É bastante difícil fazer qualquer comentário acertivo, e por isso mesmo definitivo, sobre Ano passado em Marienbad. Assim como é difícil - ou melhor, imposivel! - reconstituir nossas lembranças de forma coesa e fiel ao vivido no passado. Gabriel Garcia Marquez certa vez disse que a vida não é o que se viveu, e sim o que se lembra e como se lembra de contar isso. Se tal afirmação dá conta do que seja a vida, não sei, mas penso que nos ajuda a refletir um pouco sobre o filme de Alain Resnais.
Em resumo, trata-se do encontro de um casal em um luxuoso hotel. O homem tenta convencer a mulher de que eles se encontraram naquele mesmo local um ano antes e viveram um romance às escondidas do marido (ou namorado, ou amante...) dela. O problema é que a mulher não lembra de conhecê-lo.
Assim contado, parece um enredo simples, contudo, o filme acontece diante de nós como a memória desse homem (e em alguns poucos momentos como a tentativa de reconstituição da memoria da mulher): com longos passeios da câmera pelo luxuoso hotel e seus adornos e com "personagens secundarios" quase estáticos, que quando falam, têm conversas entrecortadas e que se repetem, com pequenas variações (o que parece remeter à forma como sua memória os reteve).
A câmera ora está estática, ora passeia tranquilamente pelo hotel. Já a montagem contrasta dessa tranquilidade, temos cortes bruscos, mesmo que as vezes a conversa/narração siga. Há também, assim como nas conversas, varias repetições, com pequenas alterações das/nas imagens. A trilha sonora é constante, clássica, bonita, mas com um fundo sempre estridente, de órgão, que parece passar um caráter sempre incômodo dessas lembranças.
Em todo o filme, passado e presente não tem uma delimitação certa, e chegam mesmo a se misturar a partir do diálogo do casal principal. Ele relatando a suposta experiência de um ano antes, ela revidando a narração convicta dele. Abre-se para nós várias possibilidades, igualmente incomodas e plenamente possíveis: Ela ter esquecido um romance tórrido vivido há apenas um ano; ele criar na sua cabeça (e acreditar) uma história de amor que não aconteceu; ela fingir não lembrar dele; ele inventar a história como meio de conquistá-la; etc.
Vale falar também da figura do marido dela, que é o único outro personagem que tem algum destaque no filme (ou na memória do protagonista). Ele tem um tom sempre soturno e apresenta um jogo de mesa que se repete inúmeras vezes ao longo do filme, no qual o próprio marido sempre ganha. Não parece a toa que tal jogo apareça vividamente nas lembranças do protagonista.
Em noite e neblina, Resnais fez o importante e dificílimo trabalho de memória do holocausto; no majestoso Hiroshima, mon amour, articulou memória coletiva e pessoal do casal com uma francesa e um japonês; já aqui, ele mergulhou na construção da memória pessoal, ou melhor, nos descaminhos da tentativa de reconstrução do vivido por meio da memória. Na incerteza que é o resultado disso, a história fica para nós - e para os seus protagonistas - como foi lembrada e como foi lembrada de ser contada. E é, além de um deleite, muito estimulante.
O filme trata da história da família formada pela esposa Feng, o marido Lu Yanshi e a filha Dan Dan. O Marido é preso no processo da Revolução Cultural de Mao e solto muitos anos depois. Ao retornar pra casa, encontra a mulher com Amnésia. Sem reconhece-lo, Feng não acredita que aquele é seu marido, mas segue aguardando ansiosamente seu retorno, e, ao mesmo tempo, tendo uma relação conturbada com a filha, que teve participação na delação do pai.
Não nos é dado muitas informações sobre a questão política de fundo. Por exemplo, não sabemos muito bem a razão pela qual Lu foi procurado e preso, a não ser um vago “ter feito críticas”. Com o fim da Revolução cultural, quando ele é absolvido, também não é abordado quase nada sobre as mudanças que ocorrem no país. O foco aqui são as relações familiares.
Feng segue uma vida relativamente normal, com bilhetes na parede lembrando de objetos e ações que ela deve executar no dia-a-dia. Expulsou a filha de casa e vive só, mas alimentando as lembranças do marido e seu amor por ele. E aguardando seu retorno.
Dan Dan no começo do filme era uma bailarina da escola estatal, abandonou a dança e agora trabalha numa fábrica, mora no alojamento do local onde trabalha, divide quarto com colegas e busca o perdão da mãe, que esquece tudo, mas não os erros do passado da filha, quando adolescente. Além de lidar com o remorso de ter delatado o próprio pai.
O marido, ao retornar, lida com a amnésia da mulher e com a dificuldade de conviver com a filha, que praticamente desconhece, pois esteve ausente desde que ela era muito nova.
Mas o foco e a força do filme está mesmo na tentativa de Lu Yanshi de fazer com que sua mulher o reconheça, o que vai se transformando, aos poucos, no esforço de trazer um pouco de felicidade e paz para sua mulher. E claro, finalmente conviver com ela.
A direção contemplativa, o enredo sensível e belo e as atuações muito competentes - com destaque para Gong Li em mais uma ótima parceria com o diretor – dão ao filme o tom de leveza necessária, mesmo com dramas pessoais tão carregados: Como viver lembrando apenas das grandes emoções do passado e esquecendo todo o resto, inclusive não reconhecendo o próprio amor que tanto a move? Ou, como viver carregando uma grande culpa, cheia de remorso, e como lidar com pai que nem conhece? Ou ainda, como depois de décadas de exilio lidar com os efeitos que sua falta – e suas escolhas? - fez? Como abrir mão das suas próprias necessidades para satisfazer as dos seus entes queridos? O roteiro ainda insere, em determinado ponto, um momento de tensão sobre um trauma do passado de Feng, o que tira Lu de sua calma de maturidade e por um breve momento parecia levar o filme a uma certa trama de vingança, mas logo depois Lu já deixa isso de lado e volta a se concentrar no seu propósito de cuidar de Feng.
Amor para a eternidade não tem a mesma força e envergadura de outros filmes do diretor, mas tem muito sucesso no seu propósito de retratar os dramas e a beleza dessa história. A cena final é a síntese disso. Temos as sequelas de uma vida trágica e, mesmo assim, a possibilidade que os afetos nos trazem. Lembrando Riobaldo, de Grande Sertão Veredas: “Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”.
Com a inquietante pergunta de Tom Zé foi que acompanhei a história de Joyland (2019) e da família Rana, em especial do casal Haider e Muntaz - interpretados com muita competência e sensibilidade.
A grande família paquistanesa é formada pelo patriarca idoso, seus dois filhos com suas esposas e os quatros netos que advém do filho mais velho.
Não há dúvidas de que o protagonista é Haider, filho mais novo, que começa o filme desempregado e rapidamente entendemos que não se encaixa bem no papel masculino que deve desempenhar naquele clã religioso e tradicional. A relação com sua mulher parece de muita amizade, contudo, não muito passional.
Suas vidas mudam com o emprego que Haider arranja de dançarino de uma artista trans, Biba – uma interpretação hipnotizante, que toma conta da tela ao aparecer.
É muito interessante acompanhar a relação entre tradição e modernidade no Paquistão atual, com suas muitas contradições, mas fora do estereótipo construído no ocidente.
Os desejos secretos, não só de Haider, mas também de Muntaz, trazem uma analogia bonita com o título do filme, Joyland, um parque de diversões, um lugar para você esquecer a realidade e ser feliz, mesmo que só por um instante. Essa noção também está presente na direção de Sadiq, que por meio de cores nos mostra os personagens "entrando" e "saindo" dessa realidade que os limita; mas também constantemente faz movimentos de câmera que vão do geral para cada personagem, acentuando como aquele ambiente os impacta, ou vai de closes para planos abertos, ressaltando o papel do ambiente nos dramas pessoais. Vale mencionar ainda o aspecto 4:3 em que a história nos é mostrada, de tal forma que a claustrofobia dos muitos personagens numa tela tão pequena exemplifica o sentimento que os principais personagens daquele grupo têm.
O drama perpassa inclusive por mais personagens secundários: a esposa do outro irmão e uma "tia" idosa que também se limitam diante daquele estilo de vida patriarcal; os muitos conflitos próprios que envolvem Biba e a transfobia da sociedade; e a intransigência dos demais homens da família, que se mantem mesmo quando aparecem para nós de forma debilitada.
Mas o enfoque, sobretudo no ato final, é do casal: Haider se dá conta de seus desejos e da possibilidade de viver de forma mais livre (ou conhecer o mar, em outra metáfora do filme, um tanto mais óbvia); Muntaz, além dos próprios desejos não atendidos, se vê ainda mais sufocada ao deixar de trabalhar, dentre outros limitantes que vão lhe sendo impostos de todos os lados, inclusive de onde não esperava.
Aparecem de forma orgânica ao longo de suas duas horas de duração, assuntos dos mais diversos: religião, machismo, transfobia, diversidade sexual, etarismo, etc... Ainda assim, talvez o tema dessa história seja as barreiras para mudar radicalmente a própria vida, para se rebelar contra costumes que para grande parte dos envolvidos não são mais razoáveis. Ou melhor, o tema poderia ser resumido assim: sobre a necessária coragem para abandonar uma vida que não faz sentido. Afinal, como já disse Guimarães Rosa, "Viver é muito perigoso. (...) Carece de ter coragem!
Bertolt Brecht já nos alertou há muito tempo que a cadela do fascismo está sempre no cio, e esse é o tema executado magistralmente pelo diretor Andrés Wood - dos igualmente maravilhosos “Machuca” e “Violeta foi para o céu” – em seu mais recente trabalho, “Aranha”, de 2019.
Esse filme Chileno consegue ir além do senso comum moralista que costuma permear o tratamento dado ao assunto da extrema-direita em produções cinematográficas. Aqui, conseguimos acompanhar e compreender o papel desses grupos para as elites econômicas e sociais; seu apelo de massas, em especial para com a juventude; seu teor nacionalista extremista (ou seria melhor dizer chauvinista!); seu preconceito; violência e seu caráter de guerra (civil) constante contra os inimigos: marxistas/comunistas/esquerda, negros, imigrantes, comunidade LGBTQI+, etc... todos aqueles que desviam do “padrão” nada latinoamericano. Ou, como se diz no Brasil atual, todos que não são “cidadãos de bem”.
Outro aspecto de destaque da obra é a forma como explica organicamente a relação dos grupos fascistas do passado com os atuais, e a relação estreita desses grupos com as elites nacionais ontem e hoje, mesmo que essas elites aparentemente estejam de “mãos limpas”.
Mas Aranha, a despeito de todos esses predicados, não é um documentário, narra a história ficcional de um jovem casal rico, Inês e Justo, e sua relação com outro jovem, Gerardo, que eles arregimentam para o grupo Pátria e Liberdade (espécie de Comando de Caça aos Comunistas chileno, que tem uma Aranha como símbolo). Nós vamos acompanhando esses personagens alternadamente na atualidade e nos anos que precederam o golpe militar que destituiu e assassinou Salvador Allende. Inês é forte, perspicaz e audaciosa; Justo, um playboy de muita lábia e pouca efetividade; e Gerardo um rapaz pobre, ex-militar, forte e corajoso, que rapidamente se vê atraído pelas ideias fascistas e por Inês.
Além do roteiro que consegue conciliar tudo isso em uma história envolvente e dinâmica, a direção ágil de Andrés Wood é inteligente o suficiente para focar na história pessoal dos três e, a partir dela, apresentar a extrema-direita fascista como um todo: O rico defendendo seus interesses de classe de forma extremada, mas precisando terceirizar as tarefas mais difíceis; a jovem apaixonada querendo viver intensamente, contudo “não é das que se divorciam”; e o rapaz pobre, forte e corajoso, sem perspectiva de vida, que encontra um grupo ao qual pertencer, ideais para lutar e relações pessoais para si.
