, esfriou, e nunca mais foi falado sobre o dito filme dos “Vingadores Russos”. Pois bem, no início de 2017, houve uma nova implosão cibernética: não se bem por que cargas d’água, mas esse filme iria ser transmitido nas salas de cinemas brasileiras. Bem que ele poderia nem ter vindo.
Na trama, durante o período de Guerra Fria, o governo soviética criou uma organização chamada Patriota, a qual criaria supersoldados para serem enviados nos focos de conflito. Anos depois, uma das cobaias se volta contra a Rússia, obrigando o governo a procurar os demais soldados, que passaram anos no anonimato, para vencer o grande inimigo.
Quanto aos poderes dos ditos Guardiões não há nada digno de nota. Arsus (Pampushnyy) é um cientista que vive isolado na Sibéria que pode se transformar em meio-urso, ou um urso completo (nunca pensei que falaria isso); Khan (Madi) é um ninja que usa duas lâminas de manuseio extremamente incoveniente e que pode se teleportar; Ler (Sisak) controla minérios e lidera o time; e Kseniya (Lanina) pode ficar invisível.
Cheio de clichês, o filme, muitas vezes parece um clipe musical, tamanha a quantidade de movimentos coreografados e encaradas ao telespectador. Essa pseudo quebra da quarta parede (nunca há uma conversa direta com a plateia) dá ao trabalho um tom demasiadamente infantil e amador, de modo que, já em meio ao filme perdemos totalmente o respeito pelo conjunto da obra. Faltou-lhe o nexo de causa que ligue sua atmosfera às técnicas de filmagem utilizadas.
Outra ponto que não favorece o trabalho é a maquiagem escolhida para representar o vilão, Stanislav Shirin (Kuratov). Para justificar suas habilidades, lançou-se mão de braços mecânicos e tubos conectando partes de seu corpo, mas não só isso, todas as próteses que formaram seus músculos, são muito evidentes – muitas piadas em relação ao six pack dele. O rosto, pateticamente deformado, lembra uma mistura de bebê com Jason Voorhees, antes de se tornar o apodrecido psicopata. Assim, é criado um vilão com cara de panaca, incapaz de transmitir a verdadeira ameaça que representa.
De ponto positivo, há apenas o urso de metralhadora – que é mais bem-humorada pela nossa incredulidade do que pela piada em si, já que é algo levado a sério no trabalho. Com um CGI bem pobre, há inclusive erros graves de continuidade dignos de Hulk (em uma cena a transformação rasga as calças e depois elas aparecem inteiras).
Repleto de boas intenções, o filme veio com o condão de mostrar que o cinema russo está ciente das atuais tendências do cinema mundial. Incapaz de satisfazê-las, infelizmente, o trabalho pende entre o ruim e o patético por se levar a sério em demasia. Pior de tudo é que o filme foi tão confiante que as cenas pós-créditos garantiram uma continuação. Vem mais clipe por aí.
Dirigido por Christopher Nolan. Roteiro por Christopher Nolan. Com Fionn Whitehead, Damien Bonnard, Aneurin Barnard, James Bloor, Barry Keoghan, Mark Rylance, Tom Glynn-Carney, Tom Hardy, Jack Lowden, Will Attenborough, Kenneth Branagh, Harry Styles, James D’Arcy, Cillian Murphy.
Christopher Nolan é um dos diretores mais contestados da atualidade. Ame-o ou deixe-o. Não há espaços para meio termos. Com filmes no currículo como a trilogia Batman, Interestelar, O Grande Truque, Amnésia e A Origem, o diretor, que começou empilhando sucessos, dá sinais de que atingiu um plateau criativo e/ou operacional. Continua tecnicamente impecável, óbvio, mas muito menos inovador. Infelizmente, nessa fase, surge Dunkirk.
O filme é muito competente ao estabelecer uma narrativa tripartite e intertemporal. Na história, acompanhamos a evacuação das tropas inglesas e francesas da praia de Dunquerque, que estava sitiada pelo alemães nazistas, no início da Segunda Guerra Mundial. Para isso, acompanhamos três frontes que se desenrolam em lapsos temporais distintos: na praia, vivemos uma semana; no mar, um dia; no ar, uma hora. Ao mesmo tempo que prazorosa, pois diferente, essa forma de narrativa traz consigo o ônus de que já saibamos o desfecho de alguns personagens, antes da conclusão “em sua linha temporal”.
Assim, em terra, vemos as tentativas de Tommy (Whitehead) em sair com vida da praia, passando a frente dos demais soldados; no mar, acompanhamos Mr. Dawson (Rylance), Peter (Glynn-Carney) e George (Keoghan), indo ao resgate dos soldados em um pequeno barco pesqueiro, uma vez que foram convocados pelo governo inglês; por fim, no ar, estaremos na cabine de Farrier (Hardy) que lidera outros dois pilotos para escoltar os destroyers e os pequenos barcos civis, que são constantemente atacados por caças nazistas.
Um dos principais pontos positivos da obra é, sem dúvidas, sua plasticidades artística. Com uma fotografia ampla, e ótimos ângulos das asas dos aviões, o filme é digno de salas IMAX. Ademais, as cenas em que a câmera fixa vira junto com o barco causa certa desorientação no espectador, fazendo a imersão ao trabalho muito mais plena. Dentro do caça, os movimentos rápidos da mira e a perseguição são sensacionais, já que não vemos como terceiro espectador, mas sim, um piloto.
Outro grande acerto é a edição e a mixagem de som que casa perfeitamente com a trilha de Hans Zimmer – o qual conseguiu revitalizar sua carreira de forma incrível, tirando-o da mesmice onde estava estagnado. Não é difícil imaginar que Dunkirk concorrerá aos Oscars no que toca à sua sonoplastia. Os estouros dos torpedos ou o barulho dos motores dos aviões reverberam de forma magistral, mas não apenas isso, os ecos da voz dos soldados quando estavam presos no barco encalhado, ou o abafamento dos sons na cabine dos pilotos são ótimos exemplos da perfeição sonora do filme.
Há certo questionamento que se pode fazer quanto à bestialização do inimigo. Filmes como Sniper Americano e, o já referido, até O Último Homem são completamente simplistas ao retratá-lo. No momento em que se lança mão de mostrar “o outro lado da linha”, deve-se fazer da forma correta; não basta mostrar um antagonista demoníaco desprovido de sentimento ou razão. Entretanto, Dunkirk consegue ser sufocante no momento em que mostra a ameaça alemã de forma onipresente e avassaladora. Em nenhum momento existe menção ao nome de Hitler ou ao nazismo, todavia, sua presença está no medo constante causado às tropas. Não há brechas a questionar as intenções de um inimigo invisível.
Embora acerte muito na parte técnica, o filme perde na parte humana. Com bons atores subaproveitados, o filme demora a cativar quem o vê. O núcleo marítimo é o que mais se aproxima de tal feito, mas, mesmo assim, não conseguem sustentar todo o trabalho. Com muitas vezes com o rosto tapado por máscaras de oxigênio, Hardy trabalha quase que integralmente apenas com os olhos, o que é um revés para a obra. Lógico, há cenas muito emocionantes, os olhos lacrimosos do comandante Bolton (Brannagh) em primeiríssimo plano ao olhar os barcos civis e chamá-los de casa, bem como a mentira contada por Peter ao soldado interpretado por Cillian Murphy, possuem uma carga emocional enorme se comparadas ao resto do filme.
Diferente de outros filmes de guerra, onde trazem uma crítica implícita a sua desnecessidade, como, por exemplo, o Mel Gibson o faz através da violência desacerbada (Até O Último Homem), Coppola o fez nas cenas cada vez maiores de Apocalypse Now, ou Oliver Stone trabalhou através do paralelo entre o assassino fanático e o idealista pacifista (Platoon, eternizado por Willem Dafoe), Dunkirk é meramente frio no sentido de retratar a guerra de forma quase documental. Não coube à obra criticar o conflito pelo motivo que fosse, apenas a retratou como um fato.
Na verdade, tamanha sua frieza que ao final, o resultado pouco importou. Com os soldados chegando em casa, ouvimos um discurso calculista de Winston Churchill, disfarçando através do otimismo e compreensão seu sentimento de derrota. E assim saímos quando as luzes acendem: desolados. Maquiando nosso sentimento de que a obra foi impecavelmente bem feita, quando, na verdade, existiam muito pontos a serem melhor trabalhados.
Dirigido por Michael Bay. Roteiro por Akiva Goldsman, Matt Holloway, Ken Nolan. Com Mark Wahlberg, Anthony Hopkins, Josh Duhamel, Laura Haddock, Santiago Cabrera, Isabela Moner, Jarrod Carmichael.
Diferente dos demais textos, dessa vez, volto-me a apropriar da primeira pessoa. Com o coração sangrando na ponta dos dedos, impossível não me envolver pessoalmente com o que aqui ficará escrito. Eu realmente achava que o filme seria uma bosta, entretanto, fui vê-lo somente movido pela esperança de isso poderia mudar. Mas só piora.
O filme começa sendo narrado por Sir Edmund Burton (Hopkins), um lorde inglês que, sabe-se lá por que, sabe tudo o que aconteceu no mundo. Assim, vemos uma guerra protagonizada por Rei Arthur e Merlin contra os bárbaros, de sorte que aqueles só venceram esses porque contaram com a ajuda dos Autobots. A partir daí voltamos ao futuro (assim como o último, o filme é no futuro) e é só tiro, porrada e bomba sem nexo algum.
Entendam: o que se faz aqui não é uma nota de repúdio a filmes de ação. Muito pelo contrário. Filmes de ação e aventura sempre foram e serão bem-vindos. O que não se pode admitir é um filme que está no quinto episódio e continua negando e tranformando e ignorando fatos trazidos pelos anteriores. O fato de trazer consigo o selo de “filme de ação” não é uma excusa para abdicar de personagens trabalhados ou minimamente complexos! Há um romance que nos é enfiado goela abaixo, uma criança de quatorze anos que sabe mais de anatomia alienígena que qualquer um e o Mark Wahlberg, que, por si só, é maluco.
Por óbvio, os personagens principais: Yeager (Wahlberg), Sir Edmund Burton e Vivian Wembley (Haddock) são perfeitamente estereotipados para que o espectador já saiba como eles pensam para que não percamos um segundo sequer de tiroteio ensandecido.
Afora isso, temos mais um exemplo de trailer que vende algo bem diferente do que o filme oferece (Esquadrão Suicida feelings), isto é, o trailer conta com muito mais de Optimus Prime do que a própria obra.
O maior problema que a franquia enfrenta é a necessidade do diretor, cada nova trama, querer aumentar a mitologia e a história da relação Autobots/humanos. Com isso, todo filme vira um tiro no pé ao negar condições e fatos estabelecidos pelo antecessor. Aliás, mesmo que tentasse se renovar, sempre precisamos enfrentar o Megatron (o famoso vilão que sempre volta, quase Jason Voorhees) e sua patota.
De fato, algumas coisas melhoraram; enquanto os primeiros dois tinham cortes muito rápidos nas cenas de combate – o que dificultava para o espectador saber quem é quem, já que era um monte de ferro brigando e atirando –, nesse os takes mais alongados facilitam na hora de nos situarmos na atmosfera do confllito.
Com Michael Bay anunciado que esse foi seu último filme (graças ao Senhor!), a única sensação que eu senti ao final foi a dúvida de quem aceitaria tomar para si uma bomba dessas. Claro, sempre podemos ligar o foda-se e fazer o sexto filme da franquia sem diretor algum, já fizemos os cinco primeiros dessa forma, não é?
Em filme de roteiro simples, Tom Holland brilha e Michael Keaton encarna um dos melhores vilões da Marvel nos cinemas
Dirigido por Jon Watts. Roteiro por Jonathan Goldstein, John Francis Daley, Jon Watts, Christopher Ford, Chris McKenna e Erik Sommers. Com Tom Holland, Michael Keaton, Robert Downey Jr., Marisa Tomei, Jon Favreau, Zendaya, Donald Glover, Jacob Batalon, Laura Harrier, Tony Revolory, Bokeem Woodbine, Michael Chernus, Logan Marshall-Green, Jennifer Connely, Gwyneth Paltrow.
Sempre foi com grande pesar que, no passado, o universo cinematográfico da Marvel foi visualizado abdicando das imagens do Homem-Aranha e dos X-Men. Claro, considerando que foi a venda de seus direitos para a Sony e Fox, respectivamente, que salvou a empresa da falência, era uma preço baixíssimo a se pagar.
À medida em que o tempo foi passando, a Marvel (então comprada pela Disney) se capitalizou o suficiente para forçar o retorno de seus personagens a sua casa. Seja retirando-os das histórias em quadrinhos, ou transformando suas origens, um pseudoboicote começou a existir em relação ao amigão da vizinhança ou aos mutantes.
