apesar de algumas pontas e atuações irregulares o efeito desse filme, nesse momento político, é enorme. Aliás, o tom melancólico impresso pela Flávia Castro é louvável.
Rithy Panh segue nos oferecendo as imagens que lhe faltam (e que nos faltam também) através desses filmes meticulosos. Seguindo na esteira de sua filmografia sobre os múltiplos efeitos do genocídio promovido pelo Khmer Vermelho, Panh nos entrega agora os “Túmulos sem nome". Esse é um daqueles filmes poderosos em despertar uma verdadeira paleta de afetos, arremessando o espectador em um estado de desamparo, revolta e comoção. Utilizando algumas imagens e algumas reflexões que já estavam presentes em “A imagem que falta”, aqui o diretor desdobra ainda mais sua busca pelo direito de memória das famílias, pelas identidades das perdas e por uma forma de trabalhar esses lutos a medida que esses mortos podem ser considerados vidas exterminadas e não simplesmente restos contingenciais. Precisei de vários minutos para me recuperar da desorientação provocada pelo filme.
“Moonlight” tem seus inúmeros méritos, especialmente, nas primeiras duas partes. Há de ressaltar, de antemão, a atuação consistente de Naomi Harris e as demais também são bem sustentadas. A introspecção e a tristeza de Chrion se comunicam bem entre os três atores. Na primeira parte observamos surgir à relação inesperada de Juan/Chiron, a primeira vez em que Chiron vai até a casa de Juan é bastante interessante. O diretor não opta por um óbvio plano conjunto, mas sim por um plano fechado que vai passando pelo rosto de cada um dos personagens, mostrando o desconforto e as duvidas que trazem em si. O que interessa é realmente a expressão dos personagens, a carga dramática, visto que o fundo está totalmente desfocado. Aliás, isso se repete muitas vezes ao longo do filme de forma inteligente. Digna de nota também é a cena em que Juan ensina Chiron a nadar, filmada de uma forma bastante sensível. Vale destacar também, nesse ponto, a eficiência do roteiro em relação às duvidas de Chiron com sua sexualidade e a forma como os silêncios e as repostas de Juan vão aparecendo/respondendo. Na segunda parte vamos conhecendo um pouco mais a história do personagem e sua relação com uma mãe mortífera, dual, adita e violenta. A mãe que pede dinheiro ao filho, que é incapaz de cuidá-lo e tenta atacar a personagem que o ajuda (Teresa). Em uma das cenas de enfrentamento de Chiron com Paula, vemos através da opção do diretor em usar enquadramentos em plongée/contra-plongée a posição de vulnerabilidade da mãe. Porém, da metade final da parte II e a parte III, o filme começa a se estagnar, repetir clichês e carecer em aprofundar os conflitos, de modo a ficar repetindo o ciclo violento (infância, adolescência). Na parte II, sinto um claro excesso da violência injustificada dos personagens: o que aconteceu para Chiron ser tão rejeitado? Isso fica solto, o que culmina no ciclo óbvio: apanha, apanha e depois agredi o colega. Além disso, vemos outra repetição MORTÍFERA e, infelizmente, muito comum no cinema: o hétero que tem experiências homossexuais e depois agride o amigo para mostrar que é machão. É sério? Até quando? A transição da adolescência para a adultez é abrupta e perdemos a continuidade com o personagem. Claramente, o trabalho de direção, bem como o roteiro, apoia-se nos silêncios, naquilo que não é dito e naquilo que o espectador tem/deve deduzir, entretanto não creio que isso justifique tamanha quebra. O terceiro ato se apresenta quase como um contra clímax, arrastado, um tanto estereotipado: os olhares de Chiron e Kevin parecem forçados (segue a opção pelos planos fechados, close-up exagerando no drama), o momento em que vão até a casa de Kevin e o olhar para a cena que remete o momento em que tiveram suas experiências sexuais. Enfim, tinha MUITA coisa pra dar conta e deixa muitos pontos sem nó (metáfora apenas) Outros pontos dignos de nota: papel das drogas do filme como algo complexo e uma discussão não moralista. Filme independente e de qualidade.
"temos medo do tempo... Medo do tempo que você nos dá" O novo filme de Xavier Dolan tem um ponto de partida simples: a volta do filho escritor -supostamente- prodígio para casa, após 12 anos de ausência, para anunciar sua morte. Sabendo da morte de antemão, somos transportado para o mundo de Louis, acompanhamos seu percurso do aeroporto até a casa da família como se fosse o último, a marcação em cada rosto ao longo do caminho denota que aquela seria a última vez em que ele testemunharia tal passeio. A cena é bonita e bem construída. Desde a sua chegada até o último segundo vemos onde o filme se apoia: na impossibilidade da comunicação familiar e na profunda aspereza dos afetos. Vemos que toda família está empenhada na recepção de Louis: a mãe demora horas se arrumando, faz diversos pratos com a ajuda da esposa do irmão. Os irmãos parecem ansiosos e nervosos, porém quando Louis chega notamos a clara atrapalhação de todos aqueles personagens e vemos a forma PROFUNDAMENTE violenta de como se relacionam. Uma violência instituída, aparentemente banal, como vemos nos relatos de personagem de Cottilard (muito bem interpretada, diga-se de passagem) que relativiza o comportamento machista e hostil do marido, fingindo ter esquecido. Um ponto interessante é que, diferente da grande esmagadora maioria dos filmes, aqui os personagens já parecem esgotados, pesados e cansados desde o primeiro ato, de modo que suas situações se prolongam longo do filme. Me parece que a intenção é frustar o espectador com a incapacidade de uma forma menos primitiva de expressão dos afetos. Com isso dito, há um claro excesso na questão da impossibilidade de comunicação que é explorado a ponto de se tornar apelativo, muitas cenas ficam apenas na violência pela violência e parece carecer de uma maior profundidade psicológica dos personagens. Talvez isso se resolvesse se o longa dispusesse de mais tempo para contar melhor as relações e aprofundar os conflitos. Apesar de ser um filme propositalmente desagradável, cria-se um certo cansaço/distanciamento, pois não há qualquer indicação que nos ajude a entender a quantidade massiva de explosões do personagem de Cassel, por exemplo. Ou ainda as atrapalhações constantes de Catherine, seria ela daquele jeito por pura opressão do marido? O que Louis desperta nela? A direção de fotografia tem ideias interessantes, mas segue por um caminho repetitivo: o foco quase inteiramente exclusivo no rosto dos personagens, o rosto de Louis constantemente nas sombras, a escuridão da casa para complementar as cenas de agressão psicológica ou aquele truque mais barato do sol, literalmente, queimando os personagens no momento de maior exaltação vão se repetindo. Enfim, "É apenas o fim do mundo" é um filme regular. Faltou contar melhor a história de uma forma não repetitiva, o que temos acesso é muito circular e torna-se cansativo. Falta talvez um momento maior de clímax. Da metade final do segundo ato e no terceiro já fica claro que os conflitos vão seguir na mesma marcha e que nada vai ser feito: seguem as explosões de raiva de Antoine, os momentos desajeitados de Catherine junto a Louis, as tentativas de enfrentamentos de Suzanne e os silêncios mortíferos de Louis frente ao caos familiar. A trilha sonora, por vezes, tenta agir de forma complementar as violências, porém não consegue.
A única coisa que me fez ficar até o fim foi contar as 42 pessoas que deixaram a sessão ao longos dos seus insuportáveis 94 minutos. Austerlitz até um que outro momento interessante, mas que não minimiza sua chatice suprema. Sua concepção ambiciosa e patética. Daqueles filmes que tu lamenta por ter escolhido assistir em um festival, quando haviam tantas outras opções no horário.
˜Ian, if you could see your life from start to finish would you change things?˜ Bem, temos aqui mais um filme acima da média do Villeneuve, aliás, ele vem se mostrando um diretor bastante consistente e muito capaz de criar uma atmosfera (in)tensa, que prende o espectador praticamente do início ao fim dos filmes. A premissa do filme é interessante e mesmo pegando um tema super batido de -aliens invadem a terra- o filme não é um cliche. Acompanhamos e vivenciamos, através da respiração nervosa de Louise, suas descobertas e seus receios. O cenário é bem adequado a proposta, a opção por locações que parecem enormes filmadas em uma profundidade grande de campo e ao mesmo tempo nítida. A dialética de teto baixo, cores pesadas e pouca luz dentro do ambiente de trabalho com a luz, cores quentes e vitalidade fora é bem explorada. Isso fica bem ressaltado na cena em que personagem vai sozinha fazer contato com os supostos invasores (céu cinza e chuva). A trilha sonora também é bastante indicativa de tensão e adequada, por vezes, tão pesada que aciona um sentimento de desespero. O roteiro também é rico (todo jogo passado/futuro) e muito bem desenvolvido no segundo/terceiro ato, fazendo o espectador estar constantemente revendo suas teorias. Algumas outras sensações COM SPOILER: China acha que os invasores vieram para causar a discórdia nos humanos e decidi atacar, logo é apoiada pela Russia e outros países, o US acaba ficando na posição de cautela e sensatez, esse ponto me pareceu maniqueísta ao longo do filme. Achei isso MUITO simbólico, considerando-se que esse filme pra mim marca no Villeneuve uma transição clara para um cinema -mais hollywoodiano-. Não há duvida que esse filme disputará inúmeros oscars, ao contrário dos demais filmes do diretor. Talvez, justamente, por conhecer suas demais produções e gostar muito (politécnica, incêndio, os suspeitos, o homem duplicado e sicário) esse filme tenha ficado um pouco abaixo. Apesar da narrativa ser muito bem construída, sinto que esse filme não tem o mesmo efeito de captura que todos os demais, ele demora mais para engrenar, digamos assim. De qualquer forma, não há duvidas que ele deve ser assistido e debatido.