As escolhas e o resultado da relação dos três diz muito sobre o papel que a extrema-direita cumpre, seja abertamente, numa juventude organizada e extremista, ou por debaixo dos panos finos das mansões, nas relações de adultos/idosos respeitáveis e ilustres. Ademais, tratar os grupos (neo)fascistas como monstros desumanos, além de estar longe da verdade – por mais que sejam asquerosos e não devam ser tolerados! -, dificulta a compreensão desse fenômeno, que é demasiadamente humano e volta a aparecer em nossos dias, mas nunca deixou de existir de fato. Como diz a lápide do Comandante de A colônia Penal, de Kafka:
“Aqui jaz o antigo comandante. Seus adeptos, cujos nomes por hora devem permanecer secretos, dedicaram-lhe esta pedra tumular. Dentro de alguns anos, quando seus adeptos forem mais numerosos, ele voltará a se erguer e conquistará a colônia. tende fé e esperai”
O filme acompanha de perto as observações e reflexões de Sergio em Havana, no ano de 1962, três após o triunfo da Revolução Cubana e o ano da crise da Baia dos Porcos. Mas o desenvolvimento de tais eventos não ganha centralidade no filme, mas sim os efeitos de tudo isso na vida e na subjetividade de seu protagonista.
Sergio é um pequeno burguês, de 38 anos, que vive de rendas e que decide não sair de Cuba, caso completamente atípico dentre seu grupo social. O início do filme é ele despedindo-se da esposa e dos pais, que vão para Miami, depois seu melhor amigo também vai. Sergio tem um certo interesse pela revolução em curso e principalmente uma certa aversão ao estilo de vida do seu meio social. Mas não demora muito para que entendamos que a relação de Sergio com sua classe social não é apenas de negação, mas de um forte conflito, em que ao mesmo tempo ele renega, mas mantem fortes características. Assim, esse personagem, nada agradável por sinal, passa grande parte do filme tentando entender, criticar e pensar em formas de superar o subdesenvolvimento (tema fortemente debatido à época tanto na cultura quanto nas ciências humanas e sociais). Contudo, nós podemos enxergar nele as principais características nefastas da elite social criada pela condição de subdesenvolvimento (ou dependência): egocentrismo, elitismo, eurocentrismo, machismo, etc. Estando sua simpatia pela Revolução Cubana num plano idealista muito forte, com pouco vinculo com os acontecimentos reais.
Sergio passa o seu tempo a relembrar o passado, vagar, acompanhar os acontecimentos sóciopolíticos e buscar relacionamentos com mulheres, todas mais novas, algumas menores de idade, e para com todas há nele um sentimento de insaciedade, de descontentamento, tenta moldá-las ao que ele entende por uma mulher interessante, mas rapidamente se sente frustrado e desinteressado e as deixa de lado. Diria que a sua relação com as mulheres parece muito com a sua relação com Cuba em si (ou pelo menos Havana) e com o seu povo, um forte interesse (e desejo) idealizado que quando se concretiza, o decepciona. Um sentimento de posse e de direito de “exploração” que não se reconhece como tal, mas que se sente fortemente incomodado quando é contestado...
Vale destaque ainda a fina ironia de Tomás Gutierréz Alea, sobretudo nas recorrentes contradições entre o que está sendo dito e o que está sendo mostrado ou feito ao longo do filme, e que não se furta a apontar não só as vitórias, mas também as contradições do processo revolucionário em curso. O que o diretor vai fazer ainda em seus demais filmes. O uso da narração em Off aqui é exemplar, enriquecendo muito o filme e dando a ele esse tom de memórias (que são do subdesenvolvimento mas parece ter uma analogia com as memórias do subsolo, do Dostô). Uma fotografia em PeB estourada e contemplativa que ajuda a entender a visão de Sergio sobre o mundo e uma direção que concatena tudo em um todo precioso e necessário.
Os aventureiros é um bom e leve filme de aventura, como indica o título, no velho estilo sessão da tarde. Mas ele trabalha muito bem com subversão de expectativa, mudando drasticamente o rumo e o foco dos acontecimentos pelo menos duas vezes. A meu ver, sua principal falha se dá na forma abrupta como os acontecimentos vão se dando, principalmente na primeira metade, dificultando um pouco a imersão e consequentemente com que sintamos os dramas e perigos que vão surgindo. Felizmente isso é contrabalanceado com o carisma do trio de protagonista, que é um dos pontos fortes do filme. Vale também dá destaque para as escolhas sábias como se tratou o “triangulo amoroso”, despertando certa atenção, mas sem em nenhum momento transformar isso no eixo da história. Por fim, mas não menos importante, o filme tem alguns planos belíssimos (como o do fundo do mar e o de encerramento) e uma trilha sonora deliciosa.
Parecia impossível Almodóvar superar sua fase dos anos 2000, mas se ele não conseguiu, pelo menos está fazendo filmes da mesma estatura nessa fase de Dor e Glória e, agora, Madres paralelas: uma espécie de melodrama sutil. Termos que parecem contraditórios entre si, mas acho que juntos explicam um pouco desses excelentes últimos filmes do diretor espanhol.
Um drama sociopolítico que faz uma incursão no melodrama novelesco pessoal já tão bem trabalhado pelo mesmo diretor, a narrativa consegue com maestria articular essas esferas da vida que costumam ser tão dissociadas no cinema em particular e nas artes em geral. Essa capacidade já é tão caracteristica de Almodovar quanto suas cores, o que me chamou atenção em Madres Paralelas é, talvez, um foco maior na questão política.
O entrelaçamento contínuo do presente com o passado e o futuro parece ser a tônica desse filme. Seja na vida pessoal de sua protagonista, seja na vida sociopolítica do país. Nas duas esferas em que o filme resolve transitar, ele o faz com desenvoltura e atraindo o nosso interesse.
As cores fortes e chamativas, as ótimas e vicerais atuações, as situações novelescas e quase inacreditáveis, os vários problemas sociais, a liberdade sexual... Tudo o que pode caracterizar um filme de Almodóvar está aqui presente, é muito bem vindo e não soa nenhum momento repetitivo.
Assim como Almodovar, a luta por memória, verdade e justiça também continua necessária, e não só na Espanha!
ps.: Nessa nova fase também temos sempre uma leve piscadela metalinguística pro público, no melhor estilo Kiarostami.
Um filme de alegorias, há aqui associações tais quais: do tom acidental da vida humana para a da vida marinha; das consequências da operação que Bibiane faz no início do filme para as consequências de um dado acidente de carro; da convivência com o remorso para o relacionamento amoroso que ela abraça... etc.
Agrada-me muito a estética dos primeiros filmes do Villeneuve: as cenas cortadas abruptamente, mas que não dão a impressão de serem cortadas aleatoriamente; o tom cru; os momentos mais leves que repentinamente aparecem e desaparecem como apareceram; a trilha sonora sempre certeira. Villeneuve parece sempre, em diferentes tipos de filme, está nos mostrando sua concepção sobre o ser humano, uma leitura crua (como a estética dos primeiros filmes), realista, impressionada com a nossa capacidade de ser cruel... Mas que nunca chega a ser niilista, fatalista. Enxerga também as possibilidades existentes, de sobreviver, de viver, mesmo que com as cicatrizes e agarrada as consequências e memórias... como Bibiane.
E nisso tudo ainda há espaço para a ironia:
"- Todas as ações humanas são manifestações contra a morte. - E de que ele morreu? - Suicídio"
Penso que é meu primeiro contato com a New Wave Tcheca. E penso que comecei bem, uma trama de terror simples, mas visualmente bastante instigante e que alcança excelência nas metáforas.
Valerie mora com a avó em um pequeno Vilarejo e a sua semana de deslumbramentos se dá ao completar 13 anos. É até difícil explicar exatamente a trama, mas de forma simplificada, como o título já revela, ela passa por uma semana de "deslumbramentos", transe, ou algo do tipo... Nessa semana se envolve numa trama que envolve vampiros, brincos mágicos, incestos de diferentes tipos, uma contraposição entre prazer carnal e moral religiosa, passando por cultos pagãos, traição familiar, descoberta do paradeiro dos pais, etc.
Todo esse transe nos vai sendo apresentado aos poucos num desenrolar relativamente linear, o que facilita a assimilação da história que de fato é simples, mas ao mesmo tempo um deleite de ir acompanhando.
Acho que o filme consegue retratar metaforicamente bem o turbilhão de mudanças pelas quais uma garota passa nessa fase da vida, com a perda da inocência, os conflitos com a família, a descoberta da sexualidade, etc, etc.
O filme é a história do grande feito de Charles Lindbergh, que em 1927 foi o primeiro a cruzar o atlântico num vôo sem escalas de Nova York a Paris.
Quem faz o protagonista é James Stewart, bem, como sempre, numa interpretação contida e precisa. Depois soube que o ator era 20 anos mais velho que o piloto quando realizou seu feito. Fiquei pensando que a juventude é um elemento importante dessa história, e não foi retratada no filme.
A direção do Wilder também é uma boa dosagem entre narrar a aventura e sobrepor a flashbacks da vida do protagonista. Wilder e o roteiro conseguiram fugir como puderam do texto explicativo, mas de toda forma ele ocupa muito espaço, dependendo dos pensamentos do piloto pra gente compreender os riscos e dramas que ele tá passando... Cheguei a pensar que uma narração em off não cairia mal e soaria menos forçado.
Outro aspecto que a mim não convenceu foi um certo tom religioso que foi posto pela história da correntinha da santa. O filme passaria bem sem aquilo, principalmente na hora dá aterrizagem (mas é bom destacar que o flashback com o padre é maravilhoso).
O bom tempo a que o filme se dedica a narrar os preparativos da aventura e os flashbacks da vida de Lindbergh são pra mim o ponto alto, que ajudam a dar emoção aquela aventura que a gente já sabe que vai dar certo. Mas simpatizamos com o protagonista e sua história ao ponto de conseguir torcer, vibrar e principalmente ficar feliz com a sua conquista e com agora conhecer aquela história.
Foi o meu primeiro contato com o diretor, não conhecia nada do filme e do diretor sabia apenas que era da geração Nouvelle Vague francesa. Isso fica nítido também no estilo da direção e roteiro, com cortes bruscos e uma narrativa que se concentra precisamente no seu tema principal. O filme se apresenta como uma espécie de diário, que nos mostra dia a dia o desenrolar de sua trama.
Devo dizer que a premissa sobre um homem maduro tentando conquistar adolescentes por esporte me incomodou bastante, mesmo que para as personagens do filme e até para a mãe de uma dessas adolescentes isso não pareça nada demais.
Mas, para além dessa dificuldade, o caráter despretensioso como o tema é tratado e sobretudo os diálogos e conversas do protagonista com a sua amiga escritora (que propõs os joguinhos de sedução) e mesmo com a primeira adolescente da qual ele fica mais próximo são envolventes. A situação de saída da realidade, de "férias", que todos os personagens passam, ajuda a essa leveza. Um tom diferente, que desse uma importância descabida para tudo isso, com toda certeza poderia transformar o filme numa chatice. Entretanto, no ponto certo, essas conversas ganham ares bastante interessantes, familiares, e formam uma narrativa que nos prende.
