Esse foi meu segundo Bunuel. E gostei demais. Diferente de O cão andaluz, aqui existe história organizada e os toques de surrealismo caem bem demais. Diria mesmo que é o que fazem o filme ser ótimo.
O tom me parece de conto de horror/fantástico. O fato deles estarem presos mas sem barreiras concretas, de alguma coisa tirar todos os empregados da casa... O desmoronamento da etiqueta, educação e cordialidade. O crescimento do irracionalismo... Tudo muito bem trabalhado!
Apesar de os muito personagens atrapalharem um pouco memorizar cada um deles, o que deixa o filme em alguns momentos confuso. A câmera do Bunuel desliza de forma fluída, rápida, mas organizada. As atuações são ao mesmo tempo teatralizadas e extremamente convincentes, acho que o roteiro e a direção ajudam nisso. É um filme que serve de ensaio antropológico/psicológico/comportamental. Tem tanto a dizer que pede que voltemos a ele mais de uma vez.
O sétimo continente, do Haneke, é um filme seco e duro. E demora - um pouco demais, inclusive - a deixar nítida suas intenções. Vemos uma monotonia banal na vida de uma família nuclear com mãe, pai e filhinha. E essa monotonia se expressa nos cortes secos, na câmera focando nos objetos e nas atividades, e não nas pessoas.
Eles tem seus problemas com um irmão da mulher depressivo e empecilhos no trabalho, mas aparentemente está tudo normal. Bom emprego, boa renda, possibilidade de promoção do marido. Enfim... Mas a rotina vai reforçando o vazio de suas existências, e pistas vão sendo dadas da falta de sentido em suas vidas, inclusive da criança, que gostaria de ser cega para ter atenção e carinho.
Até que a família toma uma resolução e você acompanha, dramaticamente, por cerca de 40min o desenrolar dessa resolução. O título do filme é corajosamente sugestivo e as atuações da mulher e da filha são muito boas. Passam o drama da solidão e do vazio e o desespero por busca de uma vida com significado.
Ótimo filme. Curto, 75min. Faroeste, com Henry Fonda muito bem, como sempre, Cortes e montagem secos, ótimos diálogos e um tema único: justiça com as próprias mãos. Em alguns aspectos lembra o 12 homens e uma sentença, inclusive.
Chega no povoado a noticia de que um fazendeiro havia sido morto e seu gado roubado. Um grupo começa a se formar para capturar e enforcar sumariamente os responsáveis. Desde o início já se percebe o antagonismo entre os defensores da justiça com as próprias mãos e os defensores de um julgamento formal justo. E o enfoque do filme é todo nisso. E ele desenvolve isso muito bem, apesar de não desenvolver tão bem os personagens.
O filme chega a ser bastante previsível. Além disso os personagens são totalmente unidimensionais. E há uma pequena passagem com um par romântico do Henry Fonda bem desnecessária. Mas o filme debate sua ideia bem. E em tempos de volta a esse discurso eleitoreiro barato e protofascista de “cidadão de bem”, é um filme necessário, nos EUA, no Brasil e no mundo.
Dias de Ira (1943) se passa na Europa medieval da caça às bruxas e foca nos dilemas éticos e passionais de um reverendo, sua jovem esposa e seu filho. Com direção discreta, poucas ambientações e personagens, além de atuações carregadas, o filme é bastante teatralizado.
O mote inicial: da caça e execução de uma bruxa, e o dilema que isso gera no reverendo (Que esconde uma informação sobre a mãe de sua esposa ser bruxa para protegê-la) e em sua esposa (que se questiona sobre a possibilidade de ser bruxa) são interessantíssimos. Possibilitam ótimas reflexões para nossos pontos de vista contemporâneos e ainda parece um drama bem verossímil no contexto em que está inserido.
No segundo ato o filme descamba pra um conflito romântico mais previsível e menos interessante. O ponto alto são as reflexões da esposa sobre sua condição subalternizada. E o ponto baixo pra mim, além do romance em si, é o caminho do fantástico que o filme segue.
O último ato desenvolve maravilhosamente os rumos não tão interessantes que tinham sido seguidos, dando um desfecho impactante e que encerra o filme revigorado.
O filme tem seu foco na vida difícil de sua protagonista, interpretada com muita complexidade pela Isabelle Huppert. Que cuida dos dois filhos com muita dificuldade na França ocupada em plena II Guerra Mundial e tem um marido que não ama recém chegado da guerra, esse marido tem dificuldade em arrumar e manter empregos, por sua fragilidade.
A protagonista, Marie, tem que lidar com a fome, com a condição insalubre de sua moradia, com seus sonhos – como o de ser cantora, por exemplo - frustrados por conta do casamento e dos filhos, com os problemas gerados pela ocupação nazista, com uma amiga sua judia tendo sido levada, além das demandas dos filhos e do marido que não quer perto de si. São temas que cada qual já valeria um filme, mas todos influenciam nas ações de Marie, que envereda por decisões questionáveis legal e moralmente, sempre numa corda bamba entre, por um lado, a possibilidade de uma vida mais confortável e a possível realização de seus sonhos, e por outro as dúvidas éticas e morais sobre suas ações. Além dos efeitos negativos das suas ações sobre as pessoas com quem convive, em especial o marido e os filhos.
Apesar do filme não focar apenas na questão da maternidade, de forma acertada, já que essa mulher tem outros problemas, sonhos e dramas que vão para além da sua condição de mãe, é sensível o suficiente para mostrar a relação de cuidado e amor dela com os filhos, apesar das suas negligencias e falhas, principalmente quando vai se enveredando mais nas consequências das suas escolhas. Junte-se a isso todo o debate que Marie tem ao longo do filme sobre abortos, que vão desde as acusações por parte de uma cristã vítima de uma tragédia relacionada ao assunto, até uma conversa franca com uma amiga prostituta que entende perfeitamente os dramas de uma mulher que não se relaciona bem com a maternidade.
No final o filme mostra o quanto assuntos caros as mulheres, e sobre mulheres, são feitos e decididos por homens em nossas sociedades, seja na França sequestrada pelo nazismo, seja nos nossos dias.
A direção e as atuações são muito competentes, o roteiro é fantástico, apesar de não funcionar muito bem quando sai de Marie e aposta em cenas desnecessárias, que nada dizem ou acrescentam e cujos personagens logo mais desaparecem da história. Em dado momento aparece uns poucos momentos de narração que para mim também poderiam ser facilmente retirados. No mais, o filme é incrível, profundo e necessário.
Acho que a melhor forma de descrever esse filme é: surpreendente!
Cada cena é uma grande quebra de expectativa em relação a anterior, e aos rumos convenientes que você acha que o filme vai tomar. Lembrei-me dos filmes do Almodóvar, que costumam ter esse mesma característica (além, obviamente, de que esse filme também é espanhol).
O filme foge do drama clássico que parece ser nos seus primeiros momentos e se entrelaça com uma outra história, que por sua vez se entrelaça com outra. Assim como na vida, as ações de uma pessoa, por mais que justificadas por conta da situação tragica que vive, incidem incontornavelmente na vida de outra pessoa, que não serve só de coadjuvante da principal, mas que também tem uma história, desejos, frustrações, angústias...
É uma direção primorosa, que se mostra pouco e preza por planos mais longos, por uma fotografia clara, poucos movimentos de câmera, privilegiando o papel dos cortes e do roteiro, que é talvez o ponto mais forte.
Há um pano de fundo de crise espanhola interessantissimo, que é trazido a tona seja por diálogos, seja por referências mais sutis (a constituição espanhola que ninguém pega na Biblioteca). Aliás, a direção também tem algumas dessas referências visuais interessantes, como uma peça que falta no quebra-cabeça de determinado personagem, assim como tem algo que falta para sua realização pessoal...
É um filme que se pretende, pela direção e roteiro, realista, e consegue, sendo em muitos momentos cruel, e em alguns momentos belo, como a vida mesma.
O filme, em P&B, é um deslumbre visual como poucos que já vi, mesmo que acompanhando de muito perto seus personagens, tendo super closes constantes, continuamos a ver frames que um atrás do outro poderiam ser facilmente emoldurados. Passam daí a imagens panorâmicas magnificas. Com essas variações a linguagem cinematográfica nos antecipa desde já o tema central do filme: o homem x a natureza. Nesse sentido lembra o recente O regresso, do Inarritu. Mas as semelhanças param por aí, já que no filme do Kalatozov esse homem é apresentado como coletivo, são quatro expedicionários que buscam diamantes numa floresta na Sibéria.