Hoje foi a estreia nacional de "Cemitério do Esplendor" e eu fui com uma mistura de entusiasmo e cautela logo para a primeira sessão. Apichatpong Weerasethakul é um queridinho em Cannes, já na sua primeira aparição com "Eternamente Sua" venceu a mostra paralela "Un Certain Regard" no ano de 2002. Voltou em 2004, dessa vez na seleção oficial, com "Mal dos Trópicos" e recebeu o prêmio do júri, que seria tipo o terceiro colocado, aliás, esse é um filme interessante e que eu realmente gostei. Well, 6 anos depois ele voltou, também na seleção oficial, com "Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas" e venceu a Palma de Ouro!!!!!!! O que até hoje eu não encontro palavras para descrever ou lógica para entender, esse é com uma confortável distância o pior vencedor da palma de ouro que eu já vi e que talvez verei, mas ok, dei o benefício da duvida e fui ver "Cemitério do Esplendor" que também esteve em Cannes (2015, Un Certain Regard). Bem, primeiro que o filme tem traços característicos do diretor e traços que eu não gosto, de forma geral, ele consegue ser pior que o já ruim "Tio Boonmee". Um filme profundamente aborrecedor, pretensioso (e olha que acho uma dose de pretensão bem interessante) e com sérios problemas de ritmo. Fiquei fazendo um paralelo com o novo cinema romeno que tem caraterísticas técnicas parecidas: filmes centrados na observação de comportamento, filmes com poucas interferências brandas da direção, filmes com um tom mais contemplativo e mais sensoriais, planos-sequencia longos e muitas vezes estáticos e pensando que não encontrava nada para redimir a autoindulgência desse filme... Cemitério do Esplendor tem todas essas características e falha miseravelmente em sua transmissão. Uma história profundamente VAZIA, contada através do roteiro igualmente vazio. Uma série de elementos jogados e desprovidos de qualquer possível significado. Qual a necessidade daquela cena do homem defecando? E de várias outras que se sucederam aquela? A extrapolação do metafísico com o belo (passagens que tratam das energias). Enfim, como alguns críticos apontaram, esse parece mais um filme feito nos moldes certos para festivais, especialmente, Cannes que é diversificado e sempre tem filmes com essa pegada. Talvez a ideia do diretor realmente seja de tentar criar atmosferas vazias para o espectador tentar se identificar e projetar-se. A única coisa esplendorosa do filme foi a irritabilidade que ele me causou, como poucos filmes fizeram. Boa sorte a quem for ver.
Um episódio muito importante na história do cinema e incrivelmente atual que, infelizmente, dissipa-se pela enorme fragilidade em diferentes pontos do filme. Longe de ser um bom filme, Trumbo, tem um trabalho de direção desvitalizado e um roteiro fraquíssimo, além de contar com atuações apenas razoáveis. Os personagens são construídos de forma bastante simples e cindida: a personagem de Hellen Mirren é um monstro, Trumbo é genial e os donos de estúdios são pessoas sem coração e blabla. A fotografia do filme é desinteressante, dando a impressão de se tratar de um filme de baixo orçamento pela excesso de close no rosto dos personagens, de modo a tentar esconder o cenário e os figurinos. O filme não se decide se quer ser uma comédia ou um drama e a maioria das cenas com maior impacto emocional soam bastante artificiais. Algumas cenas como o confronto de Trumbo com Eddie, por exemplo, fazem uso de uma trilha sonora melancólica que destoa bastante do que está sendo visto e da construção do cenário. A relação familiar é toda mal explorada e precariamente desenvolvida, tendo uma explosão de acontecimentos no terceiro ato, apelando para uma série de soluções mágicas. Cleo, bem como os filhos do casal, apenas parecem aguentar todas as suas intransigências de forma resignada e quase isenta de conflito, um ou outro choro, mas tudo segue de forma perfeitamente simples e desconexa, quando na fatídica cena da confrontação de Cleo e Trumbo vemos um dar-se conta do personagem principal isso não convence e a partir desse momento ele ressignifica de forma mágica sua relação com diferentes membros da família, novamente, caindo em um artifício maniqueísta e simplório do roteiro. O desfecho é bastante previsível e artificial também, além disso o filme também falha miseravelmente ao tentar dar conta de quase duas décadas dentro desse roteiro pobre. É uma pena, pois Trumbo assim como muitos outros filmes do Oscar desse ano, tem uma ótima história para ser contada, conhecida e divulgada, mas que realmente não diz a que veio.
Sinto que a tradução do título para “Instinto Materno” causa certa perda, “Child’s Pose” é mais precisa. Esse, assim como muitos outros filmes dessa geração romena, retrata uma história aparentemente simples, mas com uma narrativa magistral. Afinal, podemos ter uma grande história (“A Garota Dinamarquesa”, “Trumbo”) e ela pode se tornar profundamente desinteressante devido a sua abordagem, o que acontece com os filmes que citei antes. Ao contrário, podemos ter histórias mais simples que resultam em filmaços (a lista é grande, dois que me vieram agora: “An” e “Sonata de Outono”), afinal isso depende da narrativa, ou seja, da forma como essa história é contada e em “Child’s Pose” a história é contada muito bem. Com a câmera na mão e com sua intensa movimentação ao longo dos 112 minutos, a ponto de por vezes nos sentirmos tontos, Calin Netzer tenta despertar no espectador certo mal-estar, algo próximo ao vivido pelos personagens, por todos aqueles que são engolfados por Cornélia. A construção da personagem de Cornélia é inteligente, pois facilmente o roteiro poderia ter se tornado maniqueísta, visto que sua personagem abre a brecha para ser apenas uma bruxa totalitária e destrutiva, mas vemos como isso vai se dissipando, de certa forma, com a progressão narrativa. Vemos isso primeiro através do seu figurino que reflete seu estado de luto, a transição das peles exuberantes para looks sóbrios e pretos, posteriormente, vemos o cansaço e o sofrimento em sua expressão facial desprovida de maquiagem e bastante reticente. Com isso dito, tem uma parte que não escapa de sentir um ódio profundo pela forma como a personagem preenche absolutamente TODOS os espaços: fala pelo marido, manipula a empregada, controla o filho de modo sufocante, tenta controlar a relação com do filho com sua esposa e posteriormente da esposa com sua filha. Culminando com sua visita para a família do menino que foi atropelado por seu filho, onde ela provoca uma inversão e vai falar sobre si mesma e sobre as “conquistas” do seu filho, suplicando para que a família não destrua a SUA VIDA. Interessante que nessa mesma cena, por vezes, ao falar de Barbu, ela usa os verbos no passado, o que me deixou pensativo: claro, é como se uma parte do filho tivesse realmente morrido, afinal quem sai de uma experiência traumática desse nível sem várias partes assassinadas? Enfim, um grande filme, simples e que não precisa de firulas, de trilha sonora (afinal, a vida não tem trilha sonora), tá lá, plano e contra-plano e um resultado ótimo. ps: merecia uma análise isolada e apenas psicológica da relação familiar.
Já é um clássico do "novo cinema romeno". Daqueles filmes que tu quer dissecar cada parte. O diretor, Cristian Mungiu, assim como outros conterrâneos: Corneliu Porumboiu, Cristi Puiu, etc adota essa forma particular de conduzir seu filme, ou seja, uma condução baseada, essencialmente, na observação dos personagens e com poucas interferências, trilha sonora ausente, o que confere um tom absurdamente realístico ao longa. Dentre os vários plano-sequência longos e maravilhosos, destaco o que se sucede após a instalação da sonda, refletindo de forma brilhante o estado psicológico dos personagens, permeado de ausências e a cena posterior de Otília saindo do trem pela riqueza e profunda beleza. Além disso, a cena do jantar inteira é um acerto, cinefilamente (existe essa palavra?) eu estava extasiado com a maturidade de sua condução: o crescente desconforto e a excelente retratação do deslocamento de Otília ao estar ali sentada com uma expressão vazia, o excesso de diálogos, a separação geracional, as demasiadas certezas presente nos discurso dos médicos e a invasão da mãe do namorado, enfim... Um filme ainda reflexivo sobre um tema tão importante de ser discutido, com atuações bastante consistentes e uma fotografia precisa em recriar uma Romênia sombria e destruída. És grande!