O Joelho de Claire (a segunda adolescente), como um desejo irracional, mais de conquista do que de posse, é uma situação bastante identificável no flerte (ou no que hoje se chama de contatinhos ou conversas com as crushs. rs), principalmente em se pensando num momento de férias pré-casamento, como é o caso do protagonista. Nesse sentido o final também é muito bom, mostrando a efemeridade daquela "experiência", e de forma bastante sutil mostrando também o quanto a juventude costuma superdimensionar e se entregar sem receios as mesmas experiências.
Trata-se de um filme sobre o luto, como lidar com ele e supera-lo (ou não supera-lo).
Mas a historia nos coloca dúvidas sobre isso, ficamos pensando se aquilo que estamos vendo é realmente luto ou algo mais próximo de sociopatia. E nesse quesito penso que o filme perde um pouco a mão, pois quando o personagem vai se humanizando, na parte final, a gente vai achando essa mudança muito brusca, pela forma que ele foi construído no primeiro ato.
As atuações são ótimas (O Jake Gyllenhaal tem feitos muitos personagens assim, meio sociopatas), o roteiro penso ser o ponto alto do filme, desses bem amarrados (inclusive com um final aparando pontas demais). Mas muito bonito, com algumas simbologias e metáforas ótimas.
Tenho a impressão de que uma direção menos estilizada, mais crua, faria bem pra trama. A trilha sonora é cativante.
Vale ressaltar que a personagem da Naomi Watts e principalmente seu filho são ótimos e ajudam o filme a continuar em alta no segundo ato, que penso ser a parte menos interessnate da história principal.
Inclusive para os dois se constrói tramas próprias que são interessantes e pelas quais a gente se interessa tanto quanto o enredo do personagem principal. Inclusive trazendo outros debates a tona.
Esse é um filme que eu vinha adiando há anos, já havia escutado muitos elogios, mas mesmo assim ele superou e muito as minhas expectativas. A história se divide em três momentos, cada qual com seu drama próprio que funciona muito bem separado e também se relacionam numa narrativa única, rica e tocante:
1. O Romance adolescente com uma mulher mais velha cheia de segredos, que vai do encanto da descoberta do sexo aos problemas de se apegar e ainda do sofrimento do abandono. 2. O jovem adulto introspectivo fortemente marcado pela experiência da adolescência e que reencontra o antigo amor, agora sabendo da sua face monstruosa e tendo que lidar com a contradição de ter se relacionado com ela e agora ver escancarado o seu “lado” nazista (o garoto vivencia individualmente o que a Alemanha experimenta como nação) 3. Um adulto com toda uma vida marcada pelo evento e ainda com um novo dilema sobre o resultado do processo em que ele poderia ter influído (mais uma vez ele parece encarnar os dramas da sua nação), juntando-se a isso a sua permanente ligação com a nazista.
Como belíssimo fio condutor nós temos o drama da personagem da Kate Winslet de não saber ler ao mesmo tempo em que é apaixonada por histórias. Outro drama igualmente grande é a sua convicção de que estava certa em cumprir as ordens e o dever nos eventos da II Guerra. Acho ainda extremamente enriquecedor pra história que ela seja uma “cumpridora de tarefas” convicta, que parece nem entender bem toda a doutrina nazista da qual era uma funcionária. E que atuação incrível a dela!
A terceira parte, a constatação do quanto aquela situação afetou a vida do protagonista, ao mesmo tempo em mostrar que a convicção do cumprimento do dever da mulher convivia com uma humanidade tocante (no seu amor por histórias e seu tardio aprendizado de ler e escrever) fecham esse terceira parte da história que não era esperada por mim, mas que foi ainda mais rico do que os dois primeiros, e coroou a unidade da trama, conjulgando de forma tocante e triste o dilema do protagonista que é também o dilema de toda uma nação. A cereja do bolo se dá no leve toque de esperança no meio da amargura do final: quando vemos na nazista uma pequena ação que demonstra remorso (não que isso seja de qualquer forma atenuante); quando o protagonista e a sobrevivente se entendem rapidamente com meias-palavras; e ainda quando ele resolve se abrir com sua filha.
No cenário em que vivemos no Brasil, é mais que oportuno ver e refletir sobre como um país que lidou com um fenômeno fascista foi marcada pelo ocorrido.
Apesar de ter uns momentos em que o filme apela pra um melodrama forçado (como se a história contada não desse conta de envolver o espectador), penso que não é nada que chegue a atrapalhar a maravilha que é esse filme.
O filme já começa indo direto ao ponto, lançando o que a gente pensa que será o mote da trama toda, e nos colocando a conhecer os personagens e principalmente a protagonista Rosa já num turbilhão de descobertas e tensões.
Assim não tem uma estrutura propriamente convencional. Esse início turbulento incomoda, mas com o passar do tempo não impede que a gente vá se identificando e se importando com as personagens.
A própria trama se mostra bem mais complexa do que o mote inicial, parecendo abarcar a complexidade dos dramas familiares de classe média. E isso é talvez o ponto mais forte do filme (junto da atuação da Maria Ribeiro).
Outro aspecto rico do filme é que, apesar de ter muitas revelações e reviravoltas, ele não se prende a revelações maniqueistas mais comuns (como por exemplo quem traiu quem, quem transou com quem...). Isso ajuda bastante no enfoque de questões mais profundas que a personagem passa.
A direção fortalece o tom de crônica que me parece que o roteiro tem. E se isso no começo faz com que demoremos um pouco mais a imergir na história, depois faz com que a veracidade da história fique bastante crível. Tem uma câmera que transita entre um certo documentarismo e belos planos de contemplação. Acho que é um feito difícil e que foi bem executado. Ajudando a entender a história particular que assistimos e as questões universais que estão contidas ali. As atuações estão todas ótimas e a cena de morte e luto está escandalosamente linda.
Ao que parece é o primeiro longa do diretor, que eu não conheço muito, na verdade não sou muito fã de filmes desse estilo, mas busquei ver esse com desprendimento. Rs
Para mim o primeiro ato do filme é o mais interessante. As primeiras cenas do filme mostrando a ilha e o "condomínio fechado" a partir de uma longa e apologética propaganda de televisão nos deixa intrigados. Achei inclusive que o filme iria explorar mais os aspectos da propaganda e as contradições reais dessa ilha condomínio fechado, infelizmente não me pareceu o caso.
As sequências posteriores do primeiro ato continuam ainda muito interessantes, pois de forma muito direta o filme vai intercalando diferentes cenas de compradores e moradores de um mesmo prédio e já vai introduzindo um assassinato bem bizarro, que vai paulatinamente se relacionando com os demais moradores e sendo desvendado.
Mas o mistério é muito rapidamente desvendado e o terror gráfico e bizarro toma conta progressivamente da trama.
Trata-se de um parasita criado por um médico com função de substituir algum órgão humano, mas que também estimula os instintos animalescos, sobretudo os sexuais de seus hóspedes. Eu pelo menos não consegui achar vinculo entre isso e a proposta inicial de explorar uma ilha-condominio-fechado do início do filme.
A direção é bem competente, consegue causar suspense no primeiro ato e vai estabelecendo a atmosfera de terror de forma crescente no filme, óbvio que você tem que comprar a proposta bizarra do enredo, mas a direção age de forma eficaz ajudando nessa imersão.
Paris, Texas é maravilhosamente profundo. desde o início ele já te ganha pelo mistério mas aos poucos vai te mergulhando nos dramas pessoais dos personagens e esse se torna o foco do filme, de forma tão fluida que você mal percebe a transição. E pra mim todos os personagens principais são profundamente trabalhados e também as relações entre eles (talvez o irmão de Travis seja o mais fraco nesse sentido)...
Cada cena do filme me ganhou por si só, fiquei totalmente imerso no turbilhão de emoções, lembranças e sentimentos que existe em cada cena, mesmo que isso estivesse se expressando de forma bem singela. A relação dos irmãos, a relação do Travis com a cunhada, dele com o filho...
Tudo isso vai te prendendo em cada cena, fazendo você elaborar possibilidades pro passado de cada relação... O menino é um caso a parte, o desenvolvimento da relação dele com o pai é, a meu ver, muito bem construído.
A parte final do filme, com as cenas da cabine e a cena do final é a apoteose de construções subjetivas muito bem trabalhadas, os monólogos são incríveis, tanto na construção crível quanto na interpretação. Sem simplificações e sem julgamento moral (não que as ações não sejam criminosas, ou que os personagens não tenham seus julgamentos sobre, só que pra mim o que vem a tona nós monólogos de Travis e Jane são as dores e o Vazio que aquelas ações causaram neles).
E aí, nas dores e nos vazios da vida de cada personagem (de novo talvez em menor grau no irmão), acho que está a unidade do filme, Travis, a cunhada, o filho e a Jane, todos possuem vazios, faltas, desejos, buscas internas e externas. Que pra gente vão paulatinamente se tornando o grande mistério do filme a ser desvendado.
E penso que todos os elementos do filme contribuem bem, a direção contemplativa, calma, que se perde na imensidão das paisagens e no semblante dos personagens, a fotografia marcante, o roteiro denso e as interpretações...
Enfim, acho que deu pra perceber o quanto gosto do filme.
Mesmo entendendo o drama entre vida difícil e honesta de um lado x vida fácil e criminosa do outro, e achando interessante ter a criança/adolescente como protagonista com duas figuras paternas, uma de cada lado, Desafio no Bronx não foi um filme que me pegou. Achei a narração repetitiva, a direção e roteiro tendendo muito para o piegas e os diálogos pouco críveis. O debate filosófico do ser temido x ser amado penso que não se encaixa bem, assim como a história do talento desperdiçado, já que nunca vemos o garoto ter realmente um grande talento. Penso que no geral a estrutura de filme de gangster com narração em off aqui, feito poucos anos depois de Os bons companheiros, cai bem mal. O destaque do filme vai para as atuações do de Niro e do Chazz Palminteri. Outra descoberta pra mim é o fato do de Niro ter se aventurado em uma direção.
O título já é muito ousado, já que promete demais. De um filme com um título desse você já espera muita sensibilidade, muita beleza. Acho que ele cumpre a promessa, apesar de tratar da sensibilidade e beleza diante da dor e das dificuldades, como boa parte das melhores poesias que não fogem do mundo real.
A direção é contemplativa, reforçando tanto os momentos de instrospecção da protagonista quanto a tensão dramática da história, realçando o nosso sentimento de angustia e impotência, junto com a protagonista.
E que atuação! Ela carrega o filme e nos envolve nesse misto de sentimentos que o roteiro propõe. A eficácia do roteiro, muito bom por sinal, dependia fundamentalmente da personagem principal e da sua capacidade de nos causar empatia e envolvimento. O filme é, dentre outras coisas, um estudo de personagem muito bem executado.
É uma personagem bastante complexa, o enlace dos seus dramas com a sua tentativa tardia de ser poeta, a dor e sentimento de culpa pela morte da estudante que lhe acompanham por todo o filme, a impotência diante da criação do neto, o dilema ético, as dificuldades financeiras, o medo da doença, a questão do desejo e ser desejada, a velhice... São muitas questões que perpassam de forma orgânica no desenrolar da trama.
O filme conta a história de André, que fugiu da sua sua casa eda rigidez da sua família muito religiosa, arcaica. As cenas se alternam entre um longo dialogo de André com o Irmão mais velho, Pedro (as referências aos apóstolos irmãos não me parecem casuais), que tenta levá-lo de volta pra casa e cenas em flashbacks, mostrando o fluxo de consciência de André, com cenas do seu passado em desordem, ao passo em que ele vai lembrando delas.
O filme é bastante comentado como sendo a história de um incesto, mas na verdade é a história da revolta frente a rigidez de uma criação religiosa, que emerge em André por meio do desejo sexual, principalmente do desejo sexual mais proibido.
