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Curador e produtor do Festival de Cinema Sol Maior.
Estudante de Cinema e Audiovisual na UFF (Universidade Federal Fluminense).

Últimas opiniões enviadas

  • Mateus Rameh

    https://oca.observatorio.uff.br/?p=5184

    Io Capitano (Eu, Capitão, 2023) conta a saga de dois jovens senegaleses de 16 anos, os primos Seydou e Moussa, que desejam deixar seu país em busca de melhores condições de vida na Europa, mais especificamente na Itália, embora não tenham, ainda, dimensão do que significa empreender essa jornada, que deixa um rastro de miséria, lástima e morte por onde passa. Assim, no caminho, eles enfrentam todo tipo de desumanização ao tentar emigrar ilegalmente atravessando sinuosos ambientes urbanos e a amplidão interminável do deserto do Saara e do mar Mediterrâneo, o que impõe, reiteradamente, aos personagens um dilema labiríntico entre prosseguir, retroceder ou permanecer no mesmo lugar.

    O retrato da jornada dos jovens Seydou e Moussa feita pelo diretor Matteo Garrone é marcado estruturalmente pela dinâmica de um road movie. Principalmente no primeiro ato, inclusive, o roteiro parece se preocupar mais com o acúmulo de situações e cenários do que em conectá-los de maneira cadenciada. O tom adotado é predominantemente naturalista, mas flerta, também, com o realismo fantástico, em cenas impregnadas pela imaginação do protagonista Seydou e até por um tom espiritual, que canaliza a violência generalizada que testemunhamos e a transforma em matéria onírica. Esses são os momentos de maior vigor do filme, que ocorrem apenas esporadicamente, já que, de maneira geral, paira uma certa imposição na abordagem que a torna vaga. Isso fica evidente na montagem, que insiste em utilizar fades (fusões) na transição de, rigorosamente, todas as cenas do primeiro ato, de modo que seu efeito visual e sensorial parece despropositado, meramente caprichoso, um vício de linguagem.

    A alternância de cenas contrastantes nesse início é visível: danças repletas de leveza e cenas dos adolescentes trabalhando como pedreiros; Seydou e Moussa compondo músicas e depois travando embates com os adultos ao redor, que tentam convencê-los a não prosseguir com a ideia da viagem. Ao final de cada momento, quando a fusão acontece e uma imagem transcorre em outra suavemente, a parcela de dureza desses acontecimentos parece se dissipar e enfraquecer outros momentos que soam mais apropriados para essa técnica de transição. Na visita dos meninos a um cemitério, quando dialogam com os mortos, por exemplo, a passagem lenta de um plano a outro imprime a tentativa dos personagens de transcender, de extrapolar a objetividade material da realidade, ou indica prostração e fadiga com as passagens temporais nas cenas do deserto e da estrada.

    No que diz respeito à narrativa, somos colocados ao lado de Seydou e Moussa de maneira a entrar em contato com a realidade brutal que o filme denuncia, mas tal denúncia jamais é maior que a humanidade dos personagens que a encarnam, já que Garrone enquadra, também, sua elaboração onírica, internalizada, a expressão de individualidade que afasta a possibilidade destes serem apenas rostos indistinguíveis na multidão. Apesar do filme mostrar que é essa a condição a qual estão submetidos, seu movimento é de não lhes sepultar, mas sim fazer coro com eles e com sua imaginação em meio ao caos.

    Novamente, entretanto, as implicações de tal abordagem são ambíguas. Por um lado, pode-se afirmar que, ao final, prevalece o elogio a um heroísmo individual ingênuo, encarnado no título e na cena final – “eu sou o capitão”, delineando um indivíduo capaz de superar a precariedade de seu meio pela simples força de sua vontade – mas, por outro lado, isso seria ignorar a dimensão coletiva de cada encontro que o protagonista tem. A sequência que melhor descreve essa corrente é a em que ele busca por Moussa em Trípoli: passando por diversas comunidades de senegaleses, a câmera se detém, sutilmente, diante do rosto de cada pessoa que indica a Seydou onde ele pode encontrar o primo. Mais uma vez, uma situação angustiante, que é registrada enquanto tal, mas de maneira a salientar individualidades em um ambiente de negação da existência social (literalmente, nesse caso, já que pessoas negras não são aceitas nos hospitais da capital da Líbia).