Será que vai chegar o dia em que os ditos "apreciadores de cinema" vão parar de se limitar pelo gênero do filme e vão se entregar a uma experiência cinematografia mais completa? Que cansaço disso de "ai, eu não gosto de filme de ação mimimi", "acho que não gostei tanto por ser um filme de ação". Independente de ser um filme de ação, Mad Max é um bom filme, admirável tecnicamente -de forma geral-, com muitos momentos reflexivos (opa, mas não é uma ação?) e com atuações bem consistentes, aliás porque mesmo a Charlize Theron não foi indicada ao oscar e a Jennifer Lawrence sim? Apesar de ter gostado muito e ter sentido que esses 120 minutos pareceram 40, por vezes, senti que estava em um jogo de videogame e não assistindo a um filme que tem dominado premiações técnicas (efeitos especiais, costume design, etc). O que me passa uma sensação de que realmente se criou um burburinho um pouco over em cima desse filme, mesmo assim gostei da experiência e pelas brechas que o aparente simples roteiro dá #RESPEITAASMINA
Jafar Panahi, obrigado e parabéns. Que baita filme (aliás, mais um pra lista dele): original, reflexivo e porta-voz de uma cultura, o que eu acho particularmente admirável, quando um longa executa isso de forma exitosa. Desde o primeiro encontro dos passageiros, o homem inflexível, descaracterizando e invalidando os questionamentos da professora, todos maravilhosamente bem fundamentados, diga-se de passagem, o que também já nos faz refletir sobre o papel da mulher na sociedade iraniana, até a última cena o filme se mantém excelente e com personagens profundamente cativantes. As referencias ao cinema também são ótimas: a brincadeira com o Woody Allen, a menção ao penúltimo filme do Nuri Bilge Celyan, o estudante de cinema que é concebido de uma forma quase criminosa por consumir um material impróprio ao olhos do governo e a resposta genial de Omid ao defender sua atividade e dizer que ela também é uma atividade cultural. Diversos outros aspectos culturais também são abordados, até o da superstição com as senhoras que precisam jogar os peixes, caso contrário irão morrer. Enfim, mais que um filme, Taxi Teerã é um retrato humano vivo de um cineasta e em relação a seu país. Como pontuou o júri no festival de Berlim, há uma tomada espirituosa e afiada sobre a liberdade de expressão (ou falta de) e a luta de todos os artistas que buscam superar as restrições da realidade e expressar suas emoções e opiniões, independentemente, de censura ou proibições governamentais. Há de se admirar a coragem e bravura desse e de outros diretores iranianos (lembrei também do Mohammad Rasoulof) em mostrarem ao mundo seus produções e suas possíveis retaliações. Ah, última coisa, que deleite deve ter sido ser jurado na Berlinale ano passado, uma quantidade enorme de filmes muito acima da média que estavam em competição (El Club, Ixacanul, El Bóton de Nacar, Body, Victoria)...
"Mustang" retrata um assunto bastante sério e extremamente pertinente de um modo interessante, temos contato com uma história de irmandade que desafia a opressão patriarcal, bem como uma visão obsoleta da sexualidade feminina e nisso é um aceto. O filme se apoia muito nas atuações das irmãs, especialmente, em Günnes Sensoy (Lale) e todas dão conta do trabalho com atuações expressivas e vivas, embora muitas vezes seus personagens estivessem quase mortos psiquicamente e, a partir disso, permitem que o espectador possa sintonizar com a prisão em que elas vivem e sentimos em nós toda a revolta das personagens, nisso o longa também é eficiente. Outros pontos que me chamaram atenção: o sol tem um papel quase psicológico, remete a união entre as irmãs, normalmente, utilizado como um recurso nas cenas em que elas estão juntas mais ao início do filme e depois na cena final em forma de flashback. No início do filme existe uma maior distribuição dos personagens pela tela, o que ao longo da narrativa vai se reduzindo mais ao lado esquerdo que, muitas vezes, indica opressão das personagens. Bem, dito isso, o filme tem vários problemas importantes, o roteiro é bastante ineficiente em diversos momentos, a elipse que denota o abuso é falha e fica parecendo que isso é algo naturalizado, o que me deixou bastante irritado. A morte de uma da irmãs ficou completamente jogada e não foi minimamente explorada, parecendo algo banal e isento de reflexão. Além disso, o ritmo do filme é bastante problemático, é quase como se ele ficasse o tempo inteiro na mesma marcha, tornando-se repetitivo. Me chama atenção que esse tenha sido o filme escolhido pela França para ser seu representante no Oscar, parece que assim como Dheepan, há algo bastante pontual e político, no sentido de dar visibilidade a alguns assuntos específicos, o que gera uma discussão infinita. Apesar de ter achado o filme apenas mediano, não tem como não amar a personagem Lale e a mensagem que fica: as novas gerações vêm cada vez mais questionadoras e descontentes com uma série de imposições sociais que nunca/raramente são questionadas, isso me alegra.
Fico um pouco assustado com a adoração cega com alguns diretores e vejo o quanto o Tarantino desperta isso, basta ler alguns comentários por aqui, mas me parece fundamental que a gente consiga tentar pensar no longa de forma insaturada e não de uma forma tão cindida: tudo do Tarantino é genial, tudo do Tarantino é um desastre. Enfim, "Os Oito Odiados" é um filme que tem muitas qualidades: a sensibilidade de Ennio Morricone ao criar uma trilha muito interessante e que foge do western batido, a atuação soberba de Jennifer Leigh, a atuação muito boa de Samuel Jackson ou a genialidade da construção de algumas conflitivas, como, por exemplo, da cena com "Noite Feliz", o erro da nota, e o efeito destonante do que se passava, mas, sei lá... O filme nunca me convenceu, metade dele é dedicado a uma aproximação falida com os personagens, que não toca e por vezes é cíclica, o ritmo do filme me incomodou bastante e isso não tem a ver com tempo de duração, mas sim com a previsibilidade. Enquanto estava no cinema, anotei no início do terceiro capítulo que pouco tinha acontecido e que sentia que ao final todo mundo iria morrer e teríamos inumeráveis cenas com explosões e sangue e é isso... Isso sim se repete -muitas vezes- com o Tarantino. Nenhum personagem tem um plano identificatório com o espectador e, especialmente, do primeiro quarto para o final eu só queria que todos aqueles personagens morressem, tamanho era meu ódio por todos. O uso do sangue, nesse longa especificamente, parece também destoar dos demais filmes do diretor e fica com um aspecto excessivo e chato. Há repetições desnecessárias de diálogos e parecia haver uma falta de progressão narrativa. Algumas cenas da charrete em movimento destoava, pois havia uma ausência de qualquer balanço, conferindo um aspecto muito artificial ao que acontecia e muitas cenas, especialmente, nos capítulos finais me soaram demasiadas 'trash', absurdas, mas absurdas de um jeito ruim. Acho que esse filme tem características bem marcadas do diretor, mas passou longe pra mim, um filme muito abaixo da média, tanto do diretor quanto dos concorrentes nas premiações.
Achei "The Big Short" um filme completamente desgastante e entediante. Não consegui não fazer comparações com "Spotlight", pois ambos os longas têm roteiros extremamente complexos e densos, ambos tem a proposta de contar histórias trágicas e com impacto emocional a forma como o roteiro se desenvolve -e muito pela direção dos filmes- me parece um ponto divergente entre eles. Pensei em sair no meio da sessão mais de 10 vezes. Achei o trabalho de direção do Adam McKay, apesar de original, completamente invasivo e fluido, mas de um jeito ruim. A trilha sonora não diz a que veio, apesar de ter várias músicas boas, ela destoa completamente na maioria das vezes, sendo que se cria um enorme distanciamento entre o que se passa e o que ouvimos. As cenas mais vulneráveis não convencem e sinceramente me cansei da agilidade narrativa e da presença de múltiplos narradores. Algumas partes como, por exemplo, a morte do irmão de Eisman eram explicadas de forma simples e sequencial, o que se repetiu outras vezes e com outros personagens e me deixou com um aspecto de pobreza narrativa. As atuações de Carell e Bale estão muito consistentes, o que é o ponto alto do filme. As atuações femininas são completamente secundárias e mal exploradas, além do papel de objetificação da mulher no início que eu achei particularmente irritante. Enfim, eu lamento muito ver o McKay concorrendo na categoria de melhor diretor no Oscar com um trabalho tão inferior ao de muitos outros (só de pensar no Todd Haynes fora tenho vontade de chorar). Apesar de todas as minhas críticas, entendo que é um filme com uma história que merece ser conhecida, divulgada e estudada, talvez a indicação tenha motivos bastante políticos.
Que felicidade essa indicação, talvez se não houvesse todo o alarde (um pouco exagerado, diga-se de passagem) pós-Cannes com "Son of Saul" esse seria o filme a ser batido. Colômbia tá de parabéns, três filmes fortíssimos lançados em 2015 (o abraço da serpente, a terra e a sombra e aliás maria) que chamaram atenção e rodaram os principais festivais de cinema do mundo.