A direção é de uma sensibilidade lindíssima. As atuações estão ótimas, com exceção do irmão mais velho, talvez. As atuações são bastante teatralizadas, mas o tom de lembranças e o contexto de criação da família justificam isso muito bem. A trilha sonora emana ao mesmo tempo o lírico das lembranças e o desespero do protagonista. O roteiro consegue dar coerência e poesia a toda a desordem mental de André.
Ao longo da trama nós vamos descobrindo as razões especificas que levaram André a ir embora, vamos descobrindo como funciona a estrutura familiar, as crenças religiosas... Concomitante a isso vamos mergulhando nas reflexões subjetivas de André, a contradição que o corrói entre um amor-apego incomensurável a família e o desejo de se libertar da prisão moral que é própria do estilo de vida patriarcal da própria família.
São tantos elementos pra se debater nesse filme que tive dificuldade em começar esse textinho, além do que já mencionei, outros aspectos que acredito serem interessantes são:
1) A revolta de André é basicamente sensitiva, racionalmente e emocionalmente ele continua ligado a sua família, não a toa sua principal forma de revolta se dá através do sexo e principalmente pela paixão pela irmã (A cena com o irmão – esse sim tem uma crítica mais racional a vida que levam – deixou isso mais nítido pra mim.
2) A representação da família patriarcal se dá na narração e nas lembranças de André, mas também no fato das mulheres da família não terem voz, as cenas de fala da mãe são mínimas e se dão principalmente quando estão a sós, Ana, que é uma personagem central, sequer fala (Que interpretação com o corpo e com os olhos).
3) A paixão pela austeridade, que principalmente o pai e o irmão mais velho tem, não deixa de ser uma paixão, como o ato final do pai deixa explicito, apesar dos seus discursos ao longo do filme.
4) A relação com a Natureza me parece outra questão central do filme, seja na manutenção das tradições e do trabalho direto (“Nunca comemos um pão que não fosse feito por nós”), seja na luta pela fuga dos desejos (Algumas rimas visuais são incríveis, como André enterrado os pés na areia ao ver Ana dançar, a cena de um arado perfurando a terra intercalando cenas de sexo, ou mesmo André tremendo em cenas de sexo e a gente sem saber se é gozo ou epilepsia... Aqui temos a relação desejo, pecado da carne, punição...). Há ainda a cena em que André chega junto de Ana contraposta às cenas dele criança capturando um passarinho na infância...
A parte final do filme se dá na volta pra casa(o próprio protagonista já havia nos dito que por mais que andasse, estava sempre voltando para casa). Há mais uma tentativa de se confrontar o pai, sem sucesso, o sentimento de culpa frente ao sofrimento da mãe, o desejo que sente pela irmã (e talvez também pelo irmão... O que reforça a ideia de que é mais uma reação frente ao proibido do que mesmo amor, afinal não há nenhuma cena de conversa com Ana, por exemplo), o final é sufocante porque a gente vê a reprodução quase imutável da vida anterior a sua partida, até que há a revolta de Ana, assim como a de André, ela é mais sensorial do que racional, e o desespero da tradição expresso no irmão Pedro e por fim, no pai...
É um filme bastante sensorial, mas que nem por isso deixa de carregar em si uma série de temas sérios, importantes. É esteticamente lindo, atuações incríveis, mas também é um filme angustiante, ele acabou e fiquei com a sensação: que espetáculo, mas também com um peso, uma angustia, que acredito ser um pouco da angustia do protagonista.
Bem, trata-se de um filme que narra a história de Josh, uma criança de 7 que descobre um talento excepcional para o xadrez, o filme vai dessa descoberta até a final do seu primeiro campeonato nacional.
Foi um bom filme good vibes, gostoso de ver e conta com uma atuação muito boa do ator que faz o Josh, ele passa de uma forma absurda o interesse e paixão do personagem pelo xadrez, assim como consegue passar a imagem de alguem que é muito bom naquilo de forma natural.
O roteiro é daqueles bastante previsíveis, bem no estilo de que eu sei qual vai ser a próxima questão que o filme tratará, mas mesmo assim quero ver como e quando isso vai acontecer. E tem alguns diálogos incríveis, que você nem espera num estilo de roteiro tão previsível. A última frase é divina!
A direção é eficaz, com ágeis movimentos de câmera e muitos close ups, o que ajuda a transcrever a tensão e o interesse nos jogos de Xadrez. A trilha sonora é bem estilo filmes estadunidenses anos 90, tentando despertar uma tensão dramática na maioria das vezes num tom bem mais alto do que a trama realmente pede.
Pra começar a escolha do título em português, Dois destinos, é a meu ver ruim, diferente do título original que é Cronaca Familiare, algo como Crônica de família ou Diário de família.
O mote do filme é interessantíssimo, trata-se da relação entre dois irmãos que foram criados separados, pois a mãe morreu no parto do mais novo e o pai estava na Primeira Guerra.
O mais novo foi criado por um mordomo, na primeira metade da vida teve acesso a uma vida rica e farta na casa dos chefes de seu pai adotivo.
O mais velho é criado pela avó materna, tanto amável quanto pobre.
Eles se vêem pouco na infância e se reencontram na vida adulta, quando passam o conviver e a visitar a vó muito idosa que vive em um abrigo.
O primeiro momento de reencontro é interessantíssimo, como o choque de estilos de vida e personalidade e o interesse mútuo entre os dois irmãos.
Eles se separam por um tempo e o segundo reencontro, agora mais velhos e com outros problemas, me pareceu apressado demais, não dando tempo de nos importarmos tanto com seus novos dramas e conflitos.
O terceiro ato, em que há um drama maior, pra mim foi o melhor, e recupera parte do interesse que tínhamos adiquirido do primeiro encontro dos irmãos já adultos.
O filme todo trabalha num tom de drama muito grande, pela direção fluida, mas cheia de close ups, pela trilha sonora pesada e enérgica, pela atuação, principalmente do irmão mais novo...
Bem, tudo isso dá muito certo no ato final, nos primeiros nem tanto, inclusive nos tirando um pouco da importância que poderíamos dar pra trama. Eu pelo menos fiquei com a sensação até o ato final de que era uma trama muito interessante, mas bem menos pesada do que o filme queria passar.
Mas o final é muito interessante, principalmente com as reflexões do irmão mais velho e narrador da história, que enfatiza sempre a inocência e vontade de viver do irmão, que também é retratada no filme todo, seja pela suas roupas claras e alegres no meio de um ambiente muito sóbrio, pela sua vontade de viver, pela sua incompreensão e inabilidade diante da dureza da vida.
É como se o filme todo falasse: esses tempos que estamos retratando não são tempos de inocência e pureza, esse personagem está deslocado.
O terceiro ato, aí sim com o drama no tom correto, confirma isso.
Mais um ótimo filme que retrata a complexidade dos dramas cotidianos, abordagem tão característica do cinema iraniano.
Trata-se da história de um pai de família de uma pequena vila, que é demitido do seu emprego de "cuidador" de avestruzes e passa a trabalhar como moto-taxista de forma quase involuntária.
O tema do filme é a dicotomia entre as péssimas condições de vida da família e o egoísmo e materialismo que o pai passa a incorporar a partir das suas vivências na metrópole.
Isso é tratado de forma bastante explícita de um ponto de vista religioso, as vezes ultrapassando a barreira do moralismo (nesse aspecto o Filhos do paraíso - único outro filme do mesmo diretor que assisti - é mais bem construído).
Mas não deixa de ser muito tocante e bem feito! E a dicotomia necessidade x materialismo é retratada em todos os aspectos possíveis do filme: roteiro, direção, atuação explendida do ator principal, trilha sonora e principalmente por meio das simbologias, que têm grande importância na trama.
Algumas das principais simbologias são as aves, em especial as avestruzes e os pardais que estão no título, que aparecem no filme mostrando a esperança e relembrando ao pai das coisas mais importantes, como honestidade, empatia, etc.
Mas têm outras simbologias que servem para o mesmo propósito, como quando o recipiente dos peixes se quebra e os meninos muito tristes são obrigados a jogar os peixes no rio; ou quando as frutas compradas com o dinheiro deixado pelo freguês caem no caminho de casa; e ainda quando o pai cai de cima dos entulhos que ele achava em Teraã e levava pra casa.
Por fim, na lindíssima cena em que um pano com grãos aparece na mise-en-scene lembrando um céu estrelado e do nada algumas mãos alcançam as estrelas, uma analogia perfeita de como o filme consegue tratar de questões universais através de dramas aparentemente tão banais, ou de como a partir da realidade e com paciência e honestidade se pode alcançar os sonhos.
Só por seu tema - violencia doméstica e vingança - já chama atenção e já nos prepara pra um filme pesado. E é.
O filme começa com a protagonista agindo, enfrentando abusadores e libertando vítimas. Aos poucos a gente vai percebendo as marcas físicas e psicológicas que a protagonista trás, até que no segundo ato a gente volta e acompanha a história dela.
Pra mim esse segundo ato é disparado o melhor, não só por ser o mais dramático, mas por ser o que passa mais verdade, e porque de forma inteligente e não expositiva vai nos explicando o presente da protagonista. Além do que os relatos e as reações no grupo de apoio que ela participa são tocantes.
Bem, aí o filme tinha me ganho completamente, mas meio que de supetão ele retorna pro clima do primeiro ato e no terceiro vira um final de vingança muito do previsível. Em resumo o filme me surpreendeu duas vezes a cada virada de ato, uma muito positivamente e outra negativamente.
A direção é discreta, com uma fotografia fria e uma câmera parada, o que realça a interpretação da Olívia Wilde que tá muito boa, passando quase que simultaneamente as características de força e firmeza por um lado e de vulnerabilidade por outro.
A força de Stromboli está realmente na atuação complexa de Ingrid Bergman, que passa de forma crível as muitas dualidades de sua personagem, Karen, que é ao mesmo tempo vítima e protagonista do seu destino; firme e medrosa; arrogante e aberta a novas amizades e experiencias, mentirosa e emocionalmente autentica...
Esse foi meu segundo filme de Rossellini, o primeiro foi Roma, cidade aberta. Em Stromboli ainda há bastante reverência ao realismo, como a vida na pequena comunidade, a linda cena da pescaria, do vulcão ativo, o peso do meio sobre a subjetividade e as decisões das pessoas... Além de continuar tratando do efeito da guerra na vida. Rosselini deixa a ilha, o vulcão, o céu e a comunidade falarem, mas não elimina a subjetividade por conta disso.
A história parece, inicialmente, clichê, mas nunca se perde na formula da forasteira aprendendo a conviver num pequeno povoado. Apesar de em diversos momentos do segundo ato o filme ficar arrastado, é muito interessante como ele vai sempre quebrando expectativas e criando novas. O final me pareceu ao mesmo tempo bastante definitivo (já que finalmente ela se comunica com deus), mas também muito aberto (já que não se tem certeza para o quê ela estava pedindo coragem).
O Ano Passado em Marienbad
4.2 156 Assista AgoraÉ bastante difícil fazer qualquer comentário acertivo, e por isso mesmo definitivo, sobre Ano passado em Marienbad. Assim como é difícil - ou melhor, imposivel! - reconstituir nossas lembranças de forma coesa e fiel ao vivido no passado. Gabriel Garcia Marquez certa vez disse que a vida não é o que se viveu, e sim o que se lembra e como se lembra de contar isso. Se tal afirmação dá conta do que seja a vida, não sei, mas penso que nos ajuda a refletir um pouco sobre o filme de Alain Resnais.