Após um súbito corte na saga do Espetacular Homem-Aranha da Sony (gerada pelas reviews horríveis e arrecadação abaixo do que o esperado), para aqueles que esperavam um dos maiores super-heróis do MCU, o Cabeça de Teia retornou ao lar de forma muito mais modesta que o imaginado. Sua volta, entretanto, não poderia existir de forma melhor.
Com direção ordinária e roteiro pensado às pressas por seis cabeças, não se poderia esperar muita complexidade argumentativa. Claramente inspirado em filmes colegiais como Curtindo a Vida Adoidado ou o Clube dos Cinco, o filme mostra um Peter Parker (Holland) no colegial, administrando a súbita responsabilidade trazida a sua vida por Tony Stark em Capitão América: Guerra Civil. Conciliando a ansiedade de ser um Vingador, bem como a difícil vida no ensino médio, o garoto se depara com um vilão (Keaton) que utiliza a tecnologia Chitauri para traficar no submundo de Nova York.
Como já dito, as inspirações são claras; seja na sala de detenção ou nas cenas correndo pelos jardins das casas (onde inclusive, há um cena com Matthew Broderick no televisor, deixando clara a analogia), o filme mantém a aura escolar em todos os seus elementos. Para aqueles que imaginaram que Stark roubaria o filme para si, isso não aconteceu. Espertamente, usaram e abusaram a imagem de Hogan (Favreau) para fazer o link entre mestre e aprendiz. Assim, cabe a Downey Jr. algumas poucas cenas de eu avisei ou você pode ser melhor do que isso.
Com demasiada competência, o elenco do filme se encaixou de forma ótima. Holland (que tinha a difícil tarefa de substituir os talentosos Tobey Maguire e Andrew Garfield) muda completamente o ângulo de abordagem, o que lhe favorece; enquanto Maguire se debatia nas angústias da identidade secreta e Garfield direcionava as atenções ao lado descolado, Holland se destina a mostrar a jovialidade e o amadorismo do herói. De forma brilhante, ele se diverte consigo mesmo enquanto tenta se superar para chamar a atenção do Homem de Ferro, que o apadrinha.
Sem sombra de dúvidas o grande destaque fica por Michael Keaton; experiente em filmes de heróis, o ator se mostra o vilão mais verossímil e vertical desde Loki. Com os primeiros minutos do longa destinados a estabelecerem sua psique, somos expostos às motivações do Abutre. Sua sede de vingança e a vontade de garantir a melhor vida possível para sua família são verdadeiras o suficiente para possamos, inclusive, empatizar com o personagem de forma que há tempos não acontecia em qualquer outro filme do MCU.
O elenco complementar, da mesma forma, atua harmoniosamente com os demais. Marisa Tomei, embora subaproveitada, faz o papel da tia legal, que tenta usar sua jovialidade para se conectar a Peter, abandonando de vez a imagem da tutora frágil e idosa das demais Tias Mays. Zendaya tem alguns bons e rápidos momentos de tela, enquanto o alívio cômico fica por conta de Batalon (que o faz de forma ótima, diga-se de passagem). Favreau – em lua de mel com a Disney desde Mogli e dirigindo Rei Leão –, que nunca teve tanto tempo de tela como Happy Hogan, tem cenas excelentes com Holland e com certeza deveria ser mais explorado nos filmes.
Curiosamente, o espectador não tem nem pistas sobre alguns outros personagens conhecidos dos quadrinhos – não vêm nem indício de J. J. Jameson, Felicity Jones, ou a família Osborn –, de repente, para serem futuramente trabalhados nas sequências ou em outros filmes do spiderverse que passarão dentro do mesmo universo (ou não, ninguém sabe, nem eles). Claro, existem, espalhadas ao longo 133 minutos, uma infinidade de homenagens aos filmes de Sam Raimi, como a cena do trem em Homem-Aranha 2, ou ao beijo invertido de Homem-Aranha 1.
As cenas atrapalhadas de Peter Parker e sua origem desajeitada como super-herói podem até causar certo incômodo, mas que, ao som de Ramones, geram uma energia contagiante. Embora não existam cenas de ação emblemáticas e o clímax seja morno, o filme foca no amadurecimento de Peter enquanto herói e enquanto adolescente, onde muito bem sucedido.
Em Vingadores: Guerra Infinita, de repente, teremos um Homem-Aranha mais maduro (quase nada) e ciente de suas responsabilidades (um pouco), mas esperamos que mantenha o espírito dado por Holland. Nisso não podem mexer.
Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississippi
4.1 323 Assista AgoraConfira a crítica do Catacrese SEM SPOILERS!
"Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississippi | Crítica
A terra não vê cor
Dirigido por Dee Rees. Roteiro por Virgil Williams e Dee Rees. Com Garrett Hedlund, Carey Mulligan, Jason Clarke, Jonathan Banks, Jason Mitchell, Rob Morgan, Mary J. Blige, Kerry Cahill, Dylan Arnold.
Assim como um texto – afinal provém de um –, um filme precisa estar sempre muito atento ao seu argumento, sob pena de fugir do tema ou ficar deveras abrangente. Mudbound se enquadra perfeitamente no segundo caso; embora costuradas competentemente, as diferentes premissas acabam por causar certo estranhamento ao espectador já que 130 minutos acabam sendo poucos para mostrar todas as chagas da sociedade.
A trama se passa na década de 40, quando a vida de duas famílias (uma negra e uma branca) se cruza no Mississippi. Os McAllan – compostos pela mulher submissa, duas filhas pequenas, o marido distante e seu pai racista – e os Jacksons – uma família negra com cinco filhos, claramente no intuito de ajudar na agricultura familiar. Mesmo com todas as limitações impostas pelo mundo, Hap Jackson (Morgan) permite sua família sonhar; tudo que eles quiserem ser, serão.
Narrado em diferentes momentos pelos seus mais diversos personagens, o filme ganha um tom introspectivo e melancólico. Entretanto, se por um lado o filme ganha alcance ao mostrar os dramas de cada um (sempre com o racismo de pano de fundo), por outro ele fica com aspecto raso por apenas pincelar algumas críticas: a esposa infeliz e submissa, por exemplo, fica esquecido em meio ao filme. Aliás, esse é outro ponto em que há uma quebra de expectativa no texto do filme, no momento em que Ronsel (Mitchell) e Jamie (Hedlund) retornam da guerra, o filme se vira para o relacionamento de ambos, de modo que os demais personagens, antes protagonistas, viram meros coadjuvantes. Até nisso há uma metáfora, enquanto Jamie, caucasiano, é capitão e piloto de jatos, Ronsel, negro, é sargento e dirige tanques.
O tempo dedicado às diferentes sequelas sociais acaba por deixando o filme moroso e arrastado. O impacto que certos momentos deveriam causar se perde nas diversas frentes abertas na obra, perdendo muito da intensidade.
Mudbound é um filme de elenco uniforme. Sendo uma produção da Netflix, não houve investimento massivo em atores consagrados, de sorte que o elenco é harmonioso em si. A indicação de Mary J. Blige nada mais é do que a culminação disso, pois não há uma cena isolada que justifique sua indicação. Contudo, a canção Mighty River, que também concorre ao prêmio da Academia, possui uma letra forte, pertinente e atual em relação aos problemas tratados.
A fotografia espetacular é responsável por dar razão ao título do filme, a lama e o barro são presenças constantes no ambiente. Está na roupa, na pele, na casa. De todos. Seja preto, branco, rico ou pobre, a terra é a mesma para todos, é ela que absorve o suor, as lágrimas e o sangue, e é para ela que todos vamos ao cabo.
Há um momento no filme em que Hap olha para Ronsel e diz "desiste, não adianta discutir, eles sempre vão vencer". A triste história de negros libertos mas que são inferiorizados e hostilizados até hoje. Ao fim, há a esperança de dias melhores. Nas palavras da bela Mighty River: o tempo não conta mentiras, ele continua mudando e se movendo até que passa. Se você tiver sorte, ele vai ser generoso, como um rio fluindo através do tempo.
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
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Marshall: Igualdade e Justiça
3.8 130 Assista AgoraLeia a crítica do Catacrese SEM SPOILERS de Marshall:
"Marshall | Crítica
Quando o machismo e o racismo medem forças
Dirigido por Reginald Hudlin. Roteiro por Jacob Koskoff e Michael Koskoff. Com Chadwick Boseman, Josh Gad, Kate Hudson, Sterling K. Brown, Dan Stevens, James Cromwell, Keesha Sharp, Roger Guenveur Smith, Derrick Baskin, Barrett Doss, Zanete Shadwick, John Megaro.
Em certo momento, após o primeiro encontro com seu cliente, Thurgood Marshall é questionado por Bertha Lacaster: por que mulheres mentiriam ser estupradas, Sr. Marshall? Essa pergunta retumbaria durante todo o resto do filme, em um caso que coloca frente a frente a discriminação de raça e a de gênero. Sem saber a resposta no momento, Marshall não compreende o peso que esse questionamento teria no futuro.
Com muito ímpeto, Marshall é um filme biográfico. A trama acompanha um dos primeiros casos do jovem Thurgood Marshall (Boseman), o primeiro juiz afro-americano da Corte Suprema Americana, que trata da defesa de Joseph Spell (Brown), um negro que trabalhava para Eleanor Strubing, uma socialite branca (Hudson) e submissa ao marido, que o acusa de estupro.
Assim, em ambos os lados, há pessoas oprimidas. Se por um lado temos um negro vivendo à margem no estado racista de Connecticut, de outro, temos a mulher que teme o desprezo, não só da comunidade, mas teme as agressões do marido. Aliado a isso, há Sam Friedman (Gad), o advogado judeu obrigado a atuar no caso, e Loren Willis (Stevens), o promotor elitista e racista que atua na acusação.
Se por um lado o argumento-base acaba trazendo uma discussão densa – quase uma provocação sobre qual preconceito predomina em relação ao outro –, o roteiro escrito por quatro mãos acaba cedendo aos clichês de um típico filme de tribunal. Estão lá vários dos recursos narrativos que estamos acostumados: os insuperáveis insights durante as oitivas das testemunhas, os silêncios dramáticos antes de uma resposta, a resistência do juiz (Cromwell) em acatar os pedidos da defesa. Assim, mesmo com potencial, esse empobrecimento do texto, aliado ao histórico do diretor em episódios de séries televisivas, faz o filme entrar em uma roda de closes sem impacto e plot twists previsíveis.
Ao mesmo tempo que o roteiro e a direção pendem para o usual, o elenco extraordinário faz a diferença e traz o grande destaque do filme. Enquanto Boseman faz uma grande atuação como Marshall, o verdadeiro destaque fica por conta de Gad e Brown. Enquanto o primeiro mostra a evolução perfeita do advogado mecânico para alguém que se (re)apaixona pelo ofício e assume seu papel na luta pela igualdade, o último, com seus olhos arregalados e lacrimejantes, justifica todos os prêmios ganhados por This Is Us e The People v. O.J. Simpson: American Crime Story, e nos emociona sempre que está em cena. Aliás, Dan Stevens e James Cromwell fecham o elenco principal de forma muito competente, reforçando o sentimento segregacionista existente até hoje. Kate Hudson tem grande atuação também no momento em que leva sua personalidade enigmática até o último segundo; não como discernir se Eleanor sente raiva, alívio culpa ou arrependimento, já que são emoções perfeitamente cabíveis no momento, mas que dependem da leitura de cada espectador.
Muito mais do que um mero longa de tribunal, Marshall tem o mérito de ser provocativo até onde seu roteiro permite e revitaliza o espírito trazido por O Sol é Para Todos (1962) de combate ao racismo incrustado na sociedade. Um caso emblemático em que um advogado negro foi proibido de falar em julgamento e, mesmo assim, lutou até o fim para defender o acusado. Enquanto alguns podem dizer que isso é mimimi, filmes assim são necessários até que a ferida sare. Como bem dito por Thurgood, enquanto alguns veem apenas um negro no banco dos réus, para ele, é uma nação inteira.
Nota: 4/6 (Bom)"
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Artista do Desastre
3.8 554 Assista AgoraConfira a crítica do Catacrese, SEM SPOILERS:
"Artista do Desastre | Crítica
Um bom filme sobre um dos piores filmes
Dirigido por James Franco. Roteiro por Scott Neustadter e Michael H. Weber. Com Dave Franco, James Franco, Seth Rogen, Ari Graynor, Alison Brie, Jacki Weaver, Paul Scheer, Zac Efron, Josh Hutcherson, June Diane Raphael, Megan Mullally.
