"Okja | Crítica Filme tocante da Netflix ataca a indústria carnista e brutalidade policial se travestido de conto infantil
Dirigido por Joon-ho Bong. Roteiro por Joon-ho Bong e Jon Ronson. Com Tilda Swinton, Giancarlo Esposito, Jake Gyllenhaal, Seo-Hyun Ahn, Shirley Henderson, Je-mun Yun, Steven Yeun, Paul Dano, Lily Collins, Daniel Henshall, Devon Bostick.
Quando foi anunciado que filmes da Netflix concorreriam a Palma de Ouro esse ano, instaurou-se um burburinho cogitando se seria esse o filme do cinema tradicional. Na verdade, ao revelar o espanhol Pedro Almodóvar (ainda apegado ao estilo cult enquanto arrogante) como o presidente do júri, Cannes se mostrou um verdadeiro artifício para encerrar a discussão ao afirmar que streaming nunca será cinema e vice-versa, praticamente acabando com as chances de Okja de vencer o grande prêmio e tornando sua participação meramente protocolar.
Mais uma vez o conservadorismo se mostra um empecilho para admirar a arte em suas diversas formas. Não é a primeira vez que isso acontece e não será a última.
O enredo é construído em diversas inspirações, desde Disney até Studio Ghibli. Começando com um anúncio inspirado Lucy Mirando (Swinton), somos apresentados aos super-leitões — seres que se assemelham a hipopótamos — quando ela se gaba de tê-los descoberto em uma inóspita região do Chile e por serem naturais e não-transgênicos. Assim, a solução para a fome do mundo passaria pelo consumo da carne de tais seres. Com um lapso temporal de dez anos, conhecemos Mikha (Ahn), na Coreia do Sul, uma menina que cuida de Okja, uma super-leitoa, desde seu nascimento e que fará de tudo para proteger sua amiga da exploração da indústria pecuarista.
Passeando por Dumbo, Meu Amigo Totoro e A Viagem de Chihiro, ao analisar o plot, não se pode confundir infantilidade com ingenuidade. Junto de Mikha, gradativamente, vai sendo retirado da frente do espectador o véu que cobre a fachado de uma empresa que vive da morte animal. Assim, o filme, que começa inocente, vai mostrando-se cruel com o passar dos minutos, o que causa um choque gigantesco, considerando o tom inicial imposto à obra.
As atuações oscilam entre bons e maus momentos. É inegável a influência do escatológico trazida pelo cinema sul-coreano de Bong. As ações exageradas e piadas em um timing péssimo não escondem suas origens. Swinton dispensa qualquer comentários, seus momentos em tela são sensacionais; Gyllenhaal mostra certa versatilidade e muita inspiração em Jack Sparrow para fazer seu personagem; Ahn ainda engatinha no sentido de aprofundar seus sentimentos; Dano, mais uma vez, mostra que é um ator injustamente desmerecido e que tem muita qualidade; e Yeun poderia ter mais tempo de tela.
A decisão de Bong em retratar Wilcox (Gyllenhaal) como um personagem cartunesco é mais uma afiada crítica que ridiculariza as escolhas de tais empresas para suas faces públicas; nada muito diferente do que o frango da Sadia ou o porco de fraque da Suinofest em Encantado/RS, por exemplo. Não menos importante foi a forma retratada da brutalidade policial (comprada pelas megaempresas, como ressaltado em um trecho do filme) que, sem piedade, atacava os idealistas desarmados com cacetadas na cabeça e chutes no tórax.
A fotografia lindíssima e as escolhas do figurino são perfeitas para o estilo empregado na obra. As roupas extravagantes de Lucy Maduro trazem um quê de Jogos Vorazes, enquanto o casaco vermelho de Mikha destoa do mundo de cores frias e pastel de Nova York e Seul, que aceitou a ideia do domínio do homem sobre o animal e tornou-se apático por isso. Os planos-detalhe nos olhos tão humanos e nas lágrimas de Okja servem para mostrar o inferno que os animais criados para o abate são submetidos antes da morte certa.
Quase um paradoxo que, antes de ser transmitido em Cannes, o filme foi vaiado por quem lá estava e terminou aplaudido. Não é muito diferente quando alguém afirma ser vegetariano ou vegano, já que, antes de expor seus ideais, é rotulado de chato e/ou nojento, mas que depois mostra ser apenas mais um que faz o que acredita, e por isso deve ser respeitado.
Com um primeiro ato emocional, um segundo ato dramático e um terceiro ato chocante (as fazendas dos porcos é Auschwitz redesenhada), Okja tem um fim niilista e reflexivo que nos reduz à nossa mediocridade sobre fazer a mudança sozinhos. Com o término, ficamos engasgados por nossa impotência, mas cheios de esperança ao vermos que existem outros como nós. Chega de defender-se sob o lençol da hipocrisia. Chega.
Nota: 5/6
PS: coincidentemente ou não, Almodóvar é o novo garoto-propaganda da Prada, que possui uma infindade de artigos em couro animal. Fica a reflexão sobre o quão comprados podem ser os julgamentos dos ditos “formadores de opinião” e o quanto isso pode ter influenciado para que ele expusesse sua opinião tão abertamente sobre a grande evidência que a produções independentes da Netflix estão tomando."
"A Múmia | Crítica Com o perdão do trocadilho, mesmo com todo whitewashing no Egito Antigo, é obscuro o início do Dark Universe
Dirigido por Alex Kurtzman. Roteiro por David Koepp, Christopher McQuarrie e Dylan Kussman. Com Tom Cruise, Russell Crowe, Annabelle Wallis, Sofia Boutella, Jake Johnson, Courtney B. Vance.
Que o tal do Universo Compartilhado é o novo grito pop ninguém duvida. Começando pela Marvel, todas as produtoras querem dar uma bocada na nova galinha dos ovos de ouro do cinema. Óbvio, para se inspirarem no MCU, é porque ele deu muito certo (e deu!), mas isso não quer dizer que absolutamente qualquer coisa nesse sentido irá funcionar. Os óculos 3D só funcionaram em Avatar e em meia dúzia de trabalhos até então. A Warner recém começou a acertar o passo com os heróis da DC, a Universal e seu Dark Universe, de igual forma, começaram de forma apática e atropelada.
O enredo acompanha Nick (Cruise) e Vail (Johnson), soldados do exército norte-americano que fazem renda roubando artefatos históricos para vendê-los no mercado negro. Ao acaso, em uma expedição liderada por Jenny (Wallis), descobrem a tumba da Princesa Ahmanet (Boutella), que foi mumificada viva, de sorte que ela volta buscando liberar um grande mal sobre o mundo.
Fugindo do terror do clássico de 1932, o filme retorna ao gênero de aventura que foi estabelecido em A Múmia de 1999, entretanto, sem o mesmo carisma. O diretor e os roteiristas é completamente incompetente no que toca à condução do filme. A começar, novamente, pelo whitewashing do Egito Antigo e pelo comando do casting: de alguma forma acham que é verossímil que Tom Cruise, no auge dos 55 anos, contracene com mulheres de 33 (Wallis) e 35 (Boutella) anos. Ora, não é possível que ainda perdure esse pensamento de que os galãs hollywoodianos possam envelhecer, mas as divas têm que incessantemente se renovarem, pois Deus me livre se elas passarem dos quarenta. Deve ser alguma coisa relacionada a autoafirmação que o homem precisa de que aos ciquenta anos continua sendo um ser viril e cheio de estamina. Por que as mulheres não podem ter essa inspiração também?
Aliás, mais um filme que mostra o Egito Antigo, mais um filme que não coloca atores negros nesse período. Em um olhar histórico-sociológico, A Múmia é digna de pena. Em um Antigo Egito de brancos pintados a ouro e, no máximo, alguns pardos para justificar a localização geográfica, podemos ver a dor de Hollywood em admitir que eles reconhecem uma civilização de cultura negra que não seja no coração selvagem da savana africana.
Para se somar às mancadas, A Múmia evolui de forma afobada e displicente. O roteiro, na tentativa de encaixar e explicar o Prodigium, cede muito espaço à organização, deixando de lado os protagonistas e a própria monstra do filme. Com isso, há excessos de cenas descartáveis, como a luta entre Nick e Mr. Hyde (Crowe, que funcionará como elo entre os vários longas do Dark Universe), que em nada complementa com a obra. Lógico, há umas boas sacadas que não fazem o filme ser totalmente ruim; a cena da queda do avião em gravidade zero e a tempestade de areia a partir das vidraças de Londres (considerando que vidro é areia derretida) foram boas ideias utilizadas.
O elenco também não convence. Tom Cruise está o mesmo, não dá mais pra distinguir o Nick do Ethan Hunt ou do Jack Reacher — são todos absolutamente iguais. Annabelle Wallis trabalha de forma artificial e sem peso; Sophia Boutella é a mais dedicada, tentando todo o trabalho nas costas. Crowe parece confortável em sua forma caricata.
O grande problema foram as escolhas. Com um diretor inexpressivo, o filme ficou suspenso em uma zona de conforto para quem a produz, mas que já cansou o expectador. A ação e aventura já estão sendo exploradas à exaustão por super-heróis, Star Wars, Transformers e o raio que o parta. Não custava tentar inovar nesse ponto e fazer um shared universe que derivasse pro terror. Faltou tomar alguns riscos.
Terminada a sessão e acesas as luzes, a conclusão era só uma: Tom Cruise precisa entender que envelheceu. Aliás, nós precisamos entender e aceitar que envelhecer é normal. No ritmo insano de Missão Impossível, A Múmia tenta ser uma aventura de tirar o fôlego, mas seu efeito é o inverso. Dá muito sono e, pior, muita saudade do Brendan Fraser.
Muito mais que uma mera história de origem, um marco
Dirigido por Patty Jenkins. Roteiro por Allan Heinberg. Com Gal Gadot, Chris Pine, Connie Nielsen, Robin Wright, Danny Huston, David Thewlis, Saïd Taghmaoui, Ewen Bremner, Eugene Brave Rock, Lucy Davis, Elena Anaya.
Além de ser o primeiro filme de super-heroína como protagonista, Mulher-Maravilha trazia consigo o complicado rótulo de difícil adaptação. Havia muito peso em cima dos profissionais que nele trabalhavam. Afinal, o filme precisava atingir toda a expectativa, não só pelo bem da parceria DC/Warner (altamente contestada), mas para contribuir com a bandeira do empoderamento feminino. Assim, quando sobem os créditos finais, o sentimento é apenas um: pura catarse.
Esteado em uma história de origem clássica, o filme dedica os primeiros minutos a nos apresentar às amazonas e a Themyscira, civilização de mulheres guerreiras criadas por Zeus e a ilha paradisíaca em que vivem sem a contaminação do homem. Nessa ilha, vemos a infância de Diana e rapidamente estamos ambientados com seus princípios e a aventura que a aguarda quando ela decide ir derrotar Ares – que controlava os bastidores da Primeira Guerra Mundial – ao lado de Steve Trevor (Pine).
Uma das maiores sacadas da diretora e do roteirista foi ambientar o filme durante a primeira grande guerra, principalmente, por dois motivos: considerando que o Capitão América se passa durante a Segunda Guerra Mundial, evita-se comparações mais nervosas; e a primeira guerra é muito mais nebulosa em termos de motivação de nações, conseguindo fugir da estrutura Aliados/Eixo. Aliás isso fica muito claro logo nas primeiras cenas de Diana em Londres, quando ela confronta um general inglês e suas decisões questionáveis.
Patty Jenkins mostra absoluto controle e competência no desenvolvimento da obra. Nada acontece sem razão; desde os primeiros diálogos entre Diana e Trevor, fica muito claro que ele vai ter um papel predominantemente de guia não só geográfico, mas consuetudinário. E isso mostra-se muito importante no amadurecimento da super-heroína, já que, intrínseca à sua nobreza e sua bondade, vem a ingenuidade de ter sido criada em uma ilha perfeitamente estruturada e despida de preconceitos (existem amazonas de todas as etnias e ocupando posições de destaque). Aliás, em nenhum momento a princesa de Themyscira é sexualizada ou objetificada; até mesmo o uso da contestada saia é justificado quando mostra a protagonista treinando movimentos de combate nas vestes misóginas da época pós-vitoriana.