Em resumo, trata-se do encontro de um casal em um luxuoso hotel. O homem tenta convencer a mulher de que eles se encontraram naquele mesmo local um ano antes e viveram um romance às escondidas do marido (ou namorado, ou amante...) dela. O problema é que a mulher não lembra de conhecê-lo.
Assim contado, parece um enredo simples, contudo, o filme acontece diante de nós como a memória desse homem (e em alguns poucos momentos como a tentativa de reconstituição da memoria da mulher): com longos passeios da câmera pelo luxuoso hotel e seus adornos e com "personagens secundarios" quase estáticos, que quando falam, têm conversas entrecortadas e que se repetem, com pequenas variações (o que parece remeter à forma como sua memória os reteve).
A câmera ora está estática, ora passeia tranquilamente pelo hotel. Já a montagem contrasta dessa tranquilidade, temos cortes bruscos, mesmo que as vezes a conversa/narração siga. Há também, assim como nas conversas, varias repetições, com pequenas alterações das/nas imagens. A trilha sonora é constante, clássica, bonita, mas com um fundo sempre estridente, de órgão, que parece passar um caráter sempre incômodo dessas lembranças.
Em todo o filme, passado e presente não tem uma delimitação certa, e chegam mesmo a se misturar a partir do diálogo do casal principal. Ele relatando a suposta experiência de um ano antes, ela revidando a narração convicta dele. Abre-se para nós várias possibilidades, igualmente incomodas e plenamente possíveis: Ela ter esquecido um romance tórrido vivido há apenas um ano; ele criar na sua cabeça (e acreditar) uma história de amor que não aconteceu; ela fingir não lembrar dele; ele inventar a história como meio de conquistá-la; etc.
Vale falar também da figura do marido dela, que é o único outro personagem que tem algum destaque no filme (ou na memória do protagonista). Ele tem um tom sempre soturno e apresenta um jogo de mesa que se repete inúmeras vezes ao longo do filme, no qual o próprio marido sempre ganha. Não parece a toa que tal jogo apareça vividamente nas lembranças do protagonista.
Em noite e neblina, Resnais fez o importante e dificílimo trabalho de memória do holocausto; no majestoso Hiroshima, mon amour, articulou memória coletiva e pessoal do casal com uma francesa e um japonês; já aqui, ele mergulhou na construção da memória pessoal, ou melhor, nos descaminhos da tentativa de reconstrução do vivido por meio da memória. Na incerteza que é o resultado disso, a história fica para nós - e para os seus protagonistas - como foi lembrada e como foi lembrada de ser contada. E é, além de um deleite, muito estimulante.
Amor Para a Eternidade
4.0 52 Assista AgoraO filme trata da história da família formada pela esposa Feng, o marido Lu Yanshi e a filha Dan Dan. O Marido é preso no processo da Revolução Cultural de Mao e solto muitos anos depois. Ao retornar pra casa, encontra a mulher com Amnésia. Sem reconhece-lo, Feng não acredita que aquele é seu marido, mas segue aguardando ansiosamente seu retorno, e, ao mesmo tempo, tendo uma relação conturbada com a filha, que teve participação na delação do pai.
Não nos é dado muitas informações sobre a questão política de fundo. Por exemplo, não sabemos muito bem a razão pela qual Lu foi procurado e preso, a não ser um vago “ter feito críticas”. Com o fim da Revolução cultural, quando ele é absolvido, também não é abordado quase nada sobre as mudanças que ocorrem no país. O foco aqui são as relações familiares.
Feng segue uma vida relativamente normal, com bilhetes na parede lembrando de objetos e ações que ela deve executar no dia-a-dia. Expulsou a filha de casa e vive só, mas alimentando as lembranças do marido e seu amor por ele. E aguardando seu retorno.
Dan Dan no começo do filme era uma bailarina da escola estatal, abandonou a dança e agora trabalha numa fábrica, mora no alojamento do local onde trabalha, divide quarto com colegas e busca o perdão da mãe, que esquece tudo, mas não os erros do passado da filha, quando adolescente. Além de lidar com o remorso de ter delatado o próprio pai.
O marido, ao retornar, lida com a amnésia da mulher e com a dificuldade de conviver com a filha, que praticamente desconhece, pois esteve ausente desde que ela era muito nova.
Mas o foco e a força do filme está mesmo na tentativa de Lu Yanshi de fazer com que sua mulher o reconheça, o que vai se transformando, aos poucos, no esforço de trazer um pouco de felicidade e paz para sua mulher. E claro, finalmente conviver com ela.
A direção contemplativa, o enredo sensível e belo e as atuações muito competentes - com destaque para Gong Li em mais uma ótima parceria com o diretor – dão ao filme o tom de leveza necessária, mesmo com dramas pessoais tão carregados: Como viver lembrando apenas das grandes emoções do passado e esquecendo todo o resto, inclusive não reconhecendo o próprio amor que tanto a move? Ou, como viver carregando uma grande culpa, cheia de remorso, e como lidar com pai que nem conhece? Ou ainda, como depois de décadas de exilio lidar com os efeitos que sua falta – e suas escolhas? - fez? Como abrir mão das suas próprias necessidades para satisfazer as dos seus entes queridos?
O roteiro ainda insere, em determinado ponto, um momento de tensão sobre um trauma do passado de Feng, o que tira Lu de sua calma de maturidade e por um breve momento parecia levar o filme a uma certa trama de vingança, mas logo depois Lu já deixa isso de lado e volta a se concentrar no seu propósito de cuidar de Feng.
Amor para a eternidade não tem a mesma força e envergadura de outros filmes do diretor, mas tem muito sucesso no seu propósito de retratar os dramas e a beleza dessa história. A cena final é a síntese disso. Temos as sequelas de uma vida trágica e, mesmo assim, a possibilidade que os afetos nos trazem. Lembrando Riobaldo, de Grande Sertão Veredas: “Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”.
Joyland
4.0 17"Com quantos quilos de medo se faz uma tradição?"
Com a inquietante pergunta de Tom Zé foi que acompanhei a história de Joyland (2019) e da família Rana, em especial do casal Haider e Muntaz - interpretados com muita competência e sensibilidade.
A grande família paquistanesa é formada pelo patriarca idoso, seus dois filhos com suas esposas e os quatros netos que advém do filho mais velho.
Não há dúvidas de que o protagonista é Haider, filho mais novo, que começa o filme desempregado e rapidamente entendemos que não se encaixa bem no papel masculino que deve desempenhar naquele clã religioso e tradicional. A relação com sua mulher parece de muita amizade, contudo, não muito passional.
Suas vidas mudam com o emprego que Haider arranja de dançarino de uma artista trans, Biba – uma interpretação hipnotizante, que toma conta da tela ao aparecer.
É muito interessante acompanhar a relação entre tradição e modernidade no Paquistão atual, com suas muitas contradições, mas fora do estereótipo construído no ocidente.
Os desejos secretos, não só de Haider, mas também de Muntaz, trazem uma analogia bonita com o título do filme, Joyland, um parque de diversões, um lugar para você esquecer a realidade e ser feliz, mesmo que só por um instante. Essa noção também está presente na direção de Sadiq, que por meio de cores nos mostra os personagens "entrando" e "saindo" dessa realidade que os limita; mas também constantemente faz movimentos de câmera que vão do geral para cada personagem, acentuando como aquele ambiente os impacta, ou vai de closes para planos abertos, ressaltando o papel do ambiente nos dramas pessoais. Vale mencionar ainda o aspecto 4:3 em que a história nos é mostrada, de tal forma que a claustrofobia dos muitos personagens numa tela tão pequena exemplifica o sentimento que os principais personagens daquele grupo têm.
O drama perpassa inclusive por mais personagens secundários: a esposa do outro irmão e uma "tia" idosa que também se limitam diante daquele estilo de vida patriarcal; os muitos conflitos próprios que envolvem Biba e a transfobia da sociedade; e a intransigência dos demais homens da família, que se mantem mesmo quando aparecem para nós de forma debilitada.
Mas o enfoque, sobretudo no ato final, é do casal: Haider se dá conta de seus desejos e da possibilidade de viver de forma mais livre (ou conhecer o mar, em outra metáfora do filme, um tanto mais óbvia); Muntaz, além dos próprios desejos não atendidos, se vê ainda mais sufocada ao deixar de trabalhar, dentre outros limitantes que vão lhe sendo impostos de todos os lados, inclusive de onde não esperava.
Aparecem de forma orgânica ao longo de suas duas horas de duração, assuntos dos mais diversos: religião, machismo, transfobia, diversidade sexual, etarismo, etc... Ainda assim, talvez o tema dessa história seja as barreiras para mudar radicalmente a própria vida, para se rebelar contra costumes que para grande parte dos envolvidos não são mais razoáveis. Ou melhor, o tema poderia ser resumido assim: sobre a necessária coragem para abandonar uma vida que não faz sentido. Afinal, como já disse Guimarães Rosa, "Viver é muito perigoso. (...) Carece de ter coragem!
Joyland é corajoso, necessário e envolvente.
Aranha
3.6 7Bertolt Brecht já nos alertou há muito tempo que a cadela do fascismo está sempre no cio, e esse é o tema executado magistralmente pelo diretor Andrés Wood - dos igualmente maravilhosos “Machuca” e “Violeta foi para o céu” – em seu mais recente trabalho, “Aranha”, de 2019.
Esse filme Chileno consegue ir além do senso comum moralista que costuma permear o tratamento dado ao assunto da extrema-direita em produções cinematográficas. Aqui, conseguimos acompanhar e compreender o papel desses grupos para as elites econômicas e sociais; seu apelo de massas, em especial para com a juventude; seu teor nacionalista extremista (ou seria melhor dizer chauvinista!); seu preconceito; violência e seu caráter de guerra (civil) constante contra os inimigos: marxistas/comunistas/esquerda, negros, imigrantes, comunidade LGBTQI+, etc... todos aqueles que desviam do “padrão” nada latinoamericano. Ou, como se diz no Brasil atual, todos que não são “cidadãos de bem”.
Outro aspecto de destaque da obra é a forma como explica organicamente a relação dos grupos fascistas do passado com os atuais, e a relação estreita desses grupos com as elites nacionais ontem e hoje, mesmo que essas elites aparentemente estejam de “mãos limpas”.
Mas Aranha, a despeito de todos esses predicados, não é um documentário, narra a história ficcional de um jovem casal rico, Inês e Justo, e sua relação com outro jovem, Gerardo, que eles arregimentam para o grupo Pátria e Liberdade (espécie de Comando de Caça aos Comunistas chileno, que tem uma Aranha como símbolo).
Nós vamos acompanhando esses personagens alternadamente na atualidade e nos anos que precederam o golpe militar que destituiu e assassinou Salvador Allende. Inês é forte, perspicaz e audaciosa; Justo, um playboy de muita lábia e pouca efetividade; e Gerardo um rapaz pobre, ex-militar, forte e corajoso, que rapidamente se vê atraído pelas ideias fascistas e por Inês.
Além do roteiro que consegue conciliar tudo isso em uma história envolvente e dinâmica, a direção ágil de Andrés Wood é inteligente o suficiente para focar na história pessoal dos três e, a partir dela, apresentar a extrema-direita fascista como um todo: O rico defendendo seus interesses de classe de forma extremada, mas precisando terceirizar as tarefas mais difíceis; a jovem apaixonada querendo viver intensamente, contudo “não é das que se divorciam”; e o rapaz pobre, forte e corajoso, sem perspectiva de vida, que encontra um grupo ao qual pertencer, ideais para lutar e relações pessoais para si.
