Um homem entre gigantes aborda a velha luta entre a ciência e o capital. Referimo-nos ao capital como o dinheiro investido em algum setor da economia para se multiplicar indefinidamente. Para os marxistas, o capital torna-se uma espécie de agente que domina tudo na sociedade burguesa. Domina o Estado, a política, as relações sociais e humanas, a religião, a cultura, a ideologia, a ciência. O próprio homem curva-se diante do capital que se tornou uma força incontrolável. O capital está vencendo a luta contra a ciência nas áreas do meio ambiente, dos laboratórios farmacêuticos, da indústria de armas, do sistema financeiro, das pesquisas sobre economia e relações trabalhistas. A indústria de cigarros e bebidas precisou fazer concessões para a ciência mas continua poderosa como sempre. Há quem acredite que a indústria de armamentos foi a responsável pelo assassinato do presidente John Kennedy. Há quem acredite que a indústria de armamentos, junto com os Bancos, patrocinou a campanha de Donald Trump. O novo presidente já avisou que quer reativar a corrida armamentista com a Rússia e a China. O filme de Peter Lendesman expõe a luta entre a ciência e o capital que ocorreu no esporte mais popular dos EUA: o futebol americano. A NFL, National Futebol League, tem receita anual superior a US$ 13,3 bilhões. É a liga profissional esportiva mais rica do mundo. É mais rica que 74 nações do planeta. O Super Bowl é o jogo final de disputa do título do futebol americano. Mais de 100 milhões de pessoas nos Estados Unidos e cerca de um bilhão de pessoas em mais de 200 países assistem ao Super Bowl. O espaço comercial de 30 segundos no intervalo desse jogo foi vendido por mais de US$ 4 milhões. Para comparar, a receita do Brasileirão não chega a US$ 1 bilhão. Um homem entre gigantes mostra a luta entre o doutor Bennet Omalu, um médico legista negro, imigrante nigeriano, e a National Futebol League. Omalu percebe que mexeu num vespeiro e chega a dar um passo atrás. Mas, como na luta entre David e Golias, acaba vencendo a batalha contra o capital. Entretanto, a NFL continua mais rica e poderosa que nunca. O filme não tem a mesma força de Spotlight mas consegue agradar a quem está envolvido com a pesquisa acadêmica como eu.
Muitas críticas que li tomaram o estupro como o tema central de Elle, filme dirigido por Paul Verhoeven. Acho que a chave para entender o filme é a ausência de ética, de regras jurídicas e de moralidade nos games violentos. Nesses games, matar e exterminar é a regra básica de sobrevivência dos jogadores. Nos jogos de vídeo games, os jovens retornam a um estado primitivo da humanidade em que matar era essencial para a sobrevivência. A violência nos fascina porque ela permanece como energia instintiva que borbulha na nossa psique e no inconsciente coletivo. Com a conquista da civilização, a humanidade reprimiu as energias instintivas, inclusive o impulso para matar, estabelecendo a moralidade e a eticidade como regra de conduta dos indivíduos. Como elementos do processo civilizatório, todas as religiões do planeta, de uma forma ou de outra, incutiram e continuam incutindo a moralidade e a eticidade como fundamento para a conduta de seres humanos. Em suma, o mundo violento criado pelos jogos de vídeo game libera a energia instintiva e selvagem que permanece represada nas camadas mais remotas da nossa psique. Quanto mais violento e sanguinário, melhor será o jogo porque mais incitará os nossos instintos assassinos. As lutas sangrentas do UFC comportam a mesma análise. O romance “Oh...”, de Philippe Djian, transformado no filme Elle, faz a seguinte reflexão. Como seria uma realidade humana sem moralidade e sem ética? Nessa realidade, o massacre perpetrado por Georges, pai de Michèle Leblanc, já não seria tão chocante. Georges matou 27 pessoas, incluindo crianças e animais de estimação. Nesse mundo, como sugere a própria Michèle, a vergonha não seria um sentimento suficientemente forte para nos impedir de fazer o que quer que seja. E como seriam as pessoas num mundo sem moralidade e sem eticidade? Seriam como a Michèle que encara o estupro como uma coisa natural, como regra do jogo, vendo o revide como a atitude correta a ser tomada. Michèle não recorre à polícia porque em jogos de vídeo game não existe lei para coibir a violência. Nesse mundo, Michèle trai a sua melhor amiga e não sente remorso nenhum ao cuspir a traição na cara dela. Michèle deseja cuspir também na cara do pai antes que ele morra. As pessoas num mundo sem moralidade e sem eticidade seriam como a nora de Michèle que trai o marido de forma descarada como se fosse a coisa mais natural do mundo. Seriam todos como a mãe de Michèle que se diverte com um garoto de programa jovem sem demonstrar qualquer pudor. Seriam todos como a Michèle que humilha a mãe na ceia de Natal, levando-a ao coma e à morte. Nesse mundo amoral e aético, não existiriam mais anjos e nem demônios. A distinção entre o certo e o errado perderia sentido. Patrick, o estuprador, deixaria de ser visto como um monstro. Como nos games, Patrick seria apenas algo a ser exterminado. Isabelle Huppert consegue representar de forma magistral o ser humano desprovido de emoção, insensível, indiferente e frio, que despontaria no mundo sem eticidade e sem moralidade. Michèle, dona de uma empresa líder do mercado de videogames, é indestrutível como uma personagem de vídeo game. Rebecca, a mulher do estuprador, católica devota, faz o contraponto desse mundo sem moralidade. Quando vemos hoje o comportamento de muitas pessoas dominadas pelo ódio e pelo preconceito, percebe-se que Elle não é uma simples obra de ficção. Michèle é a representação do ser humano que começa a germinar e se tornará típico num futuro próximo da humanidade. Os games violentos e as lutas sangrentas do UFC revelam que os nossos instintos assassinos estão precisando de extravasão. Como na Alemanha dos anos 1930.