Dizer que esse homem x natureza é visto sempre como coletivo não quer dizer em absoluto que o roteiro não trabalhe a individualidade dos seus personagens, elas são relativamente bem desenvolvidas, seja nas cartas do líder do grupo a sua esposa; seja no amor do casal jovem de geólogos, seja no amor um tanto bruto e desacreditado do guia pela única moça da equipe. A diferença, nesse filme, é que essa individualidade não se impõe frente ao objetivo comum do grupo (achar diamantes e sair da floresta).
Nesse tema central o filme se sai com perfeição, seja nas passagens de panorâmicas pra close ups, seja na passagem de sons diegéticos para não-diegéticos e vice-versa. Tudo ajudando a criar o clima de relação tensa entre o grupo e a natureza. Sei que para nossa avaliação cínica dos dias atuais, o nível de entrega a um objetivo coletivo (em nenhum momento eles deixam de falar das suas aspirações individuais, é importante ressaltar) pode soar piegas ou falso, mas sinceramente me pergunto se esse é um problema do filme ou dos valores que nos cercam atualmente.
Por fim, aponto o que considerei pequenos problemas. Acredito que o filme peca ao não mudar o tom grandiloquente quando trata das questões mais pessoais de seus personagens. Eu comentei acima que no roteiro as individualidades são respeitadas, mas acho que na direção deveria ter uma mudança de tom, principalmente pensando na trilha sonora. Penso ainda que por conta disso nosso envolvimento com os personagens não seja o que deveria ser, o que me tirou um bocado do filme.
O filme traz perfeitamente o que para mim são duas das principais qualidades do cinema iraniano:
a) situações (e consequências) cotidianas simples e plenamente críveis mas, ao mesmo tempo, que expressam uma simbologia universal. Ou seja, a partir daquelas situações podemos debater as grandes questões filosóficas e sociais do nosso tempo (E não situações exclusivas daquela realidade machista e autoritária, como costumam comentar os críticos ocidentais que acham que nossa sociedade está livre desses problemas). É por isso que, a meu ver, nos flagramos extremamente aflitos por questões muito banais dos personagens desses filmes, como o horário que Hava tem que chegar em casa ou o perigo das compras de Hoora serem roubadas ou danificadas.
b) Um realismo que não cai necessariamente em niilismo, em descrença com a humanidade, o que costuma ser comum nas melhores obras hollywoodianas e dos países desenvolvidos em geral. E acho que isso faz com que nós fiquemos felizes, apesar de também ficarmos com o coração um pouco apertado, ou, pelo contrário, como na história de Ahoo, ficarmos tristes, mas ainda com um fio de esperança.
Dito isso, vamos ao filme em si. O dia em que me tornei mulher é de 2000 e nos mostra três fabulas de “mulheres”. A primeira, Hava, uma criança, completa aniversário, tem que começar a usar véu e não pode mais brincar com seu amigo; a segunda, Ahoo, participa de uma competição de ciclismo e é perseguida por seu marido e todos os homens do seu convívio; a terceira, Hoora, é uma idosa que finalmente pode comprar tudo o que sempre sonhou.
São três mulheres que passam por momentos decisivos de suas vidas, momentos esses influenciados diretamente pelas determinações impostas socialmente às mulheres. É lindo a forma como elas lidam com seus desejos, desejos bem simples, e os impeditivos que se colocam para sua realização. Facilmente nos colocamos torcendo fervorosamente por elas.
As metáforas visuais e sonoras do filme são outro ponto de destaque: Só alguns exemplos, na história de Hava temos o meio-dia representando a idade de transição da criança e as proibições que ela terá daí em diante, e temos o véu usado como vela, como forma de “navegar no mar da vida”; na história de Ahoo temos a estrada e a bicicleta como desafio de andar por conta própria e como quiser, e o marido, pai e avô andando de cavalo, sem esforço, e querendo impedi-la; Na história de Hoora, a idosa, temos as compras domesticas e a vontade de adotar uma criança (branca, de preferência) como realização e também mostrando os limites dos sonhos daquela senhora. Em todas as histórias tem-se o mar como ambiente que se impõe, seja para brincar, para percorrer pelas margens ou finalmente para enfrenta-lo... São só alguns exemplos que pude perceber.
A direção é precisa e direta, mas também poética (o fim da segunda história é pra mim a melhor demonstração disso!). O entrelaçamento das histórias é a cereja do bolo da perfeição. O filme me parece irretocável, entra com certeza para os meus preferidos.
São raros os filmes que, ao acabarem, eu sinta a sensação de ter visto uma obra irretocável. Elefante, do Gus Van Sant, é desses. Que filme!
Comecei sem saber de nada mesmo do enredo, gosto de fazer isso, mesmo que em alguns casos se tenha um pequeno prejuízo. Não nesse. E acho que por conta do tom da direção, que nos faz acompanhar uma série de estudantes na sua ida para a aula ou já na escola, a câmera acompanha de muito próximo esses personagens, com muitos planos longos ou planos sequencia, sem contanto se parecer com uma câmera subjetiva. Ou seja, acompanhamos como se estivéssemos seguindo furtivamente esses adolescentes, e a curiosidade de quem pode acompanhar muito de perto a suas vidas nos carrega no primeiro ato.
Apesar disso, ainda podemos encontrar elementos cinematográficos que nos dizem da movimentação interior, subjetiva, dessas pessoas, a trilha sonora que inicia quando aparece cada personagem, o jogo de foco e desfoco da câmera, a atenção dada ou não as pessoas e lugares por onde os personagens passam etc. Tudo isso varia quando acompanhamos cada um deles, nos ajudando a entender seu estado de espírito. Ainda sobre a linguagem cinematográfica, vale uma menção especial sobre a não-linearidade do roteiro, que foge do clichê de aparecer como plot twist, como virada sensacionalista da trama, e é colocado (e revelado) de forma muito mais orgânica, parecendo mesmo uma escolha “óbvia” por conta da opção do roteiro de apresentar personagem por personagem.
Quanto ao assunto em si da história, vale destaque para a forma não moralista que o filme nos apresenta a questão (também não caindo no extremo oposto, de justificação ou banalização do ocorrido). E, nos mostrando a complexidade da situação, é um auxílio e tanto para ajudar a entendê-la . O filme é uma visita a uma escola, guiada pelos estudantes dessa escola, num dia muito específico (não vou dar outros adjetivos para não decepcionar quem quiser assistir sem nada saber, como eu). É uma escolha de abordagem do tema interessantíssima. Recomendo muito.
Achei um filme muito legal. Tava esperando um filme muito sério, mas não!, ele é bem engraçado. Inclusive, quando sai do tom engraçado, fica menos interessante.
Fellini satiriza todo o conjunto de pessoas ao redor da produção cinematográfica, o roteirista que se acha intelectual demais; o produtor com medo do fracasso do filme; a atriz musa; e principalmente o diretor, que é satirizado tanto no seu bloqueio de inspiração quanto na vida pessoal...
O roteiro que mistura realidade, fantasia (as cenas em que ele começa a fantasiar saídas boas pros problemas que ele tá passando foram as minhas preferidas!) e memórias acho que reflete bem o estado de espírito do protagonista, sem ficar confuso em nenhum momento.
Apesar de aparecerem vários temas sérios e diálogos ditos profundos, me pareceu ser um filme bem despretensioso... Às vezes essa aura de clássico cria expectativas que não condizem com a proposta do filme...
Em certa altura do filme, que tem algumas narrações em off, o diretor nos diz que aquilo que estamos vendo são apenas imagens, não memórias. Já que “As memórias se vão. As imagens estão aí, e elas são reais”. Acho que isso simboliza bem o filme, que é um arranjo de imagens em película que o diretor acumulou durante sua vida, desde a década de 1950 pelo menos, e que agora – o filme é de 2012 – resolveu utilizar em um filme, o seu último.
Juntam-se a essas imagens alguns trechos de diários seus, que tratam desde questões bem específicas do cotidiano até questões filosóficas, desde lembranças e acontecidos bem pessoais até questões generalistas. Entram também no filme cenas do diretor manuseando sua câmera e películas, além dos seus comentários em off, discorrendo sobre as semelhanças e particularidades da vida e do ofício de um cineasta.
Não é a toa que o diretor precisa nos dizer que aquilo são imagens e não memórias, já que o filme tem uma aura de memórias muito grande. Desde o início, em outro comentário do diretor, sabemos que aquelas cenas não seguem uma lógica entre si, a não ser para o próprio diretor e alguns poucos amigos seus, os trechos de diários ou comentários, tampouco. Há algumas repetições de trechos, de comentários ou vez ou outra alguma relação entre as cenas, os trechos e os comentários, mas nada que siga uma lógica contínua.
Bem, eu não conhecia o diretor ou sua obra, fiquei me perguntando se, caso conhecesse, o meu interesse aumentaria, ou se conseguiria perceber referências a outros filmes, estilo, declarações ou acontecimentos da vida do diretor.