As escolhas e o resultado da relação dos três diz muito sobre o papel que a extrema-direita cumpre, seja abertamente, numa juventude organizada e extremista, ou por debaixo dos panos finos das mansões, nas relações de adultos/idosos respeitáveis e ilustres. Ademais, tratar os grupos (neo)fascistas como monstros desumanos, além de estar longe da verdade – por mais que sejam asquerosos e não devam ser tolerados! -, dificulta a compreensão desse fenômeno, que é demasiadamente humano e volta a aparecer em nossos dias, mas nunca deixou de existir de fato. Como diz a lápide do Comandante de A colônia Penal, de Kafka:
“Aqui jaz o antigo comandante. Seus adeptos, cujos nomes por hora devem permanecer secretos, dedicaram-lhe esta pedra tumular. Dentro de alguns anos, quando seus adeptos forem mais numerosos, ele voltará a se erguer e conquistará a colônia. tende fé e esperai”
Não esperemos!
Memórias do Subdesenvolvimento
4.1 45O filme acompanha de perto as observações e reflexões de Sergio em Havana, no ano de 1962, três após o triunfo da Revolução Cubana e o ano da crise da Baia dos Porcos. Mas o desenvolvimento de tais eventos não ganha centralidade no filme, mas sim os efeitos de tudo isso na vida e na subjetividade de seu protagonista.
Sergio é um pequeno burguês, de 38 anos, que vive de rendas e que decide não sair de Cuba, caso completamente atípico dentre seu grupo social. O início do filme é ele despedindo-se da esposa e dos pais, que vão para Miami, depois seu melhor amigo também vai. Sergio tem um certo interesse pela revolução em curso e principalmente uma certa aversão ao estilo de vida do seu meio social. Mas não demora muito para que entendamos que a relação de Sergio com sua classe social não é apenas de negação, mas de um forte conflito, em que ao mesmo tempo ele renega, mas mantem fortes características. Assim, esse personagem, nada agradável por sinal, passa grande parte do filme tentando entender, criticar e pensar em formas de superar o subdesenvolvimento (tema fortemente debatido à época tanto na cultura quanto nas ciências humanas e sociais). Contudo, nós podemos enxergar nele as principais características nefastas da elite social criada pela condição de subdesenvolvimento (ou dependência): egocentrismo, elitismo, eurocentrismo, machismo, etc. Estando sua simpatia pela Revolução Cubana num plano idealista muito forte, com pouco vinculo com os acontecimentos reais.
Sergio passa o seu tempo a relembrar o passado, vagar, acompanhar os acontecimentos sóciopolíticos e buscar relacionamentos com mulheres, todas mais novas, algumas menores de idade, e para com todas há nele um sentimento de insaciedade, de descontentamento, tenta moldá-las ao que ele entende por uma mulher interessante, mas rapidamente se sente frustrado e desinteressado e as deixa de lado. Diria que a sua relação com as mulheres parece muito com a sua relação com Cuba em si (ou pelo menos Havana) e com o seu povo, um forte interesse (e desejo) idealizado que quando se concretiza, o decepciona. Um sentimento de posse e de direito de “exploração” que não se reconhece como tal, mas que se sente fortemente incomodado quando é contestado...
Vale destaque ainda a fina ironia de Tomás Gutierréz Alea, sobretudo nas recorrentes contradições entre o que está sendo dito e o que está sendo mostrado ou feito ao longo do filme, e que não se furta a apontar não só as vitórias, mas também as contradições do processo revolucionário em curso. O que o diretor vai fazer ainda em seus demais filmes. O uso da narração em Off aqui é exemplar, enriquecendo muito o filme e dando a ele esse tom de memórias (que são do subdesenvolvimento mas parece ter uma analogia com as memórias do subsolo, do Dostô). Uma fotografia em PeB estourada e contemplativa que ajuda a entender a visão de Sergio sobre o mundo e uma direção que concatena tudo em um todo precioso e necessário.
Os Aventureiros
3.7 5Os aventureiros é um bom e leve filme de aventura, como indica o título, no velho estilo sessão da tarde. Mas ele trabalha muito bem com subversão de expectativa, mudando drasticamente o rumo e o foco dos acontecimentos pelo menos duas vezes. A meu ver, sua principal falha se dá na forma abrupta como os acontecimentos vão se dando, principalmente na primeira metade, dificultando um pouco a imersão e consequentemente com que sintamos os dramas e perigos que vão surgindo. Felizmente isso é contrabalanceado com o carisma do trio de protagonista, que é um dos pontos fortes do filme. Vale também dá destaque para as escolhas sábias como se tratou o “triangulo amoroso”, despertando certa atenção, mas sem em nenhum momento transformar isso no eixo da história. Por fim, mas não menos importante, o filme tem alguns planos belíssimos (como o do fundo do mar e o de encerramento) e uma trilha sonora deliciosa.
Mães Paralelas
3.7 411Parecia impossível Almodóvar superar sua fase dos anos 2000, mas se ele não conseguiu, pelo menos está fazendo filmes da mesma estatura nessa fase de Dor e Glória e, agora, Madres paralelas: uma espécie de melodrama sutil. Termos que parecem contraditórios entre si, mas acho que juntos explicam um pouco desses excelentes últimos filmes do diretor espanhol.
Um drama sociopolítico que faz uma incursão no melodrama novelesco pessoal já tão bem trabalhado pelo mesmo diretor, a narrativa consegue com maestria articular essas esferas da vida que costumam ser tão dissociadas no cinema em particular e nas artes em geral. Essa capacidade já é tão caracteristica de Almodovar quanto suas cores, o que me chamou atenção em Madres Paralelas é, talvez, um foco maior na questão política.
O entrelaçamento contínuo do presente com o passado e o futuro parece ser a tônica desse filme. Seja na vida pessoal de sua protagonista, seja na vida sociopolítica do país. Nas duas esferas em que o filme resolve transitar, ele o faz com desenvoltura e atraindo o nosso interesse.
As cores fortes e chamativas, as ótimas e vicerais atuações, as situações novelescas e quase inacreditáveis, os vários problemas sociais, a liberdade sexual... Tudo o que pode caracterizar um filme de Almodóvar está aqui presente, é muito bem vindo e não soa nenhum momento repetitivo.
Assim como Almodovar, a luta por memória, verdade e justiça também continua necessária, e não só na Espanha!
ps.: Nessa nova fase também temos sempre uma leve piscadela metalinguística pro público, no melhor estilo Kiarostami.
Redemoinho
3.5 30 Assista AgoraUm filme de alegorias, há aqui associações tais quais: do tom acidental da vida humana para a da vida marinha; das consequências da operação que Bibiane faz no início do filme para as consequências de um dado acidente de carro; da convivência com o remorso para o relacionamento amoroso que ela abraça... etc.
Agrada-me muito a estética dos primeiros filmes do Villeneuve: as cenas cortadas abruptamente, mas que não dão a impressão de serem cortadas aleatoriamente; o tom cru; os momentos mais leves que repentinamente aparecem e desaparecem como apareceram; a trilha sonora sempre certeira.
Villeneuve parece sempre, em diferentes tipos de filme, está nos mostrando sua concepção sobre o ser humano, uma leitura crua (como a estética dos primeiros filmes), realista, impressionada com a nossa capacidade de ser cruel... Mas que nunca chega a ser niilista, fatalista. Enxerga também as possibilidades existentes, de sobreviver, de viver, mesmo que com as cicatrizes e agarrada as consequências e memórias... como Bibiane.
E nisso tudo ainda há espaço para a ironia:
"- Todas as ações humanas são manifestações contra a morte.
- E de que ele morreu?
- Suicídio"
Valerie e Sua Semana de Deslumbramentos
3.9 191 Assista AgoraPenso que é meu primeiro contato com a New Wave Tcheca. E penso que comecei bem, uma trama de terror simples, mas visualmente bastante instigante e que alcança excelência nas metáforas.
Valerie mora com a avó em um pequeno Vilarejo e a sua semana de deslumbramentos se dá ao completar 13 anos. É até difícil explicar exatamente a trama, mas de forma simplificada, como o título já revela, ela passa por uma semana de "deslumbramentos", transe, ou algo do tipo... Nessa semana se envolve numa trama que envolve vampiros, brincos mágicos, incestos de diferentes tipos, uma contraposição entre prazer carnal e moral religiosa, passando por cultos pagãos, traição familiar, descoberta do paradeiro dos pais, etc.
Todo esse transe nos vai sendo apresentado aos poucos num desenrolar relativamente linear, o que facilita a assimilação da história que de fato é simples, mas ao mesmo tempo um deleite de ir acompanhando.
Acho que o filme consegue retratar metaforicamente bem o turbilhão de mudanças pelas quais uma garota passa nessa fase da vida, com a perda da inocência, os conflitos com a família, a descoberta da sexualidade, etc, etc.
Águia Solitária
3.6 13 Assista AgoraO filme é a história do grande feito de Charles Lindbergh, que em 1927 foi o primeiro a cruzar o atlântico num vôo sem escalas de Nova York a Paris.
Quem faz o protagonista é James Stewart, bem, como sempre, numa interpretação contida e precisa. Depois soube que o ator era 20 anos mais velho que o piloto quando realizou seu feito. Fiquei pensando que a juventude é um elemento importante dessa história, e não foi retratada no filme.
A direção do Wilder também é uma boa dosagem entre narrar a aventura e sobrepor a flashbacks da vida do protagonista. Wilder e o roteiro conseguiram fugir como puderam do texto explicativo, mas de toda forma ele ocupa muito espaço, dependendo dos pensamentos do piloto pra gente compreender os riscos e dramas que ele tá passando... Cheguei a pensar que uma narração em off não cairia mal e soaria menos forçado.
Outro aspecto que a mim não convenceu foi um certo tom religioso que foi posto pela história da correntinha da santa. O filme passaria bem sem aquilo, principalmente na hora dá aterrizagem (mas é bom destacar que o flashback com o padre é maravilhoso).
O bom tempo a que o filme se dedica a narrar os preparativos da aventura e os flashbacks da vida de Lindbergh são pra mim o ponto alto, que ajudam a dar emoção aquela aventura que a gente já sabe que vai dar certo. Mas simpatizamos com o protagonista e sua história ao ponto de conseguir torcer, vibrar e principalmente ficar feliz com a sua conquista e com agora conhecer aquela história.
O Joelho de Claire
3.9 77 Assista AgoraFoi o meu primeiro contato com o diretor, não conhecia nada do filme e do diretor sabia apenas que era da geração Nouvelle Vague francesa. Isso fica nítido também no estilo da direção e roteiro, com cortes bruscos e uma narrativa que se concentra precisamente no seu tema principal. O filme se apresenta como uma espécie de diário, que nos mostra dia a dia o desenrolar de sua trama.
Devo dizer que a premissa sobre um homem maduro tentando conquistar adolescentes por esporte me incomodou bastante, mesmo que para as personagens do filme e até para a mãe de uma dessas adolescentes isso não pareça nada demais.
Mas, para além dessa dificuldade, o caráter despretensioso como o tema é tratado e sobretudo os diálogos e conversas do protagonista com a sua amiga escritora (que propõs os joguinhos de sedução) e mesmo com a primeira adolescente da qual ele fica mais próximo são envolventes. A situação de saída da realidade, de "férias", que todos os personagens passam, ajuda a essa leveza. Um tom diferente, que desse uma importância descabida para tudo isso, com toda certeza poderia transformar o filme numa chatice. Entretanto, no ponto certo, essas conversas ganham ares bastante interessantes, familiares, e formam uma narrativa que nos prende.