Filmes sobre filmes tem um carinho especial pelo público. Partindo dos medianos Trovão Tropical (2008) e Hitchcock (2012) até os premiados Ed Wood (1994) e Argo (2012), os filmes que tratam de filmagens sempre contaram com a vantagem de mostrar como funcionam os bastidores ao espectador, ou, até mesmo, recontar polêmicas por de trás das câmeras.
Artista do Desastre vai muito além. Não se trata de um filme de sucesso ou uma obra fictícia, era necessário que James Franco nos recontasse a história de um dos piores filmes já feitos (The Room). A trama adapta o livro The Disaster Artist: My Life Inside The Room, the Greatest Bad Movie Ever Made, escrito por Greg Sestero, vivido nas telonas por Dave Franco. Assim, o filme narra desde o momento em que Sestero encontra o peculiar Tommy Wiseau (James Franco) – idealizador do pior dos filmes – até sua premiére.
Para alcançar seu objetivo, o diretor e protagonista busca os trejeitos e a dicção de Wiseau, no intuito de dar verossimilhança aos problemas dos bastidores. Ao longo do enredo, podemos ver que são os atributos de Tommy que causam mal-estar nas filmagens; seja por sua malemolência, autoritarismo ou por sua aura de mistério, Wiseau nunca ganhou o respeito dos profissionais envolvidos na filmagem. Portanto, James Franco entregou-se de forma nunca que nunca o havia feito, tendo muito sucesso em sua empreitada. Possivelmente, a missão não teria tanto sucesso nas mãos de qualquer outro ator, uma vez que é requerida certa pachorra e senso de auto-depreciação.
Lógico, sozinho ele não haveria de conseguir. Para isso, trás para a obra sua famosa trupe que geralmente o acompanha. Dave Franco e Seth Rogen estão no elenco para reforçar o deboxe que é o causo que está sendo contado. A dedicação também é percebida nas cenas extraídas copiadas do filme original. Com alocações basicamente iguais, o elenco procura copiar as pífias atuações – em especial às de Wiseau – que tanto marcaram a produção.
À sua forma, Artista do Desastre é um filme de american dream. Um filme sobre aquela dupla fracassada que busca o sucesso em Los Angeles, mas enquanto um barra em sua própria incompetência, o outro empaca na gratidão que sente pelo amigo. Mesmo com todas as dificuldades – vocacionais, especialmente –, a dupla segue com seus ideais e não desistem perante às negativas.
Ao fim e ao cabo restou a vitória moral. O melhor dos piores, The Room adquiriu o status de cult por toda sua mística. Mesmo que o impacto não tenha sido o almejado por Wiseau (que queria seu drama concorredo ao Oscar), o filme alcança os sonhados aplausos. Acompanhados de boas gargalhadas é verdade. Mas, mesmo assim, ovacionado.
Nota: 4/6 (Bom)
PS: é importante destacar que, por mais excelência técnica que James Franco tenha demonstrado nas filmagens, sua ausência na lista dos indicados à melhor ator é pertinente. O profissional do cinema, independentemente da área ou de sua qualidade, é uma pessoa midiática, em que TODAS as suas atitudes ecoarão e repercutirão nas notícias. Considerando isso, o histórico dele como pessoa não indica tamanha recompensa. Para quem não sabe, Franco está envolvido em cinco casos de assédio em suas produções passadas. Não se trata de misturar o profissional com o pessoal; seus assédios foram feitos em ambiente de trabalho e – mesmo que fossem em qualquer outra circunstância – isso não pode ser corroborado pela Academia."
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Han Solo: Uma História Star Wars
3.3 638 Assista Agoramarquei que quero ver, mas to com medo
O Destino de Uma Nação
3.7 723 Assista AgoraConfira a crítica SEM SPOILERS do Catacrese:
"O Destino de Uma Nação | Crítica
Em filme morno, Gary Oldman, auxiliado por uma maquiagem impecável, eleva o conceito do que é atuar
Dirigido por Joe Wright. Roteiro de Anthony McCarten. Com Gary Oldman, Kristin Scott Thomas, Ben Mendelsohn, Lily James, Ronald Pickup, Stephen Dillane, Richard Lumsden, Nicholas Jones, Samuel West, David Schofield.
Winston Churchill é um dos personagens mais icônicos da história contemporânea. Político, historiador, ganhador de Prêmio Nobel de Literatura, o estadista foi o Primeiro-Ministro que liderou o Reino Unido nas amarguras da Segunda Guerra Mundial. Famoso por suas idiossincrasias o personagem foi interpretado inúmeras vezes nas películas; duas apenas esse ano com Brian Cox (Churchill) e, por último, Gary Oldman, em O Destino de Uma Nação.
A trama do filme acompanha um momento muito específico na vida do político. A obra narra os primeiros trinta dias de seu governo, desde sua posse, até o momento em que em que dá seu famoso discurso We Shall Fight on the Beaches perante à Câmara dos Comuns. Durante esse período, Churchill precisou lutar contra a descrença do Rei George VI, as maquinações de rivais políticos, além de ter tomado a difícil decisão sobre a evacuação dos soldados britânicos na praia de Dunquerque (sim, aquele filme do Nolan).
O grande destaque do filme definitivamente é na atuação estupenda de Oldman e sua respectiva maquiagem. Hábil em capturar não só os maneirismos, mas também o timbre da voz de Churchill, o ator – que já emocionou nos papéis de Drácula, Beethoven e Sirius Black – mostra-se um verdadeiro camaleão, de modo que fica absolutamente irreconhecível no papel. Ben Mendelsohn consegue, também, dar o devido suporte ao ator, de sorte que seus diálogos (embora muito expositivos), são os grandes momentos do fraco roteiro.
Aliás, a fotografia do filme é muito eficiente no momento em que retrata os ambientes de forma escura e esfumaçada, o que causa constantemente uma sensação de sufoco. A poeira, constantemente realçada pelos feixes luminosos que adentram o parlamento, traça em paralelo com a nebulosidade londrina e a fumaça da guerra que se aproxima.
Assim, a beleza estética e a excelência técnica dos atores, acabam abafando um roteiro fraco, ineficiente em reverberar a profundidade do momento vivido, e que tenta compensar isso através de diálogos pseudoeloquentes, que narram coisas já absorvidas pelo expectador. O peso da decisão de sacrificar quatro mil soldados para salvar os trezentos mil de Dunquerque é apenas pincelado, sem nenhum impacto narrativo.
A importância histórica do Primeiro-Ministro seduz o cinema a cada vez mais a retratar sua vivência. Churchill, embora extremamente conservador e defensor da higiene racial (parte discretamente omitida ao mostrar o premiê dialogando de forma emocionante com um negro no metrô) foi, quem sabe, o indivíduo mais importante no levante contra Adolf Hitler, ao iniciar as tratativas para ingresso dos Estados Unidos – então liderado pelo Presidente Franklin Roosevelt – em apoio aos Aliados.
O Destino de Uma Nação é o maior exemplo de que obras cinematográficas dificilmente serão homogêneas. A atuação fenomenal de Gary Oldman e a maquiagem utilizada são evidentes muletas que amparam um filme que, se não as tivesse, seria no máximo ordinário.
Nota: 4/6 (Bom)"
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Jogos Mortais: Jigsaw
2.8 706 Assista Agoracansei já
Três Anúncios Para um Crime
4.2 2,0K Assista AgoraConfira a crítica do Catacrese SEM SPOILERS para um dos favoritos ao Oscar de melhor filme!
"Três Anúncios Para um Crime | Crítica
Um dos maiores dilemas da vida em tela: o que diferencia a justiça da vingança
Dirigido e roteirizado por Martin McDonagh. Com Frances McDormand, Woody Harrelson, Sam Rockwell, Lucas Hedges, John Hawkes, Abbie Cornish, Samara Weaving, Peter Dinklage, Kerry Condon.
É muito complicado ter a visão eternamente analítica. Indubitavelmente um dia todos nós nos perderemos no limiar entre a justiça e a vingança. Enquanto a primeira é movida por valores éticos e morais, a segunda é o mais puro desejo de buscar a satisfação através da compensação. Assim nos foi ensinado, mas, mesmo que todos nós saibamos disso, é necessário sermos sensíveis e compreender outro ponto: a dor de uma perda cega, e, na perda, somem as barreiras.
É exatamente sobre isso que se trata Três Anúncios Para um Crime. Um filme denso, que mostra a vida de Mildred Hayes (McDormand) após o estupro e assassinato de sua filha. Desamparada pela ineficiência da polícia local, ela decide alugar três outdoors da estrada que leva a sua cidade, Ebbing, Missouri. Com o fundo vermelho e letras pretas de forma, ela questiona o que a polícia fez para resolver o crime. Com isso, desenrolam-se uma série de eventos típicos de uma comunidade pequena, enquanto alguns dizem que a polícia fez o que lhes era possível, outros apoiam as cobranças de Mildred.
Com um roteiro primoroso e atuações impecáveis, a obra se destaca por não apenas ser imparcial a ambas as visões, mas também estabelecer um background complexo para todos os personagens. Enquanto somos tocados pela vida de Mildred – eternamente afetada após a fatalidade –, percebemos também que polícia não podia fazer muito mais do que realmente fez (mas, mesmo assim, podia). McDormand mostra o quão versátil ela pode ser, mesmo atuando em grandes papéis como em Fargo, aqui, ela consegue se mostrar como se carregasse o peso do mundo nas costas, e estivesse prestes a desabar. Harrelson e Rockwell (como o Xerife Willoughby e o policial Jason Dixon, respectivamente) justificam suas indicações ao Oscar pela forma magistral com a qual aprofundaram e deram a importância a seus personagens. O elenco secundário trabalha com esmero em suas devidas cenas, não prejudicando o andamento do trabalho.
O maior mérito do trabalho é, definitivamente, questionar o direcionamento e o contágio da ira da protagonista. Enquanto no primeiro momento ela destinava suas forças contra a polícia, ao melhorar sua perspectiva, acaba precisando focar seus esforços no suposto culpado e, por fim, quando o maior dos desesperos toma conta, contra qualquer culpado. Na verdade, faz-se um bê-a-bá do nascimento do vigilantismo, onde o ódio é proporcional à insatisfação com a justiça.
Sem maniqueísmos, a obra justifica – mas jamais exculpa – o ato de cada um dos personagens. Enquanto Mildred age movida somente por desespero e remorso, o xerife apenas ri de sua própria incapacidade de fazer mais e Dixon é o policial imaturo que vive sob a asa da mãe controladora. Com todos seus grandes defeitos, mesmo assim não deixamos de torcer para que encontrem o que almejam. A mãe busca um encerramento; o xerife, paz; o policial, sucesso.
Sem sombra de dúvidas, Três Anúncios Para um Crime é uma das melhores produções a concorrer aos prêmios da academia. Atual, crítico e provocativo, o filme se destaca em todos os aspectos, principalmente por se relacionar ao mundo raivoso e sedento que vivemos. Que sirva de aviso a todos: no momento em que o ódio toma as rédeas, não há outro caminho senão a frustração.
Nota: 6/6 (Ótimo)"
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Vende-se Esta Casa
1.4 988 Assista Agoraa única explicação que achei mais razoável é o filme ser um serial killer de Open Houses.
tanto que no final do filme, mostra um carro com uma pessoa indo na direção que uma placa apontava Open House, mas não era a casa em que o Logan estava.
tirando isso, não tem mais nenhuma explicação possível. o filme não dá nenhum argumento para que se possa COMEÇAR a teorizar.
Vende-se Esta Casa
1.4 988 Assista AgoraComeçou muito bacana, o meio foi bem clichê e o final foi uma bosta total.
A Forma da Água
3.9 2,7KConfira a crítica do Catacrese SEM SPOILERS!
"A Forma da Água | Crítica
Como já diria o ditado: há sempre um pé torto para um chinelo velho.
Dirigido por Guillermo del Toro. Roteiro por Guillermo del Toro e Vanessa Taylor. Com Sally Hawkins, Michael Shannon, Richard Jenkins, Octavia Spencer, Michael Stuhlbarg, Doug Jones, David Hewlett, Nick Searcy.
De todas as formas que pode se manifestar, o amor é sentimento mais inexplicável que existe. Seja na paixão, no erotismo, na amizade, ou (nesse caso) na empatia, o sentimento mais belo surge de forma arrebatadora e muda a vida de todos que o envolvem.
Com isso em mente, del Toro – se recuperando do pífio, mas belo, A Colina Escarlate – nos traz a um mundo com ares de Amélie Poulain. A fotografia sombria e, por vezes, surrealista serve para dar o contorno de fábula que o romance precisa ser contado. Na trama, Elisa (Hawkins), muda desde que tem alguma lembrança, faxineira de uma base secreta norte-americana, se apaixona por um ser aquático (Jones), que é cobaia para experimentos durante a Guerra Fria.