O primeiro terço do filme foi bem duro pra mim, cansativo mesmo, apesar de estar achando interessante o que vinha sendo colocado por cenas, trechos do diário ou comentários. Na continuidade o filme foi melhorando, ao ponto de se tornar bem fluido no final. Fiquei com a impressão de que deveria ter entre 30 e 40 minutos de duração, e não os 68 minutos que possui, acho que mesmo com um terço a menos o filme conseguiria nos passar suas lindas imagens, as reflexões, grandes e pequenas, e a atmosfera de despedida que o circunda.
Cidadão Kane é maravilhoso mesmo! O resumo que ele faz do Kane nos primeiros minutos, pra depois focar em questões mais subjetivas, sem se preocupar em explicar o básico; A forma de investigação que prende nossa atenção, já que o filme não procura glamourizar o protagonista e mostra desde sempre ele como alguém bastante antipatico; Os pontos de vista... Em termos de história e roteiros é tudo muito bom, mas dá pra entender que ta direção e nas inovações de linguagem o porque dele entrar pra história. É um filme muito bonito e complexo visualmente, a gente nota nele essa mistura de caracteristicas "clássicas" e "modernas".
“Tenho certeza que há duas coisas na vida que são dignas de confiança: os prazeres da carne e os prazeres da literatura. Eu tive a grande sorte de desfrutar dessas duas coisas da mesma forma”. Essa frase, dita pela narradora-protagonista, acho que resume bem o tema do filme. E como se pode ver, que tema!
Além disso, a forma encontrada pelo diretor de contar sua história, a linguagem cinematográfica, é quase tão inventiva quanto a da sua personagem, Nagiko, de escrever seus livros. O filme quase todo é contado em uma tela pequena dentro de outra grande. Eu, particularmente, achei um recurso interessante, mas usado à exaustão, o que fez com que em vários momentos atrapalhasse mais do que ajudasse a narrativa.
O filme é a vida de Nagiko, desde sua infância até uma determinada idade. Mas não numa cronologia linear, desde o início do filme acompanhamos a cronologia linear permeada tanto por momentos do futuro dela quanto por demonstrações visuais do que Nagiko lia (ou ouvia, quando pequena) do Livro de cabeceira, livro milenar cuja escritora tinha o seu mesmo primeiro nome.
Acompanhar a infância da personagem é importante pra entender seu percurso, mas também e principalmente pra entender sua forma de pensar e sentir. Faz com que a gente entenda um pouco melhor sua paixão pelos dois prazeres descritos acima.
Se a linguagem é muito inventiva, a estrutura do roteiro é bem tradicional, inclusive marca a divisão de cada ato com um incêndio, o que ficou bonito narrativamente. Gostei bem mais do filme até o segundo incêndio, até aí o filme (e a protagonista!) é muito sensual, imprevisível, com a protagonista sempre buscando compreender suas paixões e seus desejos, meio que a sua razão de viver, seu objetivo... a terceira parte pra mim, pelo menos, foi um balde de água fria, com um desenvolvimento bem desinteressante. Mas, como que pra compensar, os minutos finais voltam à relação de Nagiko com sua infância e suas paixões, e fecham magistralmente o filme.
A temática é instigante e importante; tem umas cenas muito boas, memoráveis mesmo!; a ideia de misturar gêneros é interessantíssima também... Mas não gostei da execução. Acho que a escolha da ficção científica foi ruim, e o roteiro deixou de desenvolver a parte de documentário melhor... É muito bem feito, com uma fotografia bonita e parte dos depoimentos marcantes, é impressionante nesse sentido, sobretudo por ser um filme independente. Apesar de no geral eu não ter gostado da narrativa, ainda indico, e acho que vale muito a pena assistir. Sobretudo pelo cotidiano e pelos depoimentos documentais.
Rashomon me parece um estudo sobre contar histórias: diferentes versões; e as razões para as mentiras as vezes são explicitadas por algum outro personagem, outras vezes ficam subentendidas; vale ressaltar ainda a forma como as versões em alguns aspectos se complementam, e em outros se contradizem... E apesar de tudo isso, e do filme não entregar uma verdade, a gente sabe que ela existe, que o assassinato foi cometido de uma única forma, e que o mais provável é que essa forma não tenha sido narrada por nenhuma das versões.
Nas cenas da narração, entra ainda um outro debate, mais profundo, sobre o posicionamento filosófico de quem conta a história, e isso se dá nos diálogos sobre se devemos acreditar ou não na humanidade. Ou seja, existem histórias que apresentam uma visão idílica sobre a bondade do ser humano e outras que apresentam uma descrença cínica, niilista. E a realidade, a verdade, não se encaixa perfeitamente em nenhuma das duas fórmulas.
Sobre o filme em si, não dá pra não mencionar a beleza da fotografia, dos enquadramentos e das movimentações de câmera da direção de Kurosawa, que variam conforme a versão da história que está sendo contada, além das atuações soberbas, com destaque pra Mifune e Machiko Kyō.
Tô muito surpreendido positivamente. Drama com premissa excelente: inteligente e poética! Além disso, o filme tem mais momentos engraçados do que a maioria dos filmes que o povo do Porta dos Fundos se mete! Apesar de a alegoria ficar exaustivamente explicada no desenvolver do filme, mesmo assim tem coisas bem interessantes no desenvolvimento. Só o final que me incomodou um bocado, mas, de qualquer forma, grata surpresa!
Ninfomaníaca V.I trata da vida de Joe, da infância à vida de jovem adulta. O erotismo e o sexo são centrais na vida dela, e portanto tem grande espaço no filme, mas não diria que o filme é sobre isso, ou mesmo que foque isso como central, o central, ao meu ver, é como esse transtorno moldou a personalidade e as decisões de Joe, e como influencia na sua vida. Nesse sentido as cenas de sexo cumprem diferentes funções na narrativa, e a gente as vê mais ou menos com o mesmo sentimento de Joe no momento: A frustração da primeira vez; o foco no poder que o sexo dá, e não no prazer dele mesmo, no caso da brincadeira do trem; o prazer do sexo já adulto, sem ressentimento; sexos vazios que angustiam, etc... Nesse sentido tem cenas de sexo que são secas, outras maravilhosas, e outras angustiantes, todas cumprindo seu papel narrativo. E acho muito rica a forma como nos é mostrado como o sexo na vida de Joe é um prazer que atormenta, ou um tormento prazeroso. E a gente sente o prazer e o tormento junto com ela (guardadas as devidas proporções! Rs)
O papel de Seligman no filme é interessante porque é uma tentativa de análise (leiga, diga-se de passagem) da história da protagonista que ajuda a não moralizar a narrativa, a despeito da autopenitencia que Joe sempre tenta incutir na sua narração. Ele e suas conversas cultas e aleatória, a meu ver, ajudam a incutir veracidade ao filme, ao mesmo tempo que servem de ponto de partida e encorajamento para Joe dividir sua vida com ele – e conosco. Em compensação, ele é um facilitador de narrativa, se por um lado é bom que ele retire o moralismo da autoavaliação de Joe, por outro lado ele explicitar que ela é uma narradora não confiável e falar as indagações que nós, espectadores, estamos fazendo (ou não), acho que mastiga demais as informações para o público (Machado não nos diz que Bentinho não é um narrador confiável, e isso torna os debates em torno de Dom Casmurro muito mais ricos).
A câmera é manuseada de uma forma interessante, passeando de planos mais fechados - que focam em detalhes que também estão sendo realçados na narrativa – para planos mais abertos e de novo para planos fechados, focando no que é essencial, como um observador que está presente em todas as cenas e direciona seu olhar a partir da narração. Eu, particularmente, não gostei do uso excessivo de recursos narrativos artificiais, como as numerações, as cenas de pescaria e etc. Eu preferiria ver a atuação dos atores ao falar daquelas coisas. Mais isso é um pequeno detalhe, gostei muito do filme.
Quando se discute cinema e mesmo artes em geral, sempre aparece o debate sobre compreender racionalmente a obra x sentir a obra. Tenho problemas com essa dicotomia, tanto com aquelas obras complexas e profundas que pouco ou nada nos fazem sentir quanto o inverso, com as obras que se propõe serem "sentidas e não entendidas". O menino e o mundo é um filme pra ser entendido e discutido cena a cena, assim como pra ser sentido, com sua beleza e fluidez. Ele se equilibra como poucos na balança entre a forma e o conteúdo. E ao final nos deixa maravilhados e pensativos.
O filme tem o ar característico de comédia britânica acida. Se passa em um momento de intensa crise econômica em que o Governo adota medidas privatizantes (rima perfeitamente com o momento político e econômico que começamos a experimentar no Brasil atualmente!). Não sei se em algum momento o filme referiu-se à época, mas parece muito que se passa nos primeiros anos dos Governos Thatcher.