O Joelho de Claire (a segunda adolescente), como um desejo irracional, mais de conquista do que de posse, é uma situação bastante identificável no flerte (ou no que hoje se chama de contatinhos ou conversas com as crushs. rs), principalmente em se pensando num momento de férias pré-casamento, como é o caso do protagonista. Nesse sentido o final também é muito bom, mostrando a efemeridade daquela "experiência", e de forma bastante sutil mostrando também o quanto a juventude costuma superdimensionar e se entregar sem receios as mesmas experiências.
Demolição
3.8 446 Assista AgoraTrata-se de um filme sobre o luto, como lidar com ele e supera-lo (ou não supera-lo).
Mas a historia nos coloca dúvidas sobre isso, ficamos pensando se aquilo que estamos vendo é realmente luto ou algo mais próximo de sociopatia. E nesse quesito penso que o filme perde um pouco a mão, pois quando o personagem vai se humanizando, na parte final, a gente vai achando essa mudança muito brusca, pela forma que ele foi construído no primeiro ato.
As atuações são ótimas (O Jake Gyllenhaal tem feitos muitos personagens assim, meio sociopatas), o roteiro penso ser o ponto alto do filme, desses bem amarrados (inclusive com um final aparando pontas demais). Mas muito bonito, com algumas simbologias e metáforas ótimas.
Tenho a impressão de que uma direção menos estilizada, mais crua, faria bem pra trama. A trilha sonora é cativante.
Vale ressaltar que a personagem da Naomi Watts e principalmente seu filho são ótimos e ajudam o filme a continuar em alta no segundo ato, que penso ser a parte menos interessnate da história principal.
Inclusive para os dois se constrói tramas próprias que são interessantes e pelas quais a gente se interessa tanto quanto o enredo do personagem principal. Inclusive trazendo outros debates a tona.
O Leitor
4.1 1,8K Assista AgoraEsse é um filme que eu vinha adiando há anos, já havia escutado muitos elogios, mas mesmo assim ele superou e muito as minhas expectativas. A história se divide em três momentos, cada qual com seu drama próprio que funciona muito bem separado e também se relacionam numa narrativa única, rica e tocante:
1. O Romance adolescente com uma mulher mais velha cheia de segredos, que vai do encanto da descoberta do sexo aos problemas de se apegar e ainda do sofrimento do abandono.
2. O jovem adulto introspectivo fortemente marcado pela experiência da adolescência e que reencontra o antigo amor, agora sabendo da sua face monstruosa e tendo que lidar com a contradição de ter se relacionado com ela e agora ver escancarado o seu “lado” nazista (o garoto vivencia individualmente o que a Alemanha experimenta como nação)
3. Um adulto com toda uma vida marcada pelo evento e ainda com um novo dilema sobre o resultado do processo em que ele poderia ter influído (mais uma vez ele parece encarnar os dramas da sua nação), juntando-se a isso a sua permanente ligação com a nazista.
Como belíssimo fio condutor nós temos o drama da personagem da Kate Winslet de não saber ler ao mesmo tempo em que é apaixonada por histórias. Outro drama igualmente grande é a sua convicção de que estava certa em cumprir as ordens e o dever nos eventos da II Guerra. Acho ainda extremamente enriquecedor pra história que ela seja uma “cumpridora de tarefas” convicta, que parece nem entender bem toda a doutrina nazista da qual era uma funcionária. E que atuação incrível a dela!
A terceira parte, a constatação do quanto aquela situação afetou a vida do protagonista, ao mesmo tempo em mostrar que a convicção do cumprimento do dever da mulher convivia com uma humanidade tocante (no seu amor por histórias e seu tardio aprendizado de ler e escrever) fecham esse terceira parte da história que não era esperada por mim, mas que foi ainda mais rico do que os dois primeiros, e coroou a unidade da trama, conjulgando de forma tocante e triste o dilema do protagonista que é também o dilema de toda uma nação. A cereja do bolo se dá no leve toque de esperança no meio da amargura do final: quando vemos na nazista uma pequena ação que demonstra remorso (não que isso seja de qualquer forma atenuante); quando o protagonista e a sobrevivente se entendem rapidamente com meias-palavras; e ainda quando ele resolve se abrir com sua filha.
No cenário em que vivemos no Brasil, é mais que oportuno ver e refletir sobre como um país que lidou com um fenômeno fascista foi marcada pelo ocorrido.
Apesar de ter uns momentos em que o filme apela pra um melodrama forçado (como se a história contada não desse conta de envolver o espectador), penso que não é nada que chegue a atrapalhar a maravilha que é esse filme.
Como Nossos Pais
3.8 444O filme já começa indo direto ao ponto, lançando o que a gente pensa que será o mote da trama toda, e nos colocando a conhecer os personagens e principalmente a protagonista Rosa já num turbilhão de descobertas e tensões.
Assim não tem uma estrutura propriamente convencional. Esse início turbulento incomoda, mas com o passar do tempo não impede que a gente vá se identificando e se importando com as personagens.
A própria trama se mostra bem mais complexa do que o mote inicial, parecendo abarcar a complexidade dos dramas familiares de classe média. E isso é talvez o ponto mais forte do filme (junto da atuação da Maria Ribeiro).
Outro aspecto rico do filme é que, apesar de ter muitas revelações e reviravoltas, ele não se prende a revelações maniqueistas mais comuns (como por exemplo quem traiu quem, quem transou com quem...). Isso ajuda bastante no enfoque de questões mais profundas que a personagem passa.
A direção fortalece o tom de crônica que me parece que o roteiro tem. E se isso no começo faz com que demoremos um pouco mais a imergir na história, depois faz com que a veracidade da história fique bastante crível. Tem uma câmera que transita entre um certo documentarismo e belos planos de contemplação. Acho que é um feito difícil e que foi bem executado. Ajudando a entender a história particular que assistimos e as questões universais que estão contidas ali.
As atuações estão todas ótimas e a cena de morte e luto está escandalosamente linda.
Calafrios
3.4 144 Assista AgoraAo que parece é o primeiro longa do diretor, que eu não conheço muito, na verdade não sou muito fã de filmes desse estilo, mas busquei ver esse com desprendimento. Rs
Para mim o primeiro ato do filme é o mais interessante. As primeiras cenas do filme mostrando a ilha e o "condomínio fechado" a partir de uma longa e apologética propaganda de televisão nos deixa intrigados. Achei inclusive que o filme iria explorar mais os aspectos da propaganda e as contradições reais dessa ilha condomínio fechado, infelizmente não me pareceu o caso.
As sequências posteriores do primeiro ato continuam ainda muito interessantes, pois de forma muito direta o filme vai intercalando diferentes cenas de compradores e moradores de um mesmo prédio e já vai introduzindo um assassinato bem bizarro, que vai paulatinamente se relacionando com os demais moradores e sendo desvendado.
Mas o mistério é muito rapidamente desvendado e o terror gráfico e bizarro toma conta progressivamente da trama.
Trata-se de um parasita criado por um médico com função de substituir algum órgão humano, mas que também estimula os instintos animalescos, sobretudo os sexuais de seus hóspedes. Eu pelo menos não consegui achar vinculo entre isso e a proposta inicial de explorar uma ilha-condominio-fechado do início do filme.
A direção é bem competente, consegue causar suspense no primeiro ato e vai estabelecendo a atmosfera de terror de forma crescente no filme, óbvio que você tem que comprar a proposta bizarra do enredo, mas a direção age de forma eficaz ajudando nessa imersão.
Paris, Texas
4.3 696 Assista AgoraParis, Texas é maravilhosamente profundo. desde o início ele já te ganha pelo mistério mas aos poucos vai te mergulhando nos dramas pessoais dos personagens e esse se torna o foco do filme, de forma tão fluida que você mal percebe a transição. E pra mim todos os personagens principais são profundamente trabalhados e também as relações entre eles (talvez o irmão de Travis seja o mais fraco nesse sentido)...
Cada cena do filme me ganhou por si só, fiquei totalmente imerso no turbilhão de emoções, lembranças e sentimentos que existe em cada cena, mesmo que isso estivesse se expressando de forma bem singela. A relação dos irmãos, a relação do Travis com a cunhada, dele com o filho...
Tudo isso vai te prendendo em cada cena, fazendo você elaborar possibilidades pro passado de cada relação... O menino é um caso a parte, o desenvolvimento da relação dele com o pai é, a meu ver, muito bem construído.
A parte final do filme, com as cenas da cabine e a cena do final é a apoteose de construções subjetivas muito bem trabalhadas, os monólogos são incríveis, tanto na construção crível quanto na interpretação. Sem simplificações e sem julgamento moral (não que as ações não sejam criminosas, ou que os personagens não tenham seus julgamentos sobre, só que pra mim o que vem a tona nós monólogos de Travis e Jane são as dores e o Vazio que aquelas ações causaram neles).
E aí, nas dores e nos vazios da vida de cada personagem (de novo talvez em menor grau no irmão), acho que está a unidade do filme, Travis, a cunhada, o filho e a Jane, todos possuem vazios, faltas, desejos, buscas internas e externas. Que pra gente vão paulatinamente se tornando o grande mistério do filme a ser desvendado.
E penso que todos os elementos do filme contribuem bem, a direção contemplativa, calma, que se perde na imensidão das paisagens e no semblante dos personagens, a fotografia marcante, o roteiro denso e as interpretações...
Enfim, acho que deu pra perceber o quanto gosto do filme.
Desafio no Bronx
3.8 132Mesmo entendendo o drama entre vida difícil e honesta de um lado x vida fácil e criminosa do outro, e achando interessante ter a criança/adolescente como protagonista com duas figuras paternas, uma de cada lado, Desafio no Bronx não foi um filme que me pegou. Achei a narração repetitiva, a direção e roteiro tendendo muito para o piegas e os diálogos pouco críveis. O debate filosófico do ser temido x ser amado penso que não se encaixa bem, assim como a história do talento desperdiçado, já que nunca vemos o garoto ter realmente um grande talento. Penso que no geral a estrutura de filme de gangster com narração em off aqui, feito poucos anos depois de Os bons companheiros, cai bem mal.
O destaque do filme vai para as atuações do de Niro e do Chazz Palminteri.
Outra descoberta pra mim é o fato do de Niro ter se aventurado em uma direção.
Poesia
4.1 189O título já é muito ousado, já que promete demais. De um filme com um título desse você já espera muita sensibilidade, muita beleza. Acho que ele cumpre
a promessa, apesar de tratar da sensibilidade e beleza diante da dor e das dificuldades, como boa parte das melhores poesias que não fogem do mundo real.
A direção é contemplativa, reforçando tanto os momentos de instrospecção da protagonista quanto a tensão dramática da história, realçando o nosso sentimento de angustia e impotência, junto com a protagonista.
E que atuação! Ela carrega o filme e nos envolve nesse misto de sentimentos que o roteiro propõe. A eficácia do roteiro, muito bom por sinal, dependia fundamentalmente da personagem principal e da sua capacidade de nos causar empatia e envolvimento. O filme é, dentre outras coisas, um estudo de personagem muito bem executado.
É uma personagem bastante complexa, o enlace dos seus dramas com a sua tentativa tardia de ser poeta, a dor e sentimento de culpa pela morte da estudante que lhe acompanham por todo o filme, a impotência diante da criação do neto, o dilema ético, as dificuldades financeiras, o medo da doença, a questão do desejo e ser desejada, a velhice... São muitas questões que perpassam de forma orgânica no desenrolar da trama.
Lavoura Arcaica
4.2 381 Assista AgoraO filme conta a história de André, que fugiu da sua sua casa eda rigidez da sua família muito religiosa, arcaica. As cenas se alternam entre um longo dialogo de André com o Irmão mais velho, Pedro (as referências aos apóstolos irmãos não me parecem casuais), que tenta levá-lo de volta pra casa e cenas em flashbacks, mostrando o fluxo de consciência de André, com cenas do seu passado em desordem, ao passo em que ele vai lembrando delas.