    Dois momentos que se destacam, ainda, pela sua grandiloquência, são as passagens pelo deserto e pelo mar, uma antítese e complemento da outra. No Saara, os imigrantes são praticamente largados à própria sorte para caminhar em direção à Líbia e, naturalmente, a caminhada torna-se dispersa, com algumas pessoas ficando para trás, exauridas. A dinâmica dessas cenas remete a um outro filme indicado ao Oscar de melhor filme internacional em 2024, Sociedade da Neve (2023, J. A. Bayona), no qual a brancura da neve ofusca o horizonte, intransponível pela cordilheira dos Andes. No caso de Io Capitano, o amarelo da areia é a cor que predomina e que confere languidez à presença humana, ao passo que o horizonte nunca parece mudar, representando o horizonte social imposto aos personagens. Ao final, já no Mediterrâneo, quando Seydou é designado para pilotar o barco ilegal que os levará à Itália, as pessoas se amontoam no espaço pequeno do convés e, ali apinhadas, isoladas pela imensidão do mar, logo iniciam um vozerio descontrolado, ao contrário do emudecimento do grupo do deserto, ambos marcas do sufocamento desumano que sofreram, ora silenciados, ora submetidos a uma espécie de Babel.

    Assim, concentração e dispersão sintetizam o movimento da narrativa, em sua ambígua oscilação entre a individualidade e a coletividade, colocando frente a frente humanidade, natureza e, novamente, humanidade, já que foi em decorrência da própria ação humana e da desigualdade socioeconômica que os personagens se colocaram diante de tamanhos riscos. Com isso, o filme entende e transmite a complexidade engendrada na simples decisão entre mover-se e não sair do lugar, mote primordial do dilema de Seydou, Moussa e de incontáveis outras pessoas que se lançaram a esse périplo movediço.

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  • Mateus Rameh

    https://oca.observatorio.uff.br/?p=5060

    (Contém spoilers)

    Land of Bad (Zona de Risco, 2024) é um filme de guerra que conta a história de Kinney (Liam Hemsworth), um oficial do exército estadunidense que, pela primeira vez, integra uma operação de resgate das forças armadas nas Filipinas, em busca de um agente da CIA feito refém. Logo a missão degringola e ele se vê isolado na selva sendo acompanhado, da base, pelo capitão Reaper (Russell Crowe), piloto de drone que se afeiçoa ao jovem e o guia na tentativa de retornar em segurança.

    Responsável por coordenar a ação do apoio aéreo no combate, Kinney desempenha a função de mediar, para o espectador, a complexidade do embate: inexperiente, ele pergunta, comenta e recebe explicações sobre detalhes do armamento e da operação que contextualizam as terminologias, as motivações e a dinâmica da operação para o espectador, a fim de torná-la compreensível e mais palatável. No entanto, o efeito colateral dessas explicações é não só a hipersimplificação dos dilemas morais em questão, mas também uma diluição da abordagem de direção, que se torna sensivelmente ambígua, chegando até mesmo ao contraditório.

    Em uma das primeiras interações do grupo de soldados, tem-se uma discussão sobre o uso da tecnologia na guerra. O soldado Bishop acha que o uso exagerado da tecnologia tira da guerra seu elemento humano, passional, ao passo que Kinney lhe contrapõe, dizendo que ela serve justamente para tornar o confronto menos mortífero e mais eficiente, amenizando sua brutalidade – ou seja, uma defesa da própria função desempenhada por ele. A tréplica de Bishop é de que esta é uma visão ingênua, carregada de teoria e de pouca prática, pois a morte ocorre de um jeito ou de outro, e a barbárie prevalece, sendo o descobrimento dessa realidade a síntese do arco de Kinney. Logo após esse diálogo, que evidencia a natureza crua e áspera da guerra, o primeiro grande showdown do filme acontece e, então, sua irreflexão estética transparece no uso da câmera lenta, quando o tiroteio começa. O mesmo personagem que profere aquelas palavras é agora filmado em câmera lenta, atirando com precisão no inimigo, de modo a ressaltar a plasticidade de seu ato. A execução do tiro e a evacuação da cápsula de bala ganham o ar estilizado de um espetáculo. O mesmo se aplica à maneira como os mísseis caem em magníficas explosões, cuja destruição – e poder de destruição – parece ser saboreada pelo filme. A intenção dramática e o virtuosismo da técnica dão lugar à sua percepção enquanto artifício vazio, contrário à dimensão atroz do conflito apregoada pelo discurso de Bishop minutos antes.