Está na Bíblia. Se alguém declarar: “Eu amo a Deus!”, porém odiar a seu irmão, é mentiroso, porquanto quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não enxerga. Pregado na cruz, o bom ladrão foi perdoado por Jesus por ter se arrependido. Brian Nichols, o psicopata assassino, ouviu as palavras de Deus, se arrependeu e Ashley Smith, a refém, depois de liberta, correu para chamar a polícia. No final do filme, Ashley é glorificada no programa da Oprah por seu gesto cristão de ensinar o assassino a acreditar nas palavras de Deus. Brian Nichols acreditou no policial e na refém que lhe disseram que poderia ver o filho mesmo estando na cadeia. Dois grandes mentirosos que ficaram impunes no filme.
O filme é um pouco prejudicado pela interferência do padrão Globo de qualidade e do conceito europeizado que a emissora tem de beleza feminina. Não aceitam que tenhamos um povo mestiço que agrega negros, índios e brancos. A escolha da Cléo Pires e da Cláudia Ohana explica o que estou querendo sugerir. Deixando isso de lado, é bom ver o cinema nacional mostrando a realidade social e cultural brasileira para um público mais amplo. O cinema novo mostrava a realidade econômica, política, social e cultural brasileira para um público muito restrito. Por isso, tivemos as nossos corações e mentes colonizados culturalmente pelo cinema de Hollywood. Desse modo, nós brasileiros temos mais simpatia pelos estadunidenses do que pelos mexicanos e pelos demais povos latinos americanos. Viva o cinema brasileiro!
A fotografia é bonita. A música corrompe o espírito dos filmes de faroeste. Vejam a música de introdução do filme O homem do Oeste para constatar a diferença. O roteiro de Marcados pela vingança parece ter sido escrito por uma criança que fugiu da escola. Gosto de filmes de faroeste produzidos nas décadas de 1940, 1950 e começo de 1960. Inclusive aqueles de baixo orçamento, filmados em branco e preto. Marcados pela vingança foi realizado em 1972. É certo que muitos faroestes bons foram produzidos depois do período de ouro desse gênero. Mas este de 1972 me decepcionou.
Contra a sua vontade, Moti precisa ajudar o seu pai Yitzhak a tocar uma granja de perus. Ele gostava de mexer com carros e motos. O filme mostra os conflitos entre pais e filhos que se reproduzem aos borbotões em todas as culturas de natureza patriarcal. Na minha infância, contra a minha vontade, eu precisei ajudar o meu pai a tocar uma peixaria. Eu gostava de jogar bola na rua. O final hollywoodiano achei inconsequente. Talvez eu esteja errado. Pode ser que o diretor Yuval Delshad tenha desejado sugerir que as sociedades patriarcais estão se transformando. Baba Joon mostra paisagens bonitas de Israel. Filme bom para quem gosta de conhecer culturas diferentes da sua.
Gosto de imagens que tentam reconstituir os Estados Unidos dos anos 1950. O clima da época transmite uma sensação de felicidade e chega a ser encantador. A era de ouro do capitalismo fervilhava venturosa. Todavia, em Indignação, esse cenário mágico oculta uma sociedade doentia, preconceituosa e opressiva. O conservadorismo sufocava quem não era branco, anglo-saxão e protestante e não se encaixava na ordem ideológica, econômica, política e legal vigente. James Schamus transformou um trabalho de Philip Roth num filme denso e instigante. Marcus Messner, filho de um açougueiro judeu, chega à Universidade e repudia a ordem social instaurada pela era de ouro da sociedade estadunidense. Durante uma discussão com um reitor ultraconservador, Messner cita um livro de Bertrand Russell, “Porque não sou cristão”, para tentar demolir os argumentos do seu oponente. Olivia Hutton é outra personagem que não se enquadra no sistema. Ela é liberada demais para a época. Seu comportamento choca até Messner que tem uma cabeça aberta. Em determinado momento, Olivia cita uma frase de Benjamin Franklin: Democracia são dois lobos e uma ovelha decidindo sobre o que comer no jantar. Ou seja, Olivia e Messner são duas peças desajustadas que precisam ser expurgadas e serão. O rebelde Messner pagará caro por não se submeter ao sistema opressivo. Será convocado para lutar na Guerra da Coréia por perder a vaga na Universidade. Olivia terá o mesmo destino ficando confinada num asilo para dementes. Um filme para quem gosta de diálogos intelectualizados.
[Spoiler] O filme aborda relações familiares. A mãe de Tallulah a abandona quando ela tinha 6 anos. Mesmo assim, ela mostra que tem instintos maternos quando assume a guarda provisória do bebê de uma mãe negligente, abandonada pelo marido. O namorado de Tallulah, Nico, abandonou a mãe, Margo, que é especialista em relações familiares. Nico abandona também Tallulah. A Margo teve a sua família desagregada quando o filho foge e o marido descobre o amor por outro homem. Margo, que sente falta de uma família, que estava quase desistindo da vida, terá uma surpresa quando conhecer e conviver com Tallulah, uma jovem completamente diferente dela, que aparece no apartamento dela com o suposto netinho no colo. A única família que se mantém em pé no filme é formada por uma relação homoafetiva. Ellen Page é uma figura. Música legal. Recomendo só para quem gosta do tema. Família é uma questão complicadíssima. Ser mãe, muito mais.
Uma das coisas que me fazem gostar de faroeste é a paisagem desértica do oeste estadunidense. John Ford filmou com maestria essa região dos EUA. O faroeste convencional aborda o confronto entre o bandido e o mocinho. Este sempre vence. No faroeste moderno que David Mackenzie nos oferece, a paisagem do Texas é belíssima, mas não se sabe quem é bandido e quem é mocinho. Para Mackenzie, os bancos são os vilões da história. O xerife representa o Estado implacável que defende a exploração selvagem dos bancos contra as suas vítimas miseráveis. O xerife é também uma vítima desse sistema. Mackenzie nos mostra que não é preciso fazer filmes herméticos e chatos para atingir reflexões profundas no cinema. A qualquer custo consegue harmonizar violência com ternura, entretenimento com política. Mackenzie nos oferece, enfim, imagens emocionantes sem recorrer a efeitos especiais espetaculares produzidos no computador.
Se eu gosto de filmes de faroeste, deveria gostar de filmes de super-herói. Mas existe uma incompatibilidade de gênios. Detesto efeitos especiais. Tentei, mas não consegui assistir até o fim. Que me perdoem os fãs do gênero.