O filme é bastante comentado como sendo a história de um incesto, mas na verdade é a história da revolta frente a rigidez de uma criação religiosa, que emerge em André por meio do desejo sexual, principalmente do desejo sexual mais proibido.
A direção é de uma sensibilidade lindíssima. As atuações estão ótimas, com exceção do irmão mais velho, talvez. As atuações são bastante teatralizadas, mas o tom de lembranças e o contexto de criação da família justificam isso muito bem. A trilha sonora emana ao mesmo tempo o lírico das lembranças e o desespero do protagonista. O roteiro consegue dar coerência e poesia a toda a desordem mental de André.
Ao longo da trama nós vamos descobrindo as razões especificas que levaram André a ir embora, vamos descobrindo como funciona a estrutura familiar, as crenças religiosas... Concomitante a isso vamos mergulhando nas reflexões subjetivas de André, a contradição que o corrói entre um amor-apego incomensurável a família e o desejo de se libertar da prisão moral que é própria do estilo de vida patriarcal da própria família.
São tantos elementos pra se debater nesse filme que tive dificuldade em começar esse textinho, além do que já mencionei, outros aspectos que acredito serem interessantes são:
1) A revolta de André é basicamente sensitiva, racionalmente e emocionalmente ele continua ligado a sua família, não a toa sua principal forma de revolta se dá através do sexo e principalmente pela paixão pela irmã (A cena com o irmão – esse sim tem uma crítica mais racional a vida que levam – deixou isso mais nítido pra mim.
2) A representação da família patriarcal se dá na narração e nas lembranças de André, mas também no fato das mulheres da família não terem voz, as cenas de fala da mãe são mínimas e se dão principalmente quando estão a sós, Ana, que é uma personagem central, sequer fala (Que interpretação com o corpo e com os olhos).
3) A paixão pela austeridade, que principalmente o pai e o irmão mais velho tem, não deixa de ser uma paixão, como o ato final do pai deixa explicito, apesar dos seus discursos ao longo do filme.
4) A relação com a Natureza me parece outra questão central do filme, seja na manutenção das tradições e do trabalho direto (“Nunca comemos um pão que não fosse feito por nós”), seja na luta pela fuga dos desejos (Algumas rimas visuais são incríveis, como André enterrado os pés na areia ao ver Ana dançar, a cena de um arado perfurando a terra intercalando cenas de sexo, ou mesmo André tremendo em cenas de sexo e a gente sem saber se é gozo ou epilepsia... Aqui temos a relação desejo, pecado da carne, punição...). Há ainda a cena em que André chega junto de Ana contraposta às cenas dele criança capturando um passarinho na infância...
A parte final do filme se dá na volta pra casa(o próprio protagonista já havia nos dito que por mais que andasse, estava sempre voltando para casa). Há mais uma tentativa de se confrontar o pai, sem sucesso, o sentimento de culpa frente ao sofrimento da mãe, o desejo que sente pela irmã (e talvez também pelo irmão... O que reforça a ideia de que é mais uma reação frente ao proibido do que mesmo amor, afinal não há nenhuma cena de conversa com Ana, por exemplo), o final é sufocante porque a gente vê a reprodução quase imutável da vida anterior a sua partida, até que há a revolta de Ana, assim como a de André, ela é mais sensorial do que racional, e o desespero da tradição expresso no irmão Pedro e por fim, no pai...
É um filme bastante sensorial, mas que nem por isso deixa de carregar em si uma série de temas sérios, importantes. É esteticamente lindo, atuações incríveis, mas também é um filme angustiante, ele acabou e fiquei com a sensação: que espetáculo, mas também com um peso, uma angustia, que acredito ser um pouco da angustia do protagonista.
Lances Inocentes
3.9 104Bem, trata-se de um filme que narra a história de Josh, uma criança de 7 que descobre um talento excepcional para o xadrez, o filme vai dessa descoberta até a final do seu primeiro campeonato nacional.
Foi um bom filme good vibes, gostoso de ver e conta com uma atuação muito boa do ator que faz o Josh, ele passa de uma forma absurda o interesse e paixão do personagem pelo xadrez, assim como consegue passar a imagem de alguem que é muito bom naquilo de forma natural.
O roteiro é daqueles bastante previsíveis, bem no estilo de que eu sei qual vai ser a próxima questão que o filme tratará, mas mesmo assim quero ver como e quando isso vai acontecer. E tem alguns diálogos incríveis, que você nem espera num estilo de roteiro tão previsível. A última frase é divina!
A direção é eficaz, com ágeis movimentos de câmera e muitos close ups, o que ajuda a transcrever a tensão e o interesse nos jogos de Xadrez. A trilha sonora é bem estilo filmes estadunidenses anos 90, tentando despertar uma tensão dramática na maioria das vezes num tom bem mais alto do que a trama realmente pede.
No geral, foi um filme muito gostoso de ver.
Dois Destinos
4.2 25Pra começar a escolha do título em português, Dois destinos, é a meu ver ruim, diferente do título original que é Cronaca Familiare, algo como Crônica de família ou Diário de família.
O mote do filme é interessantíssimo, trata-se da relação entre dois irmãos que foram criados separados, pois a mãe morreu no parto do mais novo e o pai estava na Primeira Guerra.
O mais novo foi criado por um mordomo, na primeira metade da vida teve acesso a uma vida rica e farta na casa dos chefes de seu pai adotivo.
O mais velho é criado pela avó materna, tanto amável quanto pobre.
Eles se vêem pouco na infância e se reencontram na vida adulta, quando passam o conviver e a visitar a vó muito idosa que vive em um abrigo.
O primeiro momento de reencontro é interessantíssimo, como o choque de estilos de vida e personalidade e o interesse mútuo entre os dois irmãos.
Eles se separam por um tempo e o segundo reencontro, agora mais velhos e com outros problemas, me pareceu apressado demais, não dando tempo de nos importarmos tanto com seus novos dramas e conflitos.
O terceiro ato, em que há um drama maior, pra mim foi o melhor, e recupera parte do interesse que tínhamos adiquirido do primeiro encontro dos irmãos já adultos.
O filme todo trabalha num tom de drama muito grande, pela direção fluida, mas cheia de close ups, pela trilha sonora pesada e enérgica, pela atuação, principalmente do irmão mais novo...
Bem, tudo isso dá muito certo no ato final, nos primeiros nem tanto, inclusive nos tirando um pouco da importância que poderíamos dar pra trama.
Eu pelo menos fiquei com a sensação até o ato final de que era uma trama muito interessante, mas bem menos pesada do que o filme queria passar.
Mas o final é muito interessante, principalmente com as reflexões do irmão mais velho e narrador da história, que enfatiza sempre a inocência e vontade de viver do irmão, que também é retratada no filme todo, seja pela suas roupas claras e alegres no meio de um ambiente muito sóbrio, pela sua vontade de viver, pela sua incompreensão e inabilidade diante da dureza da vida.
É como se o filme todo falasse: esses tempos que estamos retratando não são tempos de inocência e pureza, esse personagem está deslocado.
O terceiro ato, aí sim com o drama no tom correto, confirma isso.
A Canção dos Pardais
4.2 53Mais um ótimo filme que retrata a complexidade dos dramas cotidianos, abordagem tão característica do cinema iraniano.
Trata-se da história de um pai de família de uma pequena vila, que é demitido do seu emprego de "cuidador" de avestruzes e passa a trabalhar como moto-taxista de forma quase involuntária.
O tema do filme é a dicotomia entre as péssimas condições de vida da família e o egoísmo e materialismo que o pai passa a incorporar a partir das suas vivências na metrópole.
Isso é tratado de forma bastante explícita de um ponto de vista religioso, as vezes ultrapassando a barreira do moralismo (nesse aspecto o Filhos do paraíso - único outro filme do mesmo diretor que assisti - é mais bem construído).
Mas não deixa de ser muito tocante e bem feito! E a dicotomia necessidade x materialismo é retratada em todos os aspectos possíveis do filme: roteiro, direção, atuação explendida do ator principal, trilha sonora e principalmente por meio das simbologias, que têm grande importância na trama.
Algumas das principais simbologias são as aves, em especial as avestruzes e os pardais que estão no título, que aparecem no filme mostrando a esperança e relembrando ao pai das coisas mais importantes, como honestidade, empatia, etc.
Mas têm outras simbologias que servem para o mesmo propósito, como quando o recipiente dos peixes se quebra e os meninos muito tristes são obrigados a jogar os peixes no rio; ou quando as frutas compradas com o dinheiro deixado pelo freguês caem no caminho de casa; e ainda quando o pai cai de cima dos entulhos que ele achava em Teraã e levava pra casa.
Por fim, na lindíssima cena em que um pano com grãos aparece na mise-en-scene lembrando um céu estrelado e do nada algumas mãos alcançam as estrelas, uma analogia perfeita de como o filme consegue tratar de questões universais através de dramas aparentemente tão banais, ou de como a partir da realidade e com paciência e honestidade se pode alcançar os sonhos.
A Vigilante
2.7 85 Assista AgoraSó por seu tema - violencia doméstica e vingança - já chama atenção e já nos prepara pra um filme pesado. E é.
O filme começa com a protagonista agindo, enfrentando abusadores e libertando vítimas. Aos poucos a gente vai percebendo as marcas físicas e psicológicas que a protagonista trás, até que no segundo ato a gente volta e acompanha a história dela.
Pra mim esse segundo ato é disparado o melhor, não só por ser o mais dramático, mas por ser o que passa mais verdade, e porque de forma inteligente e não expositiva vai nos explicando o presente da protagonista. Além do que os relatos e as reações no grupo de apoio que ela participa são tocantes.
Bem, aí o filme tinha me ganho completamente, mas meio que de supetão ele retorna pro clima do primeiro ato e no terceiro vira um final de vingança muito do previsível. Em resumo o filme me surpreendeu duas vezes a cada virada de ato, uma muito positivamente e outra negativamente.
A direção é discreta, com uma fotografia fria e uma câmera parada, o que realça a interpretação da Olívia Wilde que tá muito boa, passando quase que simultaneamente as características de força e firmeza por um lado e de vulnerabilidade por outro.
Stromboli
4.0 40A força de Stromboli está realmente na atuação complexa de Ingrid Bergman, que passa de forma crível as muitas dualidades de sua personagem, Karen, que é ao mesmo tempo vítima e protagonista do seu destino; firme e medrosa; arrogante e aberta a novas amizades e experiencias, mentirosa e emocionalmente autentica...
Esse foi meu segundo filme de Rossellini, o primeiro foi Roma, cidade aberta. Em Stromboli ainda há bastante reverência ao realismo, como a vida na pequena comunidade, a linda cena da pescaria, do vulcão ativo, o peso do meio sobre a subjetividade e as decisões das pessoas... Além de continuar tratando do efeito da guerra na vida. Rosselini deixa a ilha, o vulcão, o céu e a comunidade falarem, mas não elimina a subjetividade por conta disso.
A história parece, inicialmente, clichê, mas nunca se perde na formula da forasteira aprendendo a conviver num pequeno povoado. Apesar de em diversos momentos do segundo ato o filme ficar arrastado, é muito interessante como ele vai sempre quebrando expectativas e criando novas. O final me pareceu ao mesmo tempo bastante definitivo (já que finalmente ela se comunica com deus), mas também muito aberto (já que não se tem certeza para o quê ela estava pedindo coragem).