    Nesse sentido, a abordagem da ação parece oscilar entre nos condicionar à posição do protagonista e nos fornecer uma visualização total do espaço através da decupagem. Na verdade, uma coisa parece neutralizar o potencial da outra: uma vez que não estamos sempre identificados à posição de Kinney, não experimentamos seu sufoco na intensidade que ele experimenta, pois os planos logo nos alçam a visões aéreas dos inimigos e diluem o horror potencial contido em sua condição de isolamento, o que resulta em uma ação cujos momentos inspirados se esvaem rapidamente. Ao mesmo tempo, ao acompanhá-lo de perto com uma câmera na mão, o filme enfraquece a grandiosidade da ação, arquitetada pela multiplicidade de visões estilizadas no espaço, fornecidas pela montagem.

    Há quem possa dizer, contudo, que esta segunda abordagem diz respeito à contraparte narrativa de Kinney, o arredio capitão Reaper. Sentado na cabine de comando, lugar privilegiado de onde visualiza e maneja a operação através de drones, ele é a voz da experiência, os olhos que tudo veem, e a relação dos dois é o pilar mais sólido do filme. Sua obstinação se torna a do público, e a presença carismática de Russell Crowe o torna quase um coprotagonista, desvelando os fios emocionais de Kinney e afeiçoando-se a ele praticamente como a um filho (“tenho oito filhos e mais um a caminho”, ele diz, referindo-se à sua mulher grávida, mas numa frase perfeitamente aplicável ao jovem, que, por coincidência ou não, perdeu o pai pouco antes da missão). Sua função narrativa parece conferir esse sentido de família a alguns de seus colegas e, consequentemente, à instituição que representam, o exército americano, com direito a um discurso patriótico no final. Apesar de resultar em humor, essa sequência não deixa de passar por um sentimentalismo apressado pela montagem, já que a emoção sólida e genuína transmitida no rosto de Crowe logo dá lugar ao retorno triunfante dos soldados, que passa a ser intercalado com o discurso, uma escolha que revela pouca sensibilidade do diretor William Eubank ao próprio material, à entrega de seus atores e às dinâmicas que sua trama desenhou.

    Assim, a ideia de realismo quase documental, impressa nos letreiros iniciais de Zona de Risco – que explicam o conflito e nos dizem “há uma guerra acontecendo, apenas não sabemos” -, prefigura um tom que não condiz com a natureza espetaculosa de momentos cruciais do filme e da ação. O terrorista Saeed Hashimi, o antagonista máximo, discursa sobre as bombas sem rosto dos Estados Unidos e a ética que ele pratica em resposta a isso, dizendo que matar também o afeta e que, justamente por isso, prefere criar intimidade com quem executa, pois “resultados reais são criados cara a cara”. Tudo isso não é suficiente para, de fato, dar alguma personalidade aos terroristas filipinos, já que esse mesmo personagem decapita, de maneira sádica, uma mulher e quase faz o mesmo a uma criança, enquanto as explosões dos mísseis americanos são festejadas pela mise-en-scène quase como se atingissem um mal abstrato, ao invés de vidas humanas. Essa pretensa profundidade psicológica ou moral, desenhada por tais cenas, termina por parecer nada mais que um mero rascunho, ensaio de uma obra que de fato desdobre a complexidade inicial de suas próprias ideias.

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  • Mateus Rameh

    " O sonho é um caos. Não entendo sua linguagem, que embaralha qualquer exegese. Esforço-me por decifrá-lo, sem resultado. Mal sei do que penso saber. Paciência, meu mister não é interpretar a vida ao pé da letra. Ou descrever uma terra que não é a minha. Pronto, como dizem os portugueses.

    Termino constatando que a matéria onírica, ao avanço do ponteiro do minuto, esvanece e termina guardando na memória detalhes perecíveis".
    - Nélida Piñon no livro "Uma Furtiva Lágrima", capítulo A Urgência do Caos.

    " Fred: Gosto de recordar as coisas da minha maneira.
    Policial: O que quer dizer com isso?
    Fred: Do jeito que eu as recordo... Não necessariamente como aconteceram."

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