O elenco atua de forma tão harmônica e sublime que cada um merece um parágrafo em particular. Diana (Gadot) é absolutamente convincente ao demonstrar seu altruísmo, seus discursos bravos e nobres, mas ao mesmo tempo inocentes, cativam e nos aproxima da super-heroína a ponto de que passamos a confiar cegamente em suas atitudes e suas palavras; Steve (Pine), no momento em que a viu a princesa, já entendeu seu papel de suporte, já que era ela quem tinha poderes para liderar, protagonizando os diálogos mais engraçados e elucidando vários costumes da civilização dos homens. A equipe dos desajustados: Sameer (Saïd), Charlie (Bremner) e Chief (Brave Rock), cada um, tem uma função essencial no amadurecimento da Mulher-Maravilha; todos servem para mostrá-la que a guerra não existe somente por causa de Ares, mas sim, durante toda a história, civilizações foram subjugadas e escravizadas, de sorte que todos carregam o peso do racismo e das escolhas da raça humana ao longo das eras.
Etta James (Davis) por muito pouco escapou do estereótipo da gordinha engraçada, contudo, sua imagem retrata muito mais a reação do público do que o alívio cômico propriamente dito. Nascida em Londres no final do século XIX, fica bestificada, assim como nós, ao ver tudo que a mulher pode ser, quando plena, fora de amarras machistas e patriarcais.
Aliás, as motivações de Ares são tão verossímeis quanto às de Zod ou Ultron, por exemplo. A purificação através da destruição é uma fórmula batida já em filmes de super-heróis, mas, no momento em que Ultron ficou muito linear, Zod e Ares conseguem verticalizar suas intenções, deixando-os mais convincentes e dando a eles mais profundidade.
O roteiro, embora com alguns plot twists previsíveis, faz muito bem seu papel ao priorizar o aprendizado de Diana. Desde o treinamento para ser guerreira com Hipólita (Nielsen, muito sábia e humana como rainha de Themyscira) e Antíope (Wright, tia e general amazona, que não esconde no olhar a admiração e o amor pela sobrinha, e deslumbrante nas cenas de ação), até o romance com Trevor (colocado de forma sincera, mostrando a forma com que a princesa via a relação entre eles), as experiências acontecem com o único intuito de transformar a amazona em uma heroína complexa e cheia de camadas.
As cenas de lutam não fogem do que já está consolidado nesse gênero. As cenas em slow-motion (clara influência de Snyder no longa) e o clímax piromaníaco servem para conectar o filme ao gênero dos super-heróis, embora suas aspirações transcendam o próprio estilo que o originou.
Agora, nos resta torcer que Liga da Justiça continue explorando a liderança e a importânica dela, diegética e factualmente. Surgindo com consciência do que representa, Mulher-Maravilha supera as expectativas sendo o melhor filme da DC, quiçá de todos os super-heróis.
"Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar | Crítica Jack Sparrow está cansado em mais um bom filme da franquia que deveria ter terminado no terceiro longa
Dirigido por Joachim Rønning e Espen Sandberg. Roteiro por Jeff Nathanson. Com Johnny Depp, Javier Bardem, Geoffrey Rush, Brenton Thwaites, Kaya Scodelario, Kevin McNally, David Wenham, Martin Klebba, Orlando Bloom, Keira Knightley, Paul McCartney.
Em meados de 2003, a Disney, que no momento passava por crise criativa e financeira, resolveu arriscar e lançar uma franquia que seria baseada em um brinquedo de seus parques. Surgiu, assim, Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra.
Sucesso absoluto de bilheteria, o primeiro filme, que teve grande investimento, garantiu uma sequência de dois filmes ainda mais megalomaníacos, O Baú da Morte e No Fim do Mundo. Todos alcançaram grandes bilheterias, mas era unanimidade que a franquia estava perdendo seu fôlego. Depois de um quarto filme pífio e sem eira nem beira (Navegando em Águas Misteriosas, em 2011), agora, quatorze anos após o primeiro, conhecemos A Vingança de Salazar apenas para confirmar o esmorecimento da franquia.
Dirigido por Joachim Rønning e Espen Sandberg, o filme foi feito como quem faz uma receita de bolo pronto. Não há espaços para arriscar ou inventar. Revisitando alguns elementos do primeiro filme, bem como aparando algumas arestas da primeira trilogia, temos um episódico e honesto filme de sessão da tarde. O inimigo dessa vez é o Capitão Salazar (Bardem), o qual é o primeiro declarado inimigo de Jack Sparrow (Depp), um capitão de barco fantasma que sai a caça do pirata bêbado. Assim, de forma simplista, somos reapresentados aos amigos antigos de filmes passados, bem como conhecemos os novos integrantes da trupe: Henry Turner (Thwaites), filho de Elizabeth e Will, e Carina Smyth (Kaya Scodelario), a astrônoma acusada de bruxaria.
O elenco age de forma automática, visto que é a quinta vez que vivem seus papéis. Entretanto, é visível o cansaço de todos na tela. Johnny Depp tem sua atuação mais desinspirada desde A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça; Geoffey Rush age como se todo take fosse uma penitência; Orlando Bloom e Keita Knightley estão lá apenas para preencher algumas lacunas, nada mais. Thwaites e Scodelario, os novatos, em nada acrescem; sem carisma, os momentos em tela deles são totalmente dispensáveis.
De repente, o único que realmente faz algum esforço é Bardem. Encarnando (se é que podemos dizer isso de um fantasma) Salazar, o ator convence com sua sede de vingança, mesmo com a explicação breve de sua origem. É inegável que Bardem é um dos melhores atores hoje.
As cenas de ação continuam espetaculares. Os grandes efeitos visuais, aliados à trilha sonora aventuresca e à ação mais contida, deixam o filme muito leve, que o aproxima dos primeiros filmes da franquia, com um clima de Indiana Jones ou a Lenda do Tesouro Perdido. Claro, há uma estrutura típica dos filmes de aventura, qual seja, a busca de um artefato (o Santo Graal). Seja em Piratas do Caribe, Indiana Jones ou a Lenda do Tesouro Perdido, o herói sempre sai em busca de um artefato poderoso que altera a realidade, mas que será usado de forma altruística.
Com um enredo previsível e boas cenas de ação, Piratas do Caribe não é mais o que foi um dia. Em uma época em que os filmes tentam se reinventar (e os filmes de super-herói são o maior exemplo disso), não há mais tanto espaço para mais do mesmo, onde nem há esforço sequer.
"Corra! | Crítica Novo suspense sobre racismo velado provoca o espectador através do estranhamento e quebra de clichês
Dirigido por Jordan Peele. Roteiro por Jordan Peele. Com: Daniel Kaluuya, Allison Williams, Catherine Keener, Bradley Whitford, Caleb Landry Jones, Marcus Henderson, Betty Gabriel, LilRel Howery
A relação de uma família com cônjuges de etnias diversas é um tema recorrente no cinema. Se não me falha a memória, o primeiro a introduzir o tema foi o excelente drama Adivinhe Quem Vem Para Jantar?, com Sidney Poitier, ganhador de dois Oscars, em 1968; mais recentemente, em 2005, A Família da Noiva, com Ashton Kutcher e o falecido Bernie Mac, tentou reintroduzir o tema com leveza e sem a seriedade devida relativa ao impacto social do assunto. Em 2017 Corra! estreou sem compromisso algum, mas reavivou de forma excelente o debate.
Estreando na cadeira de direção, Peele conta a história de Chris (Kaluuya) e Rose (Williams), um jovem casal inter-racial que vai passar um final de semana no interior para conhecer a família dela. Ao chegar lá, Chris observa diversas atitudes suspeitas em uma família que se diz liberal e despida de preconceitos.
Muito competente em retratar as tensões vividas por Chris (tanto antes como durante o encontro), a obra mantém no espectador uma preocupação vibrante. Logo no início, ao fazer a pergunta eles sabem que sou negro?, podemos perceber a preocupação inerente do protagonista ao se sentir um alienígena num ambiente predominantemente branco. Claro, o preconceito velado aqui é tratado como uma metáfora, já que os segredos da família Armitage não são recorrentes às demais famílias. Aliás, o filme é muito feliz em trazer aquelas frases batidas das pessoas que não se dizem racistas, sempre pra fazer uma concessão no fim — hey, nós não somos racistas! Apenas tratamos de forma impessoal nossos empregados negros, mas votaríamos no Obama de novo se pudéssemos.
Como já falado, o estranhamento é figura constante no filme. A competência em trabalhar as sessões de hipnose, os saltos entre comicidade e suspense, bem como o corte abrupto entre os planos detalhe e os planos abertos (das mãos inquietas arranhando o braço da poltrona para Chris boiando no universo submerso), nos deixa incomodados tendo em vista a imprevisibilidade do que vem a seguir. Ora, o imprevisível é uma das premissas do filme, a partir do momento que ele nasce da quebra do clichê: em filmes de terror teen os negros são sempre os mais engraçados e os primeiros a morrerem; aqui, considerando o protagonismo de Chris, o espectador se vê diretamente combatendo o hábito construído nos cinemas.
Ademais, enquanto visita, vivenciamos o isolamento de Chris ao interagir com um grupo caucasiano elitista. As perguntas desconfortáveis, olhares enviesados e a curiosidade inconveniente são algumas das experiências que somos expostos em apenas um jantar.
Corroborando com a direção impecável, o filme ainda tem como destaque as atuações de Kaluuya e Howery (Rod Williams), que são as âncoras para que os demais atores trabalhem de forma convincente. Cada um é responsável por um tom do filme, enquanto Kaluuya vive na carne a tensão da obra, Howery é responsável pela comédia preocupada, uma verdadeira encenação do rir de nervoso e de uma constante preocupação com o desfecho.
Feito com orçamento de filme indie, Corra! tem sua recepção doméstica extremamente positiva. Sua forma lúdica e metafórica de evidenciar a crítica social consegue facilitar a transmissão da mensagem final.
Para quem não entender a moral, a única solução é hipnose.
"Star Trek: Sem Fronteiras | Crítica Franquia reinventada nos cinemas continua fazendo sucesso relembrando as aventuras episódicas dos seriados
Dirigido por Justin Lin. Roteiro por Simon Pegg e Doug Jung. Com Chris Pine, Zachary Quinto, Karl Urban, Zoe Saldana, Simon Pegg, John Cho, Anton Yelchin, Idris Elba, Sofia Boutella.
Há sete anos, J. J. Abrams tomou para si o risco de revigorar uma das maiores franquias existentes no mundo. O medo era evidente; como juntar um elenco que pudesse honrar os papéis que antes foram de Leonard Nimoy e William Shatner? Com uma rara genialidade, o diretor encontrou um argumento inovador, capaz de dá-lo liberdade criativa e honrar tudo que foi escrito no passado. Linhas temporais alternativas.
Com esse argumento, deu-se cheque branco de escrever as histórias como bem quisesse. E assim foi nos dois filmes anteriores. Agora, o diretor não estaria mais comandando a terceira produção, mas Justin Lee (responsável por quatro dos Velozes & Furiosos) honrou tudo que foi feito até o momento.
O enredo é menos catastrófico que Além da Escuridão. Após receber um chamado de socorro dentro de uma nebulosa, a U.S.S. Enterprise é emboscada por naves terroristas e acaba caindo em um planeta desabitado, separando a tripulação em grupos. Assim, cabe a eles se reunirem para destruir o novo inimigo que surgiu.
O filme tem um enredo simples e opta por um início muito direto; através de um monólogo de James T. Kirk (Pine, criando, enfim, sua imagem de Capitão Kirk), as cartas e os dramas são postos à mesa. Em dez minutos sabemos em que fase de pensamento todos os personagens estão. Com isso resolvido, pode-se abusar das cenas de ação; junto da resolução do conflito principal, as tramas secundárias se resolveriam por si só.