"Conhecimento é uma coisa, fé é outra" Uma baita aula de roteiro, uma aula de direção e uma aula de atuação (Ruffalo especialmente, mas também Keaton e McAdams). Em tempo de tanta miséria e politicagem no jornalismo, dispenso comentários sobre a situação do jornalismo nacional e remeto a cena do filme em que presenciamos a conversa de Marty Baron e um cardeal, quando o novo editor não concorda com a proposta amistosa de acordo com a igreja e diz que um jornal que se preze precisa ser independente e alheio a tipo de interesse. Esse filme abre perspectivas e nos oferece outras possibilidades de pensamento para os rumos lamentáveis do jornalismo. Fiquei muito pensativo e sensível a extrema habilidade e perspicácia de como este roteiro foi construído e conduzido, cheio de pequenas reviravoltas, dinâmico e bastante denso, afinal dar conta de diversos personagens e oferecer planos de identificação com todos os investigadores não é uma tarefa fácil... Vamos progressivamente nos envolvendo e testemunhando a forma como os 4 investigadores da Spotlight são tomados pelo caso, testemunhamos suas frustrações, explosões, receios, medos... O trabalho de direção de McCarthy é muito bom, um trabalho não invasivo e fluido que não se apoia tanto em recursos técnicos (como em Carol, por exemplo), pois tem um roteiro incrível e atuações sólidas, mas que consegue conduzir o filme de uma forma bastante eficiente. Outro grande acerto do longa é não tentar poupar ou suavizar o público da veridicidade dos fatos, somos expostos ao que realmente aconteceu e, consequentemente, a crueza e a dor dos relatos de todos aqueles que foram abusados nos mais variados níveis. Tirando isso, a trilha sonora também é bem marcada desde a primeira cena e muito bem colocada ao longo do filme. Por fim, sinto que esse é um filme que tem quase um aspecto documental de 15 anos atrás e creio que uma pequena justiça foi feita a todos aqueles que sobreviveram a esses golpes da igreja. O discurso de Ben mais ao final deveria ser passado em todas as faculdades de jornalismo. Dia 14, quando saírem os indicados ao Oscar vou ficar feliz em ver Spotlight concorrer a melhor filme, melhor roteiro original e melhor ator coadjuvante (pelo menos essas categorias!!!).
O filme tem um bom trabalho de direção da Mélanie Laurent, que tem se mostrado uma diretora perspicaz e com algumas sutilezas interessantes, também tem sacadas interessantes, como o jogo quase “intertextual” do título que é uma referencia que progressivamente vai ganhando destaque, mexendo inclusive com a nossa respiração, especialmente, nas últimas cenas. Psicologicamente tem momentos, acho que ficou tudo muito associado aos pais, tanto Charlie quanto Sarah, a história transgeracional de Charlie que parece repetir com Sarah os conflitos que sua mãe vive com seu pai, ambas ficam aditas e reféns de um relacionamento tóxico e Sarah, que se apresenta com traços antissociais, o que também parece ficar associado à ausência de cuidadores/mãe alcoólatra. Particularmente, eu tive muita dificuldade em separar o que o filme me despertou ou o que eu sentia independente do filme, não consigo separar bem o que sentir de muitas cenas, o que torna especialmente difícil avaliar esse filme em termos de nota/estrela. O dialogo final entre Charlie e Sarah é extremamente forte, me fez sentir uma gama enorme de sensações ruins, na verdade, Sarah vai despertando a confusão, a duvida, a raiva, fala dela o tempo inteiro a partir de Charlie, ao ponto que toda aquela última conversa poderia ser tranquilamente um monologo, bem como Charlie com seu isolamento, retração, inabilidade de expressão e imensa (auto)destrutividade. O principal ponto que eu senti falta -o tempo inteiro- foi de uma maior entrada identificatória do telespectador com as personagens, do meio para o final eu só queria que ambas se explodissem, tamanho minha raiva por ambas e por todo aquele conluio sadomasoquista.
O clã (recebeu a menção honrosa no Festival de Toronto foi agraciado com o prêmio de melhor direção no Festival de Veneza). Falando em Veneza, acho que isso é o que mais chama atenção nesse novo longo do Pablo Trapero: um trabalho muito bom de direção, especialmente, no terceiro ato (todo muito bem feito e dirigido). É um filme interessante e que tem algumas boas sacadas, como, por exemplo, todos os momentos supostamente tensos, ênfase nos momentos de sequestro e execução, tem a presença de uma trilha sonora crescente e destoante, o que quebra por vezes dissipa a tensão da cena e por outras nos leva ao limite do assistível. Isso fica claro na cena
em que Alex está fazendo sexo no carro, seguida da morte de Eduardo, aquela é uma cena muito interessante e quase leva o telespectador a esse limite, bem como leva os personagens ao limite, tanto Alex quanto seus irmãos
. A parte psicológica dos personagens é pouco abordada, o que me desagradou, tem momentos ricos como aquele plano longo e bonito em que o pai vai percorrendo a casa, cada filho, até chegar no "calabouço", mostrando o quão alheia a família estava aquela situação, o que depois vai se desenvolvendo um pouco melhor. A relação de Arquimedes e Alex também é interessante, a perversão do pai e a incapacidade do filho em vociferar qualquer desejo é algo quase enjoativo.Do "eu nunca vou colocar nossa família em risco, Alex" para a redenção do filho ao socar o pai na prisão. Enfim, é um filme com elementos para se pensar/discutir, o roteiro tem pontos interessantes como o jogo com o tempo, o vai-e-vem ou ainda há que se destacar a boa direção de arte, mas senti que algo faltou o tempo todo. Apesar de ter gostado, não foi um filme que me convenceu ou ainda que me tocou, talvez o maior problema seja a falta de algum personagem que o telespectador possa se identificar, não é dado um "acesso" para que isso aconteça de fato. O que mais se aproxima é Alex, mas isso não acontece de forma efetiva. Pela metade senti um pouco de sono e MUITA coisa aconteceu e se resolveu no terceiro ato, o que de certa forma é esperado, mas isso me deixou com uma sensação de esvaziamento e uma certa "corrida" para dar conta de muitos acontecimentos em pouco tempo. Overall, é um filme acima da média (talvez o meu menos favorito do Trapero) e que compõe um cenário FORTÍSSIMO de filmes latino-americanos nesse ano e que tiveram destaque nos principais festivais e premiações do ano.
Como disse Tokue: “Sorria quando algo estiver delicioso”, assim que eu saí da sessão. Sabor da Vida – “An” (esteve em competição na “Un Certain Regard” em Cannes e recentemente venceu o prêmio do público da 39° Mostra de SP). Outro longa sensível da Naomi Kasawe (que já dirigiu suzaku e floresta dos lamentos). “Sabor da Vida” é aquele tipo de filme que te faz sair do cinema com uma sensação boa e a primeira coisa que me veio em mente foi: that’s what cinema is all about. Essa é a arte, a capacidade de transformar uma história clichê, simples e batida em algo tocante e memorável. O roteiro simples que trata do encontro de um homem desacreditado, deprimido com uma senhora, incialmente, enigmática e a redescoberta da beleza do cotidiano através da comida poderia facilmente ter escorregado para que o filme se tornasse “só mais um”, mas o toque de sensibilidade e a forma como ele é conduzido assinalam para outros acontecimentos. A pasta de feijão vermelho (o “an” do título original) adquire um significado psicológico para Tokue, quando de uma maneira muito sútil e delicada, a personagem mostra-se horrorizada que Sentaro compra a pasta a granel e não consegue comê-la. “A pasta de feijão é um sentimento, filho”, justamente, o sentimento que parecia faltar em Sentaro. Como não apreciar a relação que vai se estabelecendo entre eles e notar alguns pontos como, por exemplo, quando ela fala que o “an” precisa se acostumar com a doçura, assim como Sentaro precisava readquirir a doçura pela vida.
Gostei muito da quebra do chef que mesmo diante das ameaças da personagem que ele tem uma dívida (teria ele matado seu marido?) optou por manter a trabalho da idosa, fica em duvida, sofre, enquanto ele luta e bravamente faz as panquecas (que cena mais bonita)
. A direção de arte e a fotografia do filme também são dignas de elogios, fiquei tocado com as observações que Tokue fazia das árvores, parecia que ela estava descobrindo um novo mundo ao fazer contato com o sol e com a natureza, algo que lhe fora privado. Fiquei emocionado na transição das observações de Tokue para o momento de reflexão de Sentaro, quando ele lamenta não ter podido ouvir as histórias de sua mãe, nem de ninguém enquanto esteve preso... Enfim, daqueles filmes que poucos verão, mas que muitos deveriam
Deslembro
3.7 40apesar de algumas pontas e atuações irregulares o efeito desse filme, nesse momento político, é enorme. Aliás, o tom melancólico impresso pela Flávia Castro é louvável.