A paleta azul-esverdeada, que muitas vezes é usada para lançar mão de tons frios, aqui muda sua ênfase para ficarmos submersos. Sem frieza alguma, somos convidados a nos afogar em um romance em sua forma mais pura. Elisa, nunca completamente compreendida em virtude de sua deficiência, e um ser anfíbio, retirado de seu habitat natural, mas com inteligência psicológica e emocional para compreender os seres humanos a sua volta.
O design de produção esplêndido é uma constante nos trabalhos do diretor e produtor. Com mise-en-scène belos e provocativos, o espectador sempre sente que algo destoa da realidade, mas nunca há grande certeza no quê. Seriam as cores? A disposição dos móveis? Ou seriam as cenas climáticas ao som de Carmen Miranda?
Se existe uma palavra capaz de definir o elenco como um todo é carisma. Sally Hawkins é uma gigante interpretando a muda Elisa; enquanto Octavia Spencer (Zelda), sempre com atuações seguras, é a amiga preocupada e compreensiva. Michael Shannon (Richard), talvez um dos atores mais talentosos hoje, é um vilão digno da fábula que o envolve e Richard Jenkins se destaca por sua serenidade e por suas singelas cenas com Elisa.
De forma doce, Guillermo del Toro surpreende trazendo conto de fadas sobre o descobrimento do amor. Não importam aqui as diferenças biológicas, aliás, isso nunca é argumentado no filme. Há, sim, curiosidades quanto a anatomia do ser anfíbio, mas a questão de que ambos são de diferentes espécies nunca foi uma barreira, nem pelos amantes, nem por aqueles que os orbitavam.
Definitivamente, del Toro consegue dar a volta por cima e entregar um romance com sua assinatura e carimbo, embora não inove no enredo. Com um tema clichê (a superioridade animal do ser humano), em um mundo em que espécies de animais vivem em constante perigo de extinção e a ganância do homem parece não enxergar as consequências de seus atos, é revigorante ver ainda que vale a pena lutar pelo bem de uma espécie e, principalmente, do amor."
Nota: 5/6 (Muito Bom)
Liga da Justiça
3.3 2,5K Assista AgoraConfira a crítica do Catacrese SEM SPOILERS!
"Liga da Justiça | Crítica
Com bastante coisa a ser melhorada, a boa notícia é que a Warner parece finalmente ter encontrado o caminho
Dirigido por Zack Snyder. Roteiro por Chris Terrio e Joss Whedon. Com Ben Affleck, Henry Cavill, Amy Adams, Gal Gadot, Ezra Miller, Jason Momoa, Ray Fisher, Jeremy Irons, Diane Lane, Connie Nielsen, J.K. Simmons, Ciarán Hinds, Amber Heard, Joe Morton
Uma das máximas que sempre distinguiu as franquias da Marvel e da DC no cinemas foi o tom adotado pelos filmes. Com isso, ambas sofriam com os pós e os contras de suas escolhas. Enquanto a primeira é adepta do humor leve e descompromissado (deixando seus filmes menos inovadores e mais descartáveis, por assim dizer), a última era mais solene e filosófica em demonstrar um mundo com super-heróis.
Infelizmente essa abordagem mais séria não caiu nas graças do público, de modo que as maiores críticas passaram a ser no tocante à melancolia de suas produções. Assim, a Warner viu-se na urgência de mudar o tom empregado – como já visto em Mulher-Maravilha –, sob pena ver ruir uma de suas maiores fontes de renda.
Nesse novo toar, Liga da Justiça, de muitas formas, se soma ao que Mulher-Maravilha já havia nos mostrado. Com muita aventura e engatinhando no humor, o filme que une alguns dos maiores heróis da DC contrasta em absoluto com Batman v Superman, seu antecessor cronológico.
Na trama, o mundo vive em desesperança após a morte de Superman (Cavill). Autoflagelado por culpa, Bruce Wayne (Affleck) segue na luta para reunir uma equipe de pessoas com poderes e, assim, poder combater a grande ameaça que se aproxima (Lobo da Estepe, vivido por Ciarán Hinds). Para isso, conta com a ajuda de Diana (Gadot) para recrutar Aquaman (Momoa), Flash (Miller) e Ciborgue (Fisher).
Logo de início, percebemos que o compasso da produção é bem mais rápido que seus antecessores. Algumas vezes até rápido demais. Sofrendo pela escolha de unir a equipe de heróis antes mesmo de serem apresentados em um filme solo, o filme precisa esbanjar de diálogos inverossímeis (então o famoso primogênito da Rainha de Atlântida, mestiço com humano, mas que não quer a coroa, e vive atormentado por viver entre dois mundos e não pertencer a eles, voltou, hein? Ninguém fala tantos apostos assim) para nos prover com o background que não temos. E isso se segue até metade do segundo ato.
Passada a correria exaustiva, um dos pontos altos do filmes vem justamente do relacionamento entre os integrantes da equipe. Individualmente, são poucas as informações para sustentarem os novatos em tela. Enquanto Ciborgue se mostra um dos mais interessantes personagens a ser explorados, Aquaman decepciona um pouco por ser apenas um clichê de macho man e Flash é apenas um jovem carente e bem humorado. Entretanto, quando juntos, fica muito mais fácil administrar as novidades. As piadas de Flash funcionam muito bem com o ar carrancudo dos demais. Mulher-Maravilha e o Batman, mais veteranos, são o elo forte do time e são muito bem explorados pelo roteiro para fazerem o que o fã espera: Batman usa de sua inteligência para persuadir a equipe a tomar determinada atitude e a Princesa de Themyscira desperta a nobreza de todos com suas palavras.
Outra grande qualidade da obra foi a forma com que retrataram Superman. As cores do uniforme mais vivas e – ainda que poucos – seus momentos isolados com cada integrante da Liga mostram um herói revitalizado e com grande potencial para novos filmes solos.
Muitos dos méritos se deram por conta da vinda de Joss Whedon, que, por sua vez, trouxe consigo Danny Elfman para a trilha sonora, sem medo de trazer as trilhas clássicas. Estão presentes os novos hinos, como a música da Mulher Maravilha (composta por Hans Zimmer e Junkie XL), mas há também o tema clássico de Superman (de John Williams) e o tema do Batman de Tim Burton (composto pelo próprio Elfman). Com isso, somos agraciados com um constante diálogo entre o novo e o velho, onde as músicas conversam e compõem algo completamente novo.
Ainda é muito perceptiva a presença de Zack Snyder, os easter-eggs e as cenas em slow-motion ainda existem aos montes. Entretanto, mais uma vez, ficou comprovado que, para o crescimento da franquia, o afastamento do diretor é medida impositiva.
Aliás, mais uma vez o diretor consegue denegrir sua imagem com a hiper-sexualização das amazonas tão bem construídas por Patty Jenkins. É berrante a diferença adotada por ambos. Enquanto a diretora nos mostrou guerreiras fortes e de armaduras verossímeis, Snyder pareceu ser mais adepto das mínimas tiras de couro. Além disso, todos os momentos que Gal Gadot estava em cena, a câmera optava por um plano americano contra-plongée para facilitar a visão de suas nádegas para os nerds pueris.
O vilão (Hinds) novamente perece ante sua linearidade e falta de motivação. Desde sua chegada, que parece muito aleatória, Lobo da Estepe nunca foi uma ameaça icônica. Na verdade, o General Zod continua sendo a maior ameaça enfrentada. Tomado por computação gráfica de má qualidade, Hinds, fica irreconhecível, servindo tão somente como a frágil motivação que uniu os super-heróis.
Se por um lado a Liga da Justiça mostra evolução em uma análise contextual, ela ainda paga pelos pecados de um início de universo compartilhado corrido e mal planejado. Um dos maiores acertos foi, definitivamente, o afastamento de Snyder da direção. O que antes era um futuro visto com pessimismo, agora, assim como o retorno esperançoso de Superman, virou um farol de esperança.
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
Thor: Ragnarok
3.7 1,9K Assista AgoraConfira a crítica do Catacrese com POUCOS SPOILERS:
"Thor: Ragnarok | Crítica
Muito colorido, Thor vive sua melhor aventura solo nos cinemas, mostrando potencial para seguir no panteão após a Fase 3
Dirigido por Taika Watiti. Roteiro por Eric Pearson, Craig Kyle e Christopher Yost. Com Chris Hemsworth, Tom Hiddleston, Cate Blanchett, Idris Elba, Jeff Goldblum, Tessa Thompson, Karl Urban, Mark Ruffalo, Anthony Hopkins, Benedict Cumberbatch, Tadanobu Asano, Zachary Levi, Ray Stevenson.
De todos os heróis do MCU adaptados ao cinema, Thor sempre foi o mais contestado. Seja no Thor, de Kenneth Branagh, ou em Thor: O Mundo Sombrio, de Alan Taylor, o Deus do Trovão sempre pareceu estar aquém de seu verdadeiro potencial, perdendo-se em tramas amorosas e aventuras insípidas. Tamanha é falta de convicção que, em seu terceiro filme, Kevin Feige traz um terceiro diretor, cujo estilo destoa demais dos dois anteriores; era chegada a hora de Taika Watiti, e isso não poderia ser mais acertado.
Em seu último filme dessa trilogia, Thor precisa enfrentar Hela, a Deusa da Morte e primogênita de Odin, a qual pretende ir muito além dos Nove Reinos. A trama simplista serve para fazer o que se espera: dar liga aos eventos que se sucedem. Com isso, entendemos como Thor vai parar em Sakaar e por que o Hulk aparece.
Hemsworth definitivamente encontrou sua melhor abordagem como asgardiano. Falhando um pouco quando lhe era exigido o elemento dramático, o ator demonstra um excelente timing cômico auto-debochado e depreciativo. Hiddleston também cresce como Loki no momento em que se despe da figura de grande antagonista e incorpora o papel de quase vilão, indo um pouco além do clássico anti-herói. Ruffalo (que funciona apenas enquanto Gigante Esmeralda) e Thompson não conseguem acompanhar os irmãos asgardianos e acabam lançando mão de caras e bocas desnecessárias para manter a caricatura.
Um dos personagens mais engraçados, com certeza, fica por conta de Korg, feito por captura de movimento do diretor, que busca o famoso humor sincero de Drax, mas, dessa vez, um pouco mais singelo e inocente.
Se por um lado os dois primeiros filmes sempre tentaram dar ao Thor certo impacto emocional e falharam, agora, Watiti definitivamente desiste disso. Na verdade, a escolha é inteligente a partir do momento em que, fazendo o filme funcionar com a engrenagem da comédia, os poucos momentos introspectivos acabam funcionando sem muito esforço por destoarem do contexto.
Entretanto, essa independência proclamada por Watiti traz consigo alguns ônus que prejudicam o universo cinematográfico. Ao mesmo tempo que inova trazendo um tom divertido - coisa já feita pelos Guardiões da Galáxia, então nem é tanta novidade assim -, o diretor se mostra incapaz de fazer mudanças cruciais no MCU, tal qual os irmãos Russo o fizeram. A autonomia do roteiro acaba por frustrar a expectativa de muitos dos fãs. Já nos primeiros cinco minutos, o protagonista faz um monólogo para esquecermos as Jóias do Infinito. Portanto, o diretor tira o pé do acelerador e tenta fazer um filme mais impessoal; tão distante que descarta (ou não mostra), sem o mínimo de consideração ou importância, atores e atrizes coadjuvantes.
Jeff Goldblum e Cate Blanchett foram as grandes sacadas da obra. Embora caindo na velha fórmula de tentar conquistar o universo, a Deusa da Morte mostra ser uma verdadeira ameaça com sua frieza maquiavélica. Já o Graõ-Mestre parece que foi idealizado com Goldblum em mente, suas suas maneirices e idiossincrasias fazem dele uma das escalações mais acertadas de todo o universo cinematográfico. Ele com certeza precisa voltar. Além disso, somos contemplados com cameos engraçadíssimos de Matt Damon e Sam Neill.
A trilha sonora faz homenagem a toda a jornada do Thor, o que mostra seu peso consolidado na franquia como um todo. Passeamos desde Thor: O Mundo Sombrio, a Vingadores: A Era de Ultron e começamos e terminamos com Immigrant Song, de Led Zeppelin (casualmente também dos anos setenta. Guardiões feelings).
Ousada, mas nem tanto; assim poderíamos definir a reinvenção de Thor ao fim de sua trilogia. O asgardiano definitivamente encontrou seu caminho nas mãos de Taika Watiti, mas poderia ter feito tão mais que terminamos o filme com um gosto agridoce na boca. Thor: Ragnarok é um dos filmes mais divertidos da Marvel e mostra um potencial até então inimaginável: fazer o Deus do Trovão ter seus filmes no rol dos mais esperados do ano.