Bem, voltando à história, o protagonista se vê impactado por essa conjuntura ao pertencer a primeira leva de demissões, por ser estrangeiro (Francês), e com o resto de sua vida já era vazia e solitária, opta pelo suicídio, que não consegue cometer, aí vai atrás de ajuda profissional, desencadeando uma série de acontecimentos meio nonsense.
O ritmo do filme, a movimentação da câmera e a montagem não são nada sutis, no entanto são bastante objetivas, focam no que querem mostrar. Nesse sentido combinam com a personalidade do protagonista, não muito inteligente nem sociável, mas bem objetivo em suas decisões e ações. O assassino, mais inteligente, também possui as mesmas características: introspectivo e objetivo.
Há ainda um envolvimento amoroso que destoa dos demais personagens principais, por sua eloquência e pela vivacidade. E a música é constantemente usada pra realçar essas características da personagem, assim como as mudanças interiores do protagonista.
O filme tem momentos engraçados e outros divertidos, pra quem gosta desse estilo de humor “britânico”. Além disso se insere num contexto também interessante, numa espécie de submundo de uma Londres em crise, que a fotografia “suja” ajuda a reforçar.
Acho que pra me cativar mais faltou que o protagonista passasse maior empatia, mesmo com essas características acredito que poderia ter sido construído de uma forma que nós nos importássemos mais com seu destino.
O mesmo amor, a mesma chuva, assim como o ganhador de Oscar do mesmo direitor, trás uma belíssima história de amor que não existe à parte da vida, mas que se insere e muito bem nos problemas cotidianos e nos dilemas morais e éticos dos protagonistas.
Tem um roteiro muito bem amarrado que tem como pano de fundo a história recente da Argentina, os dilemas morais e éticos do protagonista passam pelas questões políticas do país, mas também pelas responsabilidades pessoais com seus amigos, pela liberdade criativa, pelos rumos que leva a sua carreira, e no meio disso tudo pelas escolhas amorosas.
Diferente dos filmes de romance, que costumam descartar os problemas da vida real, Juan José Campanella insere seu romance em histórias de vida críveis, em dilemas éticos profundos, e isso, longe de deixar o romance menos romântico, realça e reforça a beleza do romance que nos é mostrado. Filme espetacular!
Ele conta a história de uma idosa (de idade já bastante avançada) que mora sozinha em um casarão antigo com seu cachorro (Que é um personagem importante!) e que está sempre esperando a visita e o telefonema do seu filho... A fotografia em preto e branco é belíssima e ajuda nesse clima de avaliação do passado e relação conflituosa da protagonista com o presente. Vale destacar também os traços distorcidos que a fotografia assume nas cenas de recordação da protagonista. O filme é bastante competente em nos fazer ter empatia com a protagonista e nos mostrar a sua visão do presente, seu apego com o passado e tudo que a mantem junto das suas lembranças, como a casa, o terreno, os objetos e o próprio filho. O filme é também sobre uma idosa completamente sã que por diversas vezes é tratada como se não fosse uma pessoa com condições de falar por si mesma, e, por fim, é sobre solidão na velhice. Acho que é desnecessário falar sobre a trama que movimenta o filme, ela é boa, mas o que, pelo menos a mim, cativa de fato é a perspectiva da idosa sobre tudo o que está acontecendo. Em muitos aspectos o filme me lembrou o filme Aquarius, não sei se o Mendonça Filho foi influenciado por ele, mas os dois filmes guardam grandes semelhanças entre si... Tem dois aspectos no filme que considero pontos fracos, pois desnecessários, a trilha sonora que parece querer induzir o espectador a determinados sentimentos, sendo que o roteiro por si só já é bem competente nesse sentido e determinadas falas da protagonista que também achei desnecessárias, pois expositivas, sendo que a atuação da protagonista dá um show e nas suas expressões já se liam o que ela dizia... Mas esses pontos fracos que apontei são muito pequenos, e o filme é belíssimo e emocionante.
Bergman é muito competente ao retratar um momento histórico (da Republica de Weimar) sem perder o controle ou desmerecer a história específica que está contando. Os momentos de narração do filme são exclusivamente para nos situar sobre a conjuntura socioeconômica e cultural da Alemanha em 1922, e como essa crise vai se manifestando em cada dia em que o filme se passa. O plano de fundo do filme nos mostra um pouco mais da forma como as pessoas estavam vivendo e sobrevivendo a esses dias de crise acentuada, com grupos paramilitares atacando judeus; com uma brutal crise econômica e de desemprego que gerava o caos; com o fortalecimento de um nacionalismo xenófobo que vai servir de base para a posterior ascensão do Nazismo, mas também do sentimento de derrota da Primeira Guerra; com a tentativa de golpe de estado fracassada de Hitler... Já a história do filme em si trabalha a inserção do protagonista - americano e judeu - nessa conjuntura, tendo de lidar com a morte do irmão e reaproximando-se da cunhada. Carradine e Ullmann a meu ver estão muito bem, com destaque pra ela. Aqui tem uma complexidade incrível, que consegue trabalhar os impactos dessa conjuntura de crise na subjetividade dos personagens principais. Ressalta-se constantemente no filme o clima de medo e de falta de perspectiva de futuro que essa conjunção de crises causava nas pessoas. Não como um sentimento individual apenas, mas social, generalizado. E nos dois protagonistas vemos como esse sentimento se desenvolve com as suas singularidades... E aí considero acertada a decisão do roteiro de focar em protagonistas com pouco ou nenhum entendimento das questões políticas que incidiam muito diretamente em suas vidas. Acho que é impossível não passar pela cabeça a atualidade do tema e como o filme nos ajuda a enxergar melhor fenômenos que tem acontecido atualmente, com o retorno de movimentações de cunho fascistizantes, ódio a grupos específicos, xenofobia, nacionalismo chauvinista e etc. Mesmo que se deva considerar as particularidades daquele momento histórico e espaço geográfico, acho que para nós é fundamental ver e entender para além das as experiências nazifascistas consolidadas, mas também a sua germinação, o avo da serpente.
A forma como o roteiro faz com que o protagonista lide com a descoberta dos experimentos com humanos que havia na clínica é também muito boa. O protagonista não se enverada numa perseguição aos vilões ou numa investigação em que nada mais importa, suas condições objetivas e seus problemas psicológicos não permitiriam isso e o filme perderia em densidade. A forma como as descobertas vão sendo feitas quando seus problemas pessoais “esbarram” nos segredos da clínica a meu ver ficou muito boa. Em algum momento no final fiquei muito preocupado achando que o filme iria justificar toda a perturbação psicológica do protagonista e da cunhada, como se fossem causadas por um experimento da clínica. Justamente porque para mim essa relação entre a crise no país e a forma como os indivíduos a vivem e reagem psicologicamente à ela é o ponto forte do filme. Mas aí o doutor diz que não foram feitos experimentos com eles e deixa pelo menos a dúvida sobre o que aconteceu... Para mim o maior problema do filme é o monologo do doutor no final, não pela atuação, excelente por sinal, mas pelo texto. Me pareceu uma avaliação do nazismo feita por alguém que já passou daquele momento histórico, mas como o doutor está em 1922, pareceu um exercício de futurologia que me tirou muito da imersão no filme. Por fim um pequeno destaque paro momento da Igreja e paras declarações do Padre, ressaltando, mesmo que apenas nessa cena, a característica sensação de “ausência de Deus” tão comum ao Bergman.
Lendo as críticas de O apartamento, assim como as de A separação, tenho ficado com a impressão de que a galera não consegue deixar de lado o preconceito com o mundo não ociedental, oh... Quase todas as críticas destacam que os filmes dele mostram a cultura conservadora, religiosa, machista e etc do Irã... Sendo que os filmes dele poderiam se passar no ocidente e manter todos os temas e todo o desenvolvimento DO MESMO JEITO! NÃO MUDARIA NADA de essencial se se passasse no Brasil, na Europa ou nos EUA! Eu fiquei com a impressão contrária, de que os filmes dele mostram que a gente é mais parecido do que os ocidentais querem acreditar!
O Anjo Exterminador
4.3 376 Assista AgoraEsse foi meu segundo Bunuel. E gostei demais. Diferente de O cão andaluz, aqui existe história organizada e os toques de surrealismo caem bem demais. Diria mesmo que é o que fazem o filme ser ótimo.
O tom me parece de conto de horror/fantástico.
O fato deles estarem presos mas sem barreiras concretas, de alguma coisa tirar todos os empregados da casa... O desmoronamento da etiqueta, educação e cordialidade. O crescimento do irracionalismo... Tudo muito bem trabalhado!
Apesar de os muito personagens atrapalharem um pouco memorizar cada um deles, o que deixa o filme em alguns momentos confuso. A câmera do Bunuel desliza de forma fluída, rápida, mas organizada.