Assunto de Família
4.2 400 Assista Agoramuito melhor que seus últimos dois filmes, porém pelo 5 ano seguido o filme que recebe o Prix du Jury é bem melhor que o vencedor da palma.
A Valsa de Waldheim
3.8 2 Assista AgoraA Valsa de Salnorabo
José
2.9 8 Assista Agoraos 85 minutos mais longos da minha vida.
#sddsixcanul
Túmulos Sem Nome
3.7 3Rithy Panh segue nos oferecendo as imagens que lhe faltam (e que nos faltam também) através desses filmes meticulosos. Seguindo na esteira de sua filmografia sobre os múltiplos efeitos do genocídio promovido pelo Khmer Vermelho, Panh nos entrega agora os “Túmulos sem nome". Esse é um daqueles filmes poderosos em despertar uma verdadeira paleta de afetos, arremessando o espectador em um estado de desamparo, revolta e comoção. Utilizando algumas imagens e algumas reflexões que já estavam presentes em “A imagem que falta”, aqui o diretor desdobra ainda mais sua busca pelo direito de memória das famílias, pelas identidades das perdas e por uma forma de trabalhar esses lutos a medida que esses mortos podem ser considerados vidas exterminadas e não simplesmente restos contingenciais. Precisei de vários minutos para me recuperar da desorientação provocada pelo filme.
Moonlight: Sob a Luz do Luar
4.1 2,4K Assista Agora“Moonlight” tem seus inúmeros méritos, especialmente, nas primeiras duas partes. Há de ressaltar, de antemão, a atuação consistente de Naomi Harris e as demais também são bem sustentadas. A introspecção e a tristeza de Chrion se comunicam bem entre os três atores. Na primeira parte observamos surgir à relação inesperada de Juan/Chiron, a primeira vez em que Chiron vai até a casa de Juan é bastante interessante. O diretor não opta por um óbvio plano conjunto, mas sim por um plano fechado que vai passando pelo rosto de cada um dos personagens, mostrando o desconforto e as duvidas que trazem em si. O que interessa é realmente a expressão dos personagens, a carga dramática, visto que o fundo está totalmente desfocado. Aliás, isso se repete muitas vezes ao longo do filme de forma inteligente. Digna de nota também é a cena em que Juan ensina Chiron a nadar, filmada de uma forma bastante sensível. Vale destacar também, nesse ponto, a eficiência do roteiro em relação às duvidas de Chiron com sua sexualidade e a forma como os silêncios e as repostas de Juan vão aparecendo/respondendo.
Na segunda parte vamos conhecendo um pouco mais a história do personagem e sua relação com uma mãe mortífera, dual, adita e violenta. A mãe que pede dinheiro ao filho, que é incapaz de cuidá-lo e tenta atacar a personagem que o ajuda (Teresa). Em uma das cenas de enfrentamento de Chiron com Paula, vemos através da opção do diretor em usar enquadramentos em plongée/contra-plongée a posição de vulnerabilidade da mãe.
Porém, da metade final da parte II e a parte III, o filme começa a se estagnar, repetir clichês e carecer em aprofundar os conflitos, de modo a ficar repetindo o ciclo violento (infância, adolescência). Na parte II, sinto um claro excesso da violência injustificada dos personagens: o que aconteceu para Chiron ser tão rejeitado? Isso fica solto, o que culmina no ciclo óbvio: apanha, apanha e depois agredi o colega. Além disso, vemos outra repetição MORTÍFERA e, infelizmente, muito comum no cinema: o hétero que tem experiências homossexuais e depois agride o amigo para mostrar que é machão. É sério? Até quando? A transição da adolescência para a adultez é abrupta e perdemos a continuidade com o personagem. Claramente, o trabalho de direção, bem como o roteiro, apoia-se nos silêncios, naquilo que não é dito e naquilo que o espectador tem/deve deduzir, entretanto não creio que isso justifique tamanha quebra.
O terceiro ato se apresenta quase como um contra clímax, arrastado, um tanto estereotipado: os olhares de Chiron e Kevin parecem forçados (segue a opção pelos planos fechados, close-up exagerando no drama), o momento em que vão até a casa de Kevin e o olhar para a cena que remete o momento em que tiveram suas experiências sexuais. Enfim, tinha MUITA coisa pra dar conta e deixa muitos pontos sem nó (metáfora apenas)
Outros pontos dignos de nota: papel das drogas do filme como algo complexo e uma discussão não moralista. Filme independente e de qualidade.
É Apenas o Fim do Mundo
3.5 302 Assista Agora"temos medo do tempo... Medo do tempo que você nos dá"
O novo filme de Xavier Dolan tem um ponto de partida simples: a volta do filho escritor -supostamente- prodígio para casa, após 12 anos de ausência, para anunciar sua morte. Sabendo da morte de antemão, somos transportado para o mundo de Louis, acompanhamos seu percurso do aeroporto até a casa da família como se fosse o último, a marcação em cada rosto ao longo do caminho denota que aquela seria a última vez em que ele testemunharia tal passeio. A cena é bonita e bem construída. Desde a sua chegada até o último segundo vemos onde o filme se apoia: na impossibilidade da comunicação familiar e na profunda aspereza dos afetos.
Vemos que toda família está empenhada na recepção de Louis: a mãe demora horas se arrumando, faz diversos pratos com a ajuda da esposa do irmão. Os irmãos parecem ansiosos e nervosos, porém quando Louis chega notamos a clara atrapalhação de todos aqueles personagens e vemos a forma PROFUNDAMENTE violenta de como se relacionam. Uma violência instituída, aparentemente banal, como vemos nos relatos de personagem de Cottilard (muito bem interpretada, diga-se de passagem) que relativiza o comportamento machista e hostil do marido, fingindo ter esquecido. Um ponto interessante é que, diferente da grande esmagadora maioria dos filmes, aqui os personagens já parecem esgotados, pesados e cansados desde o primeiro ato, de modo que suas situações se prolongam longo do filme. Me parece que a intenção é frustar o espectador com a incapacidade de uma forma menos primitiva de expressão dos afetos.
Com isso dito, há um claro excesso na questão da impossibilidade de comunicação que é explorado a ponto de se tornar apelativo, muitas cenas ficam apenas na violência pela violência e parece carecer de uma maior profundidade psicológica dos personagens. Talvez isso se resolvesse se o longa dispusesse de mais tempo para contar melhor as relações e aprofundar os conflitos. Apesar de ser um filme propositalmente desagradável, cria-se um certo cansaço/distanciamento, pois não há qualquer indicação que nos ajude a entender a quantidade massiva de explosões do personagem de Cassel, por exemplo. Ou ainda as atrapalhações constantes de Catherine, seria ela daquele jeito por pura opressão do marido? O que Louis desperta nela? A direção de fotografia tem ideias interessantes, mas segue por um caminho repetitivo: o foco quase inteiramente exclusivo no rosto dos personagens, o rosto de Louis constantemente nas sombras, a escuridão da casa para complementar as cenas de agressão psicológica ou aquele truque mais barato do sol, literalmente, queimando os personagens no momento de maior exaltação vão se repetindo. Enfim, "É apenas o fim do mundo" é um filme regular. Faltou contar melhor a história de uma forma não repetitiva, o que temos acesso é muito circular e torna-se cansativo. Falta talvez um momento maior de clímax. Da metade final do segundo ato e no terceiro já fica claro que os conflitos vão seguir na mesma marcha e que nada vai ser feito: seguem as explosões de raiva de Antoine, os momentos desajeitados de Catherine junto a Louis, as tentativas de enfrentamentos de Suzanne e os silêncios mortíferos de Louis frente ao caos familiar. A trilha sonora, por vezes, tenta agir de forma complementar as violências, porém não consegue.
Austerlitz
2.6 1A única coisa que me fez ficar até o fim foi contar as 42 pessoas que deixaram a sessão ao longos dos seus insuportáveis 94 minutos. Austerlitz até um que outro momento interessante, mas que não minimiza sua chatice suprema. Sua concepção ambiciosa e patética. Daqueles filmes que tu lamenta por ter escolhido assistir em um festival, quando haviam tantas outras opções no horário.
A Chegada
4.2 3,4K Assista Agora˜Ian, if you could see your life from start to finish would you change things?˜
Bem, temos aqui mais um filme acima da média do Villeneuve, aliás, ele vem se mostrando um diretor bastante consistente e muito capaz de criar uma atmosfera (in)tensa, que prende o espectador praticamente do início ao fim dos filmes.