O elenco evidencia toda a química construída através dos anos. Pine define, enfim, sua interpretação para se James T. Kirk, esquecendo um pouco o lado caricato da canastrice; Quinto reitera seu talento para ser o novo Spock; Saldaña, muito competente sempre, é oficialmente a nova mulher espacial: de Avatar para Star Trek e para Guardiões da Galáxia e inverte, há tempos a atriz não pisa na Terra. Pegg, além de Montgomery Scott, agora, também, roteirista, fica muito confortável com seu papel de alívio cômico e construiu uma química boa com Sofia Boutella (que interpreta a alienígena Jaylah), um grande acréscimo ao elenco.
O grande destaque, entretanto, é de Karl Urban como Leonard “Magro” McCoy. Sempre com suas piadas irônicas e seu humor azedo, o ator interpreta, ao lado de Quinto, as melhores e mais divertidas cenas da nova trilogia.
A direção de Justin Lee é excelente nas tomadas de ação (cenas de luta, batalhas espaciais e até mesmo perseguições de motocicleta), mas fraca no que toca às tramas secundárias. Como já exposto, elas são tão supérfluas que se resolvem naturalmente junto do enredo, de forma que nem desperta a preocupação do espectador.
A trilha sonora do filme é um espetáculo à parte. De fato, é uma grata surpresa ouvir Beastie Boys e Public Enemy em um filme que se passa mais de duzentos anos no futuro.
O vilão, embora interpretado por Elba, é bom, mas não atinge o patamar de Benedict Cumberbatch. Na verdade não foi nem culpa do ator em si, mas o roteiro não fez jus ao seu talento. A pobreza argumentativa foi tanta que suas justificativas são aquém do romulano Nero, vilão interpretado por Eric Bana no primeiro filme. Quando pôde, o ator fez um bom trabalho, mas é impossível ir além do papel que lhe foi escrito.
Se por um lado o roteiro, escrito por Simon Pegg e Doug Jung, erra ao estabelecer parâmetros no vilão, por outro acerta em manter a linearidade dos personagens, sem mudar suas psiquês ou seus papéis drasticamente. Aliás, os antagonistas mesmo, embora diferentes personagens, são lineares em seu tom dramático típico da franquia.
Audaciosamente, indo até onde já esteve, Star Trek: Sem Fronteiras conquista o público e reforça sua posição de destaque como uma das franquias mais bem-sucedidas da cultura pop, encantando o mundo há cinquenta anos.
"Sniper Americano | Crítica O velho cowboy não se cansa do herói norte-americano
Dirigido por Clint Eastwood. Roteiro por Jason Hall. Com: Bradley Cooper, Siena Miller, Kyle Gallner, Cole Konis, Ben Reed, Elise Robertson, Luke Sunshine, Keir O’Donnell, Marnette Patterson.
Clint Eastwood tem um rol muito extenso de grandes trabalhos; à exceção do clichê Curvas da Vida (o qual não dirigiu), todos seus trabalhos são muito premiados e homenageados, dos faroestes a Gran Torino.
Em relação ao filme Sniper Americano, no entanto, o coração se divide em várias partes. Por um lado, entende-se o pensamento americano. Pessoas educadas desde a pequenez a acreditar que seu país é o salvador do mundo e o redentor de todos os pecados da humanidade. O público estado-unidense gosta de ver isso nas telas. Eles amam isso nas telas.
No início do longa, tenta-se disfarçar o pensamento pré-histórico de Chris Kyle (Cooper) com um discurso barato sobre lobos, ovelhas e cães de guarda. Mostra-se que esse pensamento guiou nosso herói durante toda a sua vida até o ponto que ele, fantasticamente, acha que é seu dever salvar o mundo dos maus.
Não se pode contaminar a atuação de Cooper com os ideais superficiais do filme. Ele fez tudo que que o trabalho exige: engordou, ganhou músculos e estudou os trejeitos do verdadeiro Chris Kyle, isto é, deformou e formou corpo e mente pela arte. Em suma, foi um grande ator.
Impossível, não ressaltar, também, a atuação de Sienna Miller como Taya Kyle. Através de seus olhos, acompanhamos o processo de desumanização do idolatrado soldado americano. No pós-guerra, nada é como era. A sensação de abandono que ela tem é repassada ao espectador com maestria.
Entretanto, o diretor (Clint) escancara o seu pensamento em relação à Guerra do Iraque. Ao fazer uma ligação pífia dos atentados de onze de setembro com a invasão no Oriente Médio, ele mostra que, na verdade, os Estados Unidos da América apenas queriam pacificar o mundo. Mandou seus nobres soldados com o objetivo de deixar o mundo mais seguro.
Aliás, o maniqueísmo exacerbado e irritante do roteiro faz, inclusive, nosso querido sniper encontrar seu algoz: um sírio, campeão de tiro nas olimpíadas e caçador de recompensas. Em certo ponto, parece que tudo se resume a uma rixa entre os dois. Como já ressaltado, não nos é dada a chance de criar qualquer empatia pelos muçulmanos. Eles não falam. Como entender os mudos fanáticos? Ou melhor, utilizando uma expressão do próprio filme, como entender os selvagens?
O filme é muito bem produzido (à exceção da famigerada cena do bebê de brinquedo), mesmo com a limitação do orçamento. Os erros de produção percebidos são gafes até toleráveis. Não se pode deixá-las levar ao empobrecimento do filme.
O problema está nos ideais passados. Meio infeliz e batido o uso do jovem branco, patriota, que ama seu país mais que sua vida, e se transforma em herói nacional. O mundo não é tão romântico como Clint pensa. Snipers Americanos e Resgate dos Soldados Ryans servem apenas para alimentar um ego extremamente fermentado na infância norte-americana.
Como falado, o maior problema do filme é com a demonização do oposto. A visão partidária e tendenciosa levou o filme a tentar criar de um super-homem real.
O porquê do nome do filme ser Sniper Americano é desconhecido. Ao longo dos 132 minutos de filme, apenas sete mortes aconteceram por rifle. No meio do filme, simplesmente, esqueçamos os tiros de longa distância, peguemos uma metralhadora e vamos à luta; afinal, salvar os soldados americanos é o que importa. O sistema militar, na verdade, não é nem um pouco hierárquico; todos podemos desobedecer ordens expressas de superiores e largar nossos postos. Isso no futuro vai render um grande filme.
"Crítica | Velozes e Furiosos 8 Franquia acerta em apostar no exagerado e é garantia de entretenimento fácil
Dirigido por F. Gary Gray. Roteiro de Chris Morgan. Com: Vin Diesel, Dwayne Johnson, Michelle Rodriguez, Tyrese Gibson, Ludacris, Scott Eastwood, Jason Statham, Nathalie Emmanuel, Elsa Pataky, Luke Evans, Kristofer Hivju, Kurt Russell, Helen Mirren e Charlize Theron.
O maior indício do amadurecimento é descobrir o papel que exercemos perante os outros. O mundo é assim, na vida e na arte. É inegável é que Velozes e Furiosos aprendeu com isso; o que começou como algo que se levava a sério, com agentes infiltrados e gangues de rua, descambou para a ação irrestrita e tramas internacionais. Claro, na verdade, o nicho do filme nunca foi sobre tramas autocontidas, mas sim estrambólicas e exageradas.
Na trama, Dominic Toretto (Vin Diesel) é chantageado por Cipher (Theron) a trair sua equipe e ajudá-la a roubar armas para que ela possa estabelecer uma nova ordem mundial — é sério! Assim, cabe aos seus amigos conterem o ímpeto criminoso (de novo) de Dom. Como diria Hobbs, Toretto just went rogue, com direito a pausa e olhares dramáticos.
Com o enredo simples de coração, o filme não demora muito para ir ao que interessa, a ação. Em uma crescente que vem se formando desde Velozes e Furiosos 4, o filme abraça o exagerado e o novelesco. Sempre com a família como o núcleo duro de suas ideologias, Toretto não pestaneja em criar o caos se for para manter aqueles que ele ama seguros. Claro, os pequenos pontos que criam a identidade da franquia ainda estão lá: a introdução com um racha, os planos-detalhe em bundas com mini-shortinhos e takes rápidos de marchas engatando e pés nos aceleradores.
É muito prazeroso ver as brincadeiras entre os pequenos grupos que se formam dentro da família Toretto. Roman e Tej, Hobbs e Deckard (Gibson e Ludacris, Johnson e Statham, respectivamente), são duas duplas dignas de filmes próprios, tamanha a química deles em cena. Assim, as cenas mais sombrias ficam por conta de Diesel e Charlize. Óbvio, não escapam dos chavões, clichês e frases de efeito, mas, mesmo assim, tentam dar certa profundidade a personagens que em essência deveriam ser tão cartunescos quanto os outros.
O diretor, F. Gary Gray, de longe não tem a competência de James Wan (Velozes e Furiosos 7) para o entretenimento, mas com um elenco que atua junto há tanto tempo e uma franquia com identidade tão estabelecida, não há muito a ser feito ou inovado, de sorte que o filme evolui basicamente no automático. As cenas de ação são realmente divertidas; para uma série que já teve carros de paraquedas, perseguições em túneis, em pontes, arrastando cofres gigantes ou de cabeça pra baixo, dessa vez somo levados às ruas engarrafadas e claustrofóbicas de Nova York. Garantia de batidas, capotagens e chuva de carros (sim, chuva de carros).
E se ainda há qualquer dúvida quanto ao entretenimento descabidamente absurdo do filme, pode-se descartá-la quando há uma perseguição envolvendo um submarino ou quando Hobbs desvia um míssil com suas mãos (!!!!).
Se a obra acerta no envolvimentos dos personagens e nas cenas de ação de perseguição, peca na insistência de suas gags. De fato, Roman é conhecido por ser o piadista do grupo, mas dessa vez exageraram em suas tiradas nada espontâneas e previsíveis. Há também uma cena de ação com Statham dentro de um avião que a piada é explorada em demasia, tornando-se cansativa e irritante.
Conformado e inspirado pela galhofa e autopiada, Velozes e Furiosos 8 resolve uma trilogia e dá início a outras tantas, ciente — felizmente — de que tudo pode (e deve) acontecer. Em uma entrevista, Vin Diesel afirmou que gostaria de ver os Furiosos no espaço. Por que não?
"Crítica | Castelo de Areia Novo filme de guerra da Netflix aposta no minimalismo para se desvencilhar da imagem do herói norte-americano
Dirigido por Fernando Coimbra. Roteiro por Chris Roessner. Com: Nicholas Hoult, Logan Marshall-Green, Glen Powell, Beau Knapp, Neil Brown Jr., Henry Cavill, Navid Nagahban, Nabil Elouahabi, Tommy Flanagan, Sam Spruell.
A Guerra do Iraque, criada pelo então presidente George W. Bush, foi de repente o primeiro dos absurdos do século XXI. Iniciada em 2003, o conflito foi responsável pela morte de mais de três mil soldados. Óbvio, não eram três mil heróis. Eram jovens, com sonhos e projetos interrompidos por uma guerra absurda inventada por um almofadinha. Castelo de Areia faz questão que isso seja entendido.
O enredo engloba o conflito de forma micro e não macro. Na história, o grupo do sargento Harper (Marshall-Green), o qual ansiava pelo retorno, é destacado para uma última missão: reabastecer a água de um vilarejo, cujo estação de tratamento foi atingida por um explosivo. Cientes de que não seria uma tarefa fácil (a milícia local os culpava — com razão — pela explosão), os soldados vão sabendo que nem todos iriam retornar.
Nesse ambiente, vemos o mundo através dos olhos de Matt Ocre (Hoult, em uma atuação muito sólida), o soldado que entrou no exército apenas para ganhar dinheiro para financiar seus estudos. A obra mostra claramente que Ocre é contra o conflito, quando quebra sua própria mão para poder ser enviado para casa. O grupo de soldados é muito heterogêneo, o que facilita o andamento da trama. Chutsky (Powell) é o soldado convencido a odiar o mundo islâmico; Harper comanda-os com compaixão, mas severidade; Burton e Enzo (vividos por Knapp e Neil Brown Jr., respectivamente) chegaram pelo heroísmo e tradição familiar. Syverson (Cavill) destoa dos demais por ser o capitão brucutu, de sorte que fica superficial e caricato.