Achei o roteiro muito cheio de meandros. Gosto de faroeste porque é tudo direto e sem rodeios. Apesar da restrição que fiz, é certo que o filme aborda duas questões muito importantes. A primeira pertence à área do Direito. A era moderna tem como uma das fundações o caráter impessoal da lei. A lei não exprime a vontade de uma pessoa particular. É uma instituição de caráter público que está acima de todos e sobrevive mesmo quando todos morrem. A outra questão é de natureza Política. Brecht disse: Pobre do povo que precisa de heróis. No filme Matar ou morrer, os cidadãos de uma cidade lavam as mãos e deixam para o Estado a tarefa de manter a ordem. Em Minha vontade é lei, o representante do Estado não ficou na mão. Os cidadãos se ergueram para garantir a ordem. Que baita diferença!
O grande matemático inglês Godfrey Harold Hardy convida Srinivasa Ramanujan, indiano pobre e sem formação acadêmica, para estudar com ele no Trinity College de Cambridge. Vivendo na Inglaterra, Ramanujan enfrenta preconceito racial e de classe, vaidades no meio acadêmico, conflito entre as visões de mundo ocidental e oriental. Por pertencerem a mundos diferentes, Ramanujan e o professor Hardy enfrentam dificuldades para se entenderem. Uma dessas dificuldades é a diferença entre o Ocidente e o Oriente sobre a noção de verdade. A verdade no Ocidente nasce da comprovação científica — pela dedução lógica ou pela experimentação. O conhecimento científico fragmenta o mundo. Por exemplo, ciência de um lado, religião de outro. A ciência serve como instrumento para dominar a natureza. Promove o conflito. A razão sobrepuja a intuição. Para o Oriente, a verdade está no todo. Um todo em que tudo está interligado: Deus, relação entre as pessoas, números, saúde, destino, vida, natureza. Essa verdade é sabedoria pois significa harmonia. Ramanujan não consegue entender como o professor Hardy pode fragmentar o Tao, a totalidade do mundo, e se manter íntegro. Por exemplo, da mesma forma que separa sentimento religioso e lógica matemática, o professor Hardy separa relacionamento profissional e relacionamento pessoal. [Início do Spoiler] Um gênio foi desperdiçado porque não teve um amigo para cuidar de sua alimentação, para oferecer um alojamento adequado, para providenciar a vinda de sua esposa para a Inglaterra. Apesar disso, nasce entre os dois matemáticos uma amizade bonita. Compartilhar visão de mundo acabou sendo enriquecedor para ambos. Mas a amizade entre o indiano e o inglês nasceu tarde demais. Devido às péssimas condições de vida e de trabalho, o jovem gênio da matemática adoeceu e um patrimônio intelectual da humanidade foi desperdiçado de forma lamentável. Se o professor Hardy não separasse Deus e matemática, sentimento e razão, teria deixado um ser humano próximo dele viver com fome, frio e saudade da mulher amada apenas por falta de uma mão amiga? De qualquer forma, no final, o professor Hardy descobre que laços afetivos são tão importantes quanto a lógica fria da matemática.
Parei de assistir filmes da categoria romance porque mamão maduro e muito doce me dá ânsia de vômito. Gosto de vinho seco e de cerveja com lúpulo de boa qualidade que deixa a bebida amarga. Quem quiser ver amor puro e verdadeiro, de um homem por uma mulher, recomendo A estrada da vida, filme do mestre Fellini. Quem quiser ver uma cena de amor verdadeiro, de uma mulher por um homem, recomendo Matar ou morrer, de Fred Zinnemann. É a cena da personagem interpretada por Grace Kelly em que ela sai correndo do trem.
O filme talvez tivesse ficado interessante se o rapaz fosse pobre e feio e se a moça fosse uma voluntária de classe média mais feia ainda que o rapaz e se a história os deixasse lindos. E ficaria interessante se viver intensamente não fosse comparado a curtir corrida de cavalos, concertos, festas e viagens a lugares com paisagens paradisíacas, ou seja, se viver não fosse confundido com uma busca insaciável de prazeres sensoriais. O roteiro tem um pouco de conto de fadas com um final infeliz. Se a discussão sobre a eutanásia tivesse sido aprofundada, o filme não ficaria parecendo um livro de autoajuda ou uma típica novela de televisão. Eu não sei se suportaria viver dia e noite com dor e com o moral no fundo do poço. Todavia, o filme seria muito chato se ficasse o tempo todo discutindo a questão da eutanásia. Apesar de convencional, a história consegue distrair os espectadores menos exigentes como eu que adoram filmes de faroeste.
Flores amarelas na grama verde retrata os acontecimentos banais da infância. Mas de banal o filme não tem nada. As belas paisagens do Vietnam, outrora incendiadas por napalm, são habitadas por sapos, demônios e princesas. O universo mágico de um punhado de crianças vietnamitas toca os nossos corações de forma terna e singela. Doce e suave encantamento. Filme para crianças e para adultos. Apesar de penetrar no mundo mágico da fantasia, o filme não tira o pé da realidade implacável da luta cotidiana pela sobrevivência.
Para quem gosta do tema, o filme é interessante porque mostra os detalhes dos bastidores do assassinato. O roteiro reforça a tese de que Lee Harvey Oswald foi o culpado do crime. Não faz nenhuma reflexão sobre as razões que levaram Jack Ruby a matar Oswald. Em 1967, quando Jack Ruby ganhou a chance de um novo julgamento, morreu de câncer alguns dias depois. Oswald e Jack poderiam ter revelado muita coisa se não tivessem sofrido o processo de queima de arquivo. Nos EUA, o presidente mais poderoso do planeta precisa subordinar-se à indústria de armas e ao sistema financeiro. Dizem que Kennedy queria acabar com a guerra do Vietnam. Sabiamente, da mesma forma que todos os presidentes estadunidenses, Obama sempre disse Amém ao sistema financeiro. Enfim, o filme deveria ter recebido o título: JFK: os detalhes desconhecidos. Não conta nenhuma história, apenas narra alguns fatos de uma forma jornalística.