A premissa do filme é interessante e mesmo pegando um tema super batido de -aliens invadem a terra- o filme não é um cliche. Acompanhamos e vivenciamos, através da respiração nervosa de Louise, suas descobertas e seus receios. O cenário é bem adequado a proposta, a opção por locações que parecem enormes filmadas em uma profundidade grande de campo e ao mesmo tempo nítida. A dialética de teto baixo, cores pesadas e pouca luz dentro do ambiente de trabalho com a luz, cores quentes e vitalidade fora é bem explorada. Isso fica bem ressaltado na cena em que personagem vai sozinha fazer contato com os supostos invasores (céu cinza e chuva). A trilha sonora também é bastante indicativa de tensão e adequada, por vezes, tão pesada que aciona um sentimento de desespero. O roteiro também é rico (todo jogo passado/futuro) e muito bem desenvolvido no segundo/terceiro ato, fazendo o espectador estar constantemente revendo suas teorias. Algumas outras sensações COM SPOILER: China acha que os invasores vieram para causar a discórdia nos humanos e decidi atacar, logo é apoiada pela Russia e outros países, o US acaba ficando na posição de cautela e sensatez, esse ponto me pareceu maniqueísta ao longo do filme. Achei isso MUITO simbólico, considerando-se que esse filme pra mim marca no Villeneuve uma transição clara para um cinema -mais hollywoodiano-. Não há duvida que esse filme disputará inúmeros oscars, ao contrário dos demais filmes do diretor. Talvez, justamente, por conhecer suas demais produções e gostar muito (politécnica, incêndio, os suspeitos, o homem duplicado e sicário) esse filme tenha ficado um pouco abaixo. Apesar da narrativa ser muito bem construída, sinto que esse filme não tem o mesmo efeito de captura que todos os demais, ele demora mais para engrenar, digamos assim. De qualquer forma, não há duvidas que ele deve ser assistido e debatido.
Cemitério do Esplendor
3.8 43Hoje foi a estreia nacional de "Cemitério do Esplendor" e eu fui com uma mistura de entusiasmo e cautela logo para a primeira sessão. Apichatpong Weerasethakul é um queridinho em Cannes, já na sua primeira aparição com "Eternamente Sua" venceu a mostra paralela "Un Certain Regard" no ano de 2002. Voltou em 2004, dessa vez na seleção oficial, com "Mal dos Trópicos" e recebeu o prêmio do júri, que seria tipo o terceiro colocado, aliás, esse é um filme interessante e que eu realmente gostei. Well, 6 anos depois ele voltou, também na seleção oficial, com "Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas" e venceu a Palma de Ouro!!!!!!! O que até hoje eu não encontro palavras para descrever ou lógica para entender, esse é com uma confortável distância o pior vencedor da palma de ouro que eu já vi e que talvez verei, mas ok, dei o benefício da duvida e fui ver "Cemitério do Esplendor" que também esteve em Cannes (2015, Un Certain Regard). Bem, primeiro que o filme tem traços característicos do diretor e traços que eu não gosto, de forma geral, ele consegue ser pior que o já ruim "Tio Boonmee". Um filme profundamente aborrecedor, pretensioso (e olha que acho uma dose de pretensão bem interessante) e com sérios problemas de ritmo. Fiquei fazendo um paralelo com o novo cinema romeno que tem caraterísticas técnicas parecidas: filmes centrados na observação de comportamento, filmes com poucas interferências brandas da direção, filmes com um tom mais contemplativo e mais sensoriais, planos-sequencia longos e muitas vezes estáticos e pensando que não encontrava nada para redimir a autoindulgência desse filme... Cemitério do Esplendor tem todas essas características e falha miseravelmente em sua transmissão. Uma história profundamente VAZIA, contada através do roteiro igualmente vazio. Uma série de elementos jogados e desprovidos de qualquer possível significado. Qual a necessidade daquela cena do homem defecando? E de várias outras que se sucederam aquela? A extrapolação do metafísico com o belo (passagens que tratam das energias). Enfim, como alguns críticos apontaram, esse parece mais um filme feito nos moldes certos para festivais, especialmente, Cannes que é diversificado e sempre tem filmes com essa pegada. Talvez a ideia do diretor realmente seja de tentar criar atmosferas vazias para o espectador tentar se identificar e projetar-se. A única coisa esplendorosa do filme foi a irritabilidade que ele me causou, como poucos filmes fizeram. Boa sorte a quem for ver.
Trumbo: Lista Negra
3.9 375 Assista AgoraUm episódio muito importante na história do cinema e incrivelmente atual que, infelizmente, dissipa-se pela enorme fragilidade em diferentes pontos do filme. Longe de ser um bom filme, Trumbo, tem um trabalho de direção desvitalizado e um roteiro fraquíssimo, além de contar com atuações apenas razoáveis. Os personagens são construídos de forma bastante simples e cindida: a personagem de Hellen Mirren é um monstro, Trumbo é genial e os donos de estúdios são pessoas sem coração e blabla. A fotografia do filme é desinteressante, dando a impressão de se tratar de um filme de baixo orçamento pela excesso de close no rosto dos personagens, de modo a tentar esconder o cenário e os figurinos. O filme não se decide se quer ser uma comédia ou um drama e a maioria das cenas com maior impacto emocional soam bastante artificiais. Algumas cenas como o confronto de Trumbo com Eddie, por exemplo, fazem uso de uma trilha sonora melancólica que destoa bastante do que está sendo visto e da construção do cenário. A relação familiar é toda mal explorada e precariamente desenvolvida, tendo uma explosão de acontecimentos no terceiro ato, apelando para uma série de soluções mágicas. Cleo, bem como os filhos do casal, apenas parecem aguentar todas as suas intransigências de forma resignada e quase isenta de conflito, um ou outro choro, mas tudo segue de forma perfeitamente simples e desconexa, quando na fatídica cena da confrontação de Cleo e Trumbo vemos um dar-se conta do personagem principal isso não convence e a partir desse momento ele ressignifica de forma mágica sua relação com diferentes membros da família, novamente, caindo em um artifício maniqueísta e simplório do roteiro. O desfecho é bastante previsível e artificial também, além disso o filme também falha miseravelmente ao tentar dar conta de quase duas décadas dentro desse roteiro pobre. É uma pena, pois Trumbo assim como muitos outros filmes do Oscar desse ano, tem uma ótima história para ser contada, conhecida e divulgada, mas que realmente não diz a que veio.
Instinto Materno
3.8 70Sinto que a tradução do título para “Instinto Materno” causa certa perda, “Child’s Pose” é mais precisa. Esse, assim como muitos outros filmes dessa geração romena, retrata uma história aparentemente simples, mas com uma narrativa magistral. Afinal, podemos ter uma grande história (“A Garota Dinamarquesa”, “Trumbo”) e ela pode se tornar profundamente desinteressante devido a sua abordagem, o que acontece com os filmes que citei antes. Ao contrário, podemos ter histórias mais simples que resultam em filmaços (a lista é grande, dois que me vieram agora: “An” e “Sonata de Outono”), afinal isso depende da narrativa, ou seja, da forma como essa história é contada e em “Child’s Pose” a história é contada muito bem. Com a câmera na mão e com sua intensa movimentação ao longo dos 112 minutos, a ponto de por vezes nos sentirmos tontos, Calin Netzer tenta despertar no espectador certo mal-estar, algo próximo ao vivido pelos personagens, por todos aqueles que são engolfados por Cornélia. A construção da personagem de Cornélia é inteligente, pois facilmente o roteiro poderia ter se tornado maniqueísta, visto que sua personagem abre a brecha para ser apenas uma bruxa totalitária e destrutiva, mas vemos como isso vai se dissipando, de certa forma, com a progressão narrativa. Vemos isso primeiro através do seu figurino que reflete seu estado de luto, a transição das peles exuberantes para looks sóbrios e pretos, posteriormente, vemos o cansaço e o sofrimento em sua expressão facial desprovida de maquiagem e bastante reticente. Com isso dito, tem uma parte que não escapa de sentir um ódio profundo pela forma como a personagem preenche absolutamente TODOS os espaços: fala pelo marido, manipula a empregada, controla o filho de modo sufocante, tenta controlar a relação com do filho com sua esposa e posteriormente da esposa com sua filha. Culminando com sua visita para a família do menino que foi atropelado por seu filho, onde ela provoca uma inversão e vai falar sobre si mesma e sobre as “conquistas” do seu filho, suplicando para que a família não destrua a SUA VIDA. Interessante que nessa mesma cena, por vezes, ao falar de Barbu, ela usa os verbos no passado, o que me deixou pensativo: claro, é como se uma parte do filho tivesse realmente morrido, afinal quem sai de uma experiência traumática desse nível sem várias partes assassinadas? Enfim, um grande filme, simples e que não precisa de firulas, de trilha sonora (afinal, a vida não tem trilha sonora), tá lá, plano e contra-plano e um resultado ótimo.
ps: merecia uma análise isolada e apenas psicológica da relação familiar.