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
Os Meyerowitz: Família Não se Escolhe (Histórias Novas e Selecionadas)
3.4 257 Assista AgoraCrítica do Catacrese COM SPOILERS:
"Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe | Crítica
Me perdoe Adam Sandler. Me perdoe Ben Stiller.
Dirigido e roteirizado por Noah Baumbach. Com Adam Sandler, Grace Van Patten, Dustin Hoffman, Elizabeth Marvel, Emma Thompson, Ben Stiller, Judd Hirsch, Adam Driver, Sigourney Weaver.
Esse texto contém spoilers da trama.
Ao ouvir que um filme com Adam Sandler e Ben Stiller terminou em meio a aplausos e lágrimas no Festival de Cannes, o sentimento só podia ser um: incredulidade. Seria possível que os atores dos péssimos Sandy Wexler e Zoolander 2 conseguiriam recuperar o prestígio perdido em filmes comerciais? Em meio a essa névoa de dúvidas Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe estreia na Netflix e promete apimentar ainda mais a discussão: por que raios filmes de streaming são preteridos em relação aos do circuito de cinemas?
O enredo é sobre um dramédia familiar que gira em torno de Harold (Hoffman), um homem desajustado, com quatro casamentos e que possui três filhos (dois no primeiro, um no segundo). Com isso, somos apresentados a Danny (Sandler), Jean (Marvel) e Matthew (Stiller), o preferido, filho do novo casamento, o qual, casualmente, não seguiu a veia artística da família. Assim, após um acidente com o pai, os meio-irmãos são obrigados a conviver após muito tempo.
Mais do que um filme sobre laços familiares, Os Meyerowitz é obra sobre escolhas, aceitação e resignação. Com atuações primorosas, Sandler e Stiller traçam caminhos inversos aceitando o invencível: enquanto o primeiro vive o filho que ama o pai, mas é rejeitado por ele, o outro encarna o filho distante, mas que tem a admiração incondicional do patriarca. Esses dilemas acabam gerando diálogos excelentes entre os irmãos que vão desde o mero ciúmes até o fardo de ter que marcar presença na vida de quem não lhe dá valor.
Sandler busca alguns elementos de Embriagado de Amor, mas, dessa vez, apaixonado por sua filha e poder lhe oferecer tudo que seu pai não pôde contribuir para seu crescimento. Considerando as devidas proporções, o ator parece ter bebido da mesma fonte que inspirou Casey Affleck em Manchester À Beira-Mar, pois sempre parece estar rondando um ataque de nervos. Stiller – o maior destaque, sem dúvidas – novamente nos mostra que ele é capaz de oferecer muito mais do que faz normalmente. Buscando os elementos que cativaram o público em A Vida Secreta de Walter Mitty, o ator se mostra menos histérico e mais contemplativo. Marvel, que inicia com ares lúdicos, a medida que o longa passa, vai adquirindo contornos dramáticos que servem muito bem para ilustrar o início de uma reconexão entre os irmãos.
O diretor (Baumbach, que nos cativou com A Lula e a Baleia) continua almejando atingir o mesmo nicho de telespectador que Woody Allen. A estrutura episódica do trabalho, que intercala cenas através de fade outs é bem interessante a partir do momento em que se conhece o título original do filme. Horrendamente traduzido como Família Não Se Escolhe, o conteúdo original é Histórias dos Meyerowitz (Novas e Selecionadas), ou seja, assim como na vida, os capítulos se encerram para que novas fases possam surgir, seja essa troca sutil ou não.
Aliás a obra tem uma intimidade crescente muito evidente. No início os diálogos eram marcados por ouvintes desinteressados e perguntas protocolares. Perguntas educadas para alguém que não lhe daria resposta, mas faria outra pergunta educada. À medida que o filme passa, as respostas começam a vir; e vem acompanhadas de desabafos, lágrimas, gritos e brigas. Assim, os irmãos passam de desconhecidos a amigos, e de amigos a confidentes.
Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe é um filme sutil sobre as diversas formas de relações familiares. No final das contas, todos se mostram responsáveis por seu próprio caminho, mas querendo dar seu melhor. Uns resignados, outros motivados a mudar. O que realmente importa é tentar ser feliz.
Nota: 4/6 (Bom)"
A Chegada
4.2 3,4K Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"A Chegada – Crítica
É muito satisfatório a indicação de progresso da Academia em dar atenção especial aos filmes de ficção científica. Distrito 9, Avatar, Gravidade e Perdido em Marte são exemplos de obras indicadas de um cinema que antes era preterido por ter sido considerado de gênero. Invasão alienígena é um tema extremamente explorado no cinema. De repente, dentro da ficção científica, seja o assunto com maior enfoque. Nesse pensamento, há vários elos que necessariamente trazemos junto ao se deparar com um filme assim: explosões, heroísmo, guerras e batalhas épicas. A Chegada quebra esse paradigma criado pelos blockbusters.
O enredo inicia como qualquer outro. Em um dia aleatório, a humanidade presencia a chegada de doze naves extraterrestres de formato ovalado (Conchas, como eles chamam). Imponentes, mas inofensivas, as naves pairam sobre o solo inertes. Com o background clichê estabelecido, o filme pode crescer no ponto que nasce sua beleza, o desenvolvimento. Suspeitando das intenções dos alienígenas, o exército norte-americano (representado na figura de Forrest Whitaker), procura a especialista em linguagem, Dra. Louise Banks (Amy Adams) e o matemático teórico Ian Donnely (Jeremy Renner), para estabelecerem contato com a civilização desconhecida.
Construindo a obra em clima de melancolia e desamparo, o excelente diretor, Denis Villeneuve, constrói seu clássico científico (com grandeza equivalente a 2001: Uma Odisseia no Espaço, Interestelar e Contato). Estreando na área da ficção espacial, Villeneuve demonstra, mais uma vez, ser um dos profissionais mais competentes de sua área, na atualidade. Passando por Incêndios, Os Suspeitos e Sicário: Terra de Ninguém, o diretor apresenta um leque infinito de recursos, sem repetir características e aprimorando sua estilística.
O elenco basicamente é Adams. Renner está ali para dar certo apoio, mas é com a Dra. Louise que vivemos a atmosfera de temor pelo desconhecido. Os primeiros minutos do filme servem para justificar a tristeza no semblante da personagem: perdeu sua filha, ainda adolescente. Sentimos o que a Dra. Banks sente. Após isso, na medida em que vai tentando se comunciar com os alienígenas, vivenciamos uma série de flashbacks pertinenentes ao momento. Uma verdadeira injustiça a ausência de sua indicação para o Oscar.
Misturando temas complexos como tempo, linguagem, história e memórias, o filme se desenvolve em ritmo lento, quase parando, algumas horas. Essa parada é necessária, durante todo o tempo somos guiados em clima de apreensão e trauma. Uma mulher sofrida em uma humanidade em crise. Aliás, não obstante a paleta fria e taciturna, a produção evolui com uma sensibilidade cativante. Ao mesmo tempo que descobre formas de contato, a protagonista se descobre e entende seu papel, não só na história, como na sua vida. Assim como em nossa mente, o filme mistura recordação e projeção. Não existe separação concreta entre ambos; a bem da verdade, no emaranhado de neurônios, as sinapses muitas vezes perdem a noção de tempo, misturando fatos e juntando eventos independentes (ou até fictícios).
A trilha sonora é um espetáculo à parte. Jóhann Jóhannssson fecha perfeitamente com a obra e pauta o filme em musicais transcendentais, indicando sempre epifanias e revelações. Ao cabo, finaliza com melodias sublimes, indicando a aceitação da protagonista com seu aprendizado.
Na terça parte, um plot twist sofisticado fecha a obra de forma primorosa e emocionante, unindo as várias temáticas, outrora sem relação alguma.
O tempo (cronológico e psicológico) é uma das grandezas da física que ainda não conseguimos superar. Na verdade, assusta muito quando esse dia chegar. Se soubéssemos nosso futuro, será que repetiríamos os mesmos erros? Alguns sim; os amores mais belos, mesmo que vividos apenas uma vez, serão lembrados para sempre.
Nota: 6/6 (Ótimo)"
Blade Runner 2049
4.0 1,7K Assista AgoraCrítica do Catacrese SEM SPOILERS!
"Blade Runner 2049 | Crítica
Após cinquenta anos, finalmente um diretor entendeu a mensagem por trás do romance de Philip K. Dick
Dirigido por Denis Villeneuve. Roteiro por Hampton Fancher e Michael Green. Com Ryan Gosling, Dave Bautista, Robin Wright, Ana de Armas, Jared Leto, Sylvia Hoeks, Harrison Ford, Edward James Olmos, Lennie James.
Em 1982, em lua-de-mel com o público após revelar uma das protagonistas femininas mais fortes do cinema (Ripley, Alien – O Oitavo Passageiro), o diretor Ridley Scott inova o mundo do cinema; trazendo um filme que se passa em um futuro distópico, unindo elementos do noir e do steampunk, adaptando a obra de Philip K. Dick, nasce Blade Runner: O Caçador de Andróides.
Liberdades criativas à parte, por mais revolucionário e importante que fosse o filme de Scott, o diretor sempre deixou passar elementos importantes do romance, os quais tiravam muito do espírito da obra. Em 2017, ansiando por trazer novamente a história as telas, o diretor Denis Villeneuve é convocado unicamente com uma missão: revitalizar o mundo de Deckard e trazer a ele o que faltou na obra de 35 anos atrás, uma alma.
Na trama, trinta anos após os eventos do primeiro filme, o blade runner K (Gosling) se depara com uma revelação que tem o poder de mudar completamente a realidade que ele conhece. Para isso, precisa descobrir o paradeiro de um antigo blade runner, Rick Deckard (Ford).
Vários elementos foram mantidos em relação ao original, criando o vínculo com o espectador e homenageando, com justiça, o filme original. O sobretudo que K utiliza lembra muito o que Deckard trajava, além disso a visão panorâmica da cidade despida de natureza, bem como os constantes planos com neons das grandes corporações (mantendo a Coca-Cola, e trocando a Atari pela Sony), são alguns do elementos que remetem ao mundo mostrado por Scott em 1982.
Entretanto, ao mesmo tempo que entrega repetições do primeiro longa, Villeneuve mostra que sua obra traz identidade própria, com sua visão do mundo de Dick. Já na primeira cena, ao revelar uma árvore, tenta-se nos fazer subentender que esse não é o Blade Runner da década de oitenta. Abandonando o elemento noir e apenas mostrando a superfície do steampunk, o diretor pende muito mais para a ficção científica de Joseph Krosinski, de Tron e Oblivion, com elementos claros e arquitetura harmônica, o que deixa uma atmosfera meio Black Mirror por vezes. Claro, dentro do prédio de Wallace (Leto), o jogo de chiaroscuro é uma constante, sempre no objetivo de remeter que Wallace ao calçado vestido por Tyrrel no filme passado.
No mesmo passo que o filme, Hans Zimmer conduz a trilha sonora de forma magistral. Atualmente, arriscando mais em sintetizadores, o compositor se despe um pouco da indentidade orquestral que adquiriu. Claro, sempre dialogando com a trilha de Vangelis, principalmente nos momentos com Harrison Ford.
De muitas formas, Blade Runner 2049 é mais explícito em suas ideias do que foi O Caçador de Andróides. Seja nos diálogos ou no próprio mise-en-scène, o filme não deixa margem para interpretações dúbias ou, quando deixa, é por total intenção disto (como o diálogo entre Wallace e Deckard). Aliás, agora, em 2017, o filme finalmente atinge o âmago existencial provocado por Dick, cinquenta anos atrás. A partir do momento em que os andróides tem memórias, sentimentos próprios, e livre-arbítrio, o que os difere dos nascidos naturalmente (e precisa-se falar naturalmente já que a humanidade é condição adquirida e não de nascença)?
Enquanto Scott focou em um filme de ação com o romance entre dois personagens, Villeneuve preza as provocações da obra original, mostrando um filme de sensações incompletas. Somos submetidos às torturas do amar sem poder tocar, o amor fraternal sem poder ver crescer, criar sem poder ver, e o querer ser sem nascer.
Ao contrário do carisma de Harrison Ford, Gosling nos faz ver o filme de forma mais analítica. Até certo ponto, isso funciona muito bem considerando sua natureza, mas, com isso, não criamos os mesmos vínculos com o protagonista, o que nos faz ficar esperando Ford constantemente. A bem da verdade não há atuações de grande destaque na produção, de modo que as melhores cenas ficam por conta de Joi (de Armas), a qual experiencia o toque pela primeira vez na chuva, sendo uma sequencia realmente tocante.