A indústria cultural, sobretudo a fonográfica, trabalha de forma semelhante a St Clair Bayfield, marido de Florence Foster Jenkins. Através de uma máquina de divulgação monstruosa, essa indústria diabólica consegue transformar porcaria em sucesso estrondoso. As massas manipuladas têm o seu gosto moldado de acordo com os padrões dessa indústria. Aqueles que ousam pensar criticamente são escorraçados. Aliás, o problema de assistir a um filme com olhar crítico é que perdemos a chance de dar umas boas gargalhadas.
O contraste entre o bestial e o sublime. A face divina e selvagem do animal sapiens irrompendo nas florestas e montanhas da Birmânia, hoje Mianmar. O nacionalismo fanático e a tolerância entre os povos. A guerra bárbara e a arte celestial. Na fotografia, a contraposição bela entre o branco e o preto gerando uma suave profusão de tons de cinza. Proibido para quem gosta de super heróis, luta entre mocinho e bandido, ritmo alucinante de games. A harpa da Birmânia abomina a violência, prega a paz, busca o nirvana, o sereníssimo. Sem maniqueísmo.
O bigode do Eddie Murphy continua inconfundível. Mulheres bonitas e charmosas são como flores que embelezam e dão encanto a um filme. No meu caso particular, acho que se o filme tivesse sido recheado com os grandes sucessos pop dos anos 1970, teria ficado mais saboroso. Nada recebe grande realce no filme: nem a música, nem a comida, nem o roteiro. Laços familiares não biológicos constituem o tema principal de Mr. Church. Não recomendo o filme para quem gosta de ação, explosão e super heróis. Mr. Church é um herói que apenas cozinha, toca piano, ama livros, se embebeda, gosta de privacidade, nunca tem problemas financeiros, ganha uma família. Sexo? Só na mente suja dos espectadores maliciosos.
Mais um bom filme que comprova a tese de que não existiria violência no mundo se todos tivessem a oportunidade de se realizarem como seres humanos. Na sociedade em que vivemos, são poucos os que têm a oportunidade de se realizar. O sentimento de frustração é a semente da violência. Há quem acredite que seria possível construir uma sociedade voltada para a realização dos seres humanos. Nossa sociedade está voltada para a multiplicação do capital investido. O resto fica em segundo e último plano. Quem gostar desse tema recomendo O homem de Alcatraz.
Quem gosta de História como eu ficará um pouco decepcionado porque o filme Imperador dá muita importância a um conto de amor em detrimento dos fatos que iriam marcar decisivamente o futuro do Japão. O general Mac Arthur, como governador da ilha, implementou a meta dos EUA de impedir que o Japão passasse para a área de influência da União Soviética. Além de ajuda econômica, o general implementou uma série de reformas para modernizar o Japão. A reforma agrária eliminou o poder que a oligarquia rural mantinha durante séculos no arquipélago nipônico. A supressão das forças armadas destruiu o poder político que os generais desfrutavam até então. A democracia e o desenvolvimento econômico impediram que o socialismo se alastrasse no país. De qualquer forma, o filme Imperador mostra como se deu a rendição do Japão e o perdão que foi concedido ao Imperador por supostos crimes de guerra.
A música salva o filme. As interpretações do Coral de Meninos chegaram a produzir comoção estética em mim. Percebi então que a arte é a vocação sublime da humanidade. O roteiro açucarado apenas afaga a criança que ainda sobrevive teimosa dentro da gente.
Tive a sensação que Abbas Kiarostami quis fazer uma reflexão sobre a subjetividade do indivíduo na sociedade moderna. O indivíduo luta para preservar a sua privacidade mas ao mesmo tempo sente a falta de relações de afeto com o outro num mundo dominado por relações mercantilizadas. O professor aposentado paga uma garota de programa para desfrutar de um pouco de afetividade em um mundo onde todas as relações são regidas pelo princípio de mercado. Um jovem mecânico apaixona-se por essa mesma garota de programa e quer se casar com ela sem saber da verdade. Uma vizinha paquera o professor buscando um amor impossível. A garota de programa não pode encontrar-se com a sua avó para não expor à família a sua verdadeira condição. O comportamento do mecânico no final do filme poderia ser interpretado como uma revolta contra a sociedade que impede a todos relações humanas genuínas. Todos se escondem na sua toca sagrada para evitar relações com o outro. A sociedade dominada pelo mercado transformou esse outro — e todos nós — numa coisa, num estorvo. E ninguém quer ter relações com alguém que se transformou numa coisa. O engraçado é que a garota de programa, mesmo tendo sido transformada numa mercadoria é desejada pelo professor que quer comprar afeto e pelo mecânico que deseja apenas laços afetivos.
Rua Cloverfield, 10 suscita tensão e excita a nossa curiosidade. Queremos saber se Howard está dizendo a verdade para as duas pessoas que ele abriga no seu bunker. Trata-se de um típico filme para entretenimento. Entretanto podemos extrair dele duas reflexões. O filme poderia ser entendido como uma crítica ao individualismo possessivo da era moderna. Howard construiu um bunker para salvar a própria pele. No final do filme aparece uma atitude que se contrapõe ao individualismo do ex-militar da Marinha. Uma outra reflexão se refere à liberdade do indivíduo. Alguém pode restringir a liberdade do outro mesmo sob a justificativa de garantir-lhe a segurança pessoal? Por exemplo, o Estado deve impedir que os cidadãos utilizem a maconha alegando proteção à sua saúde? O filme propõe que todos nós temos o direito de fazer as nossas opções mesmo correndo o risco de ameaça à nossa integridade física. Somos livres e responsáveis.
Um Homem Entre Gigantes
3.8 322 Assista AgoraUm homem entre gigantes aborda a velha luta entre a ciência e o capital. Referimo-nos ao capital como o dinheiro investido em algum setor da economia para se multiplicar indefinidamente. Para os marxistas, o capital torna-se uma espécie de agente que domina tudo na sociedade burguesa. Domina o Estado, a política, as relações sociais e humanas, a religião, a cultura, a ideologia, a ciência. O próprio homem curva-se diante do capital que se tornou uma força incontrolável.