4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias
4.0 264Já é um clássico do "novo cinema romeno". Daqueles filmes que tu quer dissecar cada parte. O diretor, Cristian Mungiu, assim como outros conterrâneos: Corneliu Porumboiu, Cristi Puiu, etc adota essa forma particular de conduzir seu filme, ou seja, uma condução baseada, essencialmente, na observação dos personagens e com poucas interferências, trilha sonora ausente, o que confere um tom absurdamente realístico ao longa. Dentre os vários plano-sequência longos e maravilhosos, destaco o que se sucede após a instalação da sonda, refletindo de forma brilhante o estado psicológico dos personagens, permeado de ausências e a cena posterior de Otília saindo do trem pela riqueza e profunda beleza. Além disso, a cena do jantar inteira é um acerto, cinefilamente (existe essa palavra?) eu estava extasiado com a maturidade de sua condução: o crescente desconforto e a excelente retratação do deslocamento de Otília ao estar ali sentada com uma expressão vazia, o excesso de diálogos, a separação geracional, as demasiadas certezas presente nos discurso dos médicos e a invasão da mãe do namorado, enfim... Um filme ainda reflexivo sobre um tema tão importante de ser discutido, com atuações bastante consistentes e uma fotografia precisa em recriar uma Romênia sombria e destruída. És grande!
Spotlight - Segredos Revelados
4.1 1,7K Assista AgoraEstá aberta a temporada de MIMIMI. Ganhou, mereceu, tô bem feliz, fim.
Mad Max: Estrada da Fúria
4.2 4,7K Assista AgoraSerá que vai chegar o dia em que os ditos "apreciadores de cinema" vão parar de se limitar pelo gênero do filme e vão se entregar a uma experiência cinematografia mais completa? Que cansaço disso de "ai, eu não gosto de filme de ação mimimi", "acho que não gostei tanto por ser um filme de ação". Independente de ser um filme de ação, Mad Max é um bom filme, admirável tecnicamente -de forma geral-, com muitos momentos reflexivos (opa, mas não é uma ação?) e com atuações bem consistentes, aliás porque mesmo a Charlize Theron não foi indicada ao oscar e a Jennifer Lawrence sim? Apesar de ter gostado muito e ter sentido que esses 120 minutos pareceram 40, por vezes, senti que estava em um jogo de videogame e não assistindo a um filme que tem dominado premiações técnicas (efeitos especiais, costume design, etc). O que me passa uma sensação de que realmente se criou um burburinho um pouco over em cima desse filme, mesmo assim gostei da experiência e pelas brechas que o aparente simples roteiro dá #RESPEITAASMINA
Táxi Teerã
4.0 80 Assista AgoraJafar Panahi, obrigado e parabéns. Que baita filme (aliás, mais um pra lista dele): original, reflexivo e porta-voz de uma cultura, o que eu acho particularmente admirável, quando um longa executa isso de forma exitosa. Desde o primeiro encontro dos passageiros, o homem inflexível, descaracterizando e invalidando os questionamentos da professora, todos maravilhosamente bem fundamentados, diga-se de passagem, o que também já nos faz refletir sobre o papel da mulher na sociedade iraniana, até a última cena o filme se mantém excelente e com personagens profundamente cativantes. As referencias ao cinema também são ótimas: a brincadeira com o Woody Allen, a menção ao penúltimo filme do Nuri Bilge Celyan, o estudante de cinema que é concebido de uma forma quase criminosa por consumir um material impróprio ao olhos do governo e a resposta genial de Omid ao defender sua atividade e dizer que ela também é uma atividade cultural. Diversos outros aspectos culturais também são abordados, até o da superstição com as senhoras que precisam jogar os peixes, caso contrário irão morrer. Enfim, mais que um filme, Taxi Teerã é um retrato humano vivo de um cineasta e em relação a seu país. Como pontuou o júri no festival de Berlim, há uma tomada espirituosa e afiada sobre a liberdade de expressão (ou falta de) e a luta de todos os artistas que buscam superar as restrições da realidade e expressar suas emoções e opiniões, independentemente, de censura ou proibições governamentais. Há de se admirar a coragem e bravura desse e de outros diretores iranianos (lembrei também do Mohammad Rasoulof) em mostrarem ao mundo seus produções e suas possíveis retaliações. Ah, última coisa, que deleite deve ter sido ser jurado na Berlinale ano passado, uma quantidade enorme de filmes muito acima da média que estavam em competição (El Club, Ixacanul, El Bóton de Nacar, Body, Victoria)...
Cinco Graças
4.3 329 Assista Agora"Mustang" retrata um assunto bastante sério e extremamente pertinente de um modo interessante, temos contato com uma história de irmandade que desafia a opressão patriarcal, bem como uma visão obsoleta da sexualidade feminina e nisso é um aceto. O filme se apoia muito nas atuações das irmãs, especialmente, em Günnes Sensoy (Lale) e todas dão conta do trabalho com atuações expressivas e vivas, embora muitas vezes seus personagens estivessem quase mortos psiquicamente e, a partir disso, permitem que o espectador possa sintonizar com a prisão em que elas vivem e sentimos em nós toda a revolta das personagens, nisso o longa também é eficiente. Outros pontos que me chamaram atenção: o sol tem um papel quase psicológico, remete a união entre as irmãs, normalmente, utilizado como um recurso nas cenas em que elas estão juntas mais ao início do filme e depois na cena final em forma de flashback. No início do filme existe uma maior distribuição dos personagens pela tela, o que ao longo da narrativa vai se reduzindo mais ao lado esquerdo que, muitas vezes, indica opressão das personagens. Bem, dito isso, o filme tem vários problemas importantes, o roteiro é bastante ineficiente em diversos momentos, a elipse que denota o abuso é falha e fica parecendo que isso é algo naturalizado, o que me deixou bastante irritado. A morte de uma da irmãs ficou completamente jogada e não foi minimamente explorada, parecendo algo banal e isento de reflexão. Além disso, o ritmo do filme é bastante problemático, é quase como se ele ficasse o tempo inteiro na mesma marcha, tornando-se repetitivo. Me chama atenção que esse tenha sido o filme escolhido pela França para ser seu representante no Oscar, parece que assim como Dheepan, há algo bastante pontual e político, no sentido de dar visibilidade a alguns assuntos específicos, o que gera uma discussão infinita. Apesar de ter achado o filme apenas mediano, não tem como não amar a personagem Lale e a mensagem que fica: as novas gerações vêm cada vez mais questionadoras e descontentes com uma série de imposições sociais que nunca/raramente são questionadas, isso me alegra.
Os Oito Odiados
4.1 2,4K Assista AgoraFico um pouco assustado com a adoração cega com alguns diretores e vejo o quanto o Tarantino desperta isso, basta ler alguns comentários por aqui, mas me parece fundamental que a gente consiga tentar pensar no longa de forma insaturada e não de uma forma tão cindida: tudo do Tarantino é genial, tudo do Tarantino é um desastre. Enfim, "Os Oito Odiados" é um filme que tem muitas qualidades: a sensibilidade de Ennio Morricone ao criar uma trilha muito interessante e que foge do western batido, a atuação soberba de Jennifer Leigh, a atuação muito boa de Samuel Jackson ou a genialidade da construção de algumas conflitivas, como, por exemplo, da cena com "Noite Feliz", o erro da nota, e o efeito destonante do que se passava, mas, sei lá... O filme nunca me convenceu, metade dele é dedicado a uma aproximação falida com os personagens, que não toca e por vezes é cíclica, o ritmo do filme me incomodou bastante e isso não tem a ver com tempo de duração, mas sim com a previsibilidade. Enquanto estava no cinema, anotei no início do terceiro capítulo que pouco tinha acontecido e que sentia que ao final todo mundo iria morrer e teríamos inumeráveis cenas com explosões e sangue e é isso... Isso sim se repete -muitas vezes- com o Tarantino. Nenhum personagem tem um plano identificatório com o espectador e, especialmente, do primeiro quarto para o final eu só queria que todos aqueles personagens morressem, tamanho era meu ódio por todos. O uso do sangue, nesse longa especificamente, parece também destoar dos demais filmes do diretor e fica com um aspecto excessivo e chato. Há repetições desnecessárias de diálogos e parecia haver uma falta de progressão narrativa. Algumas cenas da charrete em movimento destoava, pois havia uma ausência de qualquer balanço, conferindo um aspecto muito artificial ao que acontecia e muitas cenas, especialmente, nos capítulos finais me soaram demasiadas 'trash', absurdas, mas absurdas de um jeito ruim. Acho que esse filme tem características bem marcadas do diretor, mas passou longe pra mim, um filme muito abaixo da média, tanto do diretor quanto dos concorrentes nas premiações.
A Grande Aposta
3.7 1,3KAchei "The Big Short" um filme completamente desgastante e entediante. Não consegui não fazer comparações com "Spotlight", pois ambos os longas têm roteiros extremamente complexos e densos, ambos tem a proposta de contar histórias trágicas e com impacto emocional a forma como o roteiro se desenvolve -e muito pela direção dos filmes- me parece um ponto divergente entre eles. Pensei em sair no meio da sessão mais de 10 vezes. Achei o trabalho de direção do Adam McKay, apesar de original, completamente invasivo e fluido, mas de um jeito ruim. A trilha sonora não diz a que veio, apesar de ter várias músicas boas, ela destoa completamente na maioria das vezes, sendo que se cria um enorme distanciamento entre o que se passa e o que ouvimos. As cenas mais vulneráveis não convencem e sinceramente me cansei da agilidade narrativa e da presença de múltiplos narradores. Algumas partes como, por exemplo, a morte do irmão de Eisman eram explicadas de forma simples e sequencial, o que se repetiu outras vezes e com outros personagens e me deixou com um aspecto de pobreza narrativa. As atuações de Carell e Bale estão muito consistentes, o que é o ponto alto do filme. As atuações femininas são completamente secundárias e mal exploradas, além do papel de objetificação da mulher no início que eu achei particularmente irritante. Enfim, eu lamento muito ver o McKay concorrendo na categoria de melhor diretor no Oscar com um trabalho tão inferior ao de muitos outros (só de pensar no Todd Haynes fora tenho vontade de chorar). Apesar de todas as minhas críticas, entendo que é um filme com uma história que merece ser conhecida, divulgada e estudada, talvez a indicação tenha motivos bastante políticos.