O elenco todo se envolve com muita facilidade, com especial destaque às atuação de Hoult e Marshall-Green, que estão em tela em praticamente oitenta por cento do tempo do filme. À medida que vão se envolvendo mais e mais com os confrontos, ambos ficam vinculados à guerra, sem mais querer voltar para casa.
O diretor brasileiro, Fernando Coimbra, conduz seu trabalho com maestria. Limitado pelo orçamento reduzido oferecido pela produtora de streaming, Coimbra aposta em cenas menores, sem grandes explosões e membros despedaçados (na sua cara, Mel Gibson). Optando muitas vezes por não mostrar de onde vêm os tiros, o diretor intencionalmente deixa o espectador desconfortável por não saber se os soldados norte-americanos estão conseguindo algum avanço.
Aliás o próprio texto do roteiro é excelente em diversos aspectos. Os soldados sempre deixam claros que não há como confiar nos iraquianos, visto que eles mesmo usam crianças para cometerem atentados. Ainda, ele sempre tenta desconstruir a imagem do herói norte-americano e do islâmico selvagem; há vítimas em ambos os lados, os soldados por serem enviados mesmo não concordando com o confronto, e as pessoas que lá viviam e tiveram seus lares tomados, vendo-se em meio a um campo de batalha. Tamanha a crueldade de algumas cenas que mostram os próprios iraquianos sendo mortos por seus conterrâneos. O ponto mais alto da obra é o diálogo — ainda que breve — entre Ocre e Arif (Elouahabi), enquanto o primeiro vinha da terra da economia liberal, mas precisava pagar pela educação, o outro, invadido, conseguiu os serviços de forma gratuita em seu país.
Castelo de Areia é o típico filme que chegou sem fazer muito rebuliço, mas que vale a pena conferir pelo talento humano que o envolve. É verdade, faltou aparar algumas arestas ou de repente deixar mais clara sua verdadeira intenção. Como suas ideias ficam muito nas entrelinhas, é muito fácil existirem milhares de interpretações para as reais intenções do filme. A única certeza mesmo é o sentimento que o filme passa em seu último suspiro.
"X-Men: Apocalypse | Crítica Bryan Singer continua, com todas as forças, tentando salvar a remendada franquia
Dirigido por Bryan Singer. Roteiro por Simon Kinberg. Com: James McAvoy, Michael Fassbender, Jennifer Lawrence, Nicholas Hoult, Oscar Isaac, Rosa Byrne, Evan Peters, Josh Helman, Sophie Turner, Tye Sheridan, Lucas Till, Kodi Smit-McPhee, Ben Hardy, Alexandra Shipp, Lana Condor, Olivia Munn.
Em 2016, o mundo amanheceu debatendo o preconceito racial no cinema. Foi uma semana de movimentos, diálogos e novas resoluções. Tudo passou. Então devemos ignorar. Devemos ignorar que o cinema volitivamente quer reescrever a história sob o viés caucasiano de ser. Vamos negar que, após isso, veio um fracassado Deuses do Egito, que sucumbiu ante essa polêmica, que pareceu que não ia se repetir. Vamos esquecer que isso passou despercebidamente pelos olhares clínicos dos críticos ao redor do globo.
A sequência inicial de X-Men: Apocalypse, em um olhar histórico-sociológico, é digna de pena. Em um Antigo Egito de brancos pintados a ouro e negros fazendo o papel de escravos (olha só! Que novidade!), Apocalypse (Oscar Isaac), o primeiro mutante, surge como se fosse uma divindade. Esquecendo o fato de que o filme encara as pirâmides como se fossem palácios — e não tumbas como de fato eram –, a sequência inicial proporciona ótimas cenas de ação, mostrando uma violência que ainda não havia sido demonstrada em seus predecessores.
Críticas históricas à parte, vamos ao ponto que interessa. Afinal, se fôssemos buscar aprendizado, deveríamos procurar um bom documentário.
O enredo do filme orbita em torno desse mutante. Uma divindade esquecida que acorda milênios depois, querendo retomar o mundo que lhe foi tirado. Partindo dessa premissa, no melhor estilo Michael Bay, o filme usa isso de combustível para seguidas sequências de ação e destruição em massa.
O dinamismo que o filme apresenta faz passar de forma fluida seus 144 minutos. Sem perder muito tempo com histórias e explicações, de forma natural, o filme vai se desenrolando (e ao mesmo tempo se diminuindo) de forma que o argumento usado no início de purificação, vira um mero pretexto pra conquista global. Méritos para o filme.
A nova equipe de mutantes, conhecida dos tempos do desenho animado, é construída com certa naturalidade. À exceção do novo Ciclope (Tye Sheridan), Jean Grey (Sophie Turner) e Noturno (Kodi Smit-McPhee) mostram boa desenvoltura em seus papéis, sendo que esse último, no fim, acaba sendo preterido em relação à primeira, para que ela possa se desenvolver. O problema de Tye Sheridan, de repente, é o fato de ele mostrar um pouco mais de boçalidade do que deveria o futuro líder da equipe.
James McAvoy, como Professor Xavier, e Michael Fassbender, como Magneto, mostram, cada vez mais, a excelência de suas performances. Grandes nomes do cinema, já confortáveis em suas funções. Uma pena que o arco de Magneto esteja ficando cansativo, já que em todos os filmes dessa nova trilogia, ele passe pelos mesmos questionamentos: começa inerte, é provocado a ir para o mal e termina se exilando.
Inegável também a antipatia que se desenvolve por Nicholas Hoult (o Fera) e Jennifer Lawrence (Mística). Em total desrespeito ao cânone, ambos se escondem de sua aparência real, com o roteiro inventando motivos escusos para que os atores possam aparecer mais nas telas, sem toneladas de maquiagem no rosto. Afinal, até que ponto a essência do personagem pode ficar ferida por um capricho de contrato de atuação? Não me lembro de isso acontecer em Dredd, com Karl Urban, ou em V de Vingança, com Hugo Weaving.
Mercúrio, assume de vez um protagonismo merecido e previsto desde o Dias de Um Futuro Esquecido, com mais destaque ainda para Evan Peters. Infelizmente, os trailers prometeram mais de Psylocke (Olivia Munn) do que nos foi entregue, resumindo sua participação a três ou quatro linhas.
Alexandra Shipp, como Tempestade, mostra um ressurgimento muito digno da mutante, com atuação e figurino, mostrando desde cedo seu papel de liderança, que será importante para seu futuro.
É inevitável que se abram várias brechas e vários erros com o enredo do filme passado. Afinal, erros de continuidade são, praticamente, uma sequência lógica quando há volta no tempo. Felizmente, esse filme não possui aqueles finais que requerem nossa boa vontade para esquecer (alguém lembra da Mística como Stryker no fim do filme anterior?).
Claro, existe a dispensável participação de Hugh Jackman, como Wolverine. Saturado como personagem, o filme precisou fazer o dito fan-service para satisfazer as massas que vão às telonas.
X-Men: Apocalypse não é o melhor filme da saga. Aquém de Dias de Um Futuro Esquecido e X-Men 2, este filme faz seu papel de reintroduzir as conhecidas figuras da equipe clássica dos mutantes. Que isso sirva de lição para que o diretor Bryan Singer não abandone o barco como fez em X-Men: Confronto Final, sob pena de entrarmos em um looping de constantes reinícios.
"Em 2014, uma Marvel já ciente do estrondoso sucesso de seus filmes resolve arriscar ainda mais. Consolidando heróis que até antes de serem lançados eram considerados B (Homem de Ferro, Capitão América, Thor) a empresa resolve apostar as fichas em um grupo de anti-heróis tão desconhecidos que poderiam ser considerados até mesmo de categoria D. Surge, assim, os Guradiões da Galáxia.
Impressionando por seu excelente timing cômico, a imensa harmonia entre os atores que estavam no time e um roteiro que se alinhava ao MCU em momentos pontuais, o primeiro filme foi um sucesso absoluto de público e crítica. Em 2017, Guardiões da Galáxia Vol. 2 não era mais uma aposta; era, sim, um dos filmes mais esperados do ano.
E que filme.
Passados poucos meses após o fim do primeiro (destoando dos demais filmes, que seguiam uma cronologia linear), o filme continua abordando seu principal mote: família – parece que tudo que o Vin Diesel faz envolve família. Na trama, consolidados como famosos mercenários, o grupo começa a ser contratado para fazer diversas tarefas universo afora. Em meio a uma aventura, eles encontram Ego (Russel), o qual alega ser pai de Quill (Pratt).
Ciente de seus pontos fortes e acertos do antecessor, Guardiões da Galáxia Vol. 2 reforça suas características mais evidentes: o humor e a aventura. De início, o a entrada das piadas pode até parecer um pouco forçada, causando certo estranhamento, mas à medida em que o enredo evolui, nos acostumamos com o ritmo ditado pela obra, de forma que as suspeitas iniciais não se justificam.
O elenco inteiro, novamente, atua de forma maravilhosa, com especial destaque a Yondu (Rooker) e Drax (Bautista). Enquanto no primeiro filme ambos sofreram com menos tempo de tela, nesse os dois são os personagens mais carismáticos e cativantes (os diálogos de Drax com Mantis e Youndu com Rocket Racoon são hilários). O elenco original mantém a qualidade que justificou todo seu destaque no passado: Pratt está muito mais espontâneo como Senhor das Estrelas, Saldana parece que é Gamora desde nascença e, até mesmo, Nebulosa tem maior destaque, aprofundando os dramas familiares entre ela e Gamora. Os acréscimos de Stallone (Stakar, com muito mais tempo em tela do que o esperado), Russell (Ego), Klementieff (Mantis) e Debicki (Ayesha) atuam como se já tivessem lá há longa data.
O design de produção, por seu turno, não fica atrás. Mostrando diversos mundos ao longo do filme, o trabalho é muito competente ao diferenciá-los das mais diversas formas. Enquanto os Soberanos, com suas peles douradas, beirando o divino, são frios e calculistas, o planeta de encontro dos mercenários, com suas prostitutas robóticas, lembra um gueto sujo de Hanói ou Bangkok. Aliás, com as diversas raças alienígenas que aparecem, eis aqui o primeiro candidato ao Oscar 2018 de melhor maquiagem.
Toda aura construída remete à década de 80. Desde as referências mais óbvias, como a trilha-sonora, a obra se constrói com várias remissões. As naves dos Soberanos, por exemplo, controladas remotamente, lembram antigo fliperamas onde várias pessoas ansiosas acompanhavam alguém bater algum recorde. O planeta Ego, cheio de cor e vida, lembra as paletas coloridas que marcaram a moda na época (lembram, também, bastante a psicodelia de Doutor Estranho, o que cria uma identidade com esse universo multicolorido).
A direção de James Gunn novamente surpreende por seu total controle do trabalho. Monopolizando direção e roteiro, o diretor não dá ponto sem nó. Até mesmo os easter-eggs e os fan-services escapam da gratuidade, sendo absurdamente provocativos no sentido de nos incitar a criar teorias sobre eventos futuros. Aliás, Gunn é muito competente ao dosar a comédia e o drama em diálogos como Peter e Gamora, Peter e Ego e Gamora e Nebulosa. Nesse momento percebemos que os personagens de fato possuem uma história e, com ela, vem sua carga emocional.
Ao chegar em clímax muito intenso, a obra nos desmonta por não nos deixar preparados para tamanha emoção. Sim, os Guardiões da Galáxia são anti-heróis, mas são mortais, são falíveis. Seu heroísmo vem justamente da qualidade de tentar se superar sempre.
Okja
4.0 1,3K Assista AgoraCrítica do Catacrese, sem spoilers.
"Okja | Crítica
Filme tocante da Netflix ataca a indústria carnista e brutalidade policial se travestido de conto infantil
Dirigido por Joon-ho Bong. Roteiro por Joon-ho Bong e Jon Ronson. Com Tilda Swinton, Giancarlo Esposito, Jake Gyllenhaal, Seo-Hyun Ahn, Shirley Henderson, Je-mun Yun, Steven Yeun, Paul Dano, Lily Collins, Daniel Henshall, Devon Bostick.