O capital está vencendo a luta contra a ciência nas áreas do meio ambiente, dos laboratórios farmacêuticos, da indústria de armas, do sistema financeiro, das pesquisas sobre economia e relações trabalhistas. A indústria de cigarros e bebidas precisou fazer concessões para a ciência mas continua poderosa como sempre. Há quem acredite que a indústria de armamentos foi a responsável pelo assassinato do presidente John Kennedy. Há quem acredite que a indústria de armamentos, junto com os Bancos, patrocinou a campanha de Donald Trump. O novo presidente já avisou que quer reativar a corrida armamentista com a Rússia e a China.
O filme de Peter Lendesman expõe a luta entre a ciência e o capital que ocorreu no esporte mais popular dos EUA: o futebol americano. A NFL, National Futebol League, tem receita anual superior a US$ 13,3 bilhões. É a liga profissional esportiva mais rica do mundo. É mais rica que 74 nações do planeta. O Super Bowl é o jogo final de disputa do título do futebol americano. Mais de 100 milhões de pessoas nos Estados Unidos e cerca de um bilhão de pessoas em mais de 200 países assistem ao Super Bowl. O espaço comercial de 30 segundos no intervalo desse jogo foi vendido por mais de US$ 4 milhões. Para comparar, a receita do Brasileirão não chega a US$ 1 bilhão.
Um homem entre gigantes mostra a luta entre o doutor Bennet Omalu, um médico legista negro, imigrante nigeriano, e a National Futebol League. Omalu percebe que mexeu num vespeiro e chega a dar um passo atrás. Mas, como na luta entre David e Golias, acaba vencendo a batalha contra o capital. Entretanto, a NFL continua mais rica e poderosa que nunca.
O filme não tem a mesma força de Spotlight mas consegue agradar a quem está envolvido com a pesquisa acadêmica como eu.
Elle
3.8 886Muitas críticas que li tomaram o estupro como o tema central de Elle, filme dirigido por Paul Verhoeven. Acho que a chave para entender o filme é a ausência de ética, de regras jurídicas e de moralidade nos games violentos. Nesses games, matar e exterminar é a regra básica de sobrevivência dos jogadores.
Nos jogos de vídeo games, os jovens retornam a um estado primitivo da humanidade em que matar era essencial para a sobrevivência. A violência nos fascina porque ela permanece como energia instintiva que borbulha na nossa psique e no inconsciente coletivo. Com a conquista da civilização, a humanidade reprimiu as energias instintivas, inclusive o impulso para matar, estabelecendo a moralidade e a eticidade como regra de conduta dos indivíduos. Como elementos do processo civilizatório, todas as religiões do planeta, de uma forma ou de outra, incutiram e continuam incutindo a moralidade e a eticidade como fundamento para a conduta de seres humanos.
Em suma, o mundo violento criado pelos jogos de vídeo game libera a energia instintiva e selvagem que permanece represada nas camadas mais remotas da nossa psique. Quanto mais violento e sanguinário, melhor será o jogo porque mais incitará os nossos instintos assassinos. As lutas sangrentas do UFC comportam a mesma análise.
O romance “Oh...”, de Philippe Djian, transformado no filme Elle, faz a seguinte reflexão. Como seria uma realidade humana sem moralidade e sem ética?
Nessa realidade, o massacre perpetrado por Georges, pai de Michèle Leblanc, já não seria tão chocante. Georges matou 27 pessoas, incluindo crianças e animais de estimação. Nesse mundo, como sugere a própria Michèle, a vergonha não seria um sentimento suficientemente forte para nos impedir de fazer o que quer que seja. E como seriam as pessoas num mundo sem moralidade e sem eticidade? Seriam como a Michèle que encara o estupro como uma coisa natural, como regra do jogo, vendo o revide como a atitude correta a ser tomada. Michèle não recorre à polícia porque em jogos de vídeo game não existe lei para coibir a violência. Nesse mundo, Michèle trai a sua melhor amiga e não sente remorso nenhum ao cuspir a traição na cara dela. Michèle deseja cuspir também na cara do pai antes que ele morra. As pessoas num mundo sem moralidade e sem eticidade seriam como a nora de Michèle que trai o marido de forma descarada como se fosse a coisa mais natural do mundo. Seriam todos como a mãe de Michèle que se diverte com um garoto de programa jovem sem demonstrar qualquer pudor. Seriam todos como a Michèle que humilha a mãe na ceia de Natal, levando-a ao coma e à morte.
Nesse mundo amoral e aético, não existiriam mais anjos e nem demônios. A distinção entre o certo e o errado perderia sentido. Patrick, o estuprador, deixaria de ser visto como um monstro. Como nos games, Patrick seria apenas algo a ser exterminado.
Isabelle Huppert consegue representar de forma magistral o ser humano desprovido de emoção, insensível, indiferente e frio, que despontaria no mundo sem eticidade e sem moralidade. Michèle, dona de uma empresa líder do mercado de videogames, é indestrutível como uma personagem de vídeo game.
Rebecca, a mulher do estuprador, católica devota, faz o contraponto desse mundo sem moralidade.
Quando vemos hoje o comportamento de muitas pessoas dominadas pelo ódio e pelo preconceito, percebe-se que Elle não é uma simples obra de ficção. Michèle é a representação do ser humano que começa a germinar e se tornará típico num futuro próximo da humanidade. Os games violentos e as lutas sangrentas do UFC revelam que os nossos instintos assassinos estão precisando de extravasão. Como na Alemanha dos anos 1930.
Refém
2.8 61 Assista AgoraEstá na Bíblia. Se alguém declarar: “Eu amo a Deus!”, porém odiar a seu irmão, é mentiroso, porquanto quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não enxerga. Pregado na cruz, o bom ladrão foi perdoado por Jesus por ter se arrependido. Brian Nichols, o psicopata assassino, ouviu as palavras de Deus, se arrependeu e Ashley Smith, a refém, depois de liberta, correu para chamar a polícia. No final do filme, Ashley é glorificada no programa da Oprah por seu gesto cristão de ensinar o assassino a acreditar nas palavras de Deus. Brian Nichols acreditou no policial e na refém que lhe disseram que poderia ver o filho mesmo estando na cadeia. Dois grandes mentirosos que ficaram impunes no filme.