Humildemente se curvando ao filme original, Blade Runner 2049 é muito maior do que o antecessor. Cortês na medida certa, a obra sabe onde respeitar os limites delineados pelo primeiro filme e sabe onde ir além. Villeneuve mais uma vez se superou e nos encantou. Que diretor fantástico!
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
Jogo Perigoso
3.5 1,1K Assista AgoraConfira a Crítica do Catacrese COM SPOILERS:
"Jogo Perigoso | Crítica
Ano que variou entre altos e baixos nas adaptações de Stephen King tem mais um ótimo acréscimo
Dirigido por Mike Flanagan. Roteiro por Mike Flanagan e Jeff Howard. Com Carla Gugino, Bruce Greenwood, Henry Thomas, Carel Struycken, Kate Siegel, Chiara Aurelia, Natalie Roers, Gwendolyn Mulamba.
Em 1992, antes do movimento feminista ter a força que tem hoje, Stephen King surpreendeu o mundo com uma história que, nas mão de qualquer outro escritor, seria maçante. Como narrar, com eficiência, trezentas páginas sobre uma mulher algemada em uma cama? Trazendo elementos sensíveis como abuso sexual, machismo e relações interpessoais, o Mestre do Terror nos encanta com o Jogo Perigoso. Em 2017 o livro ganhou uma adaptação para as telas, exclusiva da Netflix, que faz jus à fama.
Não é demérito nem vergonha reconhecer que as produções da Netflix possuem um orçamento muito menor que os demais filmes das produtoras mainstream. Entretanto, dentro de suas limitações, a empresa de streaming tem surpreendido bastante em filmes como The Fundamentals of Caring, Beasts of No Nation, Barry, First They Killed My Father. Todavia, após trazer o péssimo O Nevoeiro – também baseada em um conto do escritor – para o Brasil com seu selo, a Netflix se desculpa com uma ótima adaptação.
No enredo, tentando reacender a chama do relacionamento, um casal de meia idade vai à casa de campo praticar jogos sexuais que consistem em algemar a mulher na cama. As coisas começam a ficar meio tensas quando, após uma discussão, o marido tem um ataque cardíaco, deixando a mulher algemada e isolada.
Gugino (que vive Jessie, a esposa) tem o trabalho predominantemente para si e o faz de forma muito eficiente. Fazendo diversas cenas complexas, a atriz entrega a Jessie idealizada pelo escritor lá em 1992. Mulher traumatizada, mas forte. Já Greenwood muda um pouco em relação ao Gerald do livro. Naturalmente, o ator é mais atraente que o personagem descrito nas páginas e, mesmo sendo um canalha, ainda é muito menos abusivo que aquele do livro.
Quem leu o romance pode se incomodar com alguns pontos adaptados; enquanto nas páginas, os delírios de Jessie eram diálogos entre personificações dela mesma (Ruth, Bobrinha, OVNIs e a Esposa Perfeita), na película, o diretor optou por dar a Gerald o papel da Esposa Perfeita, deixando a mensagem mais difícil de ser transmitida. Ora, Jogo Perigoso sempre foi sobre o conflito de uma mulher abusada pelo pai na infância e pelo marido quando adulta contra a mulher que ela gostaria de ser. Assim, é muito claro que Ruth e a Esposa Perfeita eram dois extremos de uma mesma pessoa, a primeira sendo feminista ativista e a segunda sendo a mulher moldada pela sociedade patriarcal.
Portanto, os debates entre as ilusões de Gerald (Esposa Perfeita) e Jessie (Ruth) ficam menos óbvios no momento em que, sim, sabemos que ambos são criações da mente da esposa, mas não fica claro se Gerald fala o que ela realmente pensa ou o que ela deduz que ele falaria. Assim, a produção perde força ao evidenciar menos o conflito interno de Jessie, pois dá à suas vozes novas facetas.
Outro ponto é que a introdução de Joubert é muito mais óbvia do que mero jogo de luz e sombra como diz o livro, tirando o tom provocativo que o romance estabelece na discussão se ele é real ou não. Contudo, isso em nada prejudica a produção, apenas a diferencia da obra original.
Assim como o livro, a quantidade mínima de ambientes e personagens do trabalho contribuiu para que a Netflix pudesse adaptar esse excelente roteiro. O diretor, Mike Flanagan, que já tinha surpreendido com Hush: A Morte Ouve e patinado com Ouija: Origem do Mal faz um excelente trabalho. Jogo Perigoso é um dos poucos casos em que, devido a sua coesão textual, bem como o empenho dos que nele trabalharam, facilmente, agradará não só os cinéfilos de plantão, mas também os fãs do autor, juntando-se a IT – A Coisa como uma das melhores adaptações já feitas de seus romances.
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
Mãe!
4.0 3,9K Assista AgoraCrítica do Catacrese COM SPOILERS!
"Mãe! | Crítica e Análise
Travestida de bucolismo, Aronofsky nos entrega sua masterpiece, provocando angústia em metáfora da teoria criacionista
Dirigido e escrito por Darren Aronofsky. Com Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Ed Harris, Michelle Pfeiffer, Brian Gleeson, Domhnall Gleeson, Jovan Adepo, Amanda Chiu, Patricia Summersett, Kristen Wiig.
Atenção: esse texto conterá spoilers do enredo.
É sempre uma experiência exaustiva ir ver um filme de Darren Aronofsky. Independentemente de juízo de valores, seus filmes indubitavelmente nos levarão à falência psicológica. Depois da derrapada em Noé, onde fez uma abordagem mais “carnal”, por assim dizer. O diretor volta aos temas religiosos, mas, dessa vez, através da metáfora e melhor do que nunca.
É muito complicado tentar entrar nas miudezas do roteiro sem entregar muita parte das intenções do filme. Na trama, um casal que vive tranquilamente em sua casa de campo vê a rotina mudar bruscamente quando um homem desconhecido bate à sua porta.
A atuação impecável de Jennifer Lawrence, rendida à situação que a cerca é sufocante. Ao se ver em meio de um total descontrole, a atriz, sozinha, nos contagia com seu pavor. Javier Bardem, ora carinhoso, ora irado, vira um verdadeiro antagonista, pois nos desperta desconfiança e suspeita. Ed Harris – em uma fase espetacular após sua atuação em Westworld – e Michelle Pfeiffer são os responsáveis por trazer, com maestria, ares de O Bebê de Rosemary, pois aparentam saber mais do que revelam aos seus anfitriões, muitas vezes, parecendo compartilhar de algum segredo junto a Bardem.
A fotografia do filme é irretocável a partir do instante em que, quando sozinhos em casa, a casa é arejada, iluminada, e os planos são abertos e agradáveis. À medida que vão chegando desconhecidos, a câmera fica gradativamente mais perto de Lawrence, aumentando a agorafobia. Aliás, quando feliz (Lawrence, a mãe), o campo que cerca a residência é belo, com a floresta longínqua e inofensiva; a partir do momento que o ambiente vai ficando hostil, a floresta parece se aproximar, a ponto de ameaçar engolir a casa inteira. Aliás, a trilha sonora, inexistente em certos momentos, contribui para a construção da atmosfera tensa.
Estabelecido pelo espectador que o filme é uma alegoria religiosa – o próprio Bardem, em um dos momentos mais didáticos do filme, revela que cada um entendeu seu poema de forma diferente – cabe a cada um de nós entender o que nos for mais conveniente.
Bardem (O Poeta, Artista), é Deus, nos créditos apenas identificado como Ele. Com isso, a Mãe (Lawrence) é vista como a Natureza. Note que é ela quem constrói a Casa (a Terra), sempre pensando em como agradaria mais o Poeta (você realmente o ama, já diria Pfeiffer). A partir do momento em Ele sofre de um bloqueio artístico, a casa se vê invadida por um casal, Harris e Pfeiffer (personificando Adão e Eva) e seus filhos (Caim e Abel). Todos os elementos remetem à teoria criacionista, inclusive, o assassinato de um irmão pelo outro.
Após comerem o fruto proibido (a destruição do cristal e o sexo), os estranhos são expulsos e o casal volta a viver em paz, e ela engravida. Coincidentemente, a inspiração para a nova poesia vem no mesmo momento, de sorte que, ao ficar pronta, a editora (Wiig, fazendo o papel da Igreja) é a responsável por distribui-la (disseminar a palavra). A partir desse momento, vemos todos os males do mundo: guerra, brigas de rua, fanatismo religioso, doenças, saqueamentos, execuções, etc.
Ao nascer a criança, roubada por Ele, o povo a ergue de braços abertos; o bebê é quebrado e comido - o corpo e o sangue de Cristo -, causando a fúria da Mãe/Maria. Ao explodir a casa, o único que sobra intacto é Ele (eu sou o que sou), que reconstrói a casa ao lado de outra Musa.
Da mesma forma que se vê Bardem como Deus, considerando se tratar de um filme de Aronofsky, que sempre trabalha com excelentes personagens femininas (vide Cisne Negro), o inverso também pode ser verdade (cada um entende o poema de forma diferente, não se esqueçam). Aqui, embora muitos elementos se assemelhem, Lawrence seria a própria Entidade Divina – é ela que entrega seu coração nos cartazes –, enquanto ele seria a religião/crença. A crença precisa da Mãe para se inspirar. Vejam que é ela quem constrói a casa sozinha – na Bíblia, quem constrói o Éden é Deus. Assim, ao ver todo o caos que impera pela palavra da religião, a Mãe percebe que o único jeito seria ela destruir a casa (Terra, no livro do Apocalipse), mesmo que isso cause sua morte. Entretanto, a religião sobrevive, e, mesmo com a morte da Entidade Divina, ela encontra outro ser para idolatrar, começando novamente o ciclo.
Das duas hipóteses, a mais niilista seria a segunda e, considerando o espírito, do diretor e roteirista, não seria de se espantar que fosse sua real intenção. Aliás, embora ambas tenham elementos da teoria criacionista, a segunda versão se enquadra mais no conceito geral de crença e religião – esgotamento pela fé – de modo que eu, particularmente, prefiro pensar que o diretor quis ser mais abrangente.
Idealizado para ser gigante e provocativo, mãe! vai muito além da religiosidade. Misturando Stanley Kubrick e Lars Von Trier, Aronofsky nos esmigalha e deprime através da matáfora com elementos como machismo, misoginia, intolerância e a sociedade autofágica como um todo.
Digna do título que carrega, a obra é admirável em todos seus espectros. Uma verdadeira obra-prima, assim como nossas mães.
Nota: 6/6 (Ótimo)"
Primeiro, Mataram o Meu Pai
3.8 238 Assista AgoraConfira a crítica do Catacrese, SEM SPOILERS:
"First They Killed My Father | Crítica
Filme sobre guerra civil no Camboja, dirigido por Angelina Jolie, vai representar o país para o prêmio de melhor filme estrangeiro no Oscar 2018
Dirigido por Angelina Jolie. Roteiro por Angelina Jolie e Loung Ung. Com Sereum Srey Moch, Phoeung Kompheak, Sveng Socheata, Mun Kimhak, Heng Dara, Khoun Sothea, Sarun Nika, Run Malyna, Oun Srey Neang.
A guerra por si só é uma catástrofe. Não existe outra definição. Sejam soldados, sejam civis, toda e qualquer vida perdida inocente. Enquanto os engravatados que decretaram o estado de guerra ficam em seus bunkers e suas salas secretas, os menos afortunados se veem por entre os tiros, perdendo membros e vidas, e depois enterrados em uma cova rasa.
Ciente disso, o início do filme dirigido pela excelente Angelina Jolie não poderia ser mais didático. Ao som de Sympathy for the Devil – não coincidentemente lançada durante o Regime do Khmer Vermelho –, dos Rolling Stones, a obra começa intercalando falas de Richard Nixon (presidente que capitaneou a Guerra do Vietnã) com os bombardeios nas florestas com napalms. Nós não iremos desrespeitar a posição neutra do Camboja, dizia o presidente, as fronteiras do Camboja com o Vietnã serão respeitadas, acrescentava ele.
A trama adapta o livro de Loung Ung, também roteirista aqui, sobre sua vida no país enquanto o Khmer Vermelho toma o poder, quando ela tinha cinco anos. Treinada no período para ser uma soldada em um campo de trabalho para órfãos, Ung viu seus seis irmãos serem mandados para outros campos de trabalhos forçados. O regime durou de 1975 até 1979, quando as tropas vietnamitas conseguiram tirar o regime tirano do poder.