As atuações são ao mesmo tempo teatralizadas e extremamente convincentes, acho que o roteiro e a direção ajudam nisso. É um filme que serve de ensaio antropológico/psicológico/comportamental. Tem tanto a dizer que pede que voltemos a ele mais de uma vez.
O Sétimo Continente
4.0 174 Assista AgoraO sétimo continente, do Haneke, é um filme seco e duro. E demora - um pouco demais, inclusive - a deixar nítida suas intenções. Vemos uma monotonia banal na vida de uma família nuclear com mãe, pai e filhinha. E essa monotonia se expressa nos cortes secos, na câmera focando nos objetos e nas atividades, e não nas pessoas.
Eles tem seus problemas com um irmão da mulher depressivo e empecilhos no trabalho, mas aparentemente está tudo normal. Bom emprego, boa renda, possibilidade de promoção do marido. Enfim...
Mas a rotina vai reforçando o vazio de suas existências, e pistas vão sendo dadas da falta de sentido em suas vidas, inclusive da criança, que gostaria de ser cega para ter atenção e carinho.
Até que a família toma uma resolução e você acompanha, dramaticamente, por cerca de 40min o desenrolar dessa resolução. O título do filme é corajosamente sugestivo e as atuações da mulher e da filha são muito boas.
Passam o drama da solidão e do vazio e o desespero por busca de uma vida com significado.
Consciências Mortas
4.2 72Ótimo filme. Curto, 75min. Faroeste, com Henry Fonda muito bem, como sempre, Cortes e montagem secos, ótimos diálogos e um tema único: justiça com as próprias mãos. Em alguns aspectos lembra o 12 homens e uma sentença, inclusive.
Chega no povoado a noticia de que um fazendeiro havia sido morto e seu gado roubado. Um grupo começa a se formar para capturar e enforcar sumariamente os responsáveis. Desde o início já se percebe o antagonismo entre os defensores da justiça com as próprias mãos e os defensores de um julgamento formal justo. E o enfoque do filme é todo nisso. E ele desenvolve isso muito bem, apesar de não desenvolver tão bem os personagens.
O filme chega a ser bastante previsível. Além disso os personagens são totalmente unidimensionais. E há uma pequena passagem com um par romântico do Henry Fonda bem desnecessária. Mas o filme debate sua ideia bem. E em tempos de volta a esse discurso eleitoreiro barato e protofascista de “cidadão de bem”, é um filme necessário, nos EUA, no Brasil e no mundo.
Dias de Ira
4.3 37Dias de Ira (1943) se passa na Europa medieval da caça às bruxas e foca nos dilemas éticos e passionais de um reverendo, sua jovem esposa e seu filho. Com direção discreta, poucas ambientações e personagens, além de atuações carregadas, o filme é bastante teatralizado.
O mote inicial: da caça e execução de uma bruxa, e o dilema que isso gera no reverendo (Que esconde uma informação sobre a mãe de sua esposa ser bruxa para protegê-la) e em sua esposa (que se questiona sobre a possibilidade de ser bruxa) são interessantíssimos. Possibilitam ótimas reflexões para nossos pontos de vista contemporâneos e ainda parece um drama bem verossímil no contexto em que está inserido.
No segundo ato o filme descamba pra um conflito romântico mais previsível e menos interessante. O ponto alto são as reflexões da esposa sobre sua condição subalternizada. E o ponto baixo pra mim, além do romance em si, é o caminho do fantástico que o filme segue.
O último ato desenvolve maravilhosamente os rumos não tão interessantes que tinham sido seguidos, dando um desfecho impactante e que encerra o filme revigorado.
Um Assunto de Mulheres
4.2 77O filme tem seu foco na vida difícil de sua protagonista, interpretada com muita complexidade pela Isabelle Huppert. Que cuida dos dois filhos com muita dificuldade na França ocupada em plena II Guerra Mundial e tem um marido que não ama recém chegado da guerra, esse marido tem dificuldade em arrumar e manter empregos, por sua fragilidade.
A protagonista, Marie, tem que lidar com a fome, com a condição insalubre de sua moradia, com seus sonhos – como o de ser cantora, por exemplo - frustrados por conta do casamento e dos filhos, com os problemas gerados pela ocupação nazista, com uma amiga sua judia tendo sido levada, além das demandas dos filhos e do marido que não quer perto de si. São temas que cada qual já valeria um filme, mas todos influenciam nas ações de Marie, que envereda por decisões questionáveis legal e moralmente, sempre numa corda bamba entre, por um lado, a possibilidade de uma vida mais confortável e a possível realização de seus sonhos, e por outro as dúvidas éticas e morais sobre suas ações. Além dos efeitos negativos das suas ações sobre as pessoas com quem convive, em especial o marido e os filhos.
Apesar do filme não focar apenas na questão da maternidade, de forma acertada, já que essa mulher tem outros problemas, sonhos e dramas que vão para além da sua condição de mãe, é sensível o suficiente para mostrar a relação de cuidado e amor dela com os filhos, apesar das suas negligencias e falhas, principalmente quando vai se enveredando mais nas consequências das suas escolhas. Junte-se a isso todo o debate que Marie tem ao longo do filme sobre abortos, que vão desde as acusações por parte de uma cristã vítima de uma tragédia relacionada ao assunto, até uma conversa franca com uma amiga prostituta que entende perfeitamente os dramas de uma mulher que não se relaciona bem com a maternidade.
No final o filme mostra o quanto assuntos caros as mulheres, e sobre mulheres, são feitos e decididos por homens em nossas sociedades, seja na França sequestrada pelo nazismo, seja nos nossos dias.
A direção e as atuações são muito competentes, o roteiro é fantástico, apesar de não funcionar muito bem quando sai de Marie e aposta em cenas desnecessárias, que nada dizem ou acrescentam e cujos personagens logo mais desaparecem da história. Em dado momento aparece uns poucos momentos de narração que para mim também poderiam ser facilmente retirados. No mais, o filme é incrível, profundo e necessário.
A Garota de Fogo
4.0 71Acho que a melhor forma de descrever esse filme é: surpreendente!
Cada cena é uma grande quebra de expectativa em relação a anterior, e aos rumos convenientes que você acha que o filme vai tomar. Lembrei-me dos filmes do Almodóvar, que costumam ter esse mesma característica (além, obviamente, de que esse filme também é espanhol).
O filme foge do drama clássico que parece ser nos seus primeiros momentos e se entrelaça com uma outra história, que por sua vez se entrelaça com outra. Assim como na vida, as ações de uma pessoa, por mais que justificadas por conta da situação tragica que vive, incidem incontornavelmente na vida de outra pessoa, que não serve só de coadjuvante da principal, mas que também tem uma história, desejos, frustrações, angústias...
É uma direção primorosa, que se mostra pouco e preza por planos mais longos, por uma fotografia clara, poucos movimentos de câmera, privilegiando o papel dos cortes e do roteiro, que é talvez o ponto mais forte.
Há um pano de fundo de crise espanhola interessantissimo, que é trazido a tona seja por diálogos, seja por referências mais sutis (a constituição espanhola que ninguém pega na Biblioteca). Aliás, a direção também tem algumas dessas referências visuais interessantes, como uma peça que falta no quebra-cabeça de determinado personagem, assim como tem algo que falta para sua realização pessoal...
É um filme que se pretende, pela direção e roteiro, realista, e consegue, sendo em muitos momentos cruel, e em alguns momentos belo, como a vida mesma.
A Carta Que Não Se Enviou
4.1 18O filme, em P&B, é um deslumbre visual como poucos que já vi, mesmo que acompanhando de muito perto seus personagens, tendo super closes constantes, continuamos a ver frames que um atrás do outro poderiam ser facilmente emoldurados. Passam daí a imagens panorâmicas magnificas. Com essas variações a linguagem cinematográfica nos antecipa desde já o tema central do filme: o homem x a natureza. Nesse sentido lembra o recente O regresso, do Inarritu. Mas as semelhanças param por aí, já que no filme do Kalatozov esse homem é apresentado como coletivo, são quatro expedicionários que buscam diamantes numa floresta na Sibéria.
Dizer que esse homem x natureza é visto sempre como coletivo não quer dizer em absoluto que o roteiro não trabalhe a individualidade dos seus personagens, elas são relativamente bem desenvolvidas, seja nas cartas do líder do grupo a sua esposa; seja no amor do casal jovem de geólogos, seja no amor um tanto bruto e desacreditado do guia pela única moça da equipe. A diferença, nesse filme, é que essa individualidade não se impõe frente ao objetivo comum do grupo (achar diamantes e sair da floresta).