Quando foi anunciado que filmes da Netflix concorreriam a Palma de Ouro esse ano, instaurou-se um burburinho cogitando se seria esse o filme do cinema tradicional. Na verdade, ao revelar o espanhol Pedro Almodóvar (ainda apegado ao estilo cult enquanto arrogante) como o presidente do júri, Cannes se mostrou um verdadeiro artifício para encerrar a discussão ao afirmar que streaming nunca será cinema e vice-versa, praticamente acabando com as chances de Okja de vencer o grande prêmio e tornando sua participação meramente protocolar.
Mais uma vez o conservadorismo se mostra um empecilho para admirar a arte em suas diversas formas. Não é a primeira vez que isso acontece e não será a última.
O enredo é construído em diversas inspirações, desde Disney até Studio Ghibli. Começando com um anúncio inspirado Lucy Mirando (Swinton), somos apresentados aos super-leitões — seres que se assemelham a hipopótamos — quando ela se gaba de tê-los descoberto em uma inóspita região do Chile e por serem naturais e não-transgênicos. Assim, a solução para a fome do mundo passaria pelo consumo da carne de tais seres. Com um lapso temporal de dez anos, conhecemos Mikha (Ahn), na Coreia do Sul, uma menina que cuida de Okja, uma super-leitoa, desde seu nascimento e que fará de tudo para proteger sua amiga da exploração da indústria pecuarista.
Passeando por Dumbo, Meu Amigo Totoro e A Viagem de Chihiro, ao analisar o plot, não se pode confundir infantilidade com ingenuidade. Junto de Mikha, gradativamente, vai sendo retirado da frente do espectador o véu que cobre a fachado de uma empresa que vive da morte animal. Assim, o filme, que começa inocente, vai mostrando-se cruel com o passar dos minutos, o que causa um choque gigantesco, considerando o tom inicial imposto à obra.
As atuações oscilam entre bons e maus momentos. É inegável a influência do escatológico trazida pelo cinema sul-coreano de Bong. As ações exageradas e piadas em um timing péssimo não escondem suas origens. Swinton dispensa qualquer comentários, seus momentos em tela são sensacionais; Gyllenhaal mostra certa versatilidade e muita inspiração em Jack Sparrow para fazer seu personagem; Ahn ainda engatinha no sentido de aprofundar seus sentimentos; Dano, mais uma vez, mostra que é um ator injustamente desmerecido e que tem muita qualidade; e Yeun poderia ter mais tempo de tela.
A decisão de Bong em retratar Wilcox (Gyllenhaal) como um personagem cartunesco é mais uma afiada crítica que ridiculariza as escolhas de tais empresas para suas faces públicas; nada muito diferente do que o frango da Sadia ou o porco de fraque da Suinofest em Encantado/RS, por exemplo. Não menos importante foi a forma retratada da brutalidade policial (comprada pelas megaempresas, como ressaltado em um trecho do filme) que, sem piedade, atacava os idealistas desarmados com cacetadas na cabeça e chutes no tórax.
A fotografia lindíssima e as escolhas do figurino são perfeitas para o estilo empregado na obra. As roupas extravagantes de Lucy Maduro trazem um quê de Jogos Vorazes, enquanto o casaco vermelho de Mikha destoa do mundo de cores frias e pastel de Nova York e Seul, que aceitou a ideia do domínio do homem sobre o animal e tornou-se apático por isso. Os planos-detalhe nos olhos tão humanos e nas lágrimas de Okja servem para mostrar o inferno que os animais criados para o abate são submetidos antes da morte certa.
Quase um paradoxo que, antes de ser transmitido em Cannes, o filme foi vaiado por quem lá estava e terminou aplaudido. Não é muito diferente quando alguém afirma ser vegetariano ou vegano, já que, antes de expor seus ideais, é rotulado de chato e/ou nojento, mas que depois mostra ser apenas mais um que faz o que acredita, e por isso deve ser respeitado.
Com um primeiro ato emocional, um segundo ato dramático e um terceiro ato chocante (as fazendas dos porcos é Auschwitz redesenhada), Okja tem um fim niilista e reflexivo que nos reduz à nossa mediocridade sobre fazer a mudança sozinhos. Com o término, ficamos engasgados por nossa impotência, mas cheios de esperança ao vermos que existem outros como nós. Chega de defender-se sob o lençol da hipocrisia. Chega.
Nota: 5/6
PS: coincidentemente ou não, Almodóvar é o novo garoto-propaganda da Prada, que possui uma infindade de artigos em couro animal. Fica a reflexão sobre o quão comprados podem ser os julgamentos dos ditos “formadores de opinião” e o quanto isso pode ter influenciado para que ele expusesse sua opinião tão abertamente sobre a grande evidência que a produções independentes da Netflix estão tomando."
Okja
4.0 1,3K Assista Agoraeles conseguiram. finalmente conseguiram fazer eu virar vegano.
A Múmia
2.5 997 Assista AgoraCrítica do Catacrese sobre o filme:
"A Múmia | Crítica
Com o perdão do trocadilho, mesmo com todo whitewashing no Egito Antigo, é obscuro o início do Dark Universe
Dirigido por Alex Kurtzman. Roteiro por David Koepp, Christopher McQuarrie e Dylan Kussman. Com Tom Cruise, Russell Crowe, Annabelle Wallis, Sofia Boutella, Jake Johnson, Courtney B. Vance.
Que o tal do Universo Compartilhado é o novo grito pop ninguém duvida. Começando pela Marvel, todas as produtoras querem dar uma bocada na nova galinha dos ovos de ouro do cinema. Óbvio, para se inspirarem no MCU, é porque ele deu muito certo (e deu!), mas isso não quer dizer que absolutamente qualquer coisa nesse sentido irá funcionar. Os óculos 3D só funcionaram em Avatar e em meia dúzia de trabalhos até então. A Warner recém começou a acertar o passo com os heróis da DC, a Universal e seu Dark Universe, de igual forma, começaram de forma apática e atropelada.
O enredo acompanha Nick (Cruise) e Vail (Johnson), soldados do exército norte-americano que fazem renda roubando artefatos históricos para vendê-los no mercado negro. Ao acaso, em uma expedição liderada por Jenny (Wallis), descobrem a tumba da Princesa Ahmanet (Boutella), que foi mumificada viva, de sorte que ela volta buscando liberar um grande mal sobre o mundo.
Fugindo do terror do clássico de 1932, o filme retorna ao gênero de aventura que foi estabelecido em A Múmia de 1999, entretanto, sem o mesmo carisma. O diretor e os roteiristas é completamente incompetente no que toca à condução do filme. A começar, novamente, pelo whitewashing do Egito Antigo e pelo comando do casting: de alguma forma acham que é verossímil que Tom Cruise, no auge dos 55 anos, contracene com mulheres de 33 (Wallis) e 35 (Boutella) anos. Ora, não é possível que ainda perdure esse pensamento de que os galãs hollywoodianos possam envelhecer, mas as divas têm que incessantemente se renovarem, pois Deus me livre se elas passarem dos quarenta. Deve ser alguma coisa relacionada a autoafirmação que o homem precisa de que aos ciquenta anos continua sendo um ser viril e cheio de estamina. Por que as mulheres não podem ter essa inspiração também?
Aliás, mais um filme que mostra o Egito Antigo, mais um filme que não coloca atores negros nesse período. Em um olhar histórico-sociológico, A Múmia é digna de pena. Em um Antigo Egito de brancos pintados a ouro e, no máximo, alguns pardos para justificar a localização geográfica, podemos ver a dor de Hollywood em admitir que eles reconhecem uma civilização de cultura negra que não seja no coração selvagem da savana africana.
Para se somar às mancadas, A Múmia evolui de forma afobada e displicente. O roteiro, na tentativa de encaixar e explicar o Prodigium, cede muito espaço à organização, deixando de lado os protagonistas e a própria monstra do filme. Com isso, há excessos de cenas descartáveis, como a luta entre Nick e Mr. Hyde (Crowe, que funcionará como elo entre os vários longas do Dark Universe), que em nada complementa com a obra. Lógico, há umas boas sacadas que não fazem o filme ser totalmente ruim; a cena da queda do avião em gravidade zero e a tempestade de areia a partir das vidraças de Londres (considerando que vidro é areia derretida) foram boas ideias utilizadas.
O elenco também não convence. Tom Cruise está o mesmo, não dá mais pra distinguir o Nick do Ethan Hunt ou do Jack Reacher — são todos absolutamente iguais. Annabelle Wallis trabalha de forma artificial e sem peso; Sophia Boutella é a mais dedicada, tentando todo o trabalho nas costas. Crowe parece confortável em sua forma caricata.
O grande problema foram as escolhas. Com um diretor inexpressivo, o filme ficou suspenso em uma zona de conforto para quem a produz, mas que já cansou o expectador. A ação e aventura já estão sendo exploradas à exaustão por super-heróis, Star Wars, Transformers e o raio que o parta. Não custava tentar inovar nesse ponto e fazer um shared universe que derivasse pro terror. Faltou tomar alguns riscos.
Terminada a sessão e acesas as luzes, a conclusão era só uma: Tom Cruise precisa entender que envelheceu. Aliás, nós precisamos entender e aceitar que envelhecer é normal. No ritmo insano de Missão Impossível, A Múmia tenta ser uma aventura de tirar o fôlego, mas seu efeito é o inverso. Dá muito sono e, pior, muita saudade do Brendan Fraser.
Nota: 2/6 (Ruim)"
Mulher-Maravilha
4.1 2,9K Assista AgoraCrítica do Catacrese SEM SPOILERS!
"Mulher-Maravilha | Crítica
Muito mais que uma mera história de origem, um marco
Dirigido por Patty Jenkins. Roteiro por Allan Heinberg. Com Gal Gadot, Chris Pine, Connie Nielsen, Robin Wright, Danny Huston, David Thewlis, Saïd Taghmaoui, Ewen Bremner, Eugene Brave Rock, Lucy Davis, Elena Anaya.
Além de ser o primeiro filme de super-heroína como protagonista, Mulher-Maravilha trazia consigo o complicado rótulo de difícil adaptação. Havia muito peso em cima dos profissionais que nele trabalhavam. Afinal, o filme precisava atingir toda a expectativa, não só pelo bem da parceria DC/Warner (altamente contestada), mas para contribuir com a bandeira do empoderamento feminino. Assim, quando sobem os créditos finais, o sentimento é apenas um: pura catarse.
Esteado em uma história de origem clássica, o filme dedica os primeiros minutos a nos apresentar às amazonas e a Themyscira, civilização de mulheres guerreiras criadas por Zeus e a ilha paradisíaca em que vivem sem a contaminação do homem. Nessa ilha, vemos a infância de Diana e rapidamente estamos ambientados com seus princípios e a aventura que a aguarda quando ela decide ir derrotar Ares – que controlava os bastidores da Primeira Guerra Mundial – ao lado de Steve Trevor (Pine).
Uma das maiores sacadas da diretora e do roteirista foi ambientar o filme durante a primeira grande guerra, principalmente, por dois motivos: considerando que o Capitão América se passa durante a Segunda Guerra Mundial, evita-se comparações mais nervosas; e a primeira guerra é muito mais nebulosa em termos de motivação de nações, conseguindo fugir da estrutura Aliados/Eixo. Aliás isso fica muito claro logo nas primeiras cenas de Diana em Londres, quando ela confronta um general inglês e suas decisões questionáveis.
Patty Jenkins mostra absoluto controle e competência no desenvolvimento da obra. Nada acontece sem razão; desde os primeiros diálogos entre Diana e Trevor, fica muito claro que ele vai ter um papel predominantemente de guia não só geográfico, mas consuetudinário. E isso mostra-se muito importante no amadurecimento da super-heroína, já que, intrínseca à sua nobreza e sua bondade, vem a ingenuidade de ter sido criada em uma ilha perfeitamente estruturada e despida de preconceitos (existem amazonas de todas as etnias e ocupando posições de destaque). Aliás, em nenhum momento a princesa de Themyscira é sexualizada ou objetificada; até mesmo o uso da contestada saia é justificado quando mostra a protagonista treinando movimentos de combate nas vestes misóginas da época pós-vitoriana.