Mais Forte Que o Mundo: A História de José Aldo
3.5 267O filme é um pouco prejudicado pela interferência do padrão Globo de qualidade e do conceito europeizado que a emissora tem de beleza feminina. Não aceitam que tenhamos um povo mestiço que agrega negros, índios e brancos. A escolha da Cléo Pires e da Cláudia Ohana explica o que estou querendo sugerir. Deixando isso de lado, é bom ver o cinema nacional mostrando a realidade social e cultural brasileira para um público mais amplo. O cinema novo mostrava a realidade econômica, política, social e cultural brasileira para um público muito restrito. Por isso, tivemos as nossos corações e mentes colonizados culturalmente pelo cinema de Hollywood. Desse modo, nós brasileiros temos mais simpatia pelos estadunidenses do que pelos mexicanos e pelos demais povos latinos americanos. Viva o cinema brasileiro!
Marcados Pela Vingança
3.0 9 Assista AgoraA fotografia é bonita. A música corrompe o espírito dos filmes de faroeste. Vejam a música de introdução do filme O homem do Oeste para constatar a diferença. O roteiro de Marcados pela vingança parece ter sido escrito por uma criança que fugiu da escola. Gosto de filmes de faroeste produzidos nas décadas de 1940, 1950 e começo de 1960. Inclusive aqueles de baixo orçamento, filmados em branco e preto. Marcados pela vingança foi realizado em 1972. É certo que muitos faroestes bons foram produzidos depois do período de ouro desse gênero. Mas este de 1972 me decepcionou.
Baba Joon
3.5 9Contra a sua vontade, Moti precisa ajudar o seu pai Yitzhak a tocar uma granja de perus. Ele gostava de mexer com carros e motos. O filme mostra os conflitos entre pais e filhos que se reproduzem aos borbotões em todas as culturas de natureza patriarcal. Na minha infância, contra a minha vontade, eu precisei ajudar o meu pai a tocar uma peixaria. Eu gostava de jogar bola na rua. O final hollywoodiano achei inconsequente. Talvez eu esteja errado. Pode ser que o diretor Yuval Delshad tenha desejado sugerir que as sociedades patriarcais estão se transformando. Baba Joon mostra paisagens bonitas de Israel. Filme bom para quem gosta de conhecer culturas diferentes da sua.
Indignação
3.3 88 Assista AgoraGosto de imagens que tentam reconstituir os Estados Unidos dos anos 1950. O clima da época transmite uma sensação de felicidade e chega a ser encantador. A era de ouro do capitalismo fervilhava venturosa. Todavia, em Indignação, esse cenário mágico oculta uma sociedade doentia, preconceituosa e opressiva. O conservadorismo sufocava quem não era branco, anglo-saxão e protestante e não se encaixava na ordem ideológica, econômica, política e legal vigente.
James Schamus transformou um trabalho de Philip Roth num filme denso e instigante. Marcus Messner, filho de um açougueiro judeu, chega à Universidade e repudia a ordem social instaurada pela era de ouro da sociedade estadunidense. Durante uma discussão com um reitor ultraconservador, Messner cita um livro de Bertrand Russell, “Porque não sou cristão”, para tentar demolir os argumentos do seu oponente.
Olivia Hutton é outra personagem que não se enquadra no sistema. Ela é liberada demais para a época. Seu comportamento choca até Messner que tem uma cabeça aberta. Em determinado momento, Olivia cita uma frase de Benjamin Franklin: Democracia são dois lobos e uma ovelha decidindo sobre o que comer no jantar. Ou seja, Olivia e Messner são duas peças desajustadas que precisam ser expurgadas e serão.
O rebelde Messner pagará caro por não se submeter ao sistema opressivo. Será convocado para lutar na Guerra da Coréia por perder a vaga na Universidade. Olivia terá o mesmo destino ficando confinada num asilo para dementes. Um filme para quem gosta de diálogos intelectualizados.
Tallulah
3.6 234 Assista Agora[Spoiler] O filme aborda relações familiares. A mãe de Tallulah a abandona quando ela tinha 6 anos. Mesmo assim, ela mostra que tem instintos maternos quando assume a guarda provisória do bebê de uma mãe negligente, abandonada pelo marido. O namorado de Tallulah, Nico, abandonou a mãe, Margo, que é especialista em relações familiares. Nico abandona também Tallulah. A Margo teve a sua família desagregada quando o filho foge e o marido descobre o amor por outro homem. Margo, que sente falta de uma família, que estava quase desistindo da vida, terá uma surpresa quando conhecer e conviver com Tallulah, uma jovem completamente diferente dela, que aparece no apartamento dela com o suposto netinho no colo. A única família que se mantém em pé no filme é formada por uma relação homoafetiva. Ellen Page é uma figura. Música legal. Recomendo só para quem gosta do tema. Família é uma questão complicadíssima. Ser mãe, muito mais.
A Qualquer Custo
3.8 804 Assista AgoraUma das coisas que me fazem gostar de faroeste é a paisagem desértica do oeste estadunidense. John Ford filmou com maestria essa região dos EUA. O faroeste convencional aborda o confronto entre o bandido e o mocinho. Este sempre vence. No faroeste moderno que David Mackenzie nos oferece, a paisagem do Texas é belíssima, mas não se sabe quem é bandido e quem é mocinho. Para Mackenzie, os bancos são os vilões da história. O xerife representa o Estado implacável que defende a exploração selvagem dos bancos contra as suas vítimas miseráveis. O xerife é também uma vítima desse sistema. Mackenzie nos mostra que não é preciso fazer filmes herméticos e chatos para atingir reflexões profundas no cinema. A qualquer custo consegue harmonizar violência com ternura, entretenimento com política. Mackenzie nos oferece, enfim, imagens emocionantes sem recorrer a efeitos especiais espetaculares produzidos no computador.
X-Men: Apocalipse
3.5 2,1K Assista AgoraSe eu gosto de filmes de faroeste, deveria gostar de filmes de super-herói. Mas existe uma incompatibilidade de gênios. Detesto efeitos especiais. Tentei, mas não consegui assistir até o fim. Que me perdoem os fãs do gênero.