O Abraço da Serpente
4.4 237 Assista AgoraQue felicidade essa indicação, talvez se não houvesse todo o alarde (um pouco exagerado, diga-se de passagem) pós-Cannes com "Son of Saul" esse seria o filme a ser batido. Colômbia tá de parabéns, três filmes fortíssimos lançados em 2015 (o abraço da serpente, a terra e a sombra e aliás maria) que chamaram atenção e rodaram os principais festivais de cinema do mundo.
Spotlight - Segredos Revelados
4.1 1,7K Assista Agora"Conhecimento é uma coisa, fé é outra"
Uma baita aula de roteiro, uma aula de direção e uma aula de atuação (Ruffalo especialmente, mas também Keaton e McAdams). Em tempo de tanta miséria e politicagem no jornalismo, dispenso comentários sobre a situação do jornalismo nacional e remeto a cena do filme em que presenciamos a conversa de Marty Baron e um cardeal, quando o novo editor não concorda com a proposta amistosa de acordo com a igreja e diz que um jornal que se preze precisa ser independente e alheio a tipo de interesse. Esse filme abre perspectivas e nos oferece outras possibilidades de pensamento para os rumos lamentáveis do jornalismo. Fiquei muito pensativo e sensível a extrema habilidade e perspicácia de como este roteiro foi construído e conduzido, cheio de pequenas reviravoltas, dinâmico e bastante denso, afinal dar conta de diversos personagens e oferecer planos de identificação com todos os investigadores não é uma tarefa fácil... Vamos progressivamente nos envolvendo e testemunhando a forma como os 4 investigadores da Spotlight são tomados pelo caso, testemunhamos suas frustrações, explosões, receios, medos... O trabalho de direção de McCarthy é muito bom, um trabalho não invasivo e fluido que não se apoia tanto em recursos técnicos (como em Carol, por exemplo), pois tem um roteiro incrível e atuações sólidas, mas que consegue conduzir o filme de uma forma bastante eficiente. Outro grande acerto do longa é não tentar poupar ou suavizar o público da veridicidade dos fatos, somos expostos ao que realmente aconteceu e, consequentemente, a crueza e a dor dos relatos de todos aqueles que foram abusados nos mais variados níveis. Tirando isso, a trilha sonora também é bem marcada desde a primeira cena e muito bem colocada ao longo do filme. Por fim, sinto que esse é um filme que tem quase um aspecto documental de 15 anos atrás e creio que uma pequena justiça foi feita a todos aqueles que sobreviveram a esses golpes da igreja. O discurso de Ben mais ao final deveria ser passado em todas as faculdades de jornalismo. Dia 14, quando saírem os indicados ao Oscar vou ficar feliz em ver Spotlight concorrer a melhor filme, melhor roteiro original e melhor ator coadjuvante (pelo menos essas categorias!!!).
Respire
3.8 290 Assista AgoraO filme tem um bom trabalho de direção da Mélanie Laurent, que tem se mostrado uma diretora perspicaz e com algumas sutilezas interessantes, também tem sacadas interessantes, como o jogo quase “intertextual” do título que é uma referencia que progressivamente vai ganhando destaque, mexendo inclusive com a nossa respiração, especialmente, nas últimas cenas. Psicologicamente tem momentos, acho que ficou tudo muito associado aos pais, tanto Charlie quanto Sarah, a história transgeracional de Charlie que parece repetir com Sarah os conflitos que sua mãe vive com seu pai, ambas ficam aditas e reféns de um relacionamento tóxico e Sarah, que se apresenta com traços antissociais, o que também parece ficar associado à ausência de cuidadores/mãe alcoólatra. Particularmente, eu tive muita dificuldade em separar o que o filme me despertou ou o que eu sentia independente do filme, não consigo separar bem o que sentir de muitas cenas, o que torna especialmente difícil avaliar esse filme em termos de nota/estrela. O dialogo final entre Charlie e Sarah é extremamente forte, me fez sentir uma gama enorme de sensações ruins, na verdade, Sarah vai despertando a confusão, a duvida, a raiva, fala dela o tempo inteiro a partir de Charlie, ao ponto que toda aquela última conversa poderia ser tranquilamente um monologo, bem como Charlie com seu isolamento, retração, inabilidade de expressão e imensa (auto)destrutividade. O principal ponto que eu senti falta -o tempo inteiro- foi de uma maior entrada identificatória do telespectador com as personagens, do meio para o final eu só queria que ambas se explodissem, tamanho minha raiva por ambas e por todo aquele conluio sadomasoquista.
O Clã
3.7 198 Assista AgoraO clã (recebeu a menção honrosa no Festival de Toronto foi agraciado com o prêmio de melhor direção no Festival de Veneza). Falando em Veneza, acho que isso é o que mais chama atenção nesse novo longo do Pablo Trapero: um trabalho muito bom de direção, especialmente, no terceiro ato (todo muito bem feito e dirigido). É um filme interessante e que tem algumas boas sacadas, como, por exemplo, todos os momentos supostamente tensos, ênfase nos momentos de sequestro e execução, tem a presença de uma trilha sonora crescente e destoante, o que quebra por vezes dissipa a tensão da cena e por outras nos leva ao limite do assistível. Isso fica claro na cena
em que Alex está fazendo sexo no carro, seguida da morte de Eduardo, aquela é uma cena muito interessante e quase leva o telespectador a esse limite, bem como leva os personagens ao limite, tanto Alex quanto seus irmãos
Enfim, é um filme com elementos para se pensar/discutir, o roteiro tem pontos interessantes como o jogo com o tempo, o vai-e-vem ou ainda há que se destacar a boa direção de arte, mas senti que algo faltou o tempo todo. Apesar de ter gostado, não foi um filme que me convenceu ou ainda que me tocou, talvez o maior problema seja a falta de algum personagem que o telespectador possa se identificar, não é dado um "acesso" para que isso aconteça de fato. O que mais se aproxima é Alex, mas isso não acontece de forma efetiva. Pela metade senti um pouco de sono e MUITA coisa aconteceu e se resolveu no terceiro ato, o que de certa forma é esperado, mas isso me deixou com uma sensação de esvaziamento e uma certa "corrida" para dar conta de muitos acontecimentos em pouco tempo. Overall, é um filme acima da média (talvez o meu menos favorito do Trapero) e que compõe um cenário FORTÍSSIMO de filmes latino-americanos nesse ano e que tiveram destaque nos principais festivais e premiações do ano.
Sabor da Vida
4.2 129 Assista AgoraComo disse Tokue: “Sorria quando algo estiver delicioso”, assim que eu saí da sessão. Sabor da Vida – “An” (esteve em competição na “Un Certain Regard” em Cannes e recentemente venceu o prêmio do público da 39° Mostra de SP). Outro longa sensível da Naomi Kasawe (que já dirigiu suzaku e floresta dos lamentos). “Sabor da Vida” é aquele tipo de filme que te faz sair do cinema com uma sensação boa e a primeira coisa que me veio em mente foi: that’s what cinema is all about. Essa é a arte, a capacidade de transformar uma história clichê, simples e batida em algo tocante e memorável. O roteiro simples que trata do encontro de um homem desacreditado, deprimido com uma senhora, incialmente, enigmática e a redescoberta da beleza do cotidiano através da comida poderia facilmente ter escorregado para que o filme se tornasse “só mais um”, mas o toque de sensibilidade e a forma como ele é conduzido assinalam para outros acontecimentos. A pasta de feijão vermelho (o “an” do título original) adquire um significado psicológico para Tokue, quando de uma maneira muito sútil e delicada, a personagem mostra-se horrorizada que Sentaro compra a pasta a granel e não consegue comê-la. “A pasta de feijão é um sentimento, filho”, justamente, o sentimento que parecia faltar em Sentaro. Como não apreciar a relação que vai se estabelecendo entre eles e notar alguns pontos como, por exemplo, quando ela fala que o “an” precisa se acostumar com a doçura, assim como Sentaro precisava readquirir a doçura pela vida.
Gostei muito da quebra do chef que mesmo diante das ameaças da personagem que ele tem uma dívida (teria ele matado seu marido?) optou por manter a trabalho da idosa, fica em duvida, sofre, enquanto ele luta e bravamente faz as panquecas (que cena mais bonita)