O elenco atua de forma tão harmônica e sublime que cada um merece um parágrafo em particular. Diana (Gadot) é absolutamente convincente ao demonstrar seu altruísmo, seus discursos bravos e nobres, mas ao mesmo tempo inocentes, cativam e nos aproxima da super-heroína a ponto de que passamos a confiar cegamente em suas atitudes e suas palavras; Steve (Pine), no momento em que a viu a princesa, já entendeu seu papel de suporte, já que era ela quem tinha poderes para liderar, protagonizando os diálogos mais engraçados e elucidando vários costumes da civilização dos homens. A equipe dos desajustados: Sameer (Saïd), Charlie (Bremner) e Chief (Brave Rock), cada um, tem uma função essencial no amadurecimento da Mulher-Maravilha; todos servem para mostrá-la que a guerra não existe somente por causa de Ares, mas sim, durante toda a história, civilizações foram subjugadas e escravizadas, de sorte que todos carregam o peso do racismo e das escolhas da raça humana ao longo das eras.
Etta James (Davis) por muito pouco escapou do estereótipo da gordinha engraçada, contudo, sua imagem retrata muito mais a reação do público do que o alívio cômico propriamente dito. Nascida em Londres no final do século XIX, fica bestificada, assim como nós, ao ver tudo que a mulher pode ser, quando plena, fora de amarras machistas e patriarcais.
Aliás, as motivações de Ares são tão verossímeis quanto às de Zod ou Ultron, por exemplo. A purificação através da destruição é uma fórmula batida já em filmes de super-heróis, mas, no momento em que Ultron ficou muito linear, Zod e Ares conseguem verticalizar suas intenções, deixando-os mais convincentes e dando a eles mais profundidade.
O roteiro, embora com alguns plot twists previsíveis, faz muito bem seu papel ao priorizar o aprendizado de Diana. Desde o treinamento para ser guerreira com Hipólita (Nielsen, muito sábia e humana como rainha de Themyscira) e Antíope (Wright, tia e general amazona, que não esconde no olhar a admiração e o amor pela sobrinha, e deslumbrante nas cenas de ação), até o romance com Trevor (colocado de forma sincera, mostrando a forma com que a princesa via a relação entre eles), as experiências acontecem com o único intuito de transformar a amazona em uma heroína complexa e cheia de camadas.
As cenas de lutam não fogem do que já está consolidado nesse gênero. As cenas em slow-motion (clara influência de Snyder no longa) e o clímax piromaníaco servem para conectar o filme ao gênero dos super-heróis, embora suas aspirações transcendam o próprio estilo que o originou.
Agora, nos resta torcer que Liga da Justiça continue explorando a liderança e a importânica dela, diegética e factualmente. Surgindo com consciência do que representa, Mulher-Maravilha supera as expectativas sendo o melhor filme da DC, quiçá de todos os super-heróis.
Nota: 7/6 (Espetacular)"
Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar
3.3 1,1K Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar | Crítica
Jack Sparrow está cansado em mais um bom filme da franquia que deveria ter terminado no terceiro longa
Dirigido por Joachim Rønning e Espen Sandberg. Roteiro por Jeff Nathanson. Com Johnny Depp, Javier Bardem, Geoffrey Rush, Brenton Thwaites, Kaya Scodelario, Kevin McNally, David Wenham, Martin Klebba, Orlando Bloom, Keira Knightley, Paul McCartney.
Em meados de 2003, a Disney, que no momento passava por crise criativa e financeira, resolveu arriscar e lançar uma franquia que seria baseada em um brinquedo de seus parques. Surgiu, assim, Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra.
Sucesso absoluto de bilheteria, o primeiro filme, que teve grande investimento, garantiu uma sequência de dois filmes ainda mais megalomaníacos, O Baú da Morte e No Fim do Mundo. Todos alcançaram grandes bilheterias, mas era unanimidade que a franquia estava perdendo seu fôlego. Depois de um quarto filme pífio e sem eira nem beira (Navegando em Águas Misteriosas, em 2011), agora, quatorze anos após o primeiro, conhecemos A Vingança de Salazar apenas para confirmar o esmorecimento da franquia.
Dirigido por Joachim Rønning e Espen Sandberg, o filme foi feito como quem faz uma receita de bolo pronto. Não há espaços para arriscar ou inventar. Revisitando alguns elementos do primeiro filme, bem como aparando algumas arestas da primeira trilogia, temos um episódico e honesto filme de sessão da tarde. O inimigo dessa vez é o Capitão Salazar (Bardem), o qual é o primeiro declarado inimigo de Jack Sparrow (Depp), um capitão de barco fantasma que sai a caça do pirata bêbado. Assim, de forma simplista, somos reapresentados aos amigos antigos de filmes passados, bem como conhecemos os novos integrantes da trupe: Henry Turner (Thwaites), filho de Elizabeth e Will, e Carina Smyth (Kaya Scodelario), a astrônoma acusada de bruxaria.
O elenco age de forma automática, visto que é a quinta vez que vivem seus papéis. Entretanto, é visível o cansaço de todos na tela. Johnny Depp tem sua atuação mais desinspirada desde A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça; Geoffey Rush age como se todo take fosse uma penitência; Orlando Bloom e Keita Knightley estão lá apenas para preencher algumas lacunas, nada mais. Thwaites e Scodelario, os novatos, em nada acrescem; sem carisma, os momentos em tela deles são totalmente dispensáveis.
De repente, o único que realmente faz algum esforço é Bardem. Encarnando (se é que podemos dizer isso de um fantasma) Salazar, o ator convence com sua sede de vingança, mesmo com a explicação breve de sua origem. É inegável que Bardem é um dos melhores atores hoje.
As cenas de ação continuam espetaculares. Os grandes efeitos visuais, aliados à trilha sonora aventuresca e à ação mais contida, deixam o filme muito leve, que o aproxima dos primeiros filmes da franquia, com um clima de Indiana Jones ou a Lenda do Tesouro Perdido. Claro, há uma estrutura típica dos filmes de aventura, qual seja, a busca de um artefato (o Santo Graal). Seja em Piratas do Caribe, Indiana Jones ou a Lenda do Tesouro Perdido, o herói sempre sai em busca de um artefato poderoso que altera a realidade, mas que será usado de forma altruística.
Com um enredo previsível e boas cenas de ação, Piratas do Caribe não é mais o que foi um dia. Em uma época em que os filmes tentam se reinventar (e os filmes de super-herói são o maior exemplo disso), não há mais tanto espaço para mais do mesmo, onde nem há esforço sequer.
Que, pelo menos, se dediquem.
Nota: 4/6 (Bom)"
Corra!
4.2 3,6K Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"Corra! | Crítica
Novo suspense sobre racismo velado provoca o espectador através do estranhamento e quebra de clichês
Dirigido por Jordan Peele. Roteiro por Jordan Peele. Com: Daniel Kaluuya, Allison Williams, Catherine Keener, Bradley Whitford, Caleb Landry Jones, Marcus Henderson, Betty Gabriel, LilRel Howery
A relação de uma família com cônjuges de etnias diversas é um tema recorrente no cinema. Se não me falha a memória, o primeiro a introduzir o tema foi o excelente drama Adivinhe Quem Vem Para Jantar?, com Sidney Poitier, ganhador de dois Oscars, em 1968; mais recentemente, em 2005, A Família da Noiva, com Ashton Kutcher e o falecido Bernie Mac, tentou reintroduzir o tema com leveza e sem a seriedade devida relativa ao impacto social do assunto. Em 2017 Corra! estreou sem compromisso algum, mas reavivou de forma excelente o debate.
Estreando na cadeira de direção, Peele conta a história de Chris (Kaluuya) e Rose (Williams), um jovem casal inter-racial que vai passar um final de semana no interior para conhecer a família dela. Ao chegar lá, Chris observa diversas atitudes suspeitas em uma família que se diz liberal e despida de preconceitos.
Muito competente em retratar as tensões vividas por Chris (tanto antes como durante o encontro), a obra mantém no espectador uma preocupação vibrante. Logo no início, ao fazer a pergunta eles sabem que sou negro?, podemos perceber a preocupação inerente do protagonista ao se sentir um alienígena num ambiente predominantemente branco. Claro, o preconceito velado aqui é tratado como uma metáfora, já que os segredos da família Armitage não são recorrentes às demais famílias. Aliás, o filme é muito feliz em trazer aquelas frases batidas das pessoas que não se dizem racistas, sempre pra fazer uma concessão no fim — hey, nós não somos racistas! Apenas tratamos de forma impessoal nossos empregados negros, mas votaríamos no Obama de novo se pudéssemos.
Como já falado, o estranhamento é figura constante no filme. A competência em trabalhar as sessões de hipnose, os saltos entre comicidade e suspense, bem como o corte abrupto entre os planos detalhe e os planos abertos (das mãos inquietas arranhando o braço da poltrona para Chris boiando no universo submerso), nos deixa incomodados tendo em vista a imprevisibilidade do que vem a seguir. Ora, o imprevisível é uma das premissas do filme, a partir do momento que ele nasce da quebra do clichê: em filmes de terror teen os negros são sempre os mais engraçados e os primeiros a morrerem; aqui, considerando o protagonismo de Chris, o espectador se vê diretamente combatendo o hábito construído nos cinemas.
Ademais, enquanto visita, vivenciamos o isolamento de Chris ao interagir com um grupo caucasiano elitista. As perguntas desconfortáveis, olhares enviesados e a curiosidade inconveniente são algumas das experiências que somos expostos em apenas um jantar.
Corroborando com a direção impecável, o filme ainda tem como destaque as atuações de Kaluuya e Howery (Rod Williams), que são as âncoras para que os demais atores trabalhem de forma convincente. Cada um é responsável por um tom do filme, enquanto Kaluuya vive na carne a tensão da obra, Howery é responsável pela comédia preocupada, uma verdadeira encenação do rir de nervoso e de uma constante preocupação com o desfecho.
Feito com orçamento de filme indie, Corra! tem sua recepção doméstica extremamente positiva. Sua forma lúdica e metafórica de evidenciar a crítica social consegue facilitar a transmissão da mensagem final.
Para quem não entender a moral, a única solução é hipnose.
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
Star Trek: Sem Fronteiras
3.8 566 Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"Star Trek: Sem Fronteiras | Crítica
Franquia reinventada nos cinemas continua fazendo sucesso relembrando as aventuras episódicas dos seriados
Dirigido por Justin Lin. Roteiro por Simon Pegg e Doug Jung. Com Chris Pine, Zachary Quinto, Karl Urban, Zoe Saldana, Simon Pegg, John Cho, Anton Yelchin, Idris Elba, Sofia Boutella.
Há sete anos, J. J. Abrams tomou para si o risco de revigorar uma das maiores franquias existentes no mundo. O medo era evidente; como juntar um elenco que pudesse honrar os papéis que antes foram de Leonard Nimoy e William Shatner? Com uma rara genialidade, o diretor encontrou um argumento inovador, capaz de dá-lo liberdade criativa e honrar tudo que foi escrito no passado. Linhas temporais alternativas.
Com esse argumento, deu-se cheque branco de escrever as histórias como bem quisesse. E assim foi nos dois filmes anteriores. Agora, o diretor não estaria mais comandando a terceira produção, mas Justin Lee (responsável por quatro dos Velozes & Furiosos) honrou tudo que foi feito até o momento.
O enredo é menos catastrófico que Além da Escuridão. Após receber um chamado de socorro dentro de uma nebulosa, a U.S.S. Enterprise é emboscada por naves terroristas e acaba caindo em um planeta desabitado, separando a tripulação em grupos. Assim, cabe a eles se reunirem para destruir o novo inimigo que surgiu.
O filme tem um enredo simples e opta por um início muito direto; através de um monólogo de James T. Kirk (Pine, criando, enfim, sua imagem de Capitão Kirk), as cartas e os dramas são postos à mesa. Em dez minutos sabemos em que fase de pensamento todos os personagens estão. Com isso resolvido, pode-se abusar das cenas de ação; junto da resolução do conflito principal, as tramas secundárias se resolveriam por si só.