Filmado de forma quase documental, First The Killed My Father tem pouquíssimo diálogos. Através dos olhos de uma criança (Moch), acompanhamos o êxodo de uma família, cujo pai trabalhava para o governo rendido ao regime comunista (apoiado pelos EUA, mas que perderam após eles mesmo retiraram suas tropas com o rabo entre as pernas). Devido às quantidades mínimas de conversa, a trilha sonora, idealizada por Marco Beltrami, foi feita com esmero, pois, sem chamar muito a atenção, ela precisava pautar, não só o sentimento, mas preencher as lacunas deixadas pela ausência das palavras, o que, certos momentos, coadunava com os tiros e com os bombardeios, tornando a plasticidade sonora homogênea.
A fotografia é feita com beleza e humildade. As tomadas aéreas, variando entre o panorâmico e o perpendicular, mostram a dureza dos campos comandados pelo Angkar e a fuga dos civis da capital Phnom Penh – aqui, havendo um jogo de cores elementar e claro, onde os que fugiam trajavam branco ou laranja, e a milícia que ingressava na capital vestia preto e vermelho.
Outro grande acerto é o elenco ser integralmente cambojano. Sem espaços para marketing ou whitewashing, Jolie e Ung subvertem a tendência de hollywoodizar um filme que perderia muito de seu elemento crítico nas (talentosas) mãos de um Steven Spielberg, Mel Gibson ou Oliver Stone da vida.
Feito de forma sincera e sensível por Angelina Jolie, essa, motivada por seu filho, Maddox Jolie-Pitt, produtor executivo da obra e cambojano de nascença, First They Killed My Father exige ser visto de forma sensível também por seu espectador. Sem grandes explosões, mas com momentos de violência, o filme choca de forma íntima. Aqui, a lágrima choca tanto quanto o sangue e, mesmo com todo seu silêncio, os olhares são ensurdecedores.
Nota: 6/6 (Ótimo)"
It: A Coisa
3.9 3,0K Assista AgoraCrítica do Catacrese SEM SPOILERS:
"It: A Coisa – 1º Capítulo | Crítica
Direção de Andy Muschietti. Roteiro por Chase Palmer, Cary Fukunaga e Gary Dauberman. Com Jaeden Lieberher, Jeremy Ray Taylor, Sophia Lillis, Finn Wolfhard, Chosen Jacobs, Jack Dylan Grazer, Wyatt Oleff, Bill Skarsgård, Nicholas Hamilton, Jake Sim, Logan Thompson, Owen Teague, Jackson Robert Scott, Stephen Bogaert.
A Coisa é um dos maiores romances de Stephen King. Escrito e idealizado com capacidade ímpar, o Mestre do Terror, ao longo do livro, mostra que o monstro que nos assola vai muito além do palhaço que come criancinhas. Em 1990, a primeira adaptação do livro em minissérie tornou-se cult tão somente pela atuação fantástica de Tim Curry. Mas não passou nem perto de sua essência. O mesmo não pode se dizer de 2017.
Na trama, Bill (Lieberher), após perder seu irmão caçula, Georgie (Scott), percebe que a cidade está sendo assolada por um palhaço assassino (Skarsgård). Ao conversar com seus amigos, percebem que esse é um mau recorrente e que, a cada 27 anos, Derry sofre com catástrofes e tragédias.
Passando-se na década de 80, o filme pode parecer cópia de Stranger Things (para ajudar, Wolfhardt é um desses garotos) para os mais desavisados, mas não se esqueçamos que o romance foi publicado em 1986. Enquanto a obra televisiva intercalava o período adulto com a infância (mostrando Seth Green como Ritchie Tozier e Annette O’Toole como Beverly Marsh adulta), aqui o filme é mais linear, de sorte que foi dividido em duas partes. Portanto, apenas as crianças aparecem dessa vez.
Extremamente profissionais, os pré-adolescentes conseguem cativar e emocionar. Com a câmera na altura deles, os adultos constantemente aparecem em contra-plongeé e são mais ameaçadores que o normal. Nesse ponto o acerto é evidente. No romance, o Clube dos Otários percebe que a Coisa dominou a cidade inteira, de modo que ela ignora e, até mesmo, colabora, para suas tragédias – uma releitura perfeita das descrenças da época adulta. Em cenas rápidas como um casal de idosos ignorando quando Ben (Taylor, parecendo ter saído diretamente dos livros) apanha dos bullers ilustra perfeitamente a influência do monstro na cidade.
Com muita competência, o diretor argentino, Andy Muschietti, consegue constrastar a placidez da cidade pequena, com a violência com que o palhaço ataca, ou uma casa mal-assombrada e claustrofóbica – diga-se de passagem, com um mise-en-scéne clássico dos filmes de terror antigos. Outro grande acerto argumentativo, foi dar ênfase no relacionamento de Bev (Lillis) com seu pai abusivo (Bogaert). Intencionalmente, a personagem aqui foi feita mais forte e mais presente que no romance original, sendo uma das mais profundas – embora todos seja muito bem trabalhados. Na verdade, Bev só vê a Coisa quando está junto dos outros garotos, já que seu monstro é real e vive com ela.
Dessa vez temos um Pennywise muito diferente do de Tim Curry. Independentemente de ser melhor ou pior, Skarsgård tem um approach menos amistoso que Curry, o que o afasta um pouco da essência do personagem. Na verdade, a Coisa sempre precisou se alimentar de medo, mas, para isso, se aproximava de suas vítimas de forma amigável e carismática (o que, de fato, fazia o contraste entre a aparência inofensiva e a real ameaça); agora, Skarsgård, desde o início parece aterrorizante, fazendo, inclusive, menos piadas, afastando-se do Pennywise original.
O roteiro, escrito a seis mãos, acerta ao remover os momentos mais polêmicos do romance (a cena de sexo entre as crianças e a do animal morto na geladeira, pouco teriam a acrescer), transformando-os em outros menos impactantes, já que a mensagem do elo entre eles poderia ficar distorcida. Com isso, manteve-se pura a ligação entre todos.
Um dos maiores atributos de Stephen King é a capacidade de transformar em personagens as cidades em que passam suas tramas. Tal qual Aluísio Azevedo (O Cortiço), o autor norte-americano em romances como Os Estranhos, Trocas Macabras, A Coisa, Sob a Redoma, consegue dar vida a um sentimento coletivo e local. De repente, essa seria a maior dificuldade em transferir a literatura para o cinema. Em sua primeira adaptação (1990) It: A Coisa não conseguiu fazer Derry falar, agora, em 2017, podemos vê-la pronunciando suas primeiras sílabas. Isso é fantástico.
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
Os Guardiões
2.1 271 Assista AgoraCrítica do Catacrese SEM SPOILERS!
"Os Guardiões (Zaschchitniki) | Crítica
Filme dos “Vingadores Russos” está bem longe de convencer, mas nos garante alguma diversão com um urso gigante carregando uma metralhadora nas costas
Dirigido por Sarik Andreasyan. Roteiro por Andrey Gavrilov. Com Anton Pampushnyy, Sanjar Madi, Sebastien Sisak, Alina Lanina, Valeriya Shkirando, Vyacheslav, Stanislav Shirin, Aleksandr Komissarov, Nikolay Shestak, Mila Maksimova, Igor Maslov.
Em meados de 2016, começou a circular na internet um trailer de um filme russo que tratava sobre um grupo de heróis que precisava unir forças contra um mal comum. O furor, com o tempo, esfriou, e nunca mais foi falado sobre o dito filme dos “Vingadores Russos”. Pois bem, no início de 2017, houve uma nova implosão cibernética: não se bem por que cargas d’água, mas esse filme iria ser transmitido nas salas de cinemas brasileiras. Bem que ele poderia nem ter vindo.
Na trama, durante o período de Guerra Fria, o governo soviética criou uma organização chamada Patriota, a qual criaria supersoldados para serem enviados nos focos de conflito. Anos depois, uma das cobaias se volta contra a Rússia, obrigando o governo a procurar os demais soldados, que passaram anos no anonimato, para vencer o grande inimigo.
Quanto aos poderes dos ditos Guardiões não há nada digno de nota. Arsus (Pampushnyy) é um cientista que vive isolado na Sibéria que pode se transformar em meio-urso, ou um urso completo (nunca pensei que falaria isso); Khan (Madi) é um ninja que usa duas lâminas de manuseio extremamente incoveniente e que pode se teleportar; Ler (Sisak) controla minérios e lidera o time; e Kseniya (Lanina) pode ficar invisível.
Cheio de clichês, o filme, muitas vezes parece um clipe musical, tamanha a quantidade de movimentos coreografados e encaradas ao telespectador. Essa pseudo quebra da quarta parede (nunca há uma conversa direta com a plateia) dá ao trabalho um tom demasiadamente infantil e amador, de modo que, já em meio ao filme perdemos totalmente o respeito pelo conjunto da obra. Faltou-lhe o nexo de causa que ligue sua atmosfera às técnicas de filmagem utilizadas.
Outra ponto que não favorece o trabalho é a maquiagem escolhida para representar o vilão, Stanislav Shirin (Kuratov). Para justificar suas habilidades, lançou-se mão de braços mecânicos e tubos conectando partes de seu corpo, mas não só isso, todas as próteses que formaram seus músculos, são muito evidentes – muitas piadas em relação ao six pack dele. O rosto, pateticamente deformado, lembra uma mistura de bebê com Jason Voorhees, antes de se tornar o apodrecido psicopata. Assim, é criado um vilão com cara de panaca, incapaz de transmitir a verdadeira ameaça que representa.
De ponto positivo, há apenas o urso de metralhadora – que é mais bem-humorada pela nossa incredulidade do que pela piada em si, já que é algo levado a sério no trabalho. Com um CGI bem pobre, há inclusive erros graves de continuidade dignos de Hulk (em uma cena a transformação rasga as calças e depois elas aparecem inteiras).
Repleto de boas intenções, o filme veio com o condão de mostrar que o cinema russo está ciente das atuais tendências do cinema mundial. Incapaz de satisfazê-las, infelizmente, o trabalho pende entre o ruim e o patético por se levar a sério em demasia. Pior de tudo é que o filme foi tão confiante que as cenas pós-créditos garantiram uma continuação. Vem mais clipe por aí.
Nota: 2/6 (Ruim)"
Dunkirk
3.8 2,0K Assista AgoraNÃO ME XINGUEM!
Confira a Crítica do Catacrese de Dunkirk
"Dunkirk | Crítica
Um bom filme, mas não de guerra
Dirigido por Christopher Nolan. Roteiro por Christopher Nolan. Com Fionn Whitehead, Damien Bonnard, Aneurin Barnard, James Bloor, Barry Keoghan, Mark Rylance, Tom Glynn-Carney, Tom Hardy, Jack Lowden, Will Attenborough, Kenneth Branagh, Harry Styles, James D’Arcy, Cillian Murphy.
Christopher Nolan é um dos diretores mais contestados da atualidade. Ame-o ou deixe-o. Não há espaços para meio termos. Com filmes no currículo como a trilogia Batman, Interestelar, O Grande Truque, Amnésia e A Origem, o diretor, que começou empilhando sucessos, dá sinais de que atingiu um plateau criativo e/ou operacional. Continua tecnicamente impecável, óbvio, mas muito menos inovador. Infelizmente, nessa fase, surge Dunkirk.
O filme é muito competente ao estabelecer uma narrativa tripartite e intertemporal. Na história, acompanhamos a evacuação das tropas inglesas e francesas da praia de Dunquerque, que estava sitiada pelo alemães nazistas, no início da Segunda Guerra Mundial. Para isso, acompanhamos três frontes que se desenrolam em lapsos temporais distintos: na praia, vivemos uma semana; no mar, um dia; no ar, uma hora. Ao mesmo tempo que prazorosa, pois diferente, essa forma de narrativa traz consigo o ônus de que já saibamos o desfecho de alguns personagens, antes da conclusão “em sua linha temporal”.
Assim, em terra, vemos as tentativas de Tommy (Whitehead) em sair com vida da praia, passando a frente dos demais soldados; no mar, acompanhamos Mr. Dawson (Rylance), Peter (Glynn-Carney) e George (Keoghan), indo ao resgate dos soldados em um pequeno barco pesqueiro, uma vez que foram convocados pelo governo inglês; por fim, no ar, estaremos na cabine de Farrier (Hardy) que lidera outros dois pilotos para escoltar os destroyers e os pequenos barcos civis, que são constantemente atacados por caças nazistas.
Um dos principais pontos positivos da obra é, sem dúvidas, sua plasticidades artística. Com uma fotografia ampla, e ótimos ângulos das asas dos aviões, o filme é digno de salas IMAX. Ademais, as cenas em que a câmera fixa vira junto com o barco causa certa desorientação no espectador, fazendo a imersão ao trabalho muito mais plena. Dentro do caça, os movimentos rápidos da mira e a perseguição são sensacionais, já que não vemos como terceiro espectador, mas sim, um piloto.