Nesse tema central o filme se sai com perfeição, seja nas passagens de panorâmicas pra close ups, seja na passagem de sons diegéticos para não-diegéticos e vice-versa. Tudo ajudando a criar o clima de relação tensa entre o grupo e a natureza. Sei que para nossa avaliação cínica dos dias atuais, o nível de entrega a um objetivo coletivo (em nenhum momento eles deixam de falar das suas aspirações individuais, é importante ressaltar) pode soar piegas ou falso, mas sinceramente me pergunto se esse é um problema do filme ou dos valores que nos cercam atualmente.
Por fim, aponto o que considerei pequenos problemas. Acredito que o filme peca ao não mudar o tom grandiloquente quando trata das questões mais pessoais de seus personagens. Eu comentei acima que no roteiro as individualidades são respeitadas, mas acho que na direção deveria ter uma mudança de tom, principalmente pensando na trilha sonora. Penso ainda que por conta disso nosso envolvimento com os personagens não seja o que deveria ser, o que me tirou um bocado do filme.
O Dia Em Que Me Tornei Mulher
3.9 12O filme traz perfeitamente o que para mim são duas das principais qualidades do cinema iraniano:
a) situações (e consequências) cotidianas simples e plenamente críveis mas, ao mesmo tempo, que expressam uma simbologia universal. Ou seja, a partir daquelas situações podemos debater as grandes questões filosóficas e sociais do nosso tempo (E não situações exclusivas daquela realidade machista e autoritária, como costumam comentar os críticos ocidentais que acham que nossa sociedade está livre desses problemas). É por isso que, a meu ver, nos flagramos extremamente aflitos por questões muito banais dos personagens desses filmes, como o horário que Hava tem que chegar em casa ou o perigo das compras de Hoora serem roubadas ou danificadas.
b) Um realismo que não cai necessariamente em niilismo, em descrença com a humanidade, o que costuma ser comum nas melhores obras hollywoodianas e dos países desenvolvidos em geral. E acho que isso faz com que nós fiquemos felizes, apesar de também ficarmos com o coração um pouco apertado, ou, pelo contrário, como na história de Ahoo, ficarmos tristes, mas ainda com um fio de esperança.
Dito isso, vamos ao filme em si. O dia em que me tornei mulher é de 2000 e nos mostra três fabulas de “mulheres”. A primeira, Hava, uma criança, completa aniversário, tem que começar a usar véu e não pode mais brincar com seu amigo; a segunda, Ahoo, participa de uma competição de ciclismo e é perseguida por seu marido e todos os homens do seu convívio; a terceira, Hoora, é uma idosa que finalmente pode comprar tudo o que sempre sonhou.
São três mulheres que passam por momentos decisivos de suas vidas, momentos esses influenciados diretamente pelas determinações impostas socialmente às mulheres. É lindo a forma como elas lidam com seus desejos, desejos bem simples, e os impeditivos que se colocam para sua realização. Facilmente nos colocamos torcendo fervorosamente por elas.
As metáforas visuais e sonoras do filme são outro ponto de destaque: Só alguns exemplos, na história de Hava temos o meio-dia representando a idade de transição da criança e as proibições que ela terá daí em diante, e temos o véu usado como vela, como forma de “navegar no mar da vida”; na história de Ahoo temos a estrada e a bicicleta como desafio de andar por conta própria e como quiser, e o marido, pai e avô andando de cavalo, sem esforço, e querendo impedi-la; Na história de Hoora, a idosa, temos as compras domesticas e a vontade de adotar uma criança (branca, de preferência) como realização e também mostrando os limites dos sonhos daquela senhora. Em todas as histórias tem-se o mar como ambiente que se impõe, seja para brincar, para percorrer pelas margens ou finalmente para enfrenta-lo... São só alguns exemplos que pude perceber.
A direção é precisa e direta, mas também poética (o fim da segunda história é pra mim a melhor demonstração disso!). O entrelaçamento das histórias é a cereja do bolo da perfeição. O filme me parece irretocável, entra com certeza para os meus preferidos.
Elefante
3.6 1,2K Assista AgoraSão raros os filmes que, ao acabarem, eu sinta a sensação de ter visto uma obra irretocável. Elefante, do Gus Van Sant, é desses. Que filme!
Comecei sem saber de nada mesmo do enredo, gosto de fazer isso, mesmo que em alguns casos se tenha um pequeno prejuízo. Não nesse. E acho que por conta do tom da direção, que nos faz acompanhar uma série de estudantes na sua ida para a aula ou já na escola, a câmera acompanha de muito próximo esses personagens, com muitos planos longos ou planos sequencia, sem contanto se parecer com uma câmera subjetiva. Ou seja, acompanhamos como se estivéssemos seguindo furtivamente esses adolescentes, e a curiosidade de quem pode acompanhar muito de perto a suas vidas nos carrega no primeiro ato.
Apesar disso, ainda podemos encontrar elementos cinematográficos que nos dizem da movimentação interior, subjetiva, dessas pessoas, a trilha sonora que inicia quando aparece cada personagem, o jogo de foco e desfoco da câmera, a atenção dada ou não as pessoas e lugares por onde os personagens passam etc. Tudo isso varia quando acompanhamos cada um deles, nos ajudando a entender seu estado de espírito.
Ainda sobre a linguagem cinematográfica, vale uma menção especial sobre a não-linearidade do roteiro, que foge do clichê de aparecer como plot twist, como virada sensacionalista da trama, e é colocado (e revelado) de forma muito mais orgânica, parecendo mesmo uma escolha “óbvia” por conta da opção do roteiro de apresentar personagem por personagem.
Quanto ao assunto em si da história, vale destaque para a forma não moralista que o filme nos apresenta a questão (também não caindo no extremo oposto, de justificação ou banalização do ocorrido). E, nos mostrando a complexidade da situação, é um auxílio e tanto para ajudar a entendê-la
.
O filme é uma visita a uma escola, guiada pelos estudantes dessa escola, num dia muito específico (não vou dar outros adjetivos para não decepcionar quem quiser assistir sem nada saber, como eu). É uma escolha de abordagem do tema interessantíssima. Recomendo muito.
8½
4.3 409 Assista AgoraAchei um filme muito legal. Tava esperando um filme muito sério, mas não!, ele é bem engraçado. Inclusive, quando sai do tom engraçado, fica menos interessante.
Fellini satiriza todo o conjunto de pessoas ao redor da produção cinematográfica, o roteirista que se acha intelectual demais; o produtor com medo do fracasso do filme; a atriz musa; e principalmente o diretor, que é satirizado tanto no seu bloqueio de inspiração quanto na vida pessoal...
O roteiro que mistura realidade, fantasia (as cenas em que ele começa a fantasiar saídas boas pros problemas que ele tá passando foram as minhas preferidas!) e memórias acho que reflete bem o estado de espírito do protagonista, sem ficar confuso em nenhum momento.
Apesar de aparecerem vários temas sérios e diálogos ditos profundos, me pareceu ser um filme bem despretensioso... Às vezes essa aura de clássico cria expectativas que não condizem com a proposta do filme...
Restos da Vida de um Homem Feliz
4.3 6Em certa altura do filme, que tem algumas narrações em off, o diretor nos diz que aquilo que estamos vendo são apenas imagens, não memórias. Já que “As memórias se vão. As imagens estão aí, e elas são reais”. Acho que isso simboliza bem o filme, que é um arranjo de imagens em película que o diretor acumulou durante sua vida, desde a década de 1950 pelo menos, e que agora – o filme é de 2012 – resolveu utilizar em um filme, o seu último.
Juntam-se a essas imagens alguns trechos de diários seus, que tratam desde questões bem específicas do cotidiano até questões filosóficas, desde lembranças e acontecidos bem pessoais até questões generalistas. Entram também no filme cenas do diretor manuseando sua câmera e películas, além dos seus comentários em off, discorrendo sobre as semelhanças e particularidades da vida e do ofício de um cineasta.
Não é a toa que o diretor precisa nos dizer que aquilo são imagens e não memórias, já que o filme tem uma aura de memórias muito grande. Desde o início, em outro comentário do diretor, sabemos que aquelas cenas não seguem uma lógica entre si, a não ser para o próprio diretor e alguns poucos amigos seus, os trechos de diários ou comentários, tampouco. Há algumas repetições de trechos, de comentários ou vez ou outra alguma relação entre as cenas, os trechos e os comentários, mas nada que siga uma lógica contínua.
Bem, eu não conhecia o diretor ou sua obra, fiquei me perguntando se, caso conhecesse, o meu interesse aumentaria, ou se conseguiria perceber referências a outros filmes, estilo, declarações ou acontecimentos da vida do diretor.