O elenco evidencia toda a química construída através dos anos. Pine define, enfim, sua interpretação para se James T. Kirk, esquecendo um pouco o lado caricato da canastrice; Quinto reitera seu talento para ser o novo Spock; Saldaña, muito competente sempre, é oficialmente a nova mulher espacial: de Avatar para Star Trek e para Guardiões da Galáxia e inverte, há tempos a atriz não pisa na Terra. Pegg, além de Montgomery Scott, agora, também, roteirista, fica muito confortável com seu papel de alívio cômico e construiu uma química boa com Sofia Boutella (que interpreta a alienígena Jaylah), um grande acréscimo ao elenco.
O grande destaque, entretanto, é de Karl Urban como Leonard “Magro” McCoy. Sempre com suas piadas irônicas e seu humor azedo, o ator interpreta, ao lado de Quinto, as melhores e mais divertidas cenas da nova trilogia.
A direção de Justin Lee é excelente nas tomadas de ação (cenas de luta, batalhas espaciais e até mesmo perseguições de motocicleta), mas fraca no que toca às tramas secundárias. Como já exposto, elas são tão supérfluas que se resolvem naturalmente junto do enredo, de forma que nem desperta a preocupação do espectador.
A trilha sonora do filme é um espetáculo à parte. De fato, é uma grata surpresa ouvir Beastie Boys e Public Enemy em um filme que se passa mais de duzentos anos no futuro.
O vilão, embora interpretado por Elba, é bom, mas não atinge o patamar de Benedict Cumberbatch. Na verdade não foi nem culpa do ator em si, mas o roteiro não fez jus ao seu talento. A pobreza argumentativa foi tanta que suas justificativas são aquém do romulano Nero, vilão interpretado por Eric Bana no primeiro filme. Quando pôde, o ator fez um bom trabalho, mas é impossível ir além do papel que lhe foi escrito.
Se por um lado o roteiro, escrito por Simon Pegg e Doug Jung, erra ao estabelecer parâmetros no vilão, por outro acerta em manter a linearidade dos personagens, sem mudar suas psiquês ou seus papéis drasticamente. Aliás, os antagonistas mesmo, embora diferentes personagens, são lineares em seu tom dramático típico da franquia.
Audaciosamente, indo até onde já esteve, Star Trek: Sem Fronteiras conquista o público e reforça sua posição de destaque como uma das franquias mais bem-sucedidas da cultura pop, encantando o mundo há cinquenta anos.
Vida longa e próspera para ela.
Nota: 6/6 (Ótimo)"
Sniper Americano
3.6 1,9K Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"Sniper Americano | Crítica
O velho cowboy não se cansa do herói norte-americano
Dirigido por Clint Eastwood. Roteiro por Jason Hall. Com: Bradley Cooper, Siena Miller, Kyle Gallner, Cole Konis, Ben Reed, Elise Robertson, Luke Sunshine, Keir O’Donnell, Marnette Patterson.
Clint Eastwood tem um rol muito extenso de grandes trabalhos; à exceção do clichê Curvas da Vida (o qual não dirigiu), todos seus trabalhos são muito premiados e homenageados, dos faroestes a Gran Torino.
Em relação ao filme Sniper Americano, no entanto, o coração se divide em várias partes. Por um lado, entende-se o pensamento americano. Pessoas educadas desde a pequenez a acreditar que seu país é o salvador do mundo e o redentor de todos os pecados da humanidade. O público estado-unidense gosta de ver isso nas telas. Eles amam isso nas telas.
No início do longa, tenta-se disfarçar o pensamento pré-histórico de Chris Kyle (Cooper) com um discurso barato sobre lobos, ovelhas e cães de guarda. Mostra-se que esse pensamento guiou nosso herói durante toda a sua vida até o ponto que ele, fantasticamente, acha que é seu dever salvar o mundo dos maus.
Não se pode contaminar a atuação de Cooper com os ideais superficiais do filme. Ele fez tudo que que o trabalho exige: engordou, ganhou músculos e estudou os trejeitos do verdadeiro Chris Kyle, isto é, deformou e formou corpo e mente pela arte. Em suma, foi um grande ator.
Impossível, não ressaltar, também, a atuação de Sienna Miller como Taya Kyle. Através de seus olhos, acompanhamos o processo de desumanização do idolatrado soldado americano. No pós-guerra, nada é como era. A sensação de abandono que ela tem é repassada ao espectador com maestria.
Entretanto, o diretor (Clint) escancara o seu pensamento em relação à Guerra do Iraque. Ao fazer uma ligação pífia dos atentados de onze de setembro com a invasão no Oriente Médio, ele mostra que, na verdade, os Estados Unidos da América apenas queriam pacificar o mundo. Mandou seus nobres soldados com o objetivo de deixar o mundo mais seguro.
Aliás, o maniqueísmo exacerbado e irritante do roteiro faz, inclusive, nosso querido sniper encontrar seu algoz: um sírio, campeão de tiro nas olimpíadas e caçador de recompensas. Em certo ponto, parece que tudo se resume a uma rixa entre os dois. Como já ressaltado, não nos é dada a chance de criar qualquer empatia pelos muçulmanos. Eles não falam. Como entender os mudos fanáticos? Ou melhor, utilizando uma expressão do próprio filme, como entender os selvagens?
O filme é muito bem produzido (à exceção da famigerada cena do bebê de brinquedo), mesmo com a limitação do orçamento. Os erros de produção percebidos são gafes até toleráveis. Não se pode deixá-las levar ao empobrecimento do filme.
O problema está nos ideais passados. Meio infeliz e batido o uso do jovem branco, patriota, que ama seu país mais que sua vida, e se transforma em herói nacional. O mundo não é tão romântico como Clint pensa. Snipers Americanos e Resgate dos Soldados Ryans servem apenas para alimentar um ego extremamente fermentado na infância norte-americana.
Como falado, o maior problema do filme é com a demonização do oposto. A visão partidária e tendenciosa levou o filme a tentar criar de um super-homem real.
O porquê do nome do filme ser Sniper Americano é desconhecido. Ao longo dos 132 minutos de filme, apenas sete mortes aconteceram por rifle. No meio do filme, simplesmente, esqueçamos os tiros de longa distância, peguemos uma metralhadora e vamos à luta; afinal, salvar os soldados americanos é o que importa. O sistema militar, na verdade, não é nem um pouco hierárquico; todos podemos desobedecer ordens expressas de superiores e largar nossos postos. Isso no futuro vai render um grande filme.
Nota: 3/6 (Regular)"
Velozes e Furiosos 8
3.4 745 Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"Crítica | Velozes e Furiosos 8
Franquia acerta em apostar no exagerado e é garantia de entretenimento fácil
Dirigido por F. Gary Gray. Roteiro de Chris Morgan. Com: Vin Diesel, Dwayne Johnson, Michelle Rodriguez, Tyrese Gibson, Ludacris, Scott Eastwood, Jason Statham, Nathalie Emmanuel, Elsa Pataky, Luke Evans, Kristofer Hivju, Kurt Russell, Helen Mirren e Charlize Theron.
O maior indício do amadurecimento é descobrir o papel que exercemos perante os outros. O mundo é assim, na vida e na arte. É inegável é que Velozes e Furiosos aprendeu com isso; o que começou como algo que se levava a sério, com agentes infiltrados e gangues de rua, descambou para a ação irrestrita e tramas internacionais. Claro, na verdade, o nicho do filme nunca foi sobre tramas autocontidas, mas sim estrambólicas e exageradas.
Na trama, Dominic Toretto (Vin Diesel) é chantageado por Cipher (Theron) a trair sua equipe e ajudá-la a roubar armas para que ela possa estabelecer uma nova ordem mundial — é sério! Assim, cabe aos seus amigos conterem o ímpeto criminoso (de novo) de Dom. Como diria Hobbs, Toretto just went rogue, com direito a pausa e olhares dramáticos.
Com o enredo simples de coração, o filme não demora muito para ir ao que interessa, a ação. Em uma crescente que vem se formando desde Velozes e Furiosos 4, o filme abraça o exagerado e o novelesco. Sempre com a família como o núcleo duro de suas ideologias, Toretto não pestaneja em criar o caos se for para manter aqueles que ele ama seguros. Claro, os pequenos pontos que criam a identidade da franquia ainda estão lá: a introdução com um racha, os planos-detalhe em bundas com mini-shortinhos e takes rápidos de marchas engatando e pés nos aceleradores.
É muito prazeroso ver as brincadeiras entre os pequenos grupos que se formam dentro da família Toretto. Roman e Tej, Hobbs e Deckard (Gibson e Ludacris, Johnson e Statham, respectivamente), são duas duplas dignas de filmes próprios, tamanha a química deles em cena. Assim, as cenas mais sombrias ficam por conta de Diesel e Charlize. Óbvio, não escapam dos chavões, clichês e frases de efeito, mas, mesmo assim, tentam dar certa profundidade a personagens que em essência deveriam ser tão cartunescos quanto os outros.
O diretor, F. Gary Gray, de longe não tem a competência de James Wan (Velozes e Furiosos 7) para o entretenimento, mas com um elenco que atua junto há tanto tempo e uma franquia com identidade tão estabelecida, não há muito a ser feito ou inovado, de sorte que o filme evolui basicamente no automático. As cenas de ação são realmente divertidas; para uma série que já teve carros de paraquedas, perseguições em túneis, em pontes, arrastando cofres gigantes ou de cabeça pra baixo, dessa vez somo levados às ruas engarrafadas e claustrofóbicas de Nova York. Garantia de batidas, capotagens e chuva de carros (sim, chuva de carros).
E se ainda há qualquer dúvida quanto ao entretenimento descabidamente absurdo do filme, pode-se descartá-la quando há uma perseguição envolvendo um submarino ou quando Hobbs desvia um míssil com suas mãos (!!!!).
Se a obra acerta no envolvimentos dos personagens e nas cenas de ação de perseguição, peca na insistência de suas gags. De fato, Roman é conhecido por ser o piadista do grupo, mas dessa vez exageraram em suas tiradas nada espontâneas e previsíveis. Há também uma cena de ação com Statham dentro de um avião que a piada é explorada em demasia, tornando-se cansativa e irritante.
Conformado e inspirado pela galhofa e autopiada, Velozes e Furiosos 8 resolve uma trilogia e dá início a outras tantas, ciente — felizmente — de que tudo pode (e deve) acontecer. Em uma entrevista, Vin Diesel afirmou que gostaria de ver os Furiosos no espaço. Por que não?
Nota: 5/6 (Muito Bom)"
Castelo de Areia
3.2 120 Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"Crítica | Castelo de Areia
Novo filme de guerra da Netflix aposta no minimalismo para se desvencilhar da imagem do herói norte-americano
Dirigido por Fernando Coimbra. Roteiro por Chris Roessner. Com: Nicholas Hoult, Logan Marshall-Green, Glen Powell, Beau Knapp, Neil Brown Jr., Henry Cavill, Navid Nagahban, Nabil Elouahabi, Tommy Flanagan, Sam Spruell.
A Guerra do Iraque, criada pelo então presidente George W. Bush, foi de repente o primeiro dos absurdos do século XXI. Iniciada em 2003, o conflito foi responsável pela morte de mais de três mil soldados. Óbvio, não eram três mil heróis. Eram jovens, com sonhos e projetos interrompidos por uma guerra absurda inventada por um almofadinha. Castelo de Areia faz questão que isso seja entendido.
O enredo engloba o conflito de forma micro e não macro. Na história, o grupo do sargento Harper (Marshall-Green), o qual ansiava pelo retorno, é destacado para uma última missão: reabastecer a água de um vilarejo, cujo estação de tratamento foi atingida por um explosivo. Cientes de que não seria uma tarefa fácil (a milícia local os culpava — com razão — pela explosão), os soldados vão sabendo que nem todos iriam retornar.
Nesse ambiente, vemos o mundo através dos olhos de Matt Ocre (Hoult, em uma atuação muito sólida), o soldado que entrou no exército apenas para ganhar dinheiro para financiar seus estudos. A obra mostra claramente que Ocre é contra o conflito, quando quebra sua própria mão para poder ser enviado para casa. O grupo de soldados é muito heterogêneo, o que facilita o andamento da trama. Chutsky (Powell) é o soldado convencido a odiar o mundo islâmico; Harper comanda-os com compaixão, mas severidade; Burton e Enzo (vividos por Knapp e Neil Brown Jr., respectivamente) chegaram pelo heroísmo e tradição familiar. Syverson (Cavill) destoa dos demais por ser o capitão brucutu, de sorte que fica superficial e caricato.