Minha Vontade É Lei
3.7 27 Assista AgoraAchei o roteiro muito cheio de meandros. Gosto de faroeste porque é tudo direto e sem rodeios. Apesar da restrição que fiz, é certo que o filme aborda duas questões muito importantes. A primeira pertence à área do Direito. A era moderna tem como uma das fundações o caráter impessoal da lei. A lei não exprime a vontade de uma pessoa particular. É uma instituição de caráter público que está acima de todos e sobrevive mesmo quando todos morrem. A outra questão é de natureza Política. Brecht disse: Pobre do povo que precisa de heróis. No filme Matar ou morrer, os cidadãos de uma cidade lavam as mãos e deixam para o Estado a tarefa de manter a ordem. Em Minha vontade é lei, o representante do Estado não ficou na mão. Os cidadãos se ergueram para garantir a ordem. Que baita diferença!
O Homem Que Viu o Infinito
3.8 228 Assista AgoraO grande matemático inglês Godfrey Harold Hardy convida Srinivasa Ramanujan, indiano pobre e sem formação acadêmica, para estudar com ele no Trinity College de Cambridge. Vivendo na Inglaterra, Ramanujan enfrenta preconceito racial e de classe, vaidades no meio acadêmico, conflito entre as visões de mundo ocidental e oriental. Por pertencerem a mundos diferentes, Ramanujan e o professor Hardy enfrentam dificuldades para se entenderem. Uma dessas dificuldades é a diferença entre o Ocidente e o Oriente sobre a noção de verdade. A verdade no Ocidente nasce da comprovação científica — pela dedução lógica ou pela experimentação. O conhecimento científico fragmenta o mundo. Por exemplo, ciência de um lado, religião de outro. A ciência serve como instrumento para dominar a natureza. Promove o conflito. A razão sobrepuja a intuição.
Para o Oriente, a verdade está no todo. Um todo em que tudo está interligado: Deus, relação entre as pessoas, números, saúde, destino, vida, natureza. Essa verdade é sabedoria pois significa harmonia. Ramanujan não consegue entender como o professor Hardy pode fragmentar o Tao, a totalidade do mundo, e se manter íntegro. Por exemplo, da mesma forma que separa sentimento religioso e lógica matemática, o professor Hardy separa relacionamento profissional e relacionamento pessoal. [Início do Spoiler] Um gênio foi desperdiçado porque não teve um amigo para cuidar de sua alimentação, para oferecer um alojamento adequado, para providenciar a vinda de sua esposa para a Inglaterra. Apesar disso, nasce entre os dois matemáticos uma amizade bonita. Compartilhar visão de mundo acabou sendo enriquecedor para ambos. Mas a amizade entre o indiano e o inglês nasceu tarde demais. Devido às péssimas condições de vida e de trabalho, o jovem gênio da matemática adoeceu e um patrimônio intelectual da humanidade foi desperdiçado de forma lamentável. Se o professor Hardy não separasse Deus e matemática, sentimento e razão, teria deixado um ser humano próximo dele viver com fome, frio e saudade da mulher amada apenas por falta de uma mão amiga? De qualquer forma, no final, o professor Hardy descobre que laços afetivos são tão importantes quanto a lógica fria da matemática.
Como Eu Era Antes de Você
3.7 2,3K Assista AgoraParei de assistir filmes da categoria romance porque mamão maduro e muito doce me dá ânsia de vômito. Gosto de vinho seco e de cerveja com lúpulo de boa qualidade que deixa a bebida amarga. Quem quiser ver amor puro e verdadeiro, de um homem por uma mulher, recomendo A estrada da vida, filme do mestre Fellini. Quem quiser ver uma cena de amor verdadeiro, de uma mulher por um homem, recomendo Matar ou morrer, de Fred Zinnemann. É a cena da personagem interpretada por Grace Kelly em que ela sai correndo do trem.
Como Eu Era Antes de Você
3.7 2,3K Assista AgoraO filme talvez tivesse ficado interessante se o rapaz fosse pobre e feio e se a moça fosse uma voluntária de classe média mais feia ainda que o rapaz e se a história os deixasse lindos. E ficaria interessante se viver intensamente não fosse comparado a curtir corrida de cavalos, concertos, festas e viagens a lugares com paisagens paradisíacas, ou seja, se viver não fosse confundido com uma busca insaciável de prazeres sensoriais.
O roteiro tem um pouco de conto de fadas com um final infeliz. Se a discussão sobre a eutanásia tivesse sido aprofundada, o filme não ficaria parecendo um livro de autoajuda ou uma típica novela de televisão. Eu não sei se suportaria viver dia e noite com dor e com o moral no fundo do poço. Todavia, o filme seria muito chato se ficasse o tempo todo discutindo a questão da eutanásia.
Apesar de convencional, a história consegue distrair os espectadores menos exigentes como eu que adoram filmes de faroeste.
Flores Amarelas na Grama Verde
4.0 17Flores amarelas na grama verde retrata os acontecimentos banais da infância. Mas de banal o filme não tem nada. As belas paisagens do Vietnam, outrora incendiadas por napalm, são habitadas por sapos, demônios e princesas. O universo mágico de um punhado de crianças vietnamitas toca os nossos corações de forma terna e singela. Doce e suave encantamento. Filme para crianças e para adultos. Apesar de penetrar no mundo mágico da fantasia, o filme não tira o pé da realidade implacável da luta cotidiana pela sobrevivência.
JFK, a História Não Contada
3.1 66 Assista AgoraPara quem gosta do tema, o filme é interessante porque mostra os detalhes dos bastidores do assassinato. O roteiro reforça a tese de que Lee Harvey Oswald foi o culpado do crime. Não faz nenhuma reflexão sobre as razões que levaram Jack Ruby a matar Oswald. Em 1967, quando Jack Ruby ganhou a chance de um novo julgamento, morreu de câncer alguns dias depois. Oswald e Jack poderiam ter revelado muita coisa se não tivessem sofrido o processo de queima de arquivo. Nos EUA, o presidente mais poderoso do planeta precisa subordinar-se à indústria de armas e ao sistema financeiro. Dizem que Kennedy queria acabar com a guerra do Vietnam. Sabiamente, da mesma forma que todos os presidentes estadunidenses, Obama sempre disse Amém ao sistema financeiro. Enfim, o filme deveria ter recebido o título: JFK: os detalhes desconhecidos. Não conta nenhuma história, apenas narra alguns fatos de uma forma jornalística.