O primeiro terço do filme foi bem duro pra mim, cansativo mesmo, apesar de estar achando interessante o que vinha sendo colocado por cenas, trechos do diário ou comentários. Na continuidade o filme foi melhorando, ao ponto de se tornar bem fluido no final. Fiquei com a impressão de que deveria ter entre 30 e 40 minutos de duração, e não os 68 minutos que possui, acho que mesmo com um terço a menos o filme conseguiria nos passar suas lindas imagens, as reflexões, grandes e pequenas, e a atmosfera de despedida que o circunda.
Cidadão Kane
4.3 990 Assista AgoraCidadão Kane é maravilhoso mesmo!
O resumo que ele faz do Kane nos primeiros minutos, pra depois focar em questões mais subjetivas, sem se preocupar em explicar o básico; A forma de investigação que prende nossa atenção, já que o filme não procura glamourizar o protagonista e mostra desde sempre ele como alguém bastante antipatico; Os pontos de vista... Em termos de história e roteiros é tudo muito bom, mas dá pra entender que ta direção e nas inovações de linguagem o porque dele entrar pra história. É um filme muito bonito e complexo visualmente, a gente nota nele essa mistura de caracteristicas "clássicas" e "modernas".
O Livro de Cabeceira
3.8 79 Assista Agora“Tenho certeza que há duas coisas na vida que são dignas de confiança: os prazeres da carne e os prazeres da literatura. Eu tive a grande sorte de desfrutar dessas duas coisas da mesma forma”. Essa frase, dita pela narradora-protagonista, acho que resume bem o tema do filme. E como se pode ver, que tema!
Além disso, a forma encontrada pelo diretor de contar sua história, a linguagem cinematográfica, é quase tão inventiva quanto a da sua personagem, Nagiko, de escrever seus livros. O filme quase todo é contado em uma tela pequena dentro de outra grande. Eu, particularmente, achei um recurso interessante, mas usado à exaustão, o que fez com que em vários momentos atrapalhasse mais do que ajudasse a narrativa.
O filme é a vida de Nagiko, desde sua infância até uma determinada idade. Mas não numa cronologia linear, desde o início do filme acompanhamos a cronologia linear permeada tanto por momentos do futuro dela quanto por demonstrações visuais do que Nagiko lia (ou ouvia, quando pequena) do Livro de cabeceira, livro milenar cuja escritora tinha o seu mesmo primeiro nome.
Acompanhar a infância da personagem é importante pra entender seu percurso, mas também e principalmente pra entender sua forma de pensar e sentir. Faz com que a gente entenda um pouco melhor sua paixão pelos dois prazeres descritos acima.
Se a linguagem é muito inventiva, a estrutura do roteiro é bem tradicional, inclusive marca a divisão de cada ato com um incêndio, o que ficou bonito narrativamente. Gostei bem mais do filme até o segundo incêndio, até aí o filme (e a protagonista!) é muito sensual, imprevisível, com a protagonista sempre buscando compreender suas paixões e seus desejos, meio que a sua razão de viver, seu objetivo... a terceira parte pra mim, pelo menos, foi um balde de água fria, com um desenvolvimento bem desinteressante. Mas, como que pra compensar, os minutos finais voltam à relação de Nagiko com sua infância e suas paixões, e fecham magistralmente o filme.
Branco Sai, Preto Fica
3.5 173A temática é instigante e importante; tem umas cenas muito boas, memoráveis mesmo!; a ideia de misturar gêneros é interessantíssima também... Mas não gostei da execução. Acho que a escolha da ficção científica foi ruim, e o roteiro deixou de desenvolver a parte de documentário melhor... É muito bem feito, com uma fotografia bonita e parte dos depoimentos marcantes, é impressionante nesse sentido, sobretudo por ser um filme independente. Apesar de no geral eu não ter gostado da narrativa, ainda indico, e acho que vale muito a pena assistir. Sobretudo pelo cotidiano e pelos depoimentos documentais.
Rashomon
4.4 301 Assista AgoraRashomon me parece um estudo sobre contar histórias: diferentes versões; e as razões para as mentiras as vezes são explicitadas por algum outro personagem, outras vezes ficam subentendidas; vale ressaltar ainda a forma como as versões em alguns aspectos se complementam, e em outros se contradizem... E apesar de tudo isso, e do filme não entregar uma verdade, a gente sabe que ela existe, que o assassinato foi cometido de uma única forma, e que o mais provável é que essa forma não tenha sido narrada por nenhuma das versões.
Nas cenas da narração, entra ainda um outro debate, mais profundo, sobre o posicionamento filosófico de quem conta a história, e isso se dá nos diálogos sobre se devemos acreditar ou não na humanidade. Ou seja, existem histórias que apresentam uma visão idílica sobre a bondade do ser humano e outras que apresentam uma descrença cínica, niilista. E a realidade, a verdade, não se encaixa perfeitamente em nenhuma das duas fórmulas.
Sobre o filme em si, não dá pra não mencionar a beleza da fotografia, dos enquadramentos e das movimentações de câmera da direção de Kurosawa, que variam conforme a versão da história que está sendo contada, além das atuações soberbas, com destaque pra Mifune e Machiko Kyō.
Entre Abelhas
3.4 832Tô muito surpreendido positivamente. Drama com premissa excelente: inteligente e poética! Além disso, o filme tem mais momentos engraçados do que a maioria dos filmes que o povo do Porta dos Fundos se mete! Apesar de a alegoria ficar exaustivamente explicada no desenvolver do filme, mesmo assim tem coisas bem interessantes no desenvolvimento. Só o final que me incomodou um bocado, mas, de qualquer forma, grata surpresa!
Ninfomaníaca: Volume 1
3.7 2,7K Assista AgoraNinfomaníaca V.I trata da vida de Joe, da infância à vida de jovem adulta. O erotismo e o sexo são centrais na vida dela, e portanto tem grande espaço no filme, mas não diria que o filme é sobre isso, ou mesmo que foque isso como central, o central, ao meu ver, é como esse transtorno moldou a personalidade e as decisões de Joe, e como influencia na sua vida. Nesse sentido as cenas de sexo cumprem diferentes funções na narrativa, e a gente as vê mais ou menos com o mesmo sentimento de Joe no momento: A frustração da primeira vez; o foco no poder que o sexo dá, e não no prazer dele mesmo, no caso da brincadeira do trem; o prazer do sexo já adulto, sem ressentimento; sexos vazios que angustiam, etc... Nesse sentido tem cenas de sexo que são secas, outras maravilhosas, e outras angustiantes, todas cumprindo seu papel narrativo. E acho muito rica a forma como nos é mostrado como o sexo na vida de Joe é um prazer que atormenta, ou um tormento prazeroso. E a gente sente o prazer e o tormento junto com ela (guardadas as devidas proporções! Rs)
O papel de Seligman no filme é interessante porque é uma tentativa de análise (leiga, diga-se de passagem) da história da protagonista que ajuda a não moralizar a narrativa, a despeito da autopenitencia que Joe sempre tenta incutir na sua narração. Ele e suas conversas cultas e aleatória, a meu ver, ajudam a incutir veracidade ao filme, ao mesmo tempo que servem de ponto de partida e encorajamento para Joe dividir sua vida com ele – e conosco. Em compensação, ele é um facilitador de narrativa, se por um lado é bom que ele retire o moralismo da autoavaliação de Joe, por outro lado ele explicitar que ela é uma narradora não confiável e falar as indagações que nós, espectadores, estamos fazendo (ou não), acho que mastiga demais as informações para o público (Machado não nos diz que Bentinho não é um narrador confiável, e isso torna os debates em torno de Dom Casmurro muito mais ricos).
A câmera é manuseada de uma forma interessante, passeando de planos mais fechados - que focam em detalhes que também estão sendo realçados na narrativa – para planos mais abertos e de novo para planos fechados, focando no que é essencial, como um observador que está presente em todas as cenas e direciona seu olhar a partir da narração. Eu, particularmente, não gostei do uso excessivo de recursos narrativos artificiais, como as numerações, as cenas de pescaria e etc. Eu preferiria ver a atuação dos atores ao falar daquelas coisas. Mais isso é um pequeno detalhe, gostei muito do filme.
O Menino e o Mundo
4.3 735 Assista AgoraQuando se discute cinema e mesmo artes em geral, sempre aparece o debate sobre compreender racionalmente a obra x sentir a obra. Tenho problemas com essa dicotomia, tanto com aquelas obras complexas e profundas que pouco ou nada nos fazem sentir quanto o inverso, com as obras que se propõe serem "sentidas e não entendidas". O menino e o mundo é um filme pra ser entendido e discutido cena a cena, assim como pra ser sentido, com sua beleza e fluidez. Ele se equilibra como poucos na balança entre a forma e o conteúdo. E ao final nos deixa maravilhados e pensativos.