Outro grande acerto é a edição e a mixagem de som que casa perfeitamente com a trilha de Hans Zimmer – o qual conseguiu revitalizar sua carreira de forma incrível, tirando-o da mesmice onde estava estagnado. Não é difícil imaginar que Dunkirk concorrerá aos Oscars no que toca à sua sonoplastia. Os estouros dos torpedos ou o barulho dos motores dos aviões reverberam de forma magistral, mas não apenas isso, os ecos da voz dos soldados quando estavam presos no barco encalhado, ou o abafamento dos sons na cabine dos pilotos são ótimos exemplos da perfeição sonora do filme.
Há certo questionamento que se pode fazer quanto à bestialização do inimigo. Filmes como Sniper Americano e, o já referido, até O Último Homem são completamente simplistas ao retratá-lo. No momento em que se lança mão de mostrar “o outro lado da linha”, deve-se fazer da forma correta; não basta mostrar um antagonista demoníaco desprovido de sentimento ou razão. Entretanto, Dunkirk consegue ser sufocante no momento em que mostra a ameaça alemã de forma onipresente e avassaladora. Em nenhum momento existe menção ao nome de Hitler ou ao nazismo, todavia, sua presença está no medo constante causado às tropas. Não há brechas a questionar as intenções de um inimigo invisível.
Embora acerte muito na parte técnica, o filme perde na parte humana. Com bons atores subaproveitados, o filme demora a cativar quem o vê. O núcleo marítimo é o que mais se aproxima de tal feito, mas, mesmo assim, não conseguem sustentar todo o trabalho. Com muitas vezes com o rosto tapado por máscaras de oxigênio, Hardy trabalha quase que integralmente apenas com os olhos, o que é um revés para a obra. Lógico, há cenas muito emocionantes, os olhos lacrimosos do comandante Bolton (Brannagh) em primeiríssimo plano ao olhar os barcos civis e chamá-los de casa, bem como a mentira contada por Peter ao soldado interpretado por Cillian Murphy, possuem uma carga emocional enorme se comparadas ao resto do filme.
Diferente de outros filmes de guerra, onde trazem uma crítica implícita a sua desnecessidade, como, por exemplo, o Mel Gibson o faz através da violência desacerbada (Até O Último Homem), Coppola o fez nas cenas cada vez maiores de Apocalypse Now, ou Oliver Stone trabalhou através do paralelo entre o assassino fanático e o idealista pacifista (Platoon, eternizado por Willem Dafoe), Dunkirk é meramente frio no sentido de retratar a guerra de forma quase documental. Não coube à obra criticar o conflito pelo motivo que fosse, apenas a retratou como um fato.
Na verdade, tamanha sua frieza que ao final, o resultado pouco importou. Com os soldados chegando em casa, ouvimos um discurso calculista de Winston Churchill, disfarçando através do otimismo e compreensão seu sentimento de derrota. E assim saímos quando as luzes acendem: desolados. Maquiando nosso sentimento de que a obra foi impecavelmente bem feita, quando, na verdade, existiam muito pontos a serem melhor trabalhados.
Nota: 4/6 (Bom)"
A Rede Social
3.6 3,1K Assista Agoratenho a impressão que, todo filme, o jesse eisenberg faz o mesmo papel
Transformers: O Último Cavaleiro
2.6 508 Assista AgoraCrítica do Catacrese SEM SPOILERS:
"Transformers: O Último Cavaleiro | Crítica
Chega! Internem o Michael Bay, por favor
Dirigido por Michael Bay. Roteiro por Akiva Goldsman, Matt Holloway, Ken Nolan. Com Mark Wahlberg, Anthony Hopkins, Josh Duhamel, Laura Haddock, Santiago Cabrera, Isabela Moner, Jarrod Carmichael.
Diferente dos demais textos, dessa vez, volto-me a apropriar da primeira pessoa. Com o coração sangrando na ponta dos dedos, impossível não me envolver pessoalmente com o que aqui ficará escrito. Eu realmente achava que o filme seria uma bosta, entretanto, fui vê-lo somente movido pela esperança de isso poderia mudar. Mas só piora.
O filme começa sendo narrado por Sir Edmund Burton (Hopkins), um lorde inglês que, sabe-se lá por que, sabe tudo o que aconteceu no mundo. Assim, vemos uma guerra protagonizada por Rei Arthur e Merlin contra os bárbaros, de sorte que aqueles só venceram esses porque contaram com a ajuda dos Autobots. A partir daí voltamos ao futuro (assim como o último, o filme é no futuro) e é só tiro, porrada e bomba sem nexo algum.
Entendam: o que se faz aqui não é uma nota de repúdio a filmes de ação. Muito pelo contrário. Filmes de ação e aventura sempre foram e serão bem-vindos. O que não se pode admitir é um filme que está no quinto episódio e continua negando e tranformando e ignorando fatos trazidos pelos anteriores. O fato de trazer consigo o selo de “filme de ação” não é uma excusa para abdicar de personagens trabalhados ou minimamente complexos! Há um romance que nos é enfiado goela abaixo, uma criança de quatorze anos que sabe mais de anatomia alienígena que qualquer um e o Mark Wahlberg, que, por si só, é maluco.
Por óbvio, os personagens principais: Yeager (Wahlberg), Sir Edmund Burton e Vivian Wembley (Haddock) são perfeitamente estereotipados para que o espectador já saiba como eles pensam para que não percamos um segundo sequer de tiroteio ensandecido.
Afora isso, temos mais um exemplo de trailer que vende algo bem diferente do que o filme oferece (Esquadrão Suicida feelings), isto é, o trailer conta com muito mais de Optimus Prime do que a própria obra.
O maior problema que a franquia enfrenta é a necessidade do diretor, cada nova trama, querer aumentar a mitologia e a história da relação Autobots/humanos. Com isso, todo filme vira um tiro no pé ao negar condições e fatos estabelecidos pelo antecessor. Aliás, mesmo que tentasse se renovar, sempre precisamos enfrentar o Megatron (o famoso vilão que sempre volta, quase Jason Voorhees) e sua patota.
De fato, algumas coisas melhoraram; enquanto os primeiros dois tinham cortes muito rápidos nas cenas de combate – o que dificultava para o espectador saber quem é quem, já que era um monte de ferro brigando e atirando –, nesse os takes mais alongados facilitam na hora de nos situarmos na atmosfera do confllito.
Com Michael Bay anunciado que esse foi seu último filme (graças ao Senhor!), a única sensação que eu senti ao final foi a dúvida de quem aceitaria tomar para si uma bomba dessas. Claro, sempre podemos ligar o foda-se e fazer o sexto filme da franquia sem diretor algum, já fizemos os cinco primeiros dessa forma, não é?
Nota: 1/6 (Muito Ruim)"
Homem-Aranha: De Volta ao Lar
3.8 1,9K Assista AgoraCrítica do Catacrese SEM SPOILERS!
"Homem-Aranha: De Volta ao Lar | Crítica
Em filme de roteiro simples, Tom Holland brilha e Michael Keaton encarna um dos melhores vilões da Marvel nos cinemas
Dirigido por Jon Watts. Roteiro por Jonathan Goldstein, John Francis Daley, Jon Watts, Christopher Ford, Chris McKenna e Erik Sommers. Com Tom Holland, Michael Keaton, Robert Downey Jr., Marisa Tomei, Jon Favreau, Zendaya, Donald Glover, Jacob Batalon, Laura Harrier, Tony Revolory, Bokeem Woodbine, Michael Chernus, Logan Marshall-Green, Jennifer Connely, Gwyneth Paltrow.
Sempre foi com grande pesar que, no passado, o universo cinematográfico da Marvel foi visualizado abdicando das imagens do Homem-Aranha e dos X-Men. Claro, considerando que foi a venda de seus direitos para a Sony e Fox, respectivamente, que salvou a empresa da falência, era uma preço baixíssimo a se pagar.
À medida em que o tempo foi passando, a Marvel (então comprada pela Disney) se capitalizou o suficiente para forçar o retorno de seus personagens a sua casa. Seja retirando-os das histórias em quadrinhos, ou transformando suas origens, um pseudoboicote começou a existir em relação ao amigão da vizinhança ou aos mutantes.
Após um súbito corte na saga do Espetacular Homem-Aranha da Sony (gerada pelas reviews horríveis e arrecadação abaixo do que o esperado), para aqueles que esperavam um dos maiores super-heróis do MCU, o Cabeça de Teia retornou ao lar de forma muito mais modesta que o imaginado. Sua volta, entretanto, não poderia existir de forma melhor.
Com direção ordinária e roteiro pensado às pressas por seis cabeças, não se poderia esperar muita complexidade argumentativa. Claramente inspirado em filmes colegiais como Curtindo a Vida Adoidado ou o Clube dos Cinco, o filme mostra um Peter Parker (Holland) no colegial, administrando a súbita responsabilidade trazida a sua vida por Tony Stark em Capitão América: Guerra Civil. Conciliando a ansiedade de ser um Vingador, bem como a difícil vida no ensino médio, o garoto se depara com um vilão (Keaton) que utiliza a tecnologia Chitauri para traficar no submundo de Nova York.
Como já dito, as inspirações são claras; seja na sala de detenção ou nas cenas correndo pelos jardins das casas (onde inclusive, há um cena com Matthew Broderick no televisor, deixando clara a analogia), o filme mantém a aura escolar em todos os seus elementos. Para aqueles que imaginaram que Stark roubaria o filme para si, isso não aconteceu. Espertamente, usaram e abusaram a imagem de Hogan (Favreau) para fazer o link entre mestre e aprendiz. Assim, cabe a Downey Jr. algumas poucas cenas de eu avisei ou você pode ser melhor do que isso.
Com demasiada competência, o elenco do filme se encaixou de forma ótima. Holland (que tinha a difícil tarefa de substituir os talentosos Tobey Maguire e Andrew Garfield) muda completamente o ângulo de abordagem, o que lhe favorece; enquanto Maguire se debatia nas angústias da identidade secreta e Garfield direcionava as atenções ao lado descolado, Holland se destina a mostrar a jovialidade e o amadorismo do herói. De forma brilhante, ele se diverte consigo mesmo enquanto tenta se superar para chamar a atenção do Homem de Ferro, que o apadrinha.
Sem sombra de dúvidas o grande destaque fica por Michael Keaton; experiente em filmes de heróis, o ator se mostra o vilão mais verossímil e vertical desde Loki. Com os primeiros minutos do longa destinados a estabelecerem sua psique, somos expostos às motivações do Abutre. Sua sede de vingança e a vontade de garantir a melhor vida possível para sua família são verdadeiras o suficiente para possamos, inclusive, empatizar com o personagem de forma que há tempos não acontecia em qualquer outro filme do MCU.
O elenco complementar, da mesma forma, atua harmoniosamente com os demais. Marisa Tomei, embora subaproveitada, faz o papel da tia legal, que tenta usar sua jovialidade para se conectar a Peter, abandonando de vez a imagem da tutora frágil e idosa das demais Tias Mays. Zendaya tem alguns bons e rápidos momentos de tela, enquanto o alívio cômico fica por conta de Batalon (que o faz de forma ótima, diga-se de passagem). Favreau – em lua de mel com a Disney desde Mogli e dirigindo Rei Leão –, que nunca teve tanto tempo de tela como Happy Hogan, tem cenas excelentes com Holland e com certeza deveria ser mais explorado nos filmes.
Curiosamente, o espectador não tem nem pistas sobre alguns outros personagens conhecidos dos quadrinhos – não vêm nem indício de J. J. Jameson, Felicity Jones, ou a família Osborn –, de repente, para serem futuramente trabalhados nas sequências ou em outros filmes do spiderverse que passarão dentro do mesmo universo (ou não, ninguém sabe, nem eles). Claro, existem, espalhadas ao longo 133 minutos, uma infinidade de homenagens aos filmes de Sam Raimi, como a cena do trem em Homem-Aranha 2, ou ao beijo invertido de Homem-Aranha 1.
As cenas atrapalhadas de Peter Parker e sua origem desajeitada como super-herói podem até causar certo incômodo, mas que, ao som de Ramones, geram uma energia contagiante. Embora não existam cenas de ação emblemáticas e o clímax seja morno, o filme foca no amadurecimento de Peter enquanto herói e enquanto adolescente, onde muito bem sucedido.
Em Vingadores: Guerra Infinita, de repente, teremos um Homem-Aranha mais maduro (quase nada) e ciente de suas responsabilidades (um pouco), mas esperamos que mantenha o espírito dado por Holland. Nisso não podem mexer.
Nota: 5/6 (Muito Bom)"