O elenco todo se envolve com muita facilidade, com especial destaque às atuação de Hoult e Marshall-Green, que estão em tela em praticamente oitenta por cento do tempo do filme. À medida que vão se envolvendo mais e mais com os confrontos, ambos ficam vinculados à guerra, sem mais querer voltar para casa.
O diretor brasileiro, Fernando Coimbra, conduz seu trabalho com maestria. Limitado pelo orçamento reduzido oferecido pela produtora de streaming, Coimbra aposta em cenas menores, sem grandes explosões e membros despedaçados (na sua cara, Mel Gibson). Optando muitas vezes por não mostrar de onde vêm os tiros, o diretor intencionalmente deixa o espectador desconfortável por não saber se os soldados norte-americanos estão conseguindo algum avanço.
Aliás o próprio texto do roteiro é excelente em diversos aspectos. Os soldados sempre deixam claros que não há como confiar nos iraquianos, visto que eles mesmo usam crianças para cometerem atentados. Ainda, ele sempre tenta desconstruir a imagem do herói norte-americano e do islâmico selvagem; há vítimas em ambos os lados, os soldados por serem enviados mesmo não concordando com o confronto, e as pessoas que lá viviam e tiveram seus lares tomados, vendo-se em meio a um campo de batalha. Tamanha a crueldade de algumas cenas que mostram os próprios iraquianos sendo mortos por seus conterrâneos. O ponto mais alto da obra é o diálogo — ainda que breve — entre Ocre e Arif (Elouahabi), enquanto o primeiro vinha da terra da economia liberal, mas precisava pagar pela educação, o outro, invadido, conseguiu os serviços de forma gratuita em seu país.
Castelo de Areia é o típico filme que chegou sem fazer muito rebuliço, mas que vale a pena conferir pelo talento humano que o envolve. É verdade, faltou aparar algumas arestas ou de repente deixar mais clara sua verdadeira intenção. Como suas ideias ficam muito nas entrelinhas, é muito fácil existirem milhares de interpretações para as reais intenções do filme. A única certeza mesmo é o sentimento que o filme passa em seu último suspiro.
Assim como sua missão, a própria guerra é em vão.
Nota: 4/6 (Bom)"
X-Men: Apocalipse
3.5 2,1K Assista AgoraCrítica do Catacrese:
"X-Men: Apocalypse | Crítica
Bryan Singer continua, com todas as forças, tentando salvar a remendada franquia
Dirigido por Bryan Singer. Roteiro por Simon Kinberg. Com: James McAvoy, Michael Fassbender, Jennifer Lawrence, Nicholas Hoult, Oscar Isaac, Rosa Byrne, Evan Peters, Josh Helman, Sophie Turner, Tye Sheridan, Lucas Till, Kodi Smit-McPhee, Ben Hardy, Alexandra Shipp, Lana Condor, Olivia Munn.
Em 2016, o mundo amanheceu debatendo o preconceito racial no cinema. Foi uma semana de movimentos, diálogos e novas resoluções. Tudo passou. Então devemos ignorar. Devemos ignorar que o cinema volitivamente quer reescrever a história sob o viés caucasiano de ser. Vamos negar que, após isso, veio um fracassado Deuses do Egito, que sucumbiu ante essa polêmica, que pareceu que não ia se repetir. Vamos esquecer que isso passou despercebidamente pelos olhares clínicos dos críticos ao redor do globo.
A sequência inicial de X-Men: Apocalypse, em um olhar histórico-sociológico, é digna de pena. Em um Antigo Egito de brancos pintados a ouro e negros fazendo o papel de escravos (olha só! Que novidade!), Apocalypse (Oscar Isaac), o primeiro mutante, surge como se fosse uma divindade. Esquecendo o fato de que o filme encara as pirâmides como se fossem palácios — e não tumbas como de fato eram –, a sequência inicial proporciona ótimas cenas de ação, mostrando uma violência que ainda não havia sido demonstrada em seus predecessores.
Críticas históricas à parte, vamos ao ponto que interessa. Afinal, se fôssemos buscar aprendizado, deveríamos procurar um bom documentário.
O enredo do filme orbita em torno desse mutante. Uma divindade esquecida que acorda milênios depois, querendo retomar o mundo que lhe foi tirado. Partindo dessa premissa, no melhor estilo Michael Bay, o filme usa isso de combustível para seguidas sequências de ação e destruição em massa.
O dinamismo que o filme apresenta faz passar de forma fluida seus 144 minutos. Sem perder muito tempo com histórias e explicações, de forma natural, o filme vai se desenrolando (e ao mesmo tempo se diminuindo) de forma que o argumento usado no início de purificação, vira um mero pretexto pra conquista global. Méritos para o filme.
A nova equipe de mutantes, conhecida dos tempos do desenho animado, é construída com certa naturalidade. À exceção do novo Ciclope (Tye Sheridan), Jean Grey (Sophie Turner) e Noturno (Kodi Smit-McPhee) mostram boa desenvoltura em seus papéis, sendo que esse último, no fim, acaba sendo preterido em relação à primeira, para que ela possa se desenvolver. O problema de Tye Sheridan, de repente, é o fato de ele mostrar um pouco mais de boçalidade do que deveria o futuro líder da equipe.
James McAvoy, como Professor Xavier, e Michael Fassbender, como Magneto, mostram, cada vez mais, a excelência de suas performances. Grandes nomes do cinema, já confortáveis em suas funções. Uma pena que o arco de Magneto esteja ficando cansativo, já que em todos os filmes dessa nova trilogia, ele passe pelos mesmos questionamentos: começa inerte, é provocado a ir para o mal e termina se exilando.
Inegável também a antipatia que se desenvolve por Nicholas Hoult (o Fera) e Jennifer Lawrence (Mística). Em total desrespeito ao cânone, ambos se escondem de sua aparência real, com o roteiro inventando motivos escusos para que os atores possam aparecer mais nas telas, sem toneladas de maquiagem no rosto. Afinal, até que ponto a essência do personagem pode ficar ferida por um capricho de contrato de atuação? Não me lembro de isso acontecer em Dredd, com Karl Urban, ou em V de Vingança, com Hugo Weaving.
Mercúrio, assume de vez um protagonismo merecido e previsto desde o Dias de Um Futuro Esquecido, com mais destaque ainda para Evan Peters. Infelizmente, os trailers prometeram mais de Psylocke (Olivia Munn) do que nos foi entregue, resumindo sua participação a três ou quatro linhas.
Alexandra Shipp, como Tempestade, mostra um ressurgimento muito digno da mutante, com atuação e figurino, mostrando desde cedo seu papel de liderança, que será importante para seu futuro.
É inevitável que se abram várias brechas e vários erros com o enredo do filme passado. Afinal, erros de continuidade são, praticamente, uma sequência lógica quando há volta no tempo. Felizmente, esse filme não possui aqueles finais que requerem nossa boa vontade para esquecer (alguém lembra da Mística como Stryker no fim do filme anterior?).
Claro, existe a dispensável participação de Hugh Jackman, como Wolverine. Saturado como personagem, o filme precisou fazer o dito fan-service para satisfazer as massas que vão às telonas.
X-Men: Apocalypse não é o melhor filme da saga. Aquém de Dias de Um Futuro Esquecido e X-Men 2, este filme faz seu papel de reintroduzir as conhecidas figuras da equipe clássica dos mutantes. Que isso sirva de lição para que o diretor Bryan Singer não abandone o barco como fez em X-Men: Confronto Final, sob pena de entrarmos em um looping de constantes reinícios.
Nota: 3/6 (Regular)"
Guardiões da Galáxia Vol. 2
4.0 1,7K Assista AgoraCrítica SEM SPOILERS do Catacrese:
"Em 2014, uma Marvel já ciente do estrondoso sucesso de seus filmes resolve arriscar ainda mais. Consolidando heróis que até antes de serem lançados eram considerados B (Homem de Ferro, Capitão América, Thor) a empresa resolve apostar as fichas em um grupo de anti-heróis tão desconhecidos que poderiam ser considerados até mesmo de categoria D. Surge, assim, os Guradiões da Galáxia.
Impressionando por seu excelente timing cômico, a imensa harmonia entre os atores que estavam no time e um roteiro que se alinhava ao MCU em momentos pontuais, o primeiro filme foi um sucesso absoluto de público e crítica. Em 2017, Guardiões da Galáxia Vol. 2 não era mais uma aposta; era, sim, um dos filmes mais esperados do ano.
E que filme.
Passados poucos meses após o fim do primeiro (destoando dos demais filmes, que seguiam uma cronologia linear), o filme continua abordando seu principal mote: família – parece que tudo que o Vin Diesel faz envolve família. Na trama, consolidados como famosos mercenários, o grupo começa a ser contratado para fazer diversas tarefas universo afora. Em meio a uma aventura, eles encontram Ego (Russel), o qual alega ser pai de Quill (Pratt).
Ciente de seus pontos fortes e acertos do antecessor, Guardiões da Galáxia Vol. 2 reforça suas características mais evidentes: o humor e a aventura. De início, o a entrada das piadas pode até parecer um pouco forçada, causando certo estranhamento, mas à medida em que o enredo evolui, nos acostumamos com o ritmo ditado pela obra, de forma que as suspeitas iniciais não se justificam.
O elenco inteiro, novamente, atua de forma maravilhosa, com especial destaque a Yondu (Rooker) e Drax (Bautista). Enquanto no primeiro filme ambos sofreram com menos tempo de tela, nesse os dois são os personagens mais carismáticos e cativantes (os diálogos de Drax com Mantis e Youndu com Rocket Racoon são hilários). O elenco original mantém a qualidade que justificou todo seu destaque no passado: Pratt está muito mais espontâneo como Senhor das Estrelas, Saldana parece que é Gamora desde nascença e, até mesmo, Nebulosa tem maior destaque, aprofundando os dramas familiares entre ela e Gamora. Os acréscimos de Stallone (Stakar, com muito mais tempo em tela do que o esperado), Russell (Ego), Klementieff (Mantis) e Debicki (Ayesha) atuam como se já tivessem lá há longa data.
O design de produção, por seu turno, não fica atrás. Mostrando diversos mundos ao longo do filme, o trabalho é muito competente ao diferenciá-los das mais diversas formas. Enquanto os Soberanos, com suas peles douradas, beirando o divino, são frios e calculistas, o planeta de encontro dos mercenários, com suas prostitutas robóticas, lembra um gueto sujo de Hanói ou Bangkok. Aliás, com as diversas raças alienígenas que aparecem, eis aqui o primeiro candidato ao Oscar 2018 de melhor maquiagem.
Toda aura construída remete à década de 80. Desde as referências mais óbvias, como a trilha-sonora, a obra se constrói com várias remissões. As naves dos Soberanos, por exemplo, controladas remotamente, lembram antigo fliperamas onde várias pessoas ansiosas acompanhavam alguém bater algum recorde. O planeta Ego, cheio de cor e vida, lembra as paletas coloridas que marcaram a moda na época (lembram, também, bastante a psicodelia de Doutor Estranho, o que cria uma identidade com esse universo multicolorido).
A direção de James Gunn novamente surpreende por seu total controle do trabalho. Monopolizando direção e roteiro, o diretor não dá ponto sem nó. Até mesmo os easter-eggs e os fan-services escapam da gratuidade, sendo absurdamente provocativos no sentido de nos incitar a criar teorias sobre eventos futuros. Aliás, Gunn é muito competente ao dosar a comédia e o drama em diálogos como Peter e Gamora, Peter e Ego e Gamora e Nebulosa. Nesse momento percebemos que os personagens de fato possuem uma história e, com ela, vem sua carga emocional.
Ao chegar em clímax muito intenso, a obra nos desmonta por não nos deixar preparados para tamanha emoção. Sim, os Guardiões da Galáxia são anti-heróis, mas são mortais, são falíveis. Seu heroísmo vem justamente da qualidade de tentar se superar sempre.
Nisso eles são sensacionais.
E nem falamos do Bebê Groot.
Nota 6/6 (Ótimo)"