Contratei Um Matador Profissional
3.7 33 Assista AgoraO filme tem o ar característico de comédia britânica acida. Se passa em um momento de intensa crise econômica em que o Governo adota medidas privatizantes (rima perfeitamente com o momento político e econômico que começamos a experimentar no Brasil atualmente!). Não sei se em algum momento o filme referiu-se à época, mas parece muito que se passa nos primeiros anos dos Governos Thatcher.
Bem, voltando à história, o protagonista se vê impactado por essa conjuntura ao pertencer a primeira leva de demissões, por ser estrangeiro (Francês), e com o resto de sua vida já era vazia e solitária, opta pelo suicídio, que não consegue cometer, aí vai atrás de ajuda profissional, desencadeando uma série de acontecimentos meio nonsense.
O ritmo do filme, a movimentação da câmera e a montagem não são nada sutis, no entanto são bastante objetivas, focam no que querem mostrar. Nesse sentido combinam com a personalidade do protagonista, não muito inteligente nem sociável, mas bem objetivo em suas decisões e ações. O assassino, mais inteligente, também possui as mesmas características: introspectivo e objetivo.
Há ainda um envolvimento amoroso que destoa dos demais personagens principais, por sua eloquência e pela vivacidade. E a música é constantemente usada pra realçar essas características da personagem, assim como as mudanças interiores do protagonista.
O filme tem momentos engraçados e outros divertidos, pra quem gosta desse estilo de humor “britânico”. Além disso se insere num contexto também interessante, numa espécie de submundo de uma Londres em crise, que a fotografia “suja” ajuda a reforçar.
Acho que pra me cativar mais faltou que o protagonista passasse maior empatia, mesmo com essas características acredito que poderia ter sido construído de uma forma que nós nos importássemos mais com seu destino.
O Mesmo Amor, a Mesma Chuva
3.8 131O mesmo amor, a mesma chuva, assim como o ganhador de Oscar do mesmo direitor, trás uma belíssima história de amor que não existe à parte da vida, mas que se insere e muito bem nos problemas cotidianos e nos dilemas morais e éticos dos protagonistas.
Tem um roteiro muito bem amarrado que tem como pano de fundo a história recente da Argentina, os dilemas morais e éticos do protagonista passam pelas questões políticas do país, mas também pelas responsabilidades pessoais com seus amigos, pela liberdade criativa, pelos rumos que leva a sua carreira, e no meio disso tudo pelas escolhas amorosas.
Diferente dos filmes de romance, que costumam descartar os problemas da vida real, Juan José Campanella insere seu romance em histórias de vida críveis, em dilemas éticos profundos, e isso, longe de deixar o romance menos romântico, realça e reforça a beleza do romance que nos é mostrado. Filme espetacular!
Hora de Morrer
4.3 61Ele conta a história de uma idosa (de idade já bastante avançada) que mora sozinha em um casarão antigo com seu cachorro (Que é um personagem importante!) e que está sempre esperando a visita e o telefonema do seu filho...
A fotografia em preto e branco é belíssima e ajuda nesse clima de avaliação do passado e relação conflituosa da protagonista com o presente. Vale destacar também os traços distorcidos que a fotografia assume nas cenas de recordação da protagonista.
O filme é bastante competente em nos fazer ter empatia com a protagonista e nos mostrar a sua visão do presente, seu apego com o passado e tudo que a mantem junto das suas lembranças, como a casa, o terreno, os objetos e o próprio filho. O filme é também sobre uma idosa completamente sã que por diversas vezes é tratada como se não fosse uma pessoa com condições de falar por si mesma, e, por fim, é sobre solidão na velhice. Acho que é desnecessário falar sobre a trama que movimenta o filme, ela é boa, mas o que, pelo menos a mim, cativa de fato é a perspectiva da idosa sobre tudo o que está acontecendo.
Em muitos aspectos o filme me lembrou o filme Aquarius, não sei se o Mendonça Filho foi influenciado por ele, mas os dois filmes guardam grandes semelhanças entre si...
Tem dois aspectos no filme que considero pontos fracos, pois desnecessários, a trilha sonora que parece querer induzir o espectador a determinados sentimentos, sendo que o roteiro por si só já é bem competente nesse sentido e determinadas falas da protagonista que também achei desnecessárias, pois expositivas, sendo que a atuação da protagonista dá um show e nas suas expressões já se liam o que ela dizia...
Mas esses pontos fracos que apontei são muito pequenos, e o filme é belíssimo e emocionante.
O Ovo da Serpente
4.0 130Bergman é muito competente ao retratar um momento histórico (da Republica de Weimar) sem perder o controle ou desmerecer a história específica que está contando. Os momentos de narração do filme são exclusivamente para nos situar sobre a conjuntura socioeconômica e cultural da Alemanha em 1922, e como essa crise vai se manifestando em cada dia em que o filme se passa. O plano de fundo do filme nos mostra um pouco mais da forma como as pessoas estavam vivendo e sobrevivendo a esses dias de crise acentuada, com grupos paramilitares atacando judeus; com uma brutal crise econômica e de desemprego que gerava o caos; com o fortalecimento de um nacionalismo xenófobo que vai servir de base para a posterior ascensão do Nazismo, mas também do sentimento de derrota da Primeira Guerra; com a tentativa de golpe de estado fracassada de Hitler...
Já a história do filme em si trabalha a inserção do protagonista - americano e judeu - nessa conjuntura, tendo de lidar com a morte do irmão e reaproximando-se da cunhada. Carradine e Ullmann a meu ver estão muito bem, com destaque pra ela. Aqui tem uma complexidade incrível, que consegue trabalhar os impactos dessa conjuntura de crise na subjetividade dos personagens principais.
Ressalta-se constantemente no filme o clima de medo e de falta de perspectiva de futuro que essa conjunção de crises causava nas pessoas. Não como um sentimento individual apenas, mas social, generalizado. E nos dois protagonistas vemos como esse sentimento se desenvolve com as suas singularidades... E aí considero acertada a decisão do roteiro de focar em protagonistas com pouco ou nenhum entendimento das questões políticas que incidiam muito diretamente em suas vidas.
Acho que é impossível não passar pela cabeça a atualidade do tema e como o filme nos ajuda a enxergar melhor fenômenos que tem acontecido atualmente, com o retorno de movimentações de cunho fascistizantes, ódio a grupos específicos, xenofobia, nacionalismo chauvinista e etc. Mesmo que se deva considerar as particularidades daquele momento histórico e espaço geográfico, acho que para nós é fundamental ver e entender para além das as experiências nazifascistas consolidadas, mas também a sua germinação, o avo da serpente.
A forma como o roteiro faz com que o protagonista lide com a descoberta dos experimentos com humanos que havia na clínica é também muito boa. O protagonista não se enverada numa perseguição aos vilões ou numa investigação em que nada mais importa, suas condições objetivas e seus problemas psicológicos não permitiriam isso e o filme perderia em densidade. A forma como as descobertas vão sendo feitas quando seus problemas pessoais “esbarram” nos segredos da clínica a meu ver ficou muito boa.
Em algum momento no final fiquei muito preocupado achando que o filme iria justificar toda a perturbação psicológica do protagonista e da cunhada, como se fossem causadas por um experimento da clínica. Justamente porque para mim essa relação entre a crise no país e a forma como os indivíduos a vivem e reagem psicologicamente à ela é o ponto forte do filme. Mas aí o doutor diz que não foram feitos experimentos com eles e deixa pelo menos a dúvida sobre o que aconteceu...
Para mim o maior problema do filme é o monologo do doutor no final, não pela atuação, excelente por sinal, mas pelo texto. Me pareceu uma avaliação do nazismo feita por alguém que já passou daquele momento histórico, mas como o doutor está em 1922, pareceu um exercício de futurologia que me tirou muito da imersão no filme.
Por fim um pequeno destaque paro momento da Igreja e paras declarações do Padre, ressaltando, mesmo que apenas nessa cena, a característica sensação de “ausência de Deus” tão comum ao Bergman.
Lista de Espera
4.1 18Como é bonito perceber que essa história é, na verdade, uma tocante alegoria sobre os rumos e desafios da revolução cubana!
O Apartamento
3.9 257 Assista AgoraLendo as críticas de O apartamento, assim como as de A separação, tenho ficado com a impressão de que a galera não consegue deixar de lado o preconceito com o mundo não ociedental, oh...
Quase todas as críticas destacam que os filmes dele mostram a cultura conservadora, religiosa, machista e etc do Irã...
Sendo que os filmes dele poderiam se passar no ocidente e manter todos os temas e todo o desenvolvimento DO MESMO JEITO! NÃO MUDARIA NADA de essencial se se passasse no Brasil, na Europa ou nos EUA!
Eu fiquei com a impressão contrária, de que os filmes dele mostram que a gente é mais parecido do que os ocidentais querem acreditar!