Florence: Quem é Essa Mulher?
3.5 351 Assista AgoraA indústria cultural, sobretudo a fonográfica, trabalha de forma semelhante a St Clair Bayfield, marido de Florence Foster Jenkins. Através de uma máquina de divulgação monstruosa, essa indústria diabólica consegue transformar porcaria em sucesso estrondoso. As massas manipuladas têm o seu gosto moldado de acordo com os padrões dessa indústria. Aqueles que ousam pensar criticamente são escorraçados. Aliás, o problema de assistir a um filme com olhar crítico é que perdemos a chance de dar umas boas gargalhadas.
A Harpa da Birmânia
4.3 35O contraste entre o bestial e o sublime. A face divina e selvagem do animal sapiens irrompendo nas florestas e montanhas da Birmânia, hoje Mianmar. O nacionalismo fanático e a tolerância entre os povos. A guerra bárbara e a arte celestial. Na fotografia, a contraposição bela entre o branco e o preto gerando uma suave profusão de tons de cinza. Proibido para quem gosta de super heróis, luta entre mocinho e bandido, ritmo alucinante de games. A harpa da Birmânia abomina a violência, prega a paz, busca o nirvana, o sereníssimo. Sem maniqueísmo.
Mr. Church
4.0 62O bigode do Eddie Murphy continua inconfundível. Mulheres bonitas e charmosas são como flores que embelezam e dão encanto a um filme. No meu caso particular, acho que se o filme tivesse sido recheado com os grandes sucessos pop dos anos 1970, teria ficado mais saboroso. Nada recebe grande realce no filme: nem a música, nem a comida, nem o roteiro. Laços familiares não biológicos constituem o tema principal de Mr. Church. Não recomendo o filme para quem gosta de ação, explosão e super heróis. Mr. Church é um herói que apenas cozinha, toca piano, ama livros, se embebeda, gosta de privacidade, nunca tem problemas financeiros, ganha uma família. Sexo? Só na mente suja dos espectadores maliciosos.
Jogada de Rei
3.7 84 Assista AgoraMais um bom filme que comprova a tese de que não existiria violência no mundo se todos tivessem a oportunidade de se realizarem como seres humanos. Na sociedade em que vivemos, são poucos os que têm a oportunidade de se realizar. O sentimento de frustração é a semente da violência. Há quem acredite que seria possível construir uma sociedade voltada para a realização dos seres humanos. Nossa sociedade está voltada para a multiplicação do capital investido. O resto fica em segundo e último plano. Quem gostar desse tema recomendo O homem de Alcatraz.
Imperador
3.5 46Quem gosta de História como eu ficará um pouco decepcionado porque o filme Imperador dá muita importância a um conto de amor em detrimento dos fatos que iriam marcar decisivamente o futuro do Japão. O general Mac Arthur, como governador da ilha, implementou a meta dos EUA de impedir que o Japão passasse para a área de influência da União Soviética. Além de ajuda econômica, o general implementou uma série de reformas para modernizar o Japão. A reforma agrária eliminou o poder que a oligarquia rural mantinha durante séculos no arquipélago nipônico. A supressão das forças armadas destruiu o poder político que os generais desfrutavam até então. A democracia e o desenvolvimento econômico impediram que o socialismo se alastrasse no país. De qualquer forma, o filme Imperador mostra como se deu a rendição do Japão e o perdão que foi concedido ao Imperador por supostos crimes de guerra.
O Coro
3.7 43 Assista AgoraA música salva o filme. As interpretações do Coral de Meninos chegaram a produzir comoção estética em mim. Percebi então que a arte é a vocação sublime da humanidade. O roteiro açucarado apenas afaga a criança que ainda sobrevive teimosa dentro da gente.
Um Alguém Apaixonado
3.6 118 Assista AgoraTive a sensação que Abbas Kiarostami quis fazer uma reflexão sobre a subjetividade do indivíduo na sociedade moderna. O indivíduo luta para preservar a sua privacidade mas ao mesmo tempo sente a falta de relações de afeto com o outro num mundo dominado por relações mercantilizadas.
O professor aposentado paga uma garota de programa para desfrutar de um pouco de afetividade em um mundo onde todas as relações são regidas pelo princípio de mercado.
Um jovem mecânico apaixona-se por essa mesma garota de programa e quer se casar com ela sem saber da verdade. Uma vizinha paquera o professor buscando um amor impossível.
A garota de programa não pode encontrar-se com a sua avó para não expor à família a sua verdadeira condição.
O comportamento do mecânico no final do filme poderia ser interpretado como uma revolta contra a sociedade que impede a todos relações humanas genuínas.
Todos se escondem na sua toca sagrada para evitar relações com o outro. A sociedade dominada pelo mercado transformou esse outro — e todos nós — numa coisa, num estorvo. E ninguém quer ter relações com alguém que se transformou numa coisa.
O engraçado é que a garota de programa, mesmo tendo sido transformada numa mercadoria é desejada pelo professor que quer comprar afeto e pelo mecânico que deseja apenas laços afetivos.
Rua Cloverfield, 10
3.5 1,9KRua Cloverfield, 10 suscita tensão e excita a nossa curiosidade. Queremos saber se Howard está dizendo a verdade para as duas pessoas que ele abriga no seu bunker. Trata-se de um típico filme para entretenimento. Entretanto podemos extrair dele duas reflexões. O filme poderia ser entendido como uma crítica ao individualismo possessivo da era moderna. Howard construiu um bunker para salvar a própria pele. No final do filme aparece uma atitude que se contrapõe ao individualismo do ex-militar da Marinha. Uma outra reflexão se refere à liberdade do indivíduo. Alguém pode restringir a liberdade do outro mesmo sob a justificativa de garantir-lhe a segurança pessoal? Por exemplo, o Estado deve impedir que os cidadãos utilizem a maconha alegando proteção à sua saúde? O filme propõe que todos nós temos o direito de fazer as nossas opções mesmo correndo o risco de ameaça à nossa integridade física. Somos livres e